CONSEQUÊNCIA MATERIAL DA RELATIVIZAÇÃO DA IMPENHORABILIDADE SOBRE O IMÓVEL RESIDENCIAL DE FAMÍLIA.[1].

 

 

Joaquim Azambuja e Rômulo Augusto Gaspar de Moraes[2]

Christian Barros[3]

 

Sumário: Introdução; 1. Penhora; 1.1. Natureza jurídica e finalidade da penhora; 1.2. Efeitos da penhora; 2. Princípios correlatos à penhora; 2.1. Princípio do exato adimplemento; 2.2. Princípio da menor onerosidade; 2.3.  Princípios da utilidade; 2.4. Princípio da responsabilidade patrimonial; 2.5. Princípio da adequação; 3. Fraude contra credores e Fraude à execução; 4. Impenhorabilidade; 4.1. Impenhorabilidade do bem de família; 4.2. Materialização da penhora segundo o art. 4º da lei 8.009/90; Conclusão.

RESUMO

O seguinte estudo tem o escopo de tratar acerca da consequência material da relativização da impenhorabilidade do imóvel residencial de família, segundo a lei 8.009/90. Para isso, busca-se analisar o instituto da penhora frente ao ordenamento jurídico brasileiro, identificar os bens penhoráveis e impenhoráveis em consonância ao que dispõe o CPC, e por último, entender as razões que ensejaram na formulação do artigo 4º da lei 8.009/90, quando tratou da impenhorabilidade do bem de família e sua consequência material.

PALAVRAS-CHAVE

Penhora. Bens penhoráveis e impenhoráveis. Bem de família. Impenhorabilidade.

 

INTRODUÇÃO

O indivíduo, ao assumir determinada dívida, toma para si a responsabilidade de, uma vez não cumprida a obrigação, ter seu patrimônio sujeito à atuação estatal, vez que o credor, com base em um crédito, busca a tutela do Estado que, por intermédio de mecanismos executivos, individualiza bens do devedor proporcionais ao valor devido, em busca da satisfação da obrigação. É a chamada responsabilidade patrimonial que o devedor assume para que seja compelido a cumprir com suas obrigações (art. 591, CPC).

Um dos atos executivos realizados pelo Estado é justamente a penhora, que consiste na “identificação do bem do patrimônio do executado que se sujeitará à expropriação” (RODRIGUEZ; 2009, p. 338), e que, consequentemente, subsidiará a quitação da obrigação devida. Isto é, serão analisados os bens do devedor, observando quais são os passíveis de desapropriação de modo a garantir, ao mesmo tempo, o exato adimplemento do crédito devido e a menor onerosidade do devedor. Afinal, deve-se expropriar somente o necessário, mas também garantindo o total adimplemento da dívida.

Com isso, o que se observa, em regra, é que todos os bens do devedor podem ser penhorados (art. 591, CPC). Em exceção a esta regra, existem aqueles bens que não são passíveis deste instituto, pois visam resguardar a “dignidade da pessoa humana”, como bem prevê o art. 649 do CPC.

Para subsidiar os bens de família, o legislador criou a lei 8.009/90. Tal norma tem o propósito de acalentar aqueles bens que garantem o mínimo de dignidade ao devedor e sua família. Todavia, em seu art. 4º, acabou relativizando estes bens que, a priori, seriam impenhoráveis, e, consequentemente, determinou os resultados práticos para a realização de tal penhora.

Portanto, como o proposto trabalho visa analisar a materialização da penhora devido à relativização do bem imóvel de família frente à disposição expressa do art. 4º da lei acima disposta, a análise terá como base, o imóvel adquirido, de má fé, posterior a um inadimplemento do devedor.

1. PENHORA

1.1. Natureza jurídica e finalidade da penhora

Em relação à natureza jurídica da penhora, observa-se que a doutrina diverge. Inclusive, segundo Theodoro Junior (2011), na doutrina brasileira existem três correntes que tratam acerca da natureza jurídica da penhora. A partir delas observa-se que a penhora é: ato unicamente executivo; medida cautelar; com natureza dúplice, se trata de ato executivo com efeitos conservatórios.

O entendimento do presente trabalho concorda com o posicionamento que afirma que a penhora é um instrumento simplesmente executivo, pois se trata de um ato processual, cuja função primordial é a fixação da responsabilidade executória acerca dos bens por ela englobados.

