1. Visão história e conceito de colação

1.1.       Origem do direito das sucessões

Este presente estudo trata de colação, diante deste instituto torna-se imprescindível que de forma sintética abordemos a origem e os fundamentos deste ramo do direito.

Segundo Maximliano (1964), no início da socialização e disposição do homem em sociedade, só era considerado um sujeito de direito aquele que fizesse parte de um clã, de uma tribo, ou seja, para o indivíduo não existia a propriedade individual, portanto, a sucessão.

Apenas com o surgimento da família, surge também a propriedade comum a um grupo restrito, o que afirma Maximiliano (1964), que de acordo com a organização da entidade familiar, passa a assegurar o domínio sobre os rebanhos, e sobre a terra, estes bens que passavam do dono para a família após sua morte. Dessa forma, podemos notar a intersecção com a origem das sucessões, o direito de propriedade e o direito de família.

Para Coulanges (2005), há a íntima ligação entre o direito hereditário e o culto familiar, existentes nas sociedades mais antigas, na qual os cultos dos antepassados, centro de toda uma vida religiosa, cabia ao herdeiro que automaticamente também recebia a transmissão da propriedade familiar. Assim, durante séculos a sucessão se transmitiu apenha na linha masculina, já que o filho primogênito era o sacerdote da religião doméstica, conforme se comprova a seguir:

O direito de propriedade, estabelecido para o cumprimento de um culto hereditário, não poderia extinguir-se ao cabo da curta vida do indivíduo. O homem morre, o culto permanece; o fogo nunca deve se apagar nem o túmulo ficar abandonado. Persistindo a religião doméstica, com ela permanece também o direito de propriedade. (...)

Deste princípio se originaram todas as regras do direito sucessório entre os antigos. A primeira é que sendo a religião doméstica, como já foi visto, hereditária, de varão a varão, a propriedade também o era. Assim, sendo o filho o natural e necessário continuador do culto, herda também os bens. Nisso está o surgimento do princípio da hereditariedade; não era, pois o resultado de simples convenção entre homens, apenas; deriva de suas crenças e religião, do que mais poderoso sobre as almas. (COULANGES, Fustel. A cidade antiga, 2005, p.78-79)

Segundo Rodrigues (2006), a regra de transmissão da herança apenas ao primogênito varão, decorreu do motivo religioso acima esclarecido, perpetuou-se em muitas civilizações, principalmente em função do propósito de se manter poderosa a família, evitando-se assim a divisão do patrimônio entre os filhos.

Maximiliano (1976), no direito contemporâneo, em quase todos os países, com exceção da Escócia, da Sérvia e do direito islâmico, há a regra da igualdade de direito á herança entre os herdeiros do mesmo grau, o qual se concretizou apenas com a Revolução Francesa, principalmente no âmbito das igualdades relativas ao sexo e à primogenitura.

O direito das sucessões ou hereditário nos dizeres de Beviláqua conceitua “um complexo dos princípios segundo os quais se realiza a transmissão do patrimônio de alguém que deixa de existir”. Em contrapartida Maximiliano (1976) conceitua como “um conjunto das normas reguladoras da transmissão dos bens e obrigações de um indivíduo em consequência de sua morte”.

A sucessão mortis causa, uma transmissão dos bens após o falecimento do titular, pode ser compreendida pelos ensinamentos de Ascensão (2000), o que relativiza a íntima ligação entre o direito de propriedade e o direito das sucessões:

Com efeito, se admite o instituto da propriedade privada, se admite a diversificação dos patrimônios que esta importa, seria ilógico que o Estado absorvesse tudo à morte de cada um, eventualmente para redistribuir depois, criando instabilidade nas relações patrimoniais. (ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil:sucessões. 2000, p.26)

Por sua vez, Rodrigues (2006), a admissão dos direitos sucessórios por sua vez incentivos à poupança por parte do particular, pois este visa assegurar o bem estar de seus herdeiros, sua família, atua indiretamente no sentido do interesse social e consequentemente, aumentam o patrimônio da sociedade. Assim, a sociedade permite a transmissão de bens aos herdeiros, o que estimula a produção de riquezas e conserva unidades econômicas a serviço do bem comum. Neste ponto que está inserida a afirmação de que o direito das sucessões desempenha importante função social.

Neste aspecto, Beviláqua (1945) expõe a função social no direito hereditário, como exposto a seguir:

É preciso ter a vista perturbada por algum preconceito para não reconhecer, no direito sucessório, um fator poderoso para aumento da riqueza pública; um meio de distribuí-la do modo mais apropriado à sua conservação e ao bem-estar dos indivíduos; um vínculo para a consolidação da família, se a lei lhe garante o gôzo dos bens de seus membros desaparecidos na voragem da morte; e um estímulo para sentimentos altruísticos, porque traduz sempre um afeto, quer quando é a vontade que o faz mover-se, quer quando a providência parte da lei.

Sendo assim, cumpre aos legisladores regularem a sucessão do modo mais consentâneo com os interesses combinados da sociedade, da família e dos indivíduos, mas nunca eliminá-la por completo, como se fosse um elemento perturbador da harmonia social. (BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das sucessões, 1945, p.14)

No ordenamento pátrio, o direito sucessório está previsto como garantia constitucional, no artigo 5º, inciso XXX, da Constituição Federal, da mesma forma que o direito da propriedade, nos incisos XXII e XXIII do dispositivo citado. Comprova-se, segundo Cahali (2000), portanto, que o ordenamento jurídico brasileiro atribui a característica da essencialidade do direito das sucessões às relações intersubjetivas e afasta por completo qualquer tentativa de socializar o patrimônio deixado por força da morte de alguém, lembrando que tais garantias são cláusulas pétreas e, portanto, não podem ser abolidas, sequer por emenda constitucional, nos termos do artigo 60, § 4° , inciso IV, da Carta Magna.

