1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo um estudo direcionado para a evolução da falência, um instituto do direito empresarial que tem como finalidade precípua a busca pela preservação da empresa e o mantimento do crédito do empresário falido, em um contexto geral do quadro histórico da humanidade. Orientado para como ela era vista e aplicada nos tempos antigos, começando na Roma Antiga, passando pela idade média, e a contemporaneidade, vendo a sua aplicação no Brasil, e a evolução histórica própria que a falência teve aqui, começando pelo período colonial, seguindo pelo Brasil império e o período da república, a edição do Decreto 7.661 de 1945, até a edição da lei 11.101/2005, sendo esta aplicada nos dias atuais e que teve como principal e mais conhecida mudança, a extinção da concordata e a criação da recuperação judicial.

De inicio, o que é e como se da a falência? Primeiro devemos entender que quando um devedor não arca com sua obrigação no cumprimento de um acordo de vontades, um contrato, ele gera ao credor o direito de executá-lo, e quando esta obrigação não é adimplida o patrimônio do devedor responde por suas dividas, mesmo que ele seja inferior a elas. Para alcançarmos esta forma patrimonialista de cobrança de dividas, a humanidade teve que passar por uma evolução histórica extensa e complexa, pois o que era vista na antiguidade era bem diferente do que é aplicado nos dias atuais.

Na antiguidade a falência tinha sua finalidade voltada para a satisfação do credor por meio do pagamento da dívida, mesmo que para o fim desta o pagamento se desse pelo próprio corpo do devedor, e não somente seu patrimônio, como ocorre nos dias atuais, por isso que em estudos sobre o tema sempre é possível ver que os estudiosos da historicidade do direito empresarial, viram que nos primórdios, a empresa era tida como um meio pelo qual se faziam contratos, e que estes eram feitos para serem cumpridos, independente de qual forma se daria, por isso a perspectiva contratualista da empresa.

Nos tempos antigos, até mesmo antes da Roma Antiga, o intuito de satisfação do crédito era visto de uma forma tão importante e única, que se cometiam atrocidades inimagináveis para dar fim a relação contratual, como na Índia, onde em passagens do Código de Manu, o devedor se tornava escravo do credor, podendo ate ser morto por este sem nenhuma sanção, pois o escravo era propriedade de seu dono, com isso este podia fazer o que quisesse com seu patrimônio. No Egito, além da escravidão e eterna servidão do devedor, quando este morria sem adimplir com o debito que tinha, o credor tinha o direito de penhorar seu cadáver, privando-o das honras fúnebres e para garantir que por meio desta coação, os parentes do falecido resgatariam seu corpo por meio do pagamento do que restasse da divida, é possível perceber que não existia o mínimo de humanização nestas relações entre os homens desta época, pois a coação física e moral que existia era sem limites.

A medida que o tempo foi passando foi-se percebendo que a coação física do devedor não satisfazia totalmente a dívida, pois as relações mercantis passaram a ser mais intensas e concorridas, sendo ai um princípio remoto de globalização do mundo e a capitalização das relações humanas, com a troca de mercadorias – escambo – e posteriormente a criação de moedas para servir de riqueza e troca com outras mercadoria, assim ao invés de se ter um homem como escravo ou matá-lo não serviria mais tanto como o aumento de patrimônio que ate os dias atuais é que todos buscam.

A idéia de falência nasceu do significado literal, na prática, da palavra “quebrar”, pois, na antiguidade o comerciante que não pagasse suas dívidas tinha sua banca de negociações quebrada pelos seus credores, como forma de pagamento, podendo inclusive estes chegar a extremos, de afetarem a integridade física do devedor como compensação.

2 CONSIDERAÇÕES GERAIS A CERCA DA FALÊNCIA

2.1 Origem da palavra Falência

A palavra falência origina-se do verbo latino fallere, que significa faltar, enganar.

Ensina-nos Rubens Requião (2000, p. 3):

[...] de expressão comum o verbo passou, tecnicamente, no meio jurídico a expressar a impossibilidade do devedor pagar suas dívidas, em consequência da falta de meios decorrentes de escasso e insuficiente patrimônio.

