COMPENSAÇÃO: DÍVIDAS NÃO COMPENSÁVEIS

 

Ana Beatriz Araújo Portela

Roberto Almeida Mendes Júnior

 

Sumário: Introdução; 1. Conceito; 1.1 Requisitos; 2. Das obrigações não compensáveis; 2.1 Esbulho, furto ou roubo; 2.2 Comodato, depósitos ou alimentos; 2.3 Impenhoráveis; 2.4 Dividas Fiscais; 2.5 Prejuízo a terceiros; 2.6 Falta de vontade mutua; Conclusão.

 

RESUMO:

Em um primeiro momento explanam-se os modos de compensação de dívidas, exemplificando em quais modalidades de dívidas a compensação poderá ocorrer, posteriormente indica-se as exceções, as dívidas não compensáveis, para que possa haver uma maior compreensão de em quais situações a compensação de dívidas é aceita, e não haver uma interpretação errônea de que toda dívida pode ser compensada. Justificar-se-á as razões em que se impede as compensações de dívidas oriundas dos artigos 373, 375 e 380 do código civil. Assim como alguns enumerados no artigo 649 do CPC.

PALAVRAS-CHAVE: Compensação. Impedimentos. Exceções. Razões.

INTRODUÇÃO:

            Como uma forma de extinguir ou minimizar algumas obrigações a compensação tem se mostrado uma eficiente forma de credores e devedores contrabalancearem as suas dívidas. Apesar de ser uma forma legal e convencional de extinção de dívidas, há pontos importantes que se manifestam para que haja o impedimento de algumas dívidas. No artigo 373 do código civil há uma clara tipificação das dívidas não compensáveis, expondo as que provierem de esbulho, furto ou roubo; se se originarem de comodato, depósito ou alimentos, já que assim a pensão alimentícia perderia seu caráter de subsistência; ou se for algo não suscetível de penhora, como moradia do indivíduo ou de sua família.

            O presente paper versará sobre os tipos de dívidas não compensáveis dispostos em outros artigos, nos quais impossibilitam a compensação de dívidas fiscais, quando tal compensação prejudicar a terceiros, além de compensações que não originam da vontade mútua.

  1. 1.      Conceito

 

            A compensação se dá quando há titulares de dívidas e créditos que se encontram reciprocamente nos polos ativo e passivo, tendo como objetivo a extinção das dívidas, portanto sanando as dívidas até onde poderem se compensar.  Há, portanto obrigações recíprocas que podem se extinguir na medida em que um deve ao outro valor equivalente ao que o outro também o deve, porém é possível também que haja um crédito ou débito remanescente, ou seja, as dividas podem não se compensar na totalidade.

Portanto, a compensação aparece como um meio de extinção das obrigações e opera pelo encontro de dois créditos recíprocos entre as mesmas partes. Se os créditos forem de igual valor, ambos desaparecem integralmente; se forem de valores diferentes, o maior se reduz à importância correspondente ao menos. Procede-se como se houvesse ocorrido pagamento recíproco, subsistindo a dívida apenas na parte não resgatada (RODRIGUES, Silvio, 2007)

            Há duas posições legislativas quanto ao modo da compensação, sendo que uma pode ser a compensação legal, e a outra convencional. A compensação legal age automaticamente, de acordo com a lei e o preenchimento dos requisitos legais da compensação, independe da manifestação da vontade, de forma que o juiz apenas reconhece e declara sua realização (Gagliano, Pablo Stolze, 2010). A compensação convencional é proveniente da vontade das partes, ou seja, mesmo faltando requisitos que supram as determinações legais, os credores e devedores recíprocos entram em comum acordo para terem suas obrigações sanadas.

1.1  Requisitos

 

            Há alguns requisitos necessários para a compensação, para que a mesma aconteça por força de lei, ou seja, para que haja compensação legal, sine factos hominis.

