FACULDADE PARAÍSO – FAP

             

                                                          Autores: VANDERLEY GONÇALVES FIRMO

WANDERLANYO GONÇALVES FIRMO

COMPREENSÃO DOS ASPECTOS JURÍDICOS DA LEI 11.343/2006 NO QUE SE REFERE AO CONSUMO E AO TRÁFICO DE DROGAS.

 

 

Juazeiro do Norte-CE,

                                                       02 de maio de 2013

COMPREENSÃO DOS ASPECTOS JURÍDICOS DA LEI 11.343/2006 NO QUE SE REFERE AO CONSUMO E AO TRÁFICO DE DROGAS.

                                                    VANDERLEY GONÇALVES FIRMO

WANDERLANYO GONÇALVES FIRMO

                                                                       

INTRODUÇÃO

 

Embasamento Histórico das Leis de Drogas no Brasil

 

O que se discute hoje em relação à problemática das drogas vem sendo construído em torno de discursos científicos que tendem a configurar o problema ora como questão de segurança pública (relativo ao narcotráfico e a violência gerada por este), ora como questão de saúde pública (relativo à repressão da demanda por um lado e à redução de danos por outro). Ao refletirmos sobre a política de enfrentamento às drogas no Brasil, sabemos que tal processo se configura no embate entre as políticas de enfrentamento à questão – a Política Nacional Antidrogas instituída em 2003 pela Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) e a Política de Atenção Integral ao Usuário de Álcool e Drogas do Ministério da Saúde. Como espaços contraditórios, as políticas refletem uma arena em que comparecem os mais diversos interesses (produtores, comerciantes, governo, usuários, especialistas, entre outros) (GARCIA; LEAL; ABREU, 2008).

Torna-se relevante entender como o Brasil se pôs frente à problemática através de uma perspectiva histórica, pois desde 1603, como nas Ordenações Filipinas[1], em

1830, no Código Criminal do Império do Brasil[2], e no Código Penal de 1890[3], já se observam registros de tentativas de normatizar e regular a utilização de certas substâncias presentes no cotidiano da sociedade.

Apesar da existência destes artigos isolados em algum momento da história brasileira, foi somente em 1921 que surgiu um texto legislativo específico com o intuito de restringir o uso de drogas em âmbito nacional, foi esse o decreto nº 4294 de 06/07/1921 sancionado pelo então presidente Epitácio Pessoa (CARVALHO, 2011).

O dito decreto compunha-se de 13 artigos que visavam penalizar os envolvidos com a venda ou manuseio de substâncias venenosas sem a autorização ou regulamentação de instâncias sanitárias; as penalizações variavam entre multas ou até prisão para vendedores, usuários de álcool que causassem desordem e estabelecimentos comerciais que desobedecessem as normas de horário e idade dos consumidores de álcool. Para os intoxicados, previa a criação de estabelecimentos especiais para internação e tratamento (IBIDEM).

Seguindo a ordem cronológica citada pelo mesmo autor, em abril de 1936 é criada a Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes (CNFE) pelo decreto nº 780, o qual competia ao Estado brasileiro cuidar da higiene mental da sociedade e lutar contra os venenos sociais. À CNFE foi atribuída a função de elaborar projetos para a consolidação de leis nacionais sobre drogas e submetê-las ao Poder Legislativo, além de:

O estudo e a fixação de normas gerais de ação fiscalizadora do cultivo, extração, produção, fabricação, transformação, preparo, posse, importação, reexportação, oferta, venda, compra, troca, cessão, bem como a repressão do trafico e uso ilicitos de drogas entorpecentes, incumbindo-lhe todas as atribuições decorrentes dos objetivos gerais, para os quais é constituída (DECRETO Nº 780 apud CARVALHO, 2011, p.10).

Durante o governo Getúlio Vargas (1930-1941) são lançados dois novos decretos que versam sobre a problemática, o de nº 2.994 de 17 de agosto de 1938, o qual promulgava a Convenção para a repressão do tráfico ilícito das drogas nocivas, e o decreto-lei nº 891 de novembro de 1938 que objetivava “dotar o país de uma legislação capaz de regular eficientemente a fiscalização de entorpecentes”, posteriormente incorporado ao artigo 281 do Código Penal de 1941 (CARVALHO, 2011, p.11).

