O presente estudo objetiva a análise crítica e minuciosa do conceito de tributo, passando pelo conceito legal (CTN, art. 3º) ao conceito doutrinário de exação, que será utilizado para identificar se uma obrigação prescrita em lei (ou qualquer outro instrumento normativo) será uma obrigação tributária. Isso nos permitirá, através da minuciosa análise de uma obrigação normativamente descrita, concluir se se tratará de uma obrigação tributária, ou apenas de natureza civil, decorrendo daí a análise de sua legalidade ou constitucionalidade.

            Destaque-se, de início, que a Constituição Federal Brasileira elenca, em seu artigo 145, três espécies tributárias passíveis de instituição pelos entes federativos, respeitadas as competências constitucionalmente estabelecidas: impostos, taxas e contribuições de melhorias. Além destes, a Carta Republicana, em seu artigo 149, atribuí tão somente à União Federal a competências para instituição de outros tributos, tais como contribuições sociais, contribuições de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas e os excepcionais empréstimos compulsórios. Ainda, aos Estados, é facultada a instituição de contribuição para custeio do regime previdenciário dos servidores públicos, que, a teor do § 1º do artigo 149 da Constituição Federal, será cobrada apenas dos servidores estaduais. Apesar de as espécies tributárias estarem taxativamente expressas na Constituição Federal, a interpretação sistêmica das disposições constitucionais permite identificar, ainda, outra espécie tributária, qual seja, a contribuição parafiscal.

            Todavia, antes mesmo de identificar a qual espécie tributária pertence determinada obrigação, imperioso se faça a análise minuciosa se referida obrigação é, de fato, uma obrigação tributária.

            Para a análise do conceito de tributo, relevante se ter em mente que a “Teoria Pura do Direito”, de Hans Kelsen, não basta para referido cotejo. É dizer, não é suficiente o mero enquadramento da conduta (“ser”) ao conceito de tributo legalmente prescrito (“dever ser”), devendo o estudioso buscar mais elementos para se afirmar, com certeza, que a obrigação é, de fato, tributária. Como muito bem salientado por Luciano da Silva Amaro,

definir e classificar os institutos do direito é tarefa para a doutrina. Contudo, em 1966, recém-editada a Reforma Tributária traduzida na Emenda nº 18/65, o Código Tributário Nacional adotou uma linha didática na disciplina do sistema tributário, insistindo, ao longo do seu texto, na fixação de certos conceitos básicos (in Direito Tributário Brasileiro. 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 19)

            Neste trecho de seu livro, Luciano da Silva Amaro criticava a redação do artigo 3º do Código Tributário Nacional, porquanto positivou o conceito jurídico de tributo, que seria reservado à doutrina. No mesmo tom de crítica, Geraldo Ataliba afirma que “evidentemente, não é função de lei nenhuma formular conceitos teóricos. O artigo 3º do CTN é mero percepto didactico, como qualificaria o eminente mestre espanhol Sains de Bujanda” (in Hipóteses de Incidência Tributária. 6ª edição. São Paulo: Malheiros. p. 32).

            Nesse sentido, não basta a singela leitura do artigo 3º do Código Tributário Nacional, que define tributo como sendo “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”, para enquadramento de qualquer obrigação ao conceito de tributo.

            Realmente, o confronte em uma obrigação ao conceito legal de tributo, disposto no artigo 3º do Código Tributário Nacional, não é suficiente para definir que uma obrigação é de natureza tributária, fazendo, assim, incidir todos os princípio e limitações constitucionais ao poder de tributar.

            Pelo contrário, é de suma importância analisar as manifestações da doutrina e da jurisprudência sobre o conceito, tendo sempre como pano de fundo, e respeitando a teoria kelseniana da hierarquia das normas, a Constituição Federal, de modo que o conceito de tributo inserto no artigo 3º do Código Tributário Nacional deve servir apenas como ponto de partida para uma análise aprofundada sobre o tema. Com destaca Geraldo Ataliba, “só é possível obter um conceito jurídico de tributo e – via de consequência – de direito tributário, como conclusão de alentado e ingente estudo do direito constitucional positivo” (in Hipóteses de Incidência Tributária. 6ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 33).