Inclusive, segundo Câmara (2008, p. 306):

A penhora é, como se verifica pela definição apresentada, ato executivo, através do qual se apreendem bens do executado, implementando-se, assim, a sujeição patrimonial que se tornou possível em razão da responsabilidade patrimonial. Este ato de apreensão judicial de bens é dos mais importantes no procedimento da execução por quantia certa contra devedor solvente, uma vez que é a partir dele que será possível a realização dos atos tendentes à expropriação de bens, com a sua conversão em dinheiro e, afinal, com a satisfação do crédito exequendo.

            Neste mesmo entendimento, Theodoro Junior (2011, p. 274) afirma que a natureza jurídica da penhora só pode ser de ato simplesmente executivo:

[...] o entendimento dominante na melhor e mais atualizada doutrina é o de que a penhora é simplesmente um ato executivo (ato do processo de execução), cuja finalidade é a inviduação e preservação dos bens a serem submetidos ao processo de execução, como ensina Carnelutti. Trata-se, em suma, do meio de que se vale o Estado para fixar a responsabilidade executiva sobre determinados bens do devedor.

1.2. Efeitos da penhora;

Ultrapassada a discussão acerca da natureza jurídica da penhora, é de fundamental importância o entendimento acerca dos efeitos da penhora, tendo em vista que esta pode influir tanto no aspecto processual, quanto no aspecto material.

É o que discorre Câmara (2008, p.267):

“A penhora produz efeitos de duas ordens: processuais e materiais, que passamos a analisar. Diga-se, desde logo, porém, que são efeitos processuais da penhora: garantir o juízo; individualizar os bens que suportarão a atividade executiva; gerar para o exequente o direito de preferência. De outro lado, são efeitos materiais da penhora: retirar do executado a posse direta do bem penhorado; tornar ineficazes os atos de alienação ou oneração do bem apreendido judicialmente. (Grifo nosso)

Com isso, percebe-se que materialmente o instituto da penhora pode subsidiar um resgate dos bens do devedor que já não estavam mais em seu poder, porém, na situação em abstrato, deveriam estar. 

2. PRINCÍPIOS CORRELATOS À PENHORA;

Com o propósito de alcançar um melhor entendimento acerca das razões que levaram o legislador a garantir a eficácia da penhora, quando o executado, por má fé, a frustrou, é mister uma análise sobre  os princípios norteadores no processo executivo, que subsidiam o instituto em comento, visto o quão são importantes na busca da melhor interpretação dos dispositivos legais, para que se chegue a solução mais acertada, assim dispõe Medina (2004, p. 54), quando diz que “os princípios seriam guias utilizados pelo operador jurídico para atuar, porquanto serviriam não só para ajudar o intérprete  na formulação da solução correta a ser aplicada a um determinado caso, como serviriam para integrar lacunas”. A função destes tem previsão expressa tanto na LINDB quanto no CPC, a primeira pode ser observada em seu art. 4º e o CPC no seu art. 126.

Decreto-Lei 4.657/42 (LINDB)

Art. 4o  Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. (Grifo nosso)

CPC

Art. 126 - O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. (Grifo nosso)

Ainda sobre os princípios, Araken de Assis (2010, p. 105), destaca que em quaisquer sistemas legislativos, inclusive o processual, encontrar-se-ão linhas gerais, que animam e inspiram as notas características dos ritos e institutos nele recepcionados.

Assim, os princípios servem como meio de orientação para se alcançar a um fim maior, o qual se apresenta por meio do resultado do desenvolvimento do procedimento executório e seus reflexos no seu meio de atuação. Cabe também lembrar que a função dos princípios vai além do mero preenchimento de lacunas e desarticulação de duvidas apresentadas pelos textos legislativos, pois estes possuem utilidade de acordo com cada caso concreto e conforme o bem que se almeja proteger.

 

2.1. Princípio do exato adimplemento

Este princípio faz com que o Estado busque a satisfação da dívida no limite do valor devido ao credor pelo devedor. Desta forma, observa-se que materialmente este princípio faz a execução alcançar o patrimônio do executado até o limite da dívida contraída.

Inclusive, percebe-se no art. 659 do CPC que: “A penhora deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios”.

Portanto, logo que se evidenciar o alcance do valor devido ao credor, não se poderá mais penhorar bem que seja, tendo em vista que não existe mais direito deste em relação ao não mais devedor.

           

 

2.2. Princípio da menor onerosidade;

 

Este princípio visa fornecer uma garantia ao executado de que para o adimplemento total de sua dívida, serão utilizados meios que o desonerem minimamente. Como suporte à este princípio, observa-se o enunciado do art. 620, CPC: “quando por vários meio o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso ao devedor”.