Segundo o mesmo autor, o decreto-lei nº 891 estabelece quais substâncias são consideradas entorpecentes e traz duas importantes inovações à legislação sobre o assunto: inaugura a proibição total de plantio, tráfico e consumo das substâncias listadas, em território nacional; e estabelece o direito legal da internação compulsória pelo Estado, regulamentando também que a mesma deve ser realizada em “hospital oficial para psicopatas ou estabelecimento hospitalar submetido à fiscalização oficial.” (DECRETO-LEI Nº 891 apud CARVALHO, 2011, p.11).

A concepção delineada no Código Penal de 1941, resultante de inovações impostas também no governo de Getúlio Vargas, cujo foco das preocupações era o trabalhador, exigindo do governo maior grau de atenção na prevenção de comportamentos indevidos; configurava uma visão criminosa no consumo de drogas tidas como ilegais e as estratégias de controle utilizadas consistiam em: palestras, conferências e propagandas. O Estado contava com o apoio de instituições científicas, religiosas, educacionais, entre outras. Percebe-se que essa visão proibicionista é ineficaz, já que por um lado, impõe à clandestinidade determinadas substâncias; e por outro, não consegue evitar seu uso e ainda dificulta seu controle (GARCIA, et. al.; 2008).

Carvalho (2011), resgatando a história da ação social da Igreja Adventista no Brasil, destaca as ações de temperança desenvolvidas. Aponta, por exemplo, que em 1961, durante dois meses, foram realizadas 134 palestras e sermões sobre alcoolismo, tabagismo e prudência no uso, contando com a participação de especialistas da área da saúde.

As políticas de enfrentamento à questão das drogas a partir da década de 1960 evidenciam ações baseadas essencialmente na redução da oferta, dando ênfase a um caráter repressivo, onde se buscou retrair em prisões tanto usuários quanto traficantes de psicotrópicos.

A fiscalização mais rigorosa no combate às drogas efetiva-se após o golpe militar no Brasil em 1964, quando usuários, dependente e experimentador passam a ser criminalizados. O modelo político criminal até então adotado consistia em medidas “médico-policiais” que envolviam o internamento compulsório dos usuários em hospitais, porém a partir do golpe essa política criminal sanitária cedeu espaço para uma política criminal bélica (CARVALHO, 2011).

A droga a partir dos anos 60 é associada aos movimentos de “subversão”, logo para os militares, tratava-se de mais uma imundície comunista. Neste sentido, pode-se verificar um novo ethos com a criação da Lei nº 4.483, de 16 de novembro de 1964, que reorganizava o Departamento Federal de Segurança Pública, estabelecendo uma nova composição na estrutura da Polícia Federal, criando o SRTE – Serviço de Repressão a Tóxicos e Entorpecentes (IBIDEM, p.15).

Para Carvalho (2011), essa nova estrutura repressiva da política criminal do Estado brasileiro não era uma prática isolada, pois seguia as tendências internacionais de criminalização das drogas dirigidas pelos Estados Unidos da América (EUA). Partindo dessa tendência, eis que se estabelecem as políticas de repressão às drogas no Brasil:

A partir de 1964, a repressão torna-se terminologia usual, a guerra fria justificava o aumento do aparato repressivo. A Doutrina de Segurança Nacional, associada ao desenvolvimento tecnológico, possibilitou o desencadeamento de uma política de repressão integrada e a otimização de um projeto transnacional de “guerra às drogas” (CARVALHO, 2011, p. 15).

Sob a presidência de Ernesto Geisel, em 1976, é sancionada a Lei nº 6.368/76 que prevê, em seu artigo 3º, a criação do Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repressão (vinculado ao Ministério da Justiça), através do qual se desempenhavam ações que davam jus ao nome. Após isso, surgem também, em 1980, no governo de João Figueiredo, os Conselhos Antidrogas, caracterizando-se como instâncias que contribuíram para conduzir iniciativas sobre o tema drogas no Brasil, focadas no binômio abstinência-repressão (GARCIA et al., 2008).