A compensação opera, automaticamente, sine facto hominis, pela força da lei, desde que se apresentem os pressupostos necessários para sua configuração. São os seguintes pressupostos e condições da compensação: a) reciprocidade das obrigações; b) liquidez das dívidas; c) exigibilidade atual das prestações; d) fungibilidade dos débitos (RODRIGUES, Silvio, 2007)

Primeiramente deve haver a reciprocidade das obrigações, ou seja, não se deve incluir obrigação de terceiros, como dita o artigo 376 do código civil quando diz ‘‘Obrigando-se por terceiro uma pessoa, não pode compensar essa dívida com a que o credor dele lhe dever ’’.  Deve-se entender conjuntamente com o artigo 371 do código civil, pois o devedor deve compensar com o credor somente o que lhe deve, não dívida de outrem. Há apenas uma exceção, que é quanto a relação de fiador compensar dívida com o credor, como se o fiador fosse o titular da dívida.

            O segundo requisito é a liquidez das dívidas, ou seja, têm que ter uma determinação exata. Tem que ter a apuração certa do valor, um montante a ser compensado. Tem que saber a quantidade da dívida e do débito a serem equilibrados. O terceiro é a exigibilidade atual da prestação, ou seja, exige-se que as dívidas estejam vencidas, que tenham passado do prazo. Não se pode exigir a compensação de um crédito que não venceu com um já vencido. O quarto quesito é a fungibilidade das dívidas, ou seja, as obrigações dos polos ativo e passivo recíprocos podem se substituir entre si. De acordo com o artigo 370 do código civil não se compensa coisas que embora fungíveis e de mesmo gênero, tenham diferentes qualidades.

2. Das obrigações não compensáveis.

 

            Embora haja previsão legal de compensação caso ocorra os requisitos já expostos há a possibilidade de não ocorrência da compensação. Tais impedimentos são oriundos de elementos ilícitos que as gerou, sua peculiar natureza, ou mesmo o fato de serem impenhoráveis (RODRIGUES, Silvio, 2006). O nosso código civil normatiza da seguinte forma:

Art. 373. A diferença de sausa nas dívidas não impede a compensação, exceto:

I- se provir de esbulho furto ou roubo;

II- se uma se originar de comodato, depósito ou alimentos;

III- se uma for de coisa não suscetível de penhora; (VADE MECUM, 2011)

                Há também as dívidas fiscais, prejuízo a terceiros e falta de vontades mútuas, que também impedem a concretização da compensação.

2.1. Esbulho, furto ou roubo.

 

                Seria inaceitável a compensação de algo que foi proveniente de fato ilícito. O caráter ilícito advindos dos créditos e dívidas não reconhece estas obrigações como modos de compensação. A validade da compensação, portanto, de forma óbvia, é inexistente.

2.2. Comodatos, depósitos ou alimentos

 

            O comodato é o empréstimo de coisa infungível, ficando por tanto o comodatário obrigado a devolver coisa certa. Há então uma impossibilidade de compensação pela própria natureza dos débitos, faltando então homogeneidade das dívidas (RODRIGUES, Silvio, 2006). O depósito tem a mesma regra, pois falta fungibilidade, pois os objetos a serem devolvidos são certos e determinados, eliminando, portanto, a compensação. Os alimentos têm uma característica assistencial, são dirigidos à subsistência da pessoa, estando condicionada a assegurar uma assistência ao alimentado. Portanto se admitisse a possibilidade da compensação, eliminaria assim a característica própria da alimentação, e a prestação alimentícia não seria fornecida (GAGLIANO, Pablo Stolze, 2010)

2.3 Dos bens impenhoráveis

 

            Os bens impenhoráveis são aqueles que não podem ser vendidos para pagar dívidas, porque são protegidos por lei. Aqueles que são inalienáveis porque são bens básicos para a garantia de alguns princípios inerente ao homem, como o princípio da dignidade humana, que todos, sem distinção, o possuem, incluindo o devedor. Logo se estes são primordiais para a vida digna, bens que garantem a subsistência de si e da família, como condições de trabalho, moradia, vestes, alimentação e outros, não tem como serem retirados do devedor, nem que por dívida. Se nem judicialmente há essa possibilidade, não há, portanto, porque se falar em compensação destes bens.