Na contramão deste conceito, por muitos anos no ordenamento jurídico brasileiro, no que tange a falência, predominou que o verbo quebrar, de inicio, provinha de Portugal. O próprio Digesto Comercial brasileiro de 1850 deu nome ao titulo da sua terceira parte, que tratava sobre falência, “Das Quebras”. Apenas no final do século XX que começou a utilização técnica do verbo falir ao invés de quebrar.

Já no Código Criminal de 1830, ao tratar da falência fraudulenta, utilizava a expressão italiana bancarrota. Esta expressão adveio de um costume italiano medieval onde os credores insatisfeitos com o não pagamento da dívida pelo comerciante devedor quebravam sua banca de comércio em praça pública.

Embora a modalidade da falência fraudulenta não tenha sido incorporada pelo ordenamento jurídico brasileiro, França e Itália ainda conservam este tipo penal ainda coma utilização da expressão bancarrota. Já os norte americanos e ingleses utilizam a expressão branckruptery, derivada da utilizada pelos franceses e italianos, para definir toda e qualquer modalidade de falência.

Após todas estas considerações, não se pode esquecer da grande mudança do pilar principal da falência com a o passar do tempo e a evolução sofrida por ela, que passou de um instituto que visa a simples satisfação do credor passando a visar a preservação da empresa, ou seja, deixou de ser meramente contratualista e passou a ser mais institucionalista, visando a manutenção da atividade empresaria.

2.2 Conceitos de Falência

O instituto da falência possui duas vertentes para realização do estudo de seu conceito, uma quanto ao seu cunho econômico e outra quando a sua vertente jurídica. Quanto a este ultima, a doutrina o subdivide em dois subconceitos, no segmento do direito processual e do direito material, a depender da ótica seguida.

Para Rocco apud J. C. Sampaio Lacerda (1999, p. 28), em sua vertente econômica, a falência é tida como um estado patrimonial. Preceitua o referido autor:

[...] a condição daquele que, havendo recebido uma prestação a crédito, não tenha à disposição para executar a contraprestação, um valor suficiente, realizável no momento da contraprestação. A falência é, por isso, um estado de desequilíbrio entre os valores realizáveis e as prestações exigidas.

Na ótica jurídica, no prisma processualista. J. C, Sampaio Lacerda (1999, p. 28) afirma ainda que:

[...] a falência se caracteriza como um processo de execução coletiva, decretado judicialmente, dos bens do devedor comerciante ao qual concorrem todos os credores para o fim de arrecadar o patrimônio disponível, verificar os créditos, liquidar o ativo, saldar o passivo, em rateio, observadas as preferências legais.

No seu cunho processual, a falência é conceituada por Rubens Sant’Ana (1986, p. 26):

[...] processo de execução coletiva instaurado contra o devedor comerciante que não teve condições de satisfazer, no vencimento, obrigação líquida e certa.

Com uma conceituação mais genérica a cerca da falência, Miranda Valverde apud Rubens Requião (2000, p. 6) a define como:

[...] complexo de regras jurídicas, técnicas ou construtivas, que definem e regulam uma situação especial, de ordem econômica, a falência.

[...] a solução jurídica do devedor-comerciante que não paga no vencimento obrigação liquida.

Com um conceito bem próprio, Fázzio Júnior (2005, p. 23) diz que o conceito de falência não deve se limitar a uma natureza meramente materialista ou processualista, por tratar-se de um instituto mais complexo, assim escreve;

A conciliação dos dois extremos aproxima-se mais da realidade jurídica da falência, porque a conjuntura patrimonial anômala do empresário só se transforma nesse estado em virtude de um provimento jurídico, que assoma no mundo jurídico por meio de um processo. [...] a falência é um estado jurídico instaurado por um provimento jurisdiciona. Para solucionar as relações oriundas da insolvência do agente econômico, tendo em vista o tratamento equitativo de sues créditos.