Num cenário marcado pelo movimento de reforma psiquiátrica, promulgação da Constituição de 1988, da Lei Orgânica da Saúde, o Ministério da Saúde formula um conjunto de proposições de enfrentamento às questões relativas aos usuários de drogas com ações nas áreas de prevenção e tratamento.

Com a nova Constituição, o narcotráfico é definido como crime inafiançável, prevendo-se o confisco dos bens de traficantes e a autorização para expropriação de terras empregadas no plantio ilícito. Por outro lado, torna-se obrigação do Estado manter programas de prevenção e assistência a usuários de drogas (Brasil apud Garcia et al., 2008). No entanto, historicamente os investimentos viram-se destinados à repressão, em detrimento das ações de prevenção.

Em 1990, no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), há a substituição do antigo sistema pelo Sistema Nacional Antidrogas (SISNAD) e a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) como estratégia para mostrar à comunidade internacional uma postura de combate às drogas como maior prioridade do governo. Mesmo num contínuo sistema de repressão, a SENAD abordava o tratamento e reinserção do indivíduo usuário de drogas à sociedade e à família; porém, muitos conflitos de natureza política e institucional inviabilizaram o estabelecimento de propostas que respondessem à demanda de forma significativa no país. O SISNAD, como não deixaria de ser uma proposta neoliberal, orienta-se pelo princípio e estratégia do cooperativismo, da ajuda mútua entre governo, iniciativa privada e sociedade civil (IBIDEM).

No início de suas atividades a SISNAD procurou ser mais abrangente em suas ações e realizou o 1º Fórum Nacional Antidrogas em Brasília. Esse Fórum teve por objetivo abrir um canal de diálogo entre a sociedade e o governo federal, visando o estabelecimento de uma Política Nacional Antidrogas. Em seu discurso de abertura, o então presidente FHC, destacava a necessidade de uma política de caráter intersetorial, com centralidade no papel da sociedade: “Nessa matéria ou há mobilização na sociedade ou não se avança muito” (Brasil apud Garcia et al. 2008).

Em 1991, foi criado pelo Ministério da Saúde o Serviço de Atenção ao Alcoolismo e à Dependência Química, como mais um dos serviços da então Coordenação de Saúde Mental. Visava reduzir a demanda crescente, através da mudança de percepção da população em relação à questão, modificando o modelo assistencial e estabelecendo ações de apoio e expansão da rede de serviços em saúde mental, notadamente serviços alternativos à internação psiquiátrica (Brasil apud Garcia et al., 2008).

            Ainda conforme a discussão, a abordagem de redução de danos põe em ação as estratégias de autocuidado, relevantes para a redução da vulnerabilidade frente à exposição às situações de risco (distribuindo seringas entre os usuários de drogas injetáveis, evitando com isso contaminações, por exemplo), além de ser apontada como forma de intervenção em saúde pública. Contudo, a implantação de programas e ações pautadas nessa abordagem ainda é alvo de críticas e censuras, gerando polêmicas e pensamentos contraditórios de várias ordens. Este tema será abrangido de forma mais completa no segundo capítulo desta pesquisa.

Durante o primeiro mandato de Luís Inácio da Silva, o Lula, o que se observou foi um discurso tímido em relação à problemática. Entre suas propostas estava a mudança de Política de Antidrogas para Políticas Públicas sobre Drogas (implementada em 2005), mudança esta considerada simbólica por alguns autores da área, uma vez que a modificação de denominação não discute a ideia estabelecida. Fundar políticas públicas sobre drogas é considerar a formulação e execução, é exigir que o Estado implante um projeto de governo, através de programas e de ações voltadas para setores específicos envolvidos com a temática. (Mesquita apud Garcia et al., 2008).

