CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: Competência da Controladoria Geral da União para fiscalização das transferências federais aos muncípios[1] 

Ana Vanessa Vieira Fernandes[2]

Leonardo Valles Bento[3]

1 DESCRIÇÃO DO CASO

            A história perpassa em torno da Controladoria Geral da União (CGU) que, por meio do programa Sorteio Público de Município, fiscalizara a transferência, aos municípios, obrigatórias e voluntárias, dos recursos financeiros que dizem respeito às searas da saúde, educação e assistência social, concernente ao exercício financeiro de 2011.

            O município sorteado no estado do Maranhão fora Panaquatira que teve vistoriada para além das transferencias obrigatórias e voluntárias, as ações governamentais discriminadas desta forma:

 

Transferências Obrigatórias (constitucionais e legais):

Na área de educação:

1. Programa Nacional de Apoio à Alimentação Escolar - PNAE;

2. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério - FUNDEB;

3. Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar - PNATE.

Na área da Saúde:

1. Piso de Atenção Básica Variável - Programa Saúde da Família;

2. Piso de Atenção Básica Fixo - PAB Fixo

3. Farmácia Básica;

Na área de Assistência Social:

1. Programa Bolsa-Família;

2. Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI

3. Centro de Referência da Assistência Social;

Transferências Voluntárias:

1. Contrato de Repasse nº 12.345/2010 - Reforma da Praça Pública do Município;

2. Convênio nº 6789/2011 - Aquisição de veículo 0Km. com especificação para transporte escolar.

O ente municipal, por sua vez, ingressara com mandado de segurança com fulcro na inconstitucionalidade de tal fiscalização, posto que os recursos federais às áreas acima supracitadas, quando transferidos incorporam-se ao orçamento municipal, logo, recurso próprio do município, não incumbindo aos órgãos federais o controle, sob pena de ferir o princípio da autonomia federativa. Bem como, consoante os arts. 70 e 71 da Carta Magna, os municípios só devem prestar contas, de forma externa, ao Congresso Nacional, pelo Tribunal de Contas da União, de forma interna, aos órgãos de controle interno do próprio ente. Por conseguinte, é inconstitucional e ofende ao princípio da legalidade.

            Panaquatira ainda recusou-se a disponibilizar a documentação original, permitindo apenas o acesso local e fotocópia daquela. Com isso, a CGU ingressou com uma ação de busca e apreensão para levá-los, com a seguinte fundamentação: tal documentação referente aos recursos federais não pertence ao município, é uma afronta ao princípio da eficiência, já que a análise no próprio ente demandaria um gasto desnecessário, pois exige o pagamento de diária dos ficais por aproximadamente um mês e é inviável a reprodução reprográfica de todo o objeto da fiscalização.

            Mediante o exposto, abre-se o seguinte parêntese: A CGU tem competência para realizar fiscalização das transferências? Pode esta exigir a disponibilização em carga da documentação original?

Os protagonistas do presente caso são:

  • Controladoria Geral da União: órgão do Governo Federal responsável por assistir direta e imediatamente ao Presidente da República quanto aos assuntos que, no âmbito do Poder Executivo, sejam relativos à defesa do patrimônio público e ao incremento da transparência da gestão, por meio das atividades de controle interno, auditoria pública, correição, prevenção e combate à corrupção e ouvidoria. A CGU também deve exercer, como órgão central, a supervisão técnica dos órgãos que compõem o Sistema de Controle Interno e o Sistema de Correição e das unidades de ouvidoria do Poder Executivo Federal, prestando a orientação normativa necessária[4];
  • Panaquatira: município do Estado do Maranhão.

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO               

Primeiramente, faz-se necessário discernir os tipos de repasse das verbas por parte da União aos municípios, estima-se que sejam três: constitucionais, automáticas e voluntárias.