            De fato, a construção doutrinária do conceito de “tributo” extrapola a análise tão somente do artigo 3º do Código Tributário Nacional, mas leva em conta a observação e análise das normas jurídicas constitucionais.

            Tendo isso em vista, o próprio Geraldo Ataliba constrói sua definição de tributo como

(...) obrigação jurídica pecuniária, ex lege, que não se constitui em sanção de ato ilícito, cujo sujeito ativo é uma pessoa pública (ou delegado por lei desta), e cujo sujeito passivo é alguém nessa situação posto pela vontade da lei, obedecidos os desígnios constitucionais (explícitos ou implícitos) (...) (in Hipóteses de Incidência Tributária. 6ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 34)

            Indo mais além, o próprio Geraldo Ataliba faz pontual análise de seu conceito, esmiuçando seu significado e, assim, facilitando a análise de adequação de uma obrigação ao conceito de “tributo”. Confira-se:

OBRIGAÇÃO – vínculo jurídico transitório, de conteúdo econômico, que atribui ao sujeito ativo o direito de exigir do passivo determinado comportamento e que a este põe na contingência de praticá-lo, em benefício do sujeito ativo.

PECUNIÁRIA – circunscreve-se, por este adjetivo, o objeto da obrigação tributária: para que esta se caracterize, no direito constitucional brasileiro, há necessidade de que seu objeto seja: o comportamento do sujeito passivo consistente em levar dinheiro ao sujeito ativo.

‘EX LEGE’ – a obrigação tributária nasce da vontade da lei, mediante a ocorrência de um fato (fato imponível) nela descrito. Não nasce, como as obrigações voluntárias (ex voluntate), da vontade das partes. Esta é irrelevante para determinar o nascimento deste vínculo obrigacional.

QUE NÃO SE CONSTITUI EM SANÇÃO DE ATO ILÍCITO – o dever de levar dinheiro aos cofres (tesouro = fisco) do sujeito ativo decorre do fato imponível. Este, por definição, é fato jurídico constitucionalmente qualificado e legalmente definido, com conteúdo econômico, por imperativo da isonomia (art. 5º, caput e inciso I da CF), não qualificado como ilícito. Dos fatos ilícitos nascem multas e outras consequências punitivas, que não configuram tributo, por isso não integrando seu conceito, nem submetendo-se a seu regime jurídico.

CUJO SUJEITO ATIVO É EM PRINCÍPIO UMA PESSOA PÚBLICA – regra geral ou o sujeito ativo é uma pessoa pública política ou ‘meramente administrativa’ – como bem designa às autarquias Ruy Cirne Lima. Nada obsta, porém, a que a lei atribua capacidade de ser sujeito ativo de tributos a pessoas privadas – o que, embora excepcional, não é impossível – desde que estas tenham finalidades de interesse público. (...)

CUJO SUJEITO PASSIVO É UMA PESSOA POSTA NESTE SITUAÇÃO PELA LEI – a lei designa o sujeito passivo. A lei que qualifica o sujeito passivo explícito, o ‘destinatário constitucional tributário’. Geralmente são pessoas privadas as colocadas na posição de sujeito passivo, sempre de pleno acordo com os desígnios constitucionais. Em se tratando de impostos, as pessoas públicas não podem ser sujeito passivo, devido ao princípio constitucional da imunidade tributária (art. 150, VI). Já no que se refere a tributos vinculados, nada impede que, também, pessoas públicas deles sejam contribuintes (in Hipóteses de Incidência Tributária. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 35 e 36)

            Por sua vez, Ricardo Lobo Torres constrói seu conceito de “tributo” como sendo

(...) dever fundamental, consistente em prestação pecuniária, que, limitado pelas liberdades fundamentais, sob a diretiva dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, do custo/benefício ou da solidariedade do grupo e com a finalidade principal ou acessória de obtenção de receita para as necessidades públicas ou para atividades protegidas pelo Estado, é exigido de quem tenha realizado o fato descrito em lei elaborada de acordo com a competência específica outorgada pela Constituição (...) (in Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 369)

