COMENTÁRIOS ACERCA DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO[1]

 

Paulo Vinícius Furtado Gomes[2]

Victor Daniel Pereira Silva[3]

Wilshton Alves Maia[4]

Eddla Karina Gomes Pereira[5]

 

 

RESUMO

 

O presente artigo tem como objetivo analisar a possibilidade da inversão do ônus da prova dentro do processo trabalhista. A análise foi feita sobre discussões doutrinárias a fim de perceber qual ensinamento seria melhor aplicável no caso concreto no processo judicial. A abordagem sobre a inversão do ônus da prova diz respeito a um instituto processual que é alvo de grande discussão no mundo jurídico atualmente, por se tratar de medida protetiva à parte presumidamente vulnerável na relação jurídica e por possibilitar um desfecho processual diferente do que seria em se utilizando tal instituto. A relevância do estudo ora apresentado é caracterizada por estar inserida essa possibilidade de inversão do ônus da prova no âmbito do processo do trabalho, no qual nem sempre a parte caracterizada pela hipossuficiência dispõe de meios de prova que possibilitem a efetivação dos seus direitos pleiteados. Para melhor compreensão do tema, consta do estudo um apanhado geral sobre o instituto jurídico do ônus da prova, abordando conceitos e aplicações nas searas processuais civil e trabalhista. Por fim, passou-se ao estudo específico do instituto da inversão do ônus da prova no processo do trabalho, esclarecendo o conceito e aplicações, por meio de interpretação legislativa e doutrinária que este visa minimizar as possíveis desigualdades processuais entre as partes. Para tanto, utilizamos de uma metodologia baseada em estudo bibliográfico de abordagem qualitativa, no qual se buscou analisar os estudos doutrinários identificados na literatura nacional acerca do ônus da prova no processo do trabalho e a possibilidade de sua inversão. Dentro dessa análise bibliográfica, destacam-se os autores Carlos Henrique Bezerra Leite, Wagner D. Giglio, Sérgio Pinto Martins e Francisco Meton Marques de Lima. Dentre os resultados obtidos, se sobressaem certa discrepância em relação a própria determinação do ônus da prova, se esta será regulada exclusivamente pelo artigo 818 da CLT ou subsidiariamente pelo artigo 333 do CPC; a doutrina que vem sendo mais aceita é de que a aplicação é feita supletivamente com o CPC; acrescente-se que a discussão doutrinária é grande acerca do tema em questão sobre a aplicação ou não da inversão do ônus da prova no processo do trabalho; não obstante essa discussão, o entendimento atual é que se aplica o instituto, tendo como fundamento a proteção do empregado, inclusive já se tem julgados nos tribunais utilizando-se desse instituto nas decisões.

Palavras-chave: Ônus da prova. Processo do Trabalho. Inversão do ônus da Prova


[1] Artigo apresentado à Disciplina de Direito Processo do Trabalho – Curso De Direito da Faculdade Paraíso – FAP – Turno Manhã, 2012.1, como requisito para obtenção de nota para a segunda avaliação.

[2] Aluno do Curso de Direito do VII Semestre da Faculdade Paraíso do Ceará.

[3] Aluno do Curso de Direito do VII Semestre da Faculdade Paraíso do Ceará.

[4] Aluno do Curso de Direito do VII Semestre da Faculdade Paraíso do Ceará.

[5] Mestra em Ciências Jurídicas e Professora orientanda da Disciplina de Direito Processual do Trabalho da Faculdade Paraíso do Ceará.



INTRODUÇÃO

 

A Justiça do Trabalho tem sido a seara do Poder Judiciário que mais torna efetivos os direitos dos cidadãos, promovendo o acesso à justiça de maneira eficaz, célere, além de barata. De uma forma geral, as expectativas para essa Justiça Especializada são as melhores possíveis.

Nos processos trabalhistas, são disponibilizados meios pelos quais se podem efetivar os direitos pleiteados. Dentre estes meios, merece destaque a fase probatória, a qual consiste na demonstração da veracidade do fato antes alegado, bem como é caracterizada por ser o momento processual para o qual convergem todas as atenções dos envolvidos na lide.

Atualmente, em meio a grande demanda de processos e informações existentes na Justiça do Trabalho, é necessário ampliar o que se sabe sobre os institutos nela presentes, a fim de que o operador do direito possa enveredar por ela ciente do que está fazendo. Se torna, pois bastante relevante tomar mais conhecimento sobre o que trata a fase probatória. Pois é também através desta, que o juiz irá, após a análise das provas, formar a sua convicção para, ao final, prolatar a sentença e dizer o direito dos envolvidos no processo judicial.