As transferências constitucionais são aquelas resultantes da repartição constitucional das receitas. Exemplo seria o Fundo de Participação dos Municípios-FPM, constituído de parcelas de tributos federais indicadas expressamente pela Constituição da República

As transferências automáticas são resultantes de previsão em lei ou ato administrativo (geralmente portarias dos Ministérios), destinadas a custear serviços públicos e programas, no mais das vezes da área social. São as transferências efetuadas na área da saúde, educação, assistência social etc; a sua efetivação independe da existência de convênio, ajuste, contrato ou outro instrumento de formalização, bastando que o município tenha se habilitado junto ao Ministério respectivo, mediante o preenchimento de certas condições. Em alguns casos, como na saúde, em que os recursos transitam entre os fundos legalmente previstos (nacional, estadual, municipal), tais transferências podem ser chamadas de fundo a fundo, sem que haja diferença essencial entre elas e as ditas automáticas.

As transferências voluntárias são feitas mediante convênio, com formalização do respectivo instrumento e incidem nas mais diversas áreas da atividade estatal.[5]

             Sendo objeto do presente estudo as transferências constitucionais e legais e as voluntárias.

Frente ao que fora dissertado têm-se dois posicionamentos a seguir: Considerar legítima ou não a fiscalização da Controladoria Geral da União sobre os recursos federais transferidos ao município de Panaquatira, assistido no Estado do Maranhão.

            Ao optar pelo desfecho de que a CGU tem competência para realizar a fiscalização, a decisão basear-se-á nos seguintes argumentos:

            A CGU tem por escopo “fiscalizar a implementação dos programas de governo e fazer auditorias sobre a gestão dos recursos públicos federais sob a responsabilidade de órgãos e entidades públicos e privados”[6], portanto, cabe sim a mesma realizar a fiscalização do repasse de verbas por parte da União aos municípios.

            Consoante a Súmula 208 do Superior Tribunal de Justiça, “Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal”.

            Quanto as transferências voluntárias que se concretizam por meio de convênios, a Instrução Normativa, da Secretaria de Tesouro Nacional, aqueles “exigem sempre prestação de contas perante o órgão federal concedente”[7].

            O Programa Bolsa-Família que também fora objeto da fiscalização comina aos municípios o condão de cadastrar as famílias que são abarcadas pelo aludido programa, que recebem a importância por meio da Caixa Econômica Federal. Por conseguinte, é constitucional a inspeção por parte da CGU.

            O art. 5º da Medida Provisória 2.178-36/01 incumbe a União a fiscalização do Programa Nacional de Alimentação Escolar-PNAE. Assim como, o art. 10 da lei 10.880/04, referente ao Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar-PNATE, impõe ao Ministério da Educação, do Fundo Nacional de Desenvolvimento e dos órgãos de órgãos do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal[8].

            Pela lei de nº 12.527/2011, relativa ao acesso à informação, abre espaço para que qualquer cidadão requeira informações dos administradores caso haja interesse público. E, essa informação deve ser dada imediatamente, caso não seja possível, prazo de vinte dias, prorrogáveis por mais dez. Sendo assim, abre-se precedente à fiscalização por parte da CGU, até mesmo em respeito ao princípio da publicidade.

            Por conseguinte, a fiscalização realizada pela Controladoria Geral da União é feita perante recursos de caráter eminente federal, sendo legal a realização das mesmas que, muitas vezes, diagnosticam a qualidade da execução dos serviços, a regular utilização dos recursos transferidos. Algo que em momento algum fere ao princípio da autonomia federativa.

Essa fiscalização tem o intuito de verificar se os recursos federais foram corretamente aplicados, depois de repassados a outros entes, sob pena, inclusive, de eventual responsabilidade solidária, no caso de omissão. Por isso, deve a CGU ter acesso aos documentos do município.[9]

            Tal ideia pode ser observada no julgado a seguir:

Recurso Ord. Em Mandado de Segurança 25.943 Distrito Federal

Relator: Min. Ricardo Lewandowski

Recte.(s): Antônio Carlos Vasconcelos Calmon

Adv.(a/s): Carlos Mário da Silva Velloso Filho e outros(a/s)

Recdo.(a/s): União

Adv.(a/s): Advogado-geral da União

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSOS PÚBLICOS FEDERAIS REPASSADOS AOS MUNICÍPIOS. FISCALIZAÇÃO PELA CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO – CGU. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.