1.2 Origem Histórica do Instituto da Colação

Segundo Maximiliano (1964), o surgimento da colação ocorreu no direito romano, já que havia os filhos que ficavam sob o pátrio poder, denominados in manu e os que se emancipavam, designados como sui júris ou emancipati. Os emancipados formavam desde cedo seu patrimônio particular, e em geral, contavam com a ajuda dos ascendentes, ao passo que os in manu aumentavam, com esforço próprio, o patrimônio paterno.

No período anterior a Justiniano segundo Ferreira (2002), não herdavam os filhos emancipados, pois não mais estavam sujeitos ao pátrio poder, em virtude das XII Tábuas, que restringiam o direito à herança. No entanto, o pretor, movido pelo princípio da equidade, passou a chamar de forma conjunta a sucessão tanto dos filhos emancipados como dos filhos sujeitos ao pátrio poder, por meio de bonorum possessio ab intestato y possessio contra tabulas, passando a família romana de agnatícia a cognatícia, fundada nos laços de sangue.

Todavia esta mudança atingiu outra injustiça, já que com o falecimento do progenitor, os emancipados, cujo patrimônio pessoal havia sido formado com a ajuda do mesmo, participavam da herança em igualdade de condições com os demais herdeiros necessários não emancipados, os quais não possuíam patrimônio particular, já que os bens por este adquirido em momento anterior faziam parte da integralização do patrimônio do progenitor.

O pretor corrigiu essa nova injustiça por édito¹, ao determinar que os herdeiros sui júris (emancipados) trouxessem para a massa partilhável do progenitor o que haviam adquirido de patrimônio particular, o que se denominou coferre collatio, ou seja, necessidade de conferir a colação. Surge dessas ações, a collatio bonorum, ou seja, a colação de bens, ou ainda a collatio emancipati, conceituada como a colação de emancipados, todos esses conceitos esclarecidos por Maximiliano (1976).

_______________________

¹ Conforme esclarecido por Nelson Pinto Ferreira, na lição de Juan Iglesias, “Edicto do Magistrado ou Ius edicendi é a faculdade que tinham todos os Magistrados de se dirigirem ao povo, por palavras ou por escrito. Essa faculdade se expressava em um edictum, que consistia em um programa de atuação. É de importância singular entre todos os edictos, aquele em que o pretor assume a tarefa de ajudar, de suprir ou corrigir o direito civil. O pretor administra a justiça civil e, por via processual, sobre o todo da atuação para uma nova formação jurídica que nutre e vigoriza o sistema tradicional (ius civile). (FERREIRA, Da colação no direito civil brasileiro e no direito civil comparado, p. 2

Miranda também analisa o surgimento da colação no direito romano, como segue em sua afirmação:

No direito romano, os Pretores, para atender à bonorum possessio contra tabulas e ab intestato, tiveram de conceber a collatio. Sem isso,não se poderia assegurar a igualdade quanto à herança, máxime no tocante a quem era emancipatus, e havia adquirido bens antes da morte do decujo, inclusive quanto a dívidas que assumira. Era o confere, a collatio. Antes, havia o trato desigual dos sui herderes e do emacipatus. O Edicto corrigiu-o, com o direito dos sui e o dever de colação, por parte de quem teria de atender ao princípio do trato igual (...) como o Pretor admitia aos emancipados a posse dos bens contra o testamento e os fizera partícipes dos bens paternos com os que estavam sob o pátrio poder, consequente era que levassem a colação os próprios bens os que pedissem bens paternos”. (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito privado. p.310)

Na linha cronológica do tempo, em momento posterior a obrigação inicialmente restrita aos filhos emancipados, estende-se as filhas que haviam recebido dote do progenitor, o que origina a collatio dotis.

Segundo Maximiliano (1976), em 472, o Imperador Leão promulgou lei que substitui a colação dos emancipados pela collatio descendentium, a qual obrigava todos os filhos que houvessem recebido liberalidades do pai em vida a fazerem a colação, independentemente de estarem sob o pátrio poder ou não.

Ainda segundo Maximiliano (1976), a Novela 18,6 de Justiniano, estendeu o dever de colacionar à própria sucessão testamentária, salvo se o progenitor expressamente liberasse o filho desta obrigação. Neste contexto, a colação foi limitada aos bens profectíicos, isto é, aqueles que o pai separava de seus haveres e entregava aos filhos para que administrassem em nome próprio, como coisas suas. Excluíam-se da collatio, portanto, os demais bens, adquiridos por esforço próprio do filho, ou mesmo herdados ou doados por terceiros que não o genitor falecido.

Assim, concluindo este ponto, Beviláqua (1945) esclarece que:

Todas essas ideias, desenvolvendo-se, aperfeiçoando-se, foram sendo transmitidas, através do direito costumeiro ou codificado dos povos, que sucederam aos romanos na posse da Europa, aos sistemas que, atualmente vigoram no mundo ocidental. (BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das sucessões, p.400).