Entre as expectativas de mudanças, espera-se uma política que articule uma proposta de prevenção ampla, preservadora dos direitos humanos, permanente e realista; que dê atenção aos usuários de drogas, reduzindo os danos à sua saúde e à sociedade (doenças como AIDS e Hepatites, overdoses, dependência e mortes violentas, acidentes de trânsito e de trabalho, entre outras); que promova a inserção de grandes setores da sociedade, proporcionando alternativas de vida e evitando deixá-los à mercê do tráfico como forma de subsistência (IBIDEM).

O autor aponta ainda para a ausência da questão das drogas no programa do presidente Lula para o segundo mandato.

Em seu programa de governo 2007- 2010, a questão aparece no item “Brasil sem violência”, que trata da Segurança Pública e propõe “intensificar a repressão ao crime organizado, a vigilância das fronteiras para impedir o tráfico de drogas e armas e combater a lavagem de dinheiro, integrando mecanismos investigativos, ampliando as bases de dados, reforçando a cooperação internacional” (Mesquita apud Garcia et al. 2008, p. 272).

A Política Nacional Sobre Drogas, posta em prática através da Resolução Nº3/GSIPR/CH/CONAD, de 27 de outubro de 2005, traz em seu conteúdo vários pressupostos, entre os quais vale salientar: a busca incessante de construir uma sociedade livre do uso de drogas ilícitas e do uso indevido das lícitas; diferenciar o usuário do traficante de drogas; buscar a conscientização da sociedade de que o uso de drogas ilícitas alimenta o narcotráfico e as consequências geradas por estes, tal como a violência; garantir tratamento adequado para o usuário dependente de psicotrópicos; priorizar a prevenção etc. Entre os objetivos, cabe enfatizar: educar, informar e capacitar pessoas em todos os segmentos sociais para a ação efetiva e eficaz de redução da demanda, da oferta e de danos; divulgar as iniciativas e campanhas de prevenção do consumo indevido de drogas; programar rede de assistência, pública e privada, para pessoas com transtornos decorrentes do uso abusivo de substâncias psicoativas; difundir o conhecimento sobre crimes, delitos e infrações relacionados às drogas ilícitas e lícitas para maior segurança da população, entre outros pontos de suma importância. Também faz um levantamento sobre a prevenção; o tratamento; a recuperação; a reinserção social; a redução de danos sociais e à saúde; a redução da oferta; estudos, pesquisas e avaliações (BRASIL, 2005).

Para o Ministério da Saúde, essa política demarcaria uma posição clara de oposição e rechaço à lógica proibicionista (caso de polícia), propondo-se ser uma política que se inscreve na perspectiva de luta pela melhoria da qualidade de vida da população brasileira e no tratamento dos usuários de drogas.

A partir de outubro de 2006, entra em vigor no Brasil a assim chamada Nova Lei de Drogas, de número 11.343/06. Os debates em torno deste novo arranjo jurídico no que se refere ao controle social do uso de substâncias psicoativas têm girado em torno do fato da abolição da pena de prisão para o usuário de drogas, embora os procedimentos criminais continuem sendo os mesmos (Veríssimo, 2008). O que será versado de forma mais abrangente no terceiro capítulo deste trabalho.

A NATUREZA JURÍDICA DA NOVA LEI DE DROGAS – LEI 11.343/2006

A Lei de Drogas (nº. 11.343/06) excluiu a pena de prisão para os indivíduos flagrados com drogas para consumo próprio, estipulando penalidades que vão desde admoestação verbal à prestação de serviços públicos. Por outro lado, enrijeceu a ação de combate ao tráfico, acrescendo a pena mínima de prisão para quem portar drogas designadas ao comércio, passando o mínimo de três para cinco anos de reclusão, podendo esta pena chegar ao máximo de quinze anos. Como se sabe, o crime de tráfico de drogas é uma modalidade de delito assemelhada aos crimes hediondos, e a nova lei não modificou esta visão.