            Neste ínterim, cumpre destacar também o posicionamento de Paulo de Barros Carvalho, que analisa o conceito de tributo sob diversos aspectos. De início, saliente referido doutrinador que

(...) não é suficiente a descrição hipotética do fato jurídico tributário para que conheçamos a planta fundamental do tributo. (...) faz-se mister analisarmos a hipótese de incidência e a base de cálculo para que possamos ingressas na intimidade estrutural da figura tributária, não bastando, para tanto, a singela verificação do fato gerador, como ingenuamente supôs o legislador do nosso Código Tributário (...). Dois argumentos muito fortes recomendam a adoção desse critério: a) trata-se de diretriz constitucional, firmada num momento em que o legislador realizava o trabalho delicado de traçar a rígida discriminação de competências tributárias, preocupadíssimo em preservar o princípio maior da Federação e manter incólume a autonomia municipal; b) para além disso, é algo simples e operativo, que permite o reconhecimento da índole tributária, sem a necessidade de considerações retóricas até alheias ao assunto (in Curso de Direito Tributário. 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 28/29)

            Desta forma, de rigor seja analisada as hipóteses de incidência tributária (aspecto material, aspecto temporal e aspecto espacial) relativas à obrigação que se pretende enquadrar como se tributária fosse. Para tanto, pertinentes são as lições de Geraldo Ataliba.

            Com efeito, hipótese de incidência é a hipotética descrição legislativa que atribui a ocorrência de um fato no plano fenomênico para que nasça a obrigação jurídica tributária. Nessa toada, Geraldo Ataliba divide a análise das hipóteses de incidência tributária em quatro aspectos: o aspecto temporal, o aspecto espacial, o aspecto pessoal e o aspecto material.

            Em primeiro lugar, cumpre esmiuçar, ainda que de forma breve, o aspecto material de uma obrigação, uma vez que é o mais complexo deles. Segundo Geraldo Ataliba, “o aspecto material é a imagem abstrata de um fato jurídico: propriedade imobiliária, patrimônio, renda, produção, consumo de bens, prestação de serviços, ou uma atuação pública (como o estado realizar obra, produzir um serviço, conceder uma licença, uma autorização, uma dispensa etc.)”. Ou seja, a análise do aspecto material da incidência tributária nada mais é do que o reconhecimento do fato imponível da obrigação. Assim, no caso, por exemplo, do Imposto de Renda, o aspecto material da incidência tributária nada mais é do que o auferimento de renda, o acréscimo patrimonial etc. Do mesmo modo, o aspecto material da incidência tributária do Imposto sobre Produtos Industrializados é a industrialização.

            Quanto ao aspecto pessoal da incidência tributária, trata-se da qualidade que determina os sujeitos da obrigação tributária. Assevera Geraldo Ataliba que

(...) a determinação do sujeito ativo é discricionária: seu único limite é que se trata de pessoa com finalidades públicas (por força do princípio da destinação pública dos tributos, exposto por Aliomar Baleeiro e sublinhado por Antonio Roberto Sampaio Dória). O sujeito passivo é, no direito constitucional brasileiro, aquele que a Constituição designou, não havendo discrição do legislador na sua designação. Só pode ser posto nessa posição o ‘destinatário constitucional tributário’ (para usarmos a excelente categorização de Hector Villegas). Nos impostos, é a pessoa que revela capacidade contributiva, ao participar do fato imponível, promovendo-o, realizando-o ou dele tirando proveito econômico (CF, art. 145, §1º). Nas taxas, o administrado cuja atividade requeira o ato de polícia, ou que provoque, requeira ou, de qualquer modo, utilize serviço público (CF, art. 145, II). Nas contribuições, o sujeito que receba especial benefício ou causa especial detrimento ao estado (CF, arts. 145, III e 149) (...)

            Por sua vez, pelo aspecto temporal analisa-se a prescrição legal para o momento em que se considere realizado o fato imponível da obrigação tributária e, de outro lado, o aspecto espacial nada mais é do que a indicação de circunstâncias de lugar contidas nas normas que impõe obrigações tributárias. Certo é que os fatos imponíveis ocorrem no plano fenomênico em determinado lugar, em um determinado espaço. Isso leva em conta a atribuição das competências tributárias pela Constituição Federal de 1988, de modo que, por exemplo, não poderia o legislador paulista fixar alíquotas de ICMS aplicáveis no Estado de Pernambuco.