Ao explanar todos estes conceitos e nos deleitarmos no conhecimento de renomados autores, podemos concluir que a falência é um processo de execução coletiva formulado contra o devedor comerciante insolvente, onde seus bens serão arrecadados para realização de uma venda judicial forçada, distribuindo o ativo entre os credores, guardadas as devidas proporções devidas a cada um, que forem habilitados nos autos do processo falimentar.

3 No direito romano

O conhecimento mais remoto acerca do instituto da falência nos reporta aos primórdios do Direito Romano, o Direito Quiritário, existente desde a fundação de Roma até a codificada da Lei das XII Tábuas, um direito lendário, consuetudinário e exclusivo dos cidadãos.

Neste período a garantia do cumprimento da obrigação era dada pelo devedor ao credor com a promessa de pagamento por meio do trabalho escravo do devedor e em extremos a garantia de que o não cumprimento da obrigação devida poderia dar ensejo ao direito do credor de mutilar, ou mesmo matar, o devedor.

O contrato que tinha como finalidade a coação física do devedor batizado denexum, admitia a addicere que era a adjudicação do devedor insolvente que dali serviria, em regime de escravidão, o credor por um lapso de sessenta dias até que fosse solvido débito existente, passado este prazo, sem que o devedor pagasse o que devia ou não aparecesse ninguém para fazê-lo, o credor adquiria o direito de vendê-lo como escravo, matá-lo, e caso existisse mais de um credor, o corpo era dividido em partes correspondentes ao número de credores.

Passado o tempo, advieram evoluções na sociedade, o surgimento do papel-moeda, a valorização maior que começou a se dar ao acumulo de riquezas, todas as atrocidades cometidas contra o devedor passaram a ser vistas como insuficientes para a satisfação real do credor, chegou-se ao consenso de que a responsabilidade pelas dívidas que recaia sobre a pessoa do devedor não tinha fundamento, pois o devedor era escravizado ou morto e a dívida permanecia, dai então, passou-se a adotar a coerção patrimonial do devedor, ou seja, a responsabilidade pelo pagamento das dívidas começou a afetar o patrimônio do devedor.

Com a promulgação da Lex Poetelia Papiria, em 428 a.C., o instituto da falência passou por um processo de humanização evidente, com a introdução, no Direito Romano, da execução patrimonial, dando fim a coerção pessoal do devedor, determinando, a proibição do encarceramento, a venda como escravo e a morte do devedor.

Com a vigência da Lex Aebutia em 643 a.C., lei promulgada pelo pretor (que no período romano equivalia ao juiz atual) Rutilio Rufo, houve o surgimento da bonorum venditio, que previa a retirada do devedor insolvente da posse dos seus bens. Nesta sistemática, ocorreu o surgimento da pessoal do curador (curator bonorum), sendo ele nomeado pelo magistrado (pretor), e responsável pela administração do patrimônio do devedor, bem como pela publicidade ao ato de desempossamento do devedor para que os demais credores, no prazo de 30 dias, concorressem aos bens. Caso o prazo passasse e o devedor não efetuasse o pagamento da dívida, o curador, em uma espécie de leilão, alienava todo o patrimônio do devedor para quem desse a melhor oferta, então o adquirente ficava responsável pelo pagamento da dívida aos credores na proporção do que era devido a cada um.

A bonorum venditio acarretava a infâmia, que significava a morte ficta do devedor. O devedor tinha uma ferramenta na qual ele poderia livrar-se da sanção imposta pela falência, optando pela cessio bonorum, instituída pela Lex Julia em 737 a.C. através deste instituto, o devedor, sem culpa, realizava a transferência dos seus bens ao credor, e este poderia vendê-los, por meio de um curador, que pagaria os demais credores, na sua proporção, ficando, parte do produto da venda, destinada a sobrevivência do executado. Através do procedimento romano da cessio bonorum, começou a forma primitiva da concordata preventiva, instituto integrante da falência que surgiu, posteriormente, nos tempos medievais.