CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR COMO CAUSAS EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE POR FATO DO PRODUTO E DO SERVIÇO[1]: A taxatividade das hipóteses previstas nos incisos do § 3° do art. 12 do CDC e a admissão das causas excludentes não expressas.

Prof. Esp. Roberto Almeida[2]

Raul Cesar da Rocha Vieira

Robston Cesar de Lima Filho[3]

 

RESUMO

 

Analise dos aspectos relativos à responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, desde sua fundamentação, partindo da explicação da Teoria da Adequação, através dos conceitos de defeito, dano, nexo causal e conduta do fornecedor, como requisitos para imputação de responsabilidade ao fornecedor que não cumprir com dever de segurança. Seguido da análise conceitual das excludentes não expressas, consideradas com tal, vale dizer, caso fortuito e força maior, e por fim a analise da validade, ou não, delas como excludentes de responsabilidade, considerando as divergências existentes dentro da doutrina.

PALAVRAS-CHAVE: Fato. Produto. Fornecedor. Excludentes.

Sumário: Introdução; 1. Da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço; 2. O conceito de caso fortuito e força maior; 3. Das causas excludentes expressas; 4. Da incidência de causas não expressas 5. Conclusão; 6. Referências.

 

INTRUDUÇÃO

 

O Direito do Consumidor brasileiro estabeleceu um sistema de responsabilidade civil pautado em duas diretrizes fundamentais, são elas a norte-americana, que vincula a atuação do fornecedor do produto e/ou serviço à um sistema de garantias implícitas, e à diretriz europeia, que trabalha com a noção de defeito do produto. Trata-se da Teoria da Adequação. É fundamental tal teoria, uma vez que ajuda na própria conceituação do que vem a ser a responsabilidade pelo fato do produto do serviço, em segundo plano, e em primeiro plano, vem determinar a responsabilidade objetiva, que independe da culpa (negligencia, imprudência ou imperícia) do fornecedor.

É necessário entender de antemão os conceitos e aspectos relativos ao fato do produto ou serviço. Irá ser apresentada uma visão geral sobre o que é responsabilidade pelo fato, tratando do conceito de defeito, para a doutrina e para o CDC, analisando os requisitos para a imputação da responsabilidade, são elas, a existência do defeito, o nexo causal, a conduta do fornecedor e a existência do dano ao consumidor.

Logo após tal analise desses aspectos relativos aos art. 12 do CDC, seguirá a análise teórica do dispositivo do CDC que trata das causas excludentes de culpabilidade por responsabilidade por fato do produto e do serviço, se pode ser considerado dentro do rol de causas, o “caso fortuito” e “força maior”, tratando para tantos dos posicionamentos divergentes acerca do assunto, uma vez que alguns autores consideram como rol taxativo o das hipóteses de causas de exclusão.

Uma vez considerado o caso fortuito e força maior como excludente de culpabilidade, afasta do fornecedor e das outras figuras do art. 12 do CDC a possibilidade de serem responsabilizadas caso ocorra uma dessas probabilidades, o que garante a essas figuras proteção, uma vez que não deram causa ao fato do produto ao do serviço. Com a tentativa de solucionar esse problema teórico, sobre a taxatividade das hipóteses.

Parte da doutrina entende que devido o fato do CDC estar fundado na teoria do risco do negócio/atividade, a responsabilidade objetiva não admite que o caso fortuito ou força maior excluam o dever de indenizar, uma vez que não são encontrados no CDC como causas de exclusão da responsabilidade. Porém, a doutrina dominante e a jurisprudência do STJ reconhecem a aplicação desta excludente.

DA RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Antes de iniciar o posicionamento sobre o conceito geral e os aspectos relativos à responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, é interessante trazer a abordagem teórica utilizada na elaboração do Código de Defesa do Consumidor brasileiro, que determinou a responsabilidade civil objetiva imputada ao fornecedor no caso de defeito do produto – conceitos que serão verificados a diante.