Nesse contexto, ainda existe uma grande divergência doutrinária acerca do ônus da prova no processo trabalhista, ou seja, quem deve provar. Tendo em vista que, via de regra, uma das partes é presumidamente hipossuficiente, qual seja, o empregado. Há também que se analisar a possibilidade de se inverter o ônus da prova no processo trabalhista, uma vez que nem sempre aquele que alega possui totais condições de provar o afirmado.

O objetivo do presente artigo é analisar o que pronunciam as diferentes doutrinas sobre os temas supracitados, de forma a perceber qual ensinamento seria melhor aplicável diante do caso concreto no processo judicial. Para tanto, utilizamos de uma metodologia baseada em estudo bibliográfico de abordagem qualitativa, no qual se buscou analisar os estudos doutrinários identificados na literatura nacional acerca do ônus da prova no processo do trabalho e a possibilidade de sua inversão.

Desta forma, desenvolvemos o presente artigo com base principalmente em três assuntos, abordando desde o conceito de ônus da prova, tanto na seara civil como também trabalhista, até a possibilidade de inversão do ônus da prova no Direito Processual do Trabalho.

 

 

2 DEFINIÇÃO DE ÔNUS DA PROVA

        

O ônus da prova está diretamente ligado à distribuição das provas entre os litigantes. Conceitua-se como sendo o encargo de a parte provar em juízo suas alegações para o convencimento do juiz.

Um fato que merece destaque é que o instituto em estudo não configura uma obrigação das partes, podendo classificar-se apenas como um encargo, logo não pode ser alvo de nenhum tipo de punição por não ter sido apresentada. E nem mesmo constitui um dever, porque este se dá em relação a alguém, enquanto o ônus é da própria parte em relação a si mesma, visto que, ainda que não produza prova, poderá ter seu pedido julgado procedente a depender do caso concreto.

Alguns doutrinadores distinguem o ônus em dois tipos, quais sejam, o objetivo e o subjetivo.

O ônus objetivo é resultante da interpretação do artigo 333 do Código de Processo Civil, o qual dispõe que cabe ao autor de provar o fato constitutivo de seu direito, e ao réu o de provar os fatos extintivo, modificativo e impeditivo do direito do autor. Já do ônus subjetivo, depreende-se que as regras de distribuição do ônus são regras de julgamento, a serem aplicadas, no momento em que o órgão jurisdicional vai pronunciar seu juízo de valor a cerca da pretensão do autor.

Deduz-se então, que sob a ótica do ônus objetivo, não é relevante identificar quem está propondo a apresentação das provas, uma vez que aqui se aplica o princípio da comunhão da prova, a qual está fundamentada no fato de que, apresentada em juízo, a prova passa a pertencer ao processo e não as partes, podendo ser aproveitada em favor ou desfavor de qualquer dos envolvidos na demanda. No tocante ao ônus subjetivo, infere-se que a determinação de quem será incumbido do ônus da prova, será dada pelo juiz após analisar o caso concreto, de forma que a prova caberá a parte que tiver mais condições para tal.

3 ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO

 

Sendo o ônus da prova a designação de quem deve provar em juízo a existência de determinado fato, a fim de contribuir para a formação da convicção do magistrado quando da prolação da sentença, no Processo do Trabalho, embora se tenha disposição legal a respeito, esta é considerada insuficiente e gera grandes questionamentos, notadamente quanto à distribuição do ônus probandi entre as partes litigantes no processo.

Em se tratando de ônus da prova, de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 818, dispõe-se expressamente a quem cabe o ônus da prova, senão vejamos:

Art.818. A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.

Um critério semelhante é usado no artigo 333 do Código de Processo Civil, que dispõe, in verbis:

                       

Art.333.  O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Atualmente ainda existe uma discussão quanto à aplicabilidade do dispositivo processual civil ao processo do trabalho. Apesar de renomados doutrinadores, a exemplo de Manoel Antônio Teixeira Filho, posicionarem-se de forma diversa à aplicação subsidiária da regra de distribuição do ônus da prova estabelecida no Código de Processo Civil, por julgarem suficiente o artigo 818 da CLT, tem prevalecido a corrente que sustenta a pertinência da utilização supletiva do dispositivo processual civil.

