O combate sistemático à morosidade da justiça é uma das preocupações mais acentuadas e também um dos objetivos mais delineados nas contínuas reformas efetuadas na legislação infraconstitucional e na Constituição Federal.[1]

Atualmente, verifica-se que à garantia constitucional de acesso à justiça está estritamente vinculada com a prestação jurisdicional rápida e hábil. Processos repetitivos acumulados nas Cortes Superiores trazem ao escopo social a percepção de que a tutela jurisdicional aplicada não atende aos anseios da sociedade moderna, de modo que, efetividade e celeridade processual devem buscar a concretização do direito material pela atuação afirmativa da tutela jurisdicional.

É nesse contexto que a questão procedimental do instituto do julgamento uniforme funciona como uma solução paliativa a morosidade jurisdicional, buscando conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o princípio constitucional da devida fundamentação das decisões ou cercear o exercício da livre convicção dos magistrados dos Tribunais de Justiça locais e regionais.

A doutrina e jurisprudência Pátria vêm abordando de maneira efetiva a matéria relacionada ao procedimento para o julgamento de recursos especiais repetitivos, principalmente após a Resolução n. 8 do STJ, de 7 de agosto de 2008, que alterou o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça no que tange aos procedimentos relativos ao processamento e julgamento de recursos especiais repetitivos.[2]

A compreensão e o funcionamento desse mecanismo de filtragem recursal são de interesse do todos os profissionais do Direito, pela sua relação próxima com o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

Daí por que as críticas e elogios às alterações fecundam o tema e tornam evidente a importância e atualidade do instituto no direito constitucional e processual.  

Discute-se no mundo jurídico a capacidade desse mecanismo processual de compatibilizar a necessidade de eliminação de demandas recorrentes e idênticas com a garantia de oportunidade de renovação e evolução da jurisprudência em prol da modernização da produção jurisdicional.

Nessa linha de raciocínio, a hermenêutica se constitui na matriz teórica mais apta para analisar o complexo fenômeno da garantia constitucional à razoável duração do processo, principalmente no que concerne à inserção de instrumentos de filtragem a impedir a transformação das Cortes Superiores em terceira instância.[3]

Soma-se a este fato, a constitucionalização do processo, estando essa celeridade recursal inserida na visão de sistema jurídico de normas e valores com caráter de unidade em vista da Constituição Federal.

A inserção do julgamento uniforme de recursos repetitivos na efetividade do Processo, atuando como pressuposto de uma atividade jurisdicional que transcende interesses subjetivos, coaduna com o papel constitucional destinado ao Superior Tribunal de Justiça, qual seja, a uniformidade da jurisprudência no âmbito nacional.

O estudo do instituto do julgamento uniforme de recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça deve ser direcionado para o sentido de univocidade da norma jurídica como condição a tornar possível o controle judicial uniforme, independentemente das peculiaridades de cada caso concreto.

Nessa linha de raciocínio, José Henrique Mouta Araújo afirma ser razoável defender que o precedente apreciado pelo STJ no caso piloto deva possuir vinculação vertical (no âmbito dos Tribunais Locais) e horizontal (dentro do próprio STJ)[4], desestimulando a divergência jurisprudencial e consagrando o sentido de univocidade da norma jurídica.

Em interpretação doutrinária oposta, o jurista Samir José Caetano Martins preleciona que:

Embora uma relação direta entre demanda de massa e tutela jurisdicional de massa pareça ser o equacionamento mais lógico da questão, é preciso considerar como um dos elementos desta equação a dignidade da pessoa humana, que se reflete no direito do cidadão a “his day in the Court”.[5]

Nessa esteira de raciocínio, conclui o jurista: “O ideal seria o tratamento personalizado de cada processo pelo juiz, com o tratamento não só da questão jurídica posta em debate, mas também, do drama humano subjacente a cada litígio”.[6]

Oportuno registrar o entendimento do filósofo americano Thomas Kuhn, que definiu como “paradigma da cegueira” o processo pelo qual análises consolidadas impedem que se enxerguem, com nitidez, situações novas.[7]

Esta análise torna-se oportuna quando partimos da premissa de que as transformações sociais, políticas e econômicas do mundo globalizado obrigam que decisões sociais tenham, muitas vezes, eficácia efêmera.[8]

O doutrinador Humberto Theodoro Júnior, por sua vez, entende que:

O fim da reforma promovida pela Lei n. 11.672/2008 é de economia processual. Busca-se evitar a enorme sucessão de decisões de questões iguais, com grande perda de energia e gastos, num tribunal notoriamente assoberbado por uma sempre crescente pletora de recursos.[9]

Acrescenta, ainda, que:

A inovação procedimental, sem dúvida, representa um esforço da redução da demora que aflige a prestação jurisdicional no Brasil, em sintonia com a garantia constitucional de “duração razoável” do processo e de observância de meios que “garantam a celeridade de sua tramitação” (Cf, art. 5º, LXXVIII)”.[10]

Conclui-se que, embora ainda haja divergência doutrinária quanto à temática, o instituto do recurso especial repetitivo representou uma eficiente solução na prestação jurisdicional de qualidade apta a garantir a celeridade da tramitação dos processos no Superior Tribunal de Justiça.

 

[1] A demora na prestação da tutela jurisdicional pelo Poder Judiciário é problema universal, que aflige inclusive sistemas judiciários dos países mais desenvolvidos economicamente.

[2] BRASIL. Diário da Justiça do Superior Tribunal de Justiça, 7 de agosto de 2008. Disponível em: http://www.stj.gov.br.

[3] SILVA, Ovídio A. Baptista da. “Questão de Fato” em Recurso Extraordinário. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, v. 13, p. 79-97, 2006.

[4] ARAÚJO, José Henrique Mouta. O Julgamento de Recursos Especiais por Amostragem: Notas sobre o art. 543-C do CPC. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 65, 2008, p. 60.

[5] MARTINS, 2008, p. 116.

[6] Idem, ibidem.

[7] KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. 7 ed. Tradução de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2003.

[8] SILVA, 2006.

[9] THEODORO JÚNIOR, Humberto. O Novo artigo 543-C do Código de Processo Civil. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, São Paulo, n. 53, 2008, p. 59.

[10] THEODORO JÚNIOR, 2008, p. 59.