De acordo com Boiteux (2008, p.2), constituem aspectos positivos da nova legislação, além da despenalização da posse para uso próprio (artigo 28) e a equiparação a este do ato de plantar para consumo pessoal (art. 28, § 1º.); a diminuição da pena para a hipótese de consumo compartilhado de droga ilícita (art. 33, § 3º.) antes equiparada ao narcotráfico; a previsão do “fortalecimento da autonomia e da responsabilidade individual em relação ao uso indevido de drogas” (art. 19, III); assim como o reconhecimento dos princípios básicos da liberdade e da diversidade (art. 4º), que são medidas acertadas por ajuizarem uma redução do controle penal sobre o usuário de drogas, principalmente se comparadas com a extinta Lei nº. 6.368/1976.

No que diz respeito ao comércio de entorpecentes, a supracitada autora afirma que o texto aprovado aumentou o patamar mínimo para cinco anos de encarceramento provavelmente a fim de tentar impedir a aplicação de penas alternativas, o que em sua opinião, constitui um largo atraso na legislação. Pedrinha (2007, p.486), por sua vez, corrobora com a afirmação, verificando o desenvolvimento e a ascensão do Estado de Polícia em detrimento do Estado de Direito, “em que a metáfora da guerra é traduzida no combate e na eliminação do inimigo maior do Estado: o traficante de drogas”.

Antes mesmo de adentrar mais profundamente ao assunto, vamos abrir um pequeno tópico no qual será feita uma comparação, no que diz respeito ao usuário e ao traficante de drogas, entre a nova lei de drogas e a lei de tóxicos anteriormente em vigor, o que certamente propiciará uma breve análise conjunta das duas leis. Em seguida abordaremos mais detalhadamente a Lei nº. 11.343/2006, especialmente no que diz respeito a quem consome e a quem comercializa substâncias ilícitas.

Comparativo da Lei de Tóxicos (nº. 6.368/1976) com a Nova Lei de Drogas (nº. 11.343/06) - no que se refere ao consumo e ao tráfico.

            A extinta Lei nº. 6.368 de 21 de outubro de 1976, também chamada de lei de entorpecentes ou lei de tóxicos, abarcavam em seu conteúdo, medidas de prevenção e repressão ao narcotráfico e ao consumo de substâncias entorpecentes ou qualquer outra que determine dependência física ou psíquica. Durou quase 30 anos no ordenamento, prevendo tratamentos tão somente punitivos aos considerados usuários ou traficantes. Em seu artigo 16, lia-se: 

Adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa (BRASIL, 1976).

 Como pôde ser observado, o usuário era considerado criminoso pelo fato de estar trazendo consigo para consumo próprio qualquer substância entorpecente, desta maneira, responderia pelo crime de porte e seria submetido à privação de liberdade que variava de seis meses a dois anos, além do pagamento de multas.

A partir do pensamento de Carvalho (1997), quando a lei de 1976 entra em vigor nada mais faz do que solidificar o estereótipo do dependente e do criminoso, deixando claro que não há como diferenciá-los e assim, reforça ainda mais o quanto o usuário é considerado um perigo social.

No caso da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, a qual denominou-se de Nova Lei de Drogas preferiu-se a denominação “drogas”, abandonando quase que integralmente a expressão utilizada pela lei anterior “substância entorpecente” e são prescritas na nova lei medidas para prevenção do uso indevido, assim como atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas (cita-se uma distinção entre estes, a abordaremos mais adiante) (CARVALHO, 1997, p.37).

A partir do artigo 28 da mencionada lei, entende-se:

Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

(BRASIL, 2006).

Nota-se que não há dúvida que a posse de droga destinada ao consumo pessoal, com o advento da nova lei, deixou de ser considerado crime, uma vez que as medidas impostas para essa conduta acima citadas (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos) não conduzem a nenhum tipo de reclusão.

Destarte, essa conduta não passou a ser considerada contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou multa). Dito de outra forma, a nova lei de tóxicos descriminalizou a conduta da posse de droga destinada ao consumo pessoal. “Retirou-lhe a etiqueta de ‘infração penal’ porque de modo algum permite a pena de prisão”. Desta forma, sem sanções prisionais não se pode aceitar a existência de infração "penal" no nosso país (GOMES, 2006, p.89).