É o que leciona o ilustre Carlos Henrique Bezerra Leite, em uma de suas enaltecíeis obras:

“O art. 818 da CLT estabelece textualmente que “o ônus de provar as alegações incumbe à parte que as fizer”. Essa regra, dada a sua excessiva simplicidade, cedeu lugar, não obstante a inexistência de omissão do texto consolidado, à aplicação conjugada do art. 333 do CPC, segundo o qual cabe ao autor a demonstração dos fatos constitutivos do seu direito e ao réu a dos fatos impeditivos, extintivos ou modificativos.”

A crítica que é feita aos doutrinadores adeptos da corrente que diz ser aplicável o dispositivo processual civil, é perpetrada com base no artigo 769 da CLT, o qual prevê como única possibilidade de aplicação supletiva do CPC o caso de omissão legislativa trabalhista. O que segundo os críticos, não ocorre, uma vez que ainda que simplória, a distribuição do ônus da prova é regulada pelo artigo 818 da CLT.

A corrente que afirma ser aplicável supletivamente o artigo 333 do CPC ao processo do trabalho, o faz com base na proteção do empregado, com a finalidade de atribuir a este, presumidamente hipossuficiente na relação jurídica, igualdade perante a outra parte.

Diferentemente dos doutrinadores supracidados, Francisco Meton Marques de Lima segue um caminho mais extremado que os outros apresentados. Assevera o referido autor que os artigos em questão, 818 da CLT e 333 do CPC, são conceituações ultrapassadas. Atualmente, vigora a ideia de que o ônus de provar será incumbido à parte que tiver maiores condições de fazê-lo. Tal pensamento é decorrente dos tribunais franceses, que amoldam o ônus de provar à melhor oportunidade e capacidade das partes.

            Quando falamos em hipossuficiência do empregado no processo do trabalho, estamos nos referindo a dificuldade deste em produzir provas, sendo transferido tal ônus então ao empregador, em tendo este melhores meios para comprovar os fatos.

Diante deste novo prisma do Direito Processual, da carga dinâmica do ônus da prova, faz-se necessário uma melhor compreensão cuja abordagem virá no próximo capítulo. A referida teoria, também chamada de princípio da melhor aptidão para a prova, tem uma maior disseminação no Direito Brasileiro sob a denominação inversão do ônus da prova e já está sendo aplicada nos tribunais.

3.1 Ônus probandi do fato negativo

        

Este ponto refere-se às ações declaratórias negativas, que objetivam a declararação da inexistência de uma relação jurídica. Isto está disposto no inciso I do artigo 4º do Código de Processo Civil, que diz:

Art. 4º - o interesse do autor pode limitar-se à declaração:

I – da existência ou da inexistência de relação jurídica;

                                              

Tal assunto encontra bastante divergência doutrinária no tocante à designação do ônus da prova nesses casos. Uma corrente afirma que quem deverá provar é o autor da ação, independentemente das negatórias pela outra parte. A segunda corrente, afirma que será aplicado a inversão do ônus da prova, uma vez a negativa resulta de uma afirmação que se pretende conseguir por meio de declaração negativa.

4 INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO

 

De acordo com uma determinada parte da doutrina, o ônus da prova com base no artigo 818 da CLT, pura e simplesmente, parece ter um teor fraco e problemático em relação ao seu conteúdo, uma vez que se for interpretado literalmente, ficará estagnado na atribuição de ônus somente à parte reclamante, a qual se vale de suas alegações para a propositura da ação e de sua pretensão.

O instituto da inversão do ônus da prova veio à baila, com a tentativa de minorar uma possível desigualdade processual entre as partes.

A inversão do ônus da prova no processo do trabalho figura como sendo a possibilidade de o juiz determinar o ônus probatório àquele que tiver maior aptidão para provar, e não àquele que alegou o fato em juízo. Em agindo dessa maneira, o processo irá se desvincular do engessamento formal que a lei lhe atribui e passará a atender ao fim pretendido, qual seja, a resolução final da lide.

Como já foi dito, os tribunais estão pondo em prática essa nova visão da processualística no tocante as provas, uma vez que já existem inclusive entendimentos sumulares acerca da inversão do ônus da prova. Como exemplos podemos elencar as súmulas 68, 212 e 338, inciso III, todas elas do TST.

Versam sobre a inversão do ônus da prova em benefício do empregador, uma vez que em sendo hipossuficiente na relação jurídica, não poderá provar determinados fatos que podem garantir o seu direito, sendo a prova destes fatos possível de ser produzida pelo empregador. O juiz então, com base na vulnerabilidade da outra parte, determinará que o empregador será o incumbido de determinadas provas.