Acerca desse principio Cassio Scarpinella Bueno (2010, P. 56), defende que:

O chamado “princípio da menor gravosidade ao executado”, por sua vez, é expresso no art. 620:havendo alternativas à prestação da tutela jurisdicional executiva, aí compreendidas as atividades que a veiculam, o modo menos gravoso, isto é, menos oneroso, ao executado, aquela que sofre a tutela executiva, deve ser eleito. Trata-se de diretriz que, em última análise, deriva do princípio da ampla defesa, de estatura constitucional.

Logo, fica claro que a execução deve ser processada de forma menos gravosa ao devedor, se assim existir outros meios que sejam capazes de satisfazer a obrigação. Este princípio demonstra a preocupação do legislado em proteger o patrimônio do devedor, ao beneficia-lo de variadas formas de adimplir a obrigação, e ao mesmo tempo garante ao credor oportunidade de executar seu crédito.

2.3.  Princípios da utilidade;

Levando em consideração que o processo executivo visa o adimplemento de uma dívida, ou seja, trazer um benefício pecuniário ao exequente, observa-se que caso valor a ser alcançado seja inferior às custas processuais, não será interessante sua propositura. Nesse sentido Humberto Theodoro Junior (2011, p. 127), lembra que “esse principio se expressa através da afirmação de que ‘a execução deve ser útil ao credor’, e, por isso, não se permite sua transformação em instrumento de simples castigo ou sacrifício do devedor”.

Dessa forma, mencionado autor, destaca ainda que seria intolerável usar o processo executivo apenas para causar prejuízos ao devedor, sem qualquer vantagem para o credor, como bem entendeTheodoro Junior (2011, p. 127). Isso vem explicar porque não se levará a efeito de penhora, quando evidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução (art. 659, § 2º).

 

 

2.4. Princípio da responsabilidade patrimonial;

Segundo este princípio somente o patrimônio do executado pode ser objeto da atividade do Estado, não passando determinada responsabilidade a pessoa física. Neste sentido dispõem os artigos 591 e 646, do CPC, “in verbis”:

Art. 591 - O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.

Art. 646 - A execução por quantia certa tem por objeto expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor (Art. 591).

Theodoro Junior (2011) lembra que ao se afirmar que toda execução é real, em verdade, isso implica que no direito processual civil atual, a atividade executiva incidirá direta e exclusivamente sobre o patrimônio, afastando-a da pessoa do devedor. No entanto ressalta Didier que este entendimento nem sempre foi pacifico:

A humanização do direito trouxe consigo este princípio, que determina que só o patrimônio e, não, a pessoa submete-se a execução. Toda execução é real. A humanização do Direito ainda fez com que, mesmo o patrimônio do devedor, alguns bens não se submetam à execução, compondo o chamado beneficiumcompetentiae (...) (DIDIER JUNIOR, 2010, p. 52).

            Neste passo, percebe-se que, buscando a humanização do Direito,foi remetido à sociedade o desenvolvimento deste princípio, que remonta desde os tempos da Antiguidade, no qual os “pecadores” respondiam com a carne pelos seus “pecados”.

2.5. Princípio da adequação;

O princípio da adequação reflete na correlação que deve existir entre os meios executórios e os bens almejados pelo exequente, ou seja, “o conjunto de atos, amiúde designado de ‘espécie’ de execução, se harmoniza com o objeto da prestação. De regra, o meio executório predisposto se mostrará idôneo a atuar compulsoriamente o direito reclamado”. (ASSIS, 2010, p. 117)

Araken de Assis (2010) ainda discorre que a adequação se distribui em três níveis, quais sejam: subjetivo, objetivo e teleológico. Ressalta o autor, que o processo de execução obedece a todos os níveis.

Desta maneira, entende-se que para ser satisfeita a obrigação além da pretensão executiva e do título, precisa também que os bens do devedor possam ser alcançados, e por fim que o meio executório seja legítimo.

3. FRAUDE CONTRA CREDORES E FRAUDE À EXECUÇÃO

            Com o propósito de gerar um melhor entendimento acerca do objeto do assunto ora tratado, é essencial que se faça uma abordagem sobre a configuração da fraude contra credores e fraude à execução.

            No art. 158 do Código Civil brasileiro (CC), quando trata da fraude contra credores, se observa a seguinte redação: “Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.”

            Discorrendo sobre este dispositivo, observa-se, segundo a doutrina de Gomes (2000, p. 430-431), a fraude contra credores consiste em:

[...] propósito de prejudicar terceiros, particularizando-se em relação aos credores. Mas não se exige o animus nocendi, bastando que a pessoa tenha a consciência de que, praticando o ato, está prejudicando seus credores. É, em suma, a diminuição maliciosa do patrimônio. O ato fraudulento é suscetível de revogação pela ação pauliana.