O art. 649 do CPC enumera os bens impenhoráveis. A relevância dessa enumeração explica por si a inalienabilidade e a consequente incompensabilidade. (VENOSA, 2006)

2.4 Das dividas fiscais

 

            Este é um assunto que encontra divergência e grandes estudos por parte da doutrina, de modo que não é interesse do presente paper adentrar-se a particularidades do direito tributário, assim contemos em repetir apenas que é uma obrigação não compensável também as dívidas fiscais, porque assim foi previsto por vários códigos e leis.

“Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.

Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento. ’’

‘‘Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.” (Código Tributário Nacional, 2011)

 

2.5 Do prejuízo a terceiros

 

“Art. 380. Não se admite a compensação em prejuízo de direito de terceiro. O devedor que se torne credor do seu credor, depois de penhorado o crédito deste, não pode opor ao exequente a compensação, de que contra o próprio credor disporia”. (Código Civil, 2011)

                Ao terceiro que adquirir um bem de outrem, no qual o mesmo era devedor outra pessoa, tem garantido seu direito sobre o bem, se o credor originário foi informado e não se manifestou. Assim, presume-se a boa-fé objetiva, na qual quando um terceiro adquirir um bem de compensação em outra relação, esse não pode ser prejudicado por essa relação anterior.

“O devedor que, notificado, nada opor à cessão que o credor fez a terceiros dos seus direitos, não poderá opor ao cessionário a compensação, que antes da cessão teria podido opor ao cedente. Se, porém, a cessão não lhe tiver sido notificada, poderá opor ao cessionário a compensação do crédito que antes tinha contra o cedente. Essa regra do art. 377 do CC, que relaciona a cessão de crédito ao instituto da compensação.

[...]

Não se admite a compensação em prejuízo de terceiro, o que ressalta a proteção a boa-fé objetiva, que é preceito de ordem pública (art. 380 do CC). O devedor que se torne credor, depois de penhorado o crédito deste, não pode opor ao exequente a compensação de que contra o próprio credor disporia” (TARTUCE, 2012)

2.6 Da falta da vontade mútua

 

                Assim como a obrigação não compensável é determinada por lei, a obrigação também pode ser excluída da compensação quando ambas as partes, ou mesmo só uma delas, se avisado previamente, que não quer findar aquela obrigação com uma compensação. Logo, parafraseando Flávio Tartuce (2012), é imprescindível que ambas as partes queiram a compensação, a isso, denomina-se: compensação convencional. E neste caso não há necessidade dos pressupostos exigidos na compensação legal (clausula de exclusão) desde que o contrato seja civil e paritário.

 

 

Conclusão

            Por fim, é sabido que nem todas as especies de dividas recíprocas podem ser compensadas de forma simples. A compensação é uma modalidade que serve para equilibrar as dívidas dos polos ativos e passivos recíprocos, porem constata-se que mesmo que os pressupostos exígiveis à compensação sejam observados, há fomras claras de proibição da compensação legal, elucidadas no texto positivo vigente, de tal forma que os títulares das dívidas não poderiam requisitar legalmente uma compensação.

            Os requisitos alem de estarem no texto legal, encontram-se esmiuçados na doutrina, que nos permitiu um aprofundamento teórico maior que a interpretação pura da lei. Utilizando uma doutrina majoritária, foi possivel constatar que há, alem dos termos do artigo 373 do código civil, outras formas que impedem a compensação legal. Como as dívidas fiscais e prejuizo a terceiros.

            Mesmo sem proibiçoes, há a não possibilidade compensatória quando partir da vntade dos interessados que suas dívidas não se compensem, mesmo suprindo os requisitos legais, e não se enquadrando nas dívidas não compensáveis, pois parte da propris vontade dos titulares das dívidas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Referência   

ANGHER, Anne Joyce. Vade Mecum Universitário de direito. 10ºed. São Paulo: Rideel, 2011.

AZEVEDO, Alvaro Villaça. Teoria Geral das Obrigações: Responsabilidade Civil. 10° ed. São Paulo: Atlas, 2004.

BRASIL. Código de Processo Civil. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 27° ed. São Paulo: Saraiva. 2012.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: Obrigações. 11º Ed. São Paulo: Saraiva, 2010

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral das Obrigações. 30° ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direitos das obrigações e responsabilidade Civil. 7ª ed. São Paulo: Método, 2012.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2006