I-              A Controladoria-Geral da União pode fiscalizar a aplicação de verbas federais onde quer que elas estejam sendo aplicadas, mesmo que em outro ente federado às quais foram destinadas.

II-            A fiscalização exercida pela CGU é interna, pois feita exclusivamente sobre verbas provenientes do orçamento do Executivo.[10]

           

 Entretanto, essa fiscalização não pode ser desmedida,

A investigação da CGU deve se limitar às verbas federais repassadas pela União aos municípios por meio de convênios, não alcançando os recursos de outras origens. Com isso, os prefeitos não podem ser obrigados a exibir documentos e comprovar gastos que estejam fora deste limite.[11]

A decisão que dita que a CGU não tem competência fundamenta-se nos argumentos abaixo:

            As verbas de transferência obrigatória, ou seja, as de ordem constitucional e legal, agregam-se ao orçamento municipal. Por conseguinte, se por ventura ocorrer desvio, é matéria de competência da Justiça Estadual, não sendo da alçada da CGU a fiscalização. Vale ressaltar que quando não há complementação por parte da União, não compete a CGU.[12]

            O que é corroborado pela Súmula 209 do STJ, “Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal”.

            A Constituição Federal pátria é clara em seus artigos 70 e 71,

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

[...]

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete [...].

                Sendo assim, evidencia-se a inconstitucionalidade do Sorteio Público de Municípios com o objetivo fiscalizatório, tendo tal envergadura o órgão legislativo de cada ente junto ao Tribunal de Contas da União. Portanto, “competência exclusiva do Tribunal de Contas da União (TCU) para esta fiscalização”[13], ferindo diretamente o princípio da legalidade.

 

 Referências

CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. Auditoria e fiscalização. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/AuditoriaeFiscalizacao/>. Acesso em: 09 out 2012.

 __________. STF reafirma competência da CGU para fiscalizar recursos federais repassadas aos municípios. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/imprensa/Noticias/2010/noticia14110.asp>. Acesso em: 09 out 2012.

 JUS BRASIL. Recurso Ord. Em Mandado de Segurança 25.943 Distrito Federal. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/filedown/dev5/files/JUS2/STF/IT/RMS_25943_DF_1308253481916.pdf>. Acesso em: 09 out 2012

 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Questões de competência relacionadas às fiscalizações da CGU nos municípios. Disponível em: <http://5ccr.pgr.mpf.gov.br/publicacoes/publicacoes-diversas/competencia.pdf>. Acesso em: 09 out 2012.

 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF decide que fiscalização da CGU deve se limitar às verbas federais repassadas aos municípios. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=166805>. Acesso em: 09 out 2012.



[1] Case apresentado à disciplina Direito Administrativo II, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluna do 8° período, do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Professor Mestre, orientador.

[4] CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. Auditoria e fiscalização. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/AuditoriaeFiscalizacao/>. Acesso em: 09 out 2012.

[5] MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Questões de competência relacionadas às fiscalizações da CGU diversas/competencia.pdf>. Acesso em: 09 out 2012.

[6] CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. Op. cit.

[7] MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, op. cit.

[8] Ibid.

[9] JUS BRASIL. Recurso Ord. Em Mandado de Segurança 25.943 Distrito Federal. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/filedown/dev5/files/JUS2/STF/IT/RMS_25943_DF_1308253481916.pdf>. Acesso em: 09 out 2012. p. 12.

[10] Ibid. p. 01

[11] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF decide que fiscalização da CGU deve se limitar às verbas federais repassadas aos municípios. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=166805>. Acesso em: 09 out 2012.

[12] MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, op. cit. p. 02.

[13] CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. STF reafirma competência da CGU para fiscalizar recursos federais repassadas aos municípios. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/imprensa/Noticias/2010/noticia14110.asp>. Acesso em: 09 out 2012.