            Nesse ponto, cumpre destacar o posicionamento de Paulo de Barros Carvalho no que diz respeito à parte final do artigo 3º do Código Tributário Nacional (“cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”). Na visão de referido jurista, “devemos entendê-la – a condição posta pelo legislador na parte final do artigo 3º do Código Tributário Nacional para definição de ‘tributo’ – sem o exagero que deflui do texto. Se é verdade que atos importantes do procedimento de arrecadação tributária pertencem à classe dos vinculados, outros muitos existem, dentro da mesma atividade, em que o administrador está autorizado, pela lei, a integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, operando com critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal”. É dizer, a cobrança dos valores por atividade administrativa plenamente vinculada, não representa condição sine qua non para que alguma obrigação seja considerada de natureza tributária. De fato, atualmente, observamos cada vez mais a presença das chamadas contribuições parafiscais no Direito Tributário Brasileiro. Como será detalhado, as contribuições parafiscais se tratam de tributos – ou seja, obrigações de natureza tributária –, que, em que pesem estarem dotadas de todos os outros elementos inseridos pelo legislador no artigo 3º do Código Tributário Nacional, não se destinam à um órgão administrativo plenamente vinculado, mas sim à órgãos paraestatais, como o SESC ou o SENAI.

            Nesse sentido, destaca Roque Antonio Carraza que

os tributos quase sempre são arrecadados pela pessoa política que os instituiu. Como, porém, a capacidade tributária ativa é delegável por lei, nada obsta a que uma pessoa diversa daquela que criou a exação venha, afinal, arrecadá-la. Para tanto, basta, fundamentalmente, que a pessoa beneficiada persiga finalidades públicas ou, pelo menos, de interesse público, isto por exigência do princípio da destinação pública do dinheiro arrecadado mediante o exercício da tributação (in Curso de Direito Constitucional Tributário. 20º edição. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 527)

            Ainda, Geraldo Ataliba assevera que “a circunstância de o sujeito ativo não ser a própria entidade estatal (União, Estado ou Município), mas outra pessoa designada pela lei – que arrecada o tributo em proveito das próprias finalidades – em nada altera o regime tributário, que deverá persistir sendo observado”.

            A título de remate, Aliomar Baleeiro, ao elogia o Projeto de Lei do Código Tributário Nacional, elaborado por Rubens Gomes de Souza e Oswaldo Aranha, notadamente no que diz respeito ao conceito de tributo incluído no referido Projeto de Lei:

O Projeto, a nosso ver, com acerto, não contemplou especialmente entre as receitas as chamadas ‘contribuições parafiscais’ arrecadadas pelos Institutos e Caixas de Pensões, Sesi, Sesc etc. Nesse rol seria de incluir-se também o imposto sindical.

Na melhor doutrina, o neologismo parafiscal, introduzido na linguagem financeira da França pelo inventário de Schuman e cedo copiada pelo Brasil, designa tributos que, às vezes, são taxas e, outras vezes, impostos. Não raro, apresentam formas híbridas de imposto e taxa. Mas de específico têm só a delegação às entidades beneficiadas com a arrecadação. Logo, devem ser classificadas em caso concreto, segundo os critérios clássicos esposados pela Constituição.

Todavia, sem emprego da palavra parafiscal, há referências a essas atribuições no art. 3º, nº II, que trata da delegação do poder de tributar. De acordo com o relator, apresentamos emenda aditiva que se refere expressamente às entidades beneficiárias dessa delegação. (in Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 26)

            Portanto, verificamos que o conceito de tributo não pode se ater à simples leitura do artigo 3º do Código Tributário, mesmo porque este não compreende espécies de obrigações – como as contribuições parafiscais – que estão sujeitas aos princípios tributários e às limitações ao poder de tributar.

            É necessário que se faça uma profunda análise através das lições trazidas pela doutrina para que se determine se certa obrigação trazida pelo legislador se amolda ao conceito de tributo.