Cumpre dizer que o CDC sofreu influencia de ordenamentos diversos, sendo os mais importantes, o direito norte-americano e o europeu. Para a definição da responsabilidade objetiva, o direito brasileiro se apoiou na noção norte-americana de garantias implícitas, a qual determina a responsabilização pelo risco do produto, e no direito europeu na noção de defeito do produto. Sobre o tema, esclarece Bruno Miragem:

[...] o CDC é resultado da influencia de experiencia jurídica de diferentes ordenamentos jurídicos, em especial do direito norte-americano e do direito europeu. Neste sentido, enquanto no direito americano partiu-se do sistema de garantias implícitas (implied warranties) para alçar-se a responsabilidade objetiva, do sistema da diretiva européia incorporou-se no direito brasileiro a noção de defeito do produto [...], e a conveniência de imputar-se a responsabilidade objetiva com vista a chamar o fabricante para arcar com o ônus dos riscos causados por sua atividade (MIRAGEM, 2012, p. 433)”.

A partir da absorção de ambas as noções é que surgiu uma corrente doutrinária denominada pelo direito consumidor brasileiro de Teoria da Qualidade, onde é necessário que os produtos e serviços “atendam um dever de qualidade imposto aos fornecedores, de garantia e segurança” [4]. Vale dizer que tal teoria da adequação, na verdade, trata-se da teoria unitária da responsabilidade civil, apenas com um figurino diferente. Ressalta-se que, para essa teoria, independe se a responsabilidade é contratual ou extracontratual, o que vale é a mera demonstração da existência de relação consumeirista e a existência de defeitos e vícios. Leonardo Medeiros Garcia, citando de forma pertinente Anelise Becker (1995, p. 54 apud GARCIA, 2010, p. 116) quando diz que

“no âmbito do Direito do Consumidor, por força da necessidade de uma atuação mais eficiente de suas medidas tutelares, já se verifica a adoção da teoria unitária da responsabilidade civil, sob roupagem da teoria da qualidade. A responsabilidade pelo vício de qualidade, anexa à atividade do fornecedor e fundado no princípio da proteção à confiança. Este dever de qualidade imprime no próprio produto ou serviço a garantia de ausência de vício de qualidade por insegurança ou por inadequação, funcionando, assim, como fundamento único da responsabilidade, contratual e extracontratual, da cadeia de fornecedores em relação aos consumidores e fazendo prescindir inteiramente da existência de vinculo contratual entre uns e outros para a responsabilização dos primeiros [...]”

A partir dessa noção teórica, temos a definição da responsabilidade civil pelo fato do produto ou do serviço, que nada mais é do que a imputação de responsabilidade ao fornecedor pelo dano que vier a ser causado ao consumidor por motivo de defeito em sua fabricação ou fornecimento, o que determina o dever de indenização, ou seja, a “responsabilização por vício de segurança” [5], pois a utilização do objeto de transação (produto ou serviço) é capaz de produzir algum tipo de risco a integridade do consumidor ou de terceiros (consumidor equiparado), ocasionando, dessa forma, um resultado danoso, que cumpriu a doutrina chamar de acidente de consumo.

Conceitua Bruno Miragem[6]:

“A responsabilidade civil pelo fato do produto ou do serviço consiste no efeito de imputação ao fornecedor, de sua responsabilização em razão dos danos causados em razão de defeito na concepção ou fornecimento de produto ou serviço, determinando seu dever de indenizar pela violação do dever geral de segurança inerente a sua atuação no mercado de consumo”.

Para que se possa responsabilizar civilmente, deve se observar determinados requisitos exigíveis para a atribuição de responsabilidade. O primeiro deles a ser observado é a existência de defeito. Por defeito, entende-se a qualidade do produto ou serviço que não oferece a segurança que dele se espera. Este conceito é dado pelo próprio CDC em seus art. 12, § 1°, e pode ser mais bem entendido afirmando que se trata de um problema extra, ou seja, “o defeito é um vicio acrescido de um problema” e “não só gera uma inadequação do produto ou serviço, mas um dano ao consumidor ou a outras pessoas”.