Portanto, o que se percebe na fraude contra credores, é que existe uma intenção de prejudicar o direito do credor, subtraindo-lhe o direito de buscar, no patrimônio do devedor, a garantia de satisfação de seu crédito. Também se verifica que existem dois requisitos para a configuração da fraude em comento, são elas: Má fé e intenção de impor prejuízos ao credor.

Já em relação à fraude à execução, Moacyr Amaral dos Santos (2000) diz que é uma modalidade de alienação fraudulenta similar à fraude contra credores. Em condição de concordância ao autor supracitado, Theodoro Junior (2002, p. 101) dispõe que:

a) a fraude contra credores pressupõe sempre um devedor em estado de insolvência e ocorre antes que os credores tenham ingressado em juízo para cobrar seus créditos; é causa de anulação do ato de disposição praticado pelo devedor;

b) a fraude de execução não depende, necessariamente, do estado de insolvência do devedor e só ocorre no curso de ação judicial contra o alienante; é causa de ineficácia da alienação.

           

Conclui-se, com isso, que em ambos os casos, existem alienações à bens passíveis de penhora, que, consequentemente, acabam prejudicando o direito do credor em ter seu crédito adimplido.

A diferença básica entre a fraude contra credores e a fraude à execução é que naquela a o ato fraudulento ocorre antes da formação processual, enquanto que nesta a conduta revestida de má fé é gerada dentro de um processo já formado.

 

4. IMPENHORABILIDADE

            Como foi visto anteriormente, os bens do devedor respondem por suas dívidas, contudo, a legislação pátria, garantindo direitos mínimos ao devedor, definiu aqueles bens que não são alvos do instituto em comento. Isto porque, caso contrário não será respeitado o princípio da dignidade humana, preconizado pela Carta Cidadã. Neste passo, verifica-se nos artigos 648 e 649 do CPC a vontade do legislador em garantir tal direito, pois aborda os bens que são considerados impenhoráveis.

            Dentre eles, figura o bem de família, no qual apesar do CPC tratar genericamente, existe a lei 8.099/90, que aborda de maneira satisfatória sobre os objetos familiares que são considerados “intocáveis”.

4.1. Impenhorabilidade do bem imóvel de família.

A Lei 8.009/1990 surgiu como forma de garantir a impenhorabilidade do imóvel que é utilizado por uma família ou entidade familiar como bem único, em que estabelecem residência permanente. Mas deve-se atentar para o fato de que uma mesma família possa ter vários imóveis utilizados como moradia permanente, como é o caso de famílias que trabalham em outros locais, só retornando ao lar durante alguns dias.

Enfim, protege-se o bem de moradia como meio de resguardar os direitos fundamentais propostos pela Constituição Federal/88, sobretudo a dignidade da pessoa humana e a tutela da moradia, devendo-se considerar que o conceito de família nos dias de hoje abrange muito mais que um grupo de pessoas, mas as instituições monoparentais, anaparentais, união estável, união homoafetiva, ou seja, qualquer grupo que tenha em si o sentimento de família e conviva em união dentro de um mesmo imóvel.

Com isso, vê-se que não é só o imóvel considerado impenhorável, “mas também os móveis que o guarnecem, excluídos apenas os veículos, as obras de arte e os adornos suntuosos” (CÂMARA; 2008, p.280). Como toda regra possui exceções, deve-se interpretar a disposição da impenhorabilidade de forma relativa, afinal, só devem ser impenhoráveis aqueles bens que são estritamente indispensáveis à subsistência da família, conforme estabelece o artigo 649, II, do CPC.

Por fim, deve-se lembrar que existem aqueles casos em que a entidade familiar possuir mais de um imóvel com características de bem de moradia, no qual estabelecem residência fixa.Nestes casos, só não se efetuará a penhora daquele de menor valor, justamente pelo fato de a impenhorabilidade deste tipo de bem ter por objetivo precípuo garantir o mínimo de subsistência.

4.2. Materialização da penhora segundo o art. 4º da lei 8.009/90

Preliminarmente, far-se-á mister uma análise acerca da redação do artigo 4º da lei 8.009/90, e somente após desta, que se evidenciará as nuances ali contidas.

Não se beneficiará do disposto nesta Lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga. I – Neste caso poderá o juiz, na respectiva ação do credor, transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda, liberando a mais valiosa para a execução ou concurso, conforme a hipótese.