Antes de dar continuidade e chegar à comparação que faremos com relação ao modo de abarcar o tráfico das supracitadas as leis, cabe abordar uma colocação bastante interessante que os autores Luiz Flávio Gomes e Rogério Cunha Sanches fazem em sua obra “Nova Lei de Drogas: retroatividade ou irretroatividade” (2007).

A partir do momento em que se comparam as duas leis, nota-se que em muitos aspectos, a nova lei penal ora é mais favorável, ora se torna mais severa. São colocados dois princípios básicos: “Irretroatividade da lei penal nova mais austera e Retroatividade da lei penal nova mais benéfica”. Em todos os pontos em for favorável retroage (deve modificar-se para beneficiar os réus), do contrário, quando mais prejudicial, não retroage (GOMES; SANCHES, 2007, p.31).

Conforme assevera o artigo 12 da abolida lei de tóxicos em relação ao tráfico:

Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa (BRASIL, 1976).

A Nova Lei de Drogas, por sua vez, compreende em seu artigo 33, que:

Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa (BRASIL, 2006).

Fazendo uma analogia entre os artigos expostos, observa-se que este último é irretroativo, uma vez que, reproduzindo os mesmos núcleos do artigo da antiga lei, previu sanções penais (corporal e pecuniária) mais graves (Gomes; Sanches, 2007). Outra crítica corrente parte de Boiteux (2010) à lei brasileira, considerando a opção como infeliz, pela aplicação da pena privativa de liberdade para qualquer tipo de narcotráfico.

Elaborada a comparação entre os artigos que abrangem o consumo e o comércio de drogas das Leis 6.368/76 e 11.343/06, passaremos a nos ater nas páginas seguintes às conquistas, avanços, críticas e atrasos da Nova Lei de Drogas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Procurou-se, através desta pesquisa, compreender os aspectos jurídicos da Nova Lei de Drogas, no que tange ao consumo e ao tráfico de drogas. Para tanto, foi apresentado o conceito de drogas e o percurso histórico da legislação que trata a questão no Brasil.

 Foram citadas, entre as estratégias alternativas de controle de drogas, a despenalização do consumo, a descriminalização do usuário e a legalização total daquelas. Por último, expomos, de forma sucinta, a comparação entre a nova e a extinta lei de drogas, e avaliamos o que realçam o consumo de drogas ilícitas e o narcotráfico na lei n.º 11.343/2006.

Poderemos perceber, primeiramente, que droga é qualquer substância que seja capaz de modificar a função dos organismos vivos, resultando em modificações de comportamento e até mesmo fisiológicas. Esse conceito diz respeito a todo tipo de droga, sejam elas lícitas ou ilícitas. Este trabalho se voltou, exclusivamente, para as drogas consideradas ilícitas por lei, aquelas que se encontram listadas em documento específico elaborado pelo Poder Executivo.

  

REFERÊNCIAS

 

AVELINO, Victor Pereira. A evolução do consumo de drogas. Aspectos históricos, axiológicos e legislativos. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2439, 6 mar. 2010. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/14469. Acesso em: 22/05/ 2013.

BOITEUX, Luciana Rodrigues de Figueiredo. O controle penal sobre as drogas ilícitas: o impacto do proibicionismo sobre o sistema penal e a sociedade. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito da USP, 2006.

GOMES, Luiz Flávio. Nova Lei de Tóxicos: descriminalização da posse de droga para consumo pessoal, 2009. Disponível em: www.lfg.com.br/artigos. Acesso em 17/05/2013.

SANCHES, Rogério Cunha. Nova lei de drogas: retroatividade ou irretroatividade? Jus Navigandi, Teresina, Ano 11, N.º 1235, 2007. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina. Acesso em: 26/05/2013.

PEDRINHA, Roberta Duboc. Notas Sobre a Política Criminal de Drogas no Brasil: Elementos para uma Reflexão Crítica. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. Nº 26. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.