Esclarece Bruno Miragem[7]:

“O defeito, como pressuposto da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, é uma falha do atendimento do dever de segurança imputado aos fornecedores de produtos e serviços no mercado de consumo. Difere dos vícios, que representam a falha a um dever de adequação, que se dá quando o produto ou serviço não servem à finalidade que legitimamente deles são esperados, pelo comprometimento da sua qualidade ou quantidade”.

Vale dizer que existem determinados critérios determinado pelo CDC para a determinação da qualidade de produto ou serviço defeituoso. Sucintamente, o defeito pode decorrer de falha na concepção ou projeto do produto, ou seja, falha no dever de segurança no momento de produção do bem a ser fornecido. Pode decorrer também de má execução, produção ou fabricação, que acontece pela falha no dever de segurança no momento da prestação do serviço ou de produção/fabricação de determinado produto. E por último, pode  haver defeito enquanto a informação ou comercialização do bem e ocorre quando a apresentação de informações relativas ao produto são insuficientes ou inadequadas sobre seu uso e riscos.

Outro requisito interessante a ser abordado é o Nexo de Causalidade existente entre a conduta do fornecedor – e esta é a inobservância do dever de segurança, por alguns dos defeitos tratados no parágrafo anterior – e o dano causado pelo defeito do produto ao consumidor. Sobre o nexo causal, Miragem diz que é “pressuposto lógico que vincula a ocorrência de um determinado dano indenizável a uma dada conduta (MIRAGEM, 2012, p. 442)”, Trata-se, portanto de uma relação de causa e efeito que merece ser provada para imputação de responsabilidade do fornecedor.

Outro requisito essencial para imputação de responsabilidade pelo fato do produto ou serviço é o resultado danoso. O dano indenizável, no âmbito da responsabilidade civil , pode ser material ou moral, individual, coletivos e difusos, segundo o  artigo 6°, VI, do CDC.

Por dano material, entende-se como sendo aquelas que ocasionam certo tipo de prejuízo econômico “que decorrem de determinada ofensa ao direito alheio” e deve ser certos e demonstráveis.  Já os danos morais, trazem uma ofensa à própria pessoa da vítima, e são “insuscetíveis de avaliação pecuniária”.

Já os danos individuais, difusos e coletivo, decorrentes da massificação e extensão das relações de consumo, são identificados como

“danos que não atingem apenas um consumidor em específico, mas todo um grupo, ou a generalidade de pessoas que integram uma determinada comunidade. Daí porque os danos em direito do consumidor podem ser individuais ou transindividuais. Individuais, quando se tratar de danos sofridos individualmente por determinado consumidor. E transindividuais, os danos causados a um grupo todo de consumidores, os quais subdividem-se em danos coletivo e difusos, na medida em que os interesses atingidos e cuja ofensa representa um dano sejam interesses coletivos ou difusos (MIRAGEM, 2012, p. 449)”

CONCLUSÃO

Por fim, conclui-se, pela análise de todos os elementos proposto, relacionados à responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, decorrente de defeito e causador de dano ao consumido, bem como das causas excludentes dessa responsabilidade, elencadas expressamente no § 3° do art. 14 do CDC, e das causas não expressas, que esta, apesar de divergir a doutrina no que toca a sua consideração como tal, estabelecemos a contrariedade ao posicionamento liderado por Nelson Nery Jr., que sustenta a taxatividade do rol do dispositivo supracitado, a doutrina e a Jurisprudência entende o caso fortuito e força maior, do art. 393, do CC, são plenamente aplicáveis como causas de excludente de responsabilidade, principalmente quando ocorrem após a introdução do produto no mercado de consumo.



[1] Trabalho apresentado para obtenção da segunda nota da cadeira de Direito do Consumidor

[2] Professor orientador.

[3] Alunos do 6° Período Noturno de Direito da UNDB – Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

[4] MIRAGEM, 2012, P. 433.

[5] GARCIA, 2010, P. 113.

[6] MIRAGEM, 2012, P. 431

[7] MIRAGEM, 2012, P. 438