Observa-se, portanto, que o mecanismo legal supramencionado afirma que para a prevalência da exceção da penhora, o devedor deve agir de má fé. Fato que acaba remetendo este agente às condutas de fraude à execução ou fraude contra credores.

Neste passo, pode-se constatar que para não adimplir a dívida contraída, o devedor ou executado acaba se remetendo a uma condição de insolvente, trazendo, desta forma, um prejuízo ao credor.

Porém, como o objeto deste tópico busca o resultado material de tal conduta, deve-se analisar duas situações distintas: I - O devedor de má fé comprou uma casa de maior valor em relação a sua antiga e a remeteu na condição de imóvel de família impenhorável, sem se desfazer da outra de menor valor; II - O devedor de má fé comprou uma casa de maior valor e vendeu a casa de menor valor, ficando deste modo com apenas uma casa.

Constata-se no primeiro caso, que o seu desfecho poderá vir de acordo com o parágrafo único do art. 5º da mesma lei, que aduz:

Art. 5º... §U – na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para este fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil.

Ou seja, caso não seja observada a má fé do devedor ao adquirir a nova residência, o credor será prejudicado devido ao estado de insolvência daquele, já que terá apenas uma casa de menor valor para ser penhorada (caso esta casa não seja suficiente para adimplir a dívida).

Já em relação a segunda hipótese, o devedor se remete a uma condição de insolvência maior do que na primeira, prejudicando em maior grau o credor, pois tendo em vista que o Estado só observará apenas um bem de família, não poderá a penhora recair sobre este.

Observa-se, portanto, que para não recair nestes desfechos, deverá, segundo prevê o art. 4º da lei 8.009/90, o juiz comprovar a má fé do adquirente da nova residência. Sem essa comprovação, o credor ficará a mercê de um resultado que possa lhe prejudicar integralmente. 

 

CONCLUSÃO

A partir do exposto pode ser observado tanto no CPC, quanto na Legislação Especial nº 8.009/90, que existem características limitadoras no que concerne à ação executiva do Estado, as quais visam a proteção da moradia do devedor e de sua família da penhora com o objetivo de manter condições mínimas de subsistência, isto porque em obediência aos princípios inerentes ao processo de execução se desenvolveu a humanização do Direito.

Pode-se, inclusive, comprovar esta afirmativa no art. 649, CPC, o qual em seus incisos dispõe acerca do rol de bens absolutamente impenhoráveis, e também nas definições apresentadas em lei especifica, qual seja, a Lei 8.009/90.

Contudo, conforme o art. 4º da lei 8.009/90 verificou-se dois casos que remetem a uma flexibilização da impenhorabilidade do bem de família: o primeiro é aquele em que o devedor, sabendo que havia uma dívida contra si, comprou uma casa de maior valor, registrando-a como bem de família, e consequentemente remetendo-o a condição de insolvência. Neste caso, percebe-se que a ideia do executado seria disponibilizar a casa de menor valor para a penhora, ou mesmo o usufruto desta, a critério do juízo.

O segundo caso, é similar ao primeiro, só que ao invés de ficar com a casa de menor valor, o devedor a vendeu, inviabilizando, desta forma, qualquer penhora que seja, tendo em vista que este só teria uma casa a ser penhorada.

Em ambos os casos, para o juiz possa recorrer ao caso de relativização da impenhorabilidade do bem de família, deve comprovar a fraude do devedor, pela má fé e prejuízo ao credor.

Constatados tais requisitos, o magistrado possui duas opções para não ocorrer materialização da penhora da forma que o devedor almejou: transferir a impenhorabilidade para a casa de menor valor, ou anular a venda, liberando, consequentemente, a de maior valor para a execução ou concurso, como bem dispõe o §1º, art. 4º da lei em comento.

Conclui-se, com isso, que apesar do legislador garantir de forma clara e objetiva a condição mínima de subsistência do devedor insolvente, também se preocupou com o tratamento daqueles devedores, que de má fé, se beneficiavam as garantias mínimas, desenvolvidas através de princípios relacionados à execução, previstas nos dispositivos legais, e por consequência, não pagavam suas dividas, parcial ou totalmente, caracterizando desta forma a fraude contra credores ou fraude à execução.

Para estes devedores, quando comprovada a má fé, a exceção da penhora recairá sobre aquele imóvel de menor valor, que antes da fraude era o principal imóvel familiar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. Vol.2: Processo de Execução. 9ª ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Revista dos tribunais, 2007.

 



[1]Paper referente à Disciplina de Processo de Execução , ministrada pelo professor Christian Barros, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Alunos do 7º período do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Professor Mestre, orientador da disciplina.