Alguns doutrinadores ainda se manifestam no sentido de buscar fundamentação legal para a concessão da inversão do ônus da prova no processo trabalhista, ao realizar uma interpretação por analogia ao disposto no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor.

Nesse sentido é que se manifesta Carlos Henrique Bezerra Leite:

“Atualmente, parece-nos não mais haver dúvida sobre o cabimento da inversão do ônus da prova nos domínios do direito processual do trabalho, não apenas pela aplicação analógica do art. 6º, VIII, do CDC, mas também pela autorização contida no art. 852-D da CLT.”

Este dispositivo legal da CLT, em suma, dispõe que caberá ao juiz determinar as provas a serem produzidas, bem como determinar o ônus probatório de cada litigante. Trata-se, pois de um caso em que, a depender do magistrado, poder-se-á aplicar a inversão do ônus da prova a fim de beneficiar o empregado.

É importante ressaltar que a aplicação do instituto supracitado só deverá ter cabimento quando não existirem outras provas ou outros meios de prova nos autos, que possam ser suficientes à formação do convencimento do magistrado acerca dos fatos alegados pelas partes.

Pode-se ainda elencar casos práticos em que será aplicada a inversão do ônus da prova em benefício do empregado, como a prova sobre o tempo de duração do contrato de trabalho; a prova sobre a jornada de trabalho; a prova sobre o salário mínimo, entre outros.

Depreende-se então que a inversão do ônus da prova no processo trabalhista é plenamente possível, desde que diante do caso concreto, a parte hipossuficiente não possua os meios para provar o alegado e a outra parte detenha estes meios. Ainda sobre o tema, pode-se encontrar fundamentação com a interpretação por analogia do artigo 6º, VIII, do CDC, ou com a interpretação teleológica do artigo 852-D da CLT.

CONCLUSÃO

 

O ônus da prova no processo do trabalho tem sido alvo de várias especulações doutrinárias acerca de sua real forma de ser aplicado, assim como a possibilidade de inverter-se o ônus da prova.

A fase probatória adquire especial relevância no processo do trabalho, sendo o ônus de sua distribuição disciplinado no artigo 818 da CLT, que, por sua simplicidade e pouca técnica, deve ser aplicado supletivamente com o artigo 333, do CPC.

É relevante pontuar que, como já demonstrado, o ônus da prova deixou de ser um conceito estático visto de maneira positivista. Atualmente, figura como sendo um conceito variável quanto à aplicação no caso concreto. Portanto, ainda que se tenham casos em que, de uma forma geral, a tendência pode ser pela inversão do ônus da prova, não se pode ter esses casos como absolutos, visto que dependerá de análise judicial.

Resta claro, então que é possível a inversão do ônus da prova no processo do trabalho, sobretudo para compensar a notável desigualdade entre as partes, contribuindo também a inversão do ônus da prova para a efetiva demonstração da verdade dos fatos.

Por fim, nota-se que sobre o assunto ainda pairam fortes discussões doutrinárias, as quais estão longe de serem solucionadas. Embora não se possa dar total certeza a uma ou outra corrente, é notável que a corrente que se posiciona pela possibilidade de inversão do ônus da prova, o faz com mais propriedade, inclusive tem aceitação pelos tribunais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GIGLIO, Wagner D. Direito processual do trabalho/ Wagner D. Giglio, Cláudia Giglio Veltri Corrêa. 16ª edição. rev., ampl., atual. e adaptada. São Paulo: Saraiva, 2007

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 7ª edição. São Paulo: LTr, 2009

LIMA, Francisco Meton Marques de. Elementos de direito do trabalho e processo do trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTr, 2005.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense; modelos de petições, recursos, sentenças e outros. 32. Ed. São Paulo: Atlas, 2011



[1] Artigo apresentado à Disciplina de Direito Processo do Trabalho – Curso De Direito da Faculdade Paraíso – FAP – Turno Manhã, 2012.1, como requisito para obtenção de nota para a segunda avaliação.

[2] Aluno do Curso de Direito do VII Semestre da Faculdade Paraíso do Ceará.

[3] Aluno do Curso de Direito do VII Semestre da Faculdade Paraíso do Ceará.

[4] Aluno do Curso de Direito do VII Semestre da Faculdade Paraíso do Ceará.

[5] Mestra em Ciências Jurídicas e Professora orientanda da Disciplina de Direito Processual do Trabalho da Faculdade Paraíso do Ceará.