CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR COMO CAUSAS EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE POR FATO DO PRODUTO E DO SERVIÇO: da responsabilidade Civil nos estacionamentos pagos [1]

 

Davison Luis Reis Cunha e Ana tamires[2]

Roberto Almeida[3]

 

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. A responsabilidade objetiva nos estacionamentos; 2. Excludentes de responsabilidade no CDC; 3. Caso fortuito e força maior em estacionamentos pagos ; 4. Analise de julgados em relação ao tema; Considerações finais. Referências Bibliográficas

 

 

RESUMO

O presente paper tem o escopo de analisar de forma primeira como caracterizar-se-ia a responsabilidade objetiva no que se refere à função dos estacionamentos em suas duas modalidades: pagos e gratuitos. Em tal análise, serão feitos apontamentos da jurisprudência em relação ao Código de Defesa do Consumidor, demonstrando-se em que condições serão excluídas a responsabilidade do fornecedor de serviços no que concerne a atos ilícitos ocorridos no espaço dos estacionamentos.  E qual o grau de vinculação do fornecedor no que se refere à prestação de serviços de estacionamento quando considerado como dever principal ou acessório. Mostrará ainda a divergência doutrinária a respeito se o caso fortuito e força maior se são ou não excludentes de responsabilidade.

PALAVRAS-CHAVE

Consumidor. Responsabilidade. Excludentes de responsabilidade. Estacionamento.

 

 

 

Introdução

A ordem jurídica tem como fundamento básico a proteção do que é lícito e a repreensão do que seja ilícito. Dentro desse contexto, quando há a violação do dever geral de não prejudicar ninguém, há a obrigação de reparação do dano causado, tanto quanto possível. Isso é classificado como responsabilidade civil. 

A responsabilidade imposta pelo Código de Defesa do Consumidor ao fornecedor seja de produtos ou serviços é quanto ao dever de qualidade e segurança (MELO, 2005). Isso significa que um fornecedor de produto ou serviço, tem por obrigação legal a oferta dos mesmos com respeito, por exemplo, à integridade física e segurança do consumidor, cabendo a sua não responsabilização ou o seu não dever de indenizar caso prove que não colocou o produto no mercado, ou que colocando o produto ou fornecendo o serviço, não existe defeito apontado ou mesmo que a culpa é exclusiva do consumidor, segundo previsão do artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor (MELO, 2005).

Diante disso, o presente paper analisará a responsabilidade civil nos estacionamentos pagos e gratuitos. Sendo estacionamento compreendido como local de guarda de veículos enquanto os proprietários ou condutores perfazem uma atividade.        

1.                A responsabilidade objetiva nos estacionamentos

O Código Civil de 2002 adota como regra a responsabilidade subjetiva em que é necessária a demonstração de culpa na conduta daquele que causar dano a outrem. Sendo assim, a responsabilidade objetiva, sem a prova de culpa, é considerada exceção, sendo possível somente por previsão legal.

Institui o Código Civil, em seu artigo 927, parágrafo único, que:

 

“haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Com este artigo, adota-se a teoria do risco criado, em que se prevê uma forma de socializar os riscos, ou seja, o dano decorrente da atividade cairá sobre o causador e a vitima. O que não seria correto, uma vez que a pessoa prejudicada não teria como evitar o dano (BERALDO, 2004).

Sérgio Cavalieri Filho apud Luiz Mário Leal Salvador Caetano (2013) afirma que “não se pode esperar dos estacionamentos, segurança contra ataques armados, diferentemente do que se espera de bancos”. Neste contexto, a terceira turma do STJ decidiu que não se pode responsabilizar empresa de estacionamento no qual tenha ocorrido assalto à mão armada em que o cliente teve levado os seus pertences, mas houve a preservação do veículo.

Para Nancy Andrighi, relatora do recurso, “a responsabilidade do estabelecimento não pode ultrapassar o dever contratual de guarda do automóvel”.

Neste contexto e considerando-se os serviços de meio e os de fim, Sérgio Cavalieri Filho apud Luiz Mário Leal Salvador Caetano (2011) afirma que:

 

“Os serviços que geram obrigação de resultado, por exemplo, terão que ser prestados com tal segurança que o resultado alvejado seja efetivamente alcançado – o passageiro terá que ser levado são e salvo ao seu destino. Nos serviços que geram obrigação de meio não haverá que se falar em defeito do serviço, ainda que o resultado não tenha sido alcançado, desde que a atividade tenha sido desenvolvida com a segurança esperada.” (CAETANO, 2011)

 

 

Alessandro Fonseca (2008) dispõe que mesmo o fornecedor colocando nos estacionamentos placa do tipo “não nos responsabilizamos por veículos deixados neste local”, ou seja, placa de exclusão de responsabilidade será considerada nula de pleno direito, segundo previsão do artigo 51 do CDC. 

 

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

O artigo 14, § 1° CDC complementa o disposto acima ao declarar de forma explicita a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

 § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

 I - o modo de seu fornecimento;

 II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

 III - a época em que foi fornecido.

Também, o Judiciário vem se posicionando a respeito de que não importa qual a forma de estacionamento, se pago ou gratuito, o proprietário em qualquer das modalidades deverá indenizar o consumidor que venha a sofrer dano no espaço do mesmo (FONSECA, 2008).

2                   Excludentes de responsabilidade no CDC

O Código de Defesa do Consumidor previu de maneira expressa quais seriam as excludentes de responsabilidade no que concerne ao fornecimento de produtos e serviços. É a previsão do artigo 12, § 3°.

 

“Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

§ 3º O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

I - que não colocou o produto no mercado;

II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”.

Ainda, dentro das situações de exclusão de responsabilidade, pode-se elencar o caso fortuito e a força maior (Art. 393, parágrafo único do Código Civil): “O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.

No caso do inciso I, “não colocou o produto no mercado”, isso ocorre quando é terceiro estranho à obrigação de indenizar, uma vez que a responsabilidade é decorrente da colocação no mercado. Neste ponto, a responsabilização recairá sobre o real fornecedor ou quem tenha colocado o produto ou serviço no mercado (ALMEIDA, 2008). Apesar da presunção legal de que é o fornecedor quem insere o produto no mercado, mas este pode se utilizar da contraprova, uma vez não poderá ser responsabilizado pelos danos ocasionados pela introdução do produto, se não foi ele quem o disponibilizou no mercado (MELO, 2005).

O inciso II refere-se a inexistência do defeito. Neste ponto, o fornecedor é o responsável por colocar o produto ou serviço no mercado, porém, apesar da existência do dano, não há o defeito apontado. Assim, os danos não são provenientes do defeito, não existindo, portanto, obrigação de indenizar (ALMEIDA, 2008). O desembargador Paulo de Tarso Vieira Sanseverino apud Nehemias Domingos de Melo (2005) enuncia que:

“não basta que os danos sofridos pelo consumidor tenham sido causados por um determinado produto ou serviço. É fundamental ainda que esse produto ou serviço apresente um defeito, que seja a causa dos prejuízos sofridos pelo consumidor (...). O defeito do produto ou do serviço aparece como um dos principais pressupostos da responsabilidade do fornecedor por acidentes de consumo” (MELO, 2005).

Quanto ao inciso III, “culpa exclusiva de consumidor ou de terceiro”, há ausência da relação de causa e efeito entre o defeito do produto e o dano ocorrido. Seria o uso anormal ou negligente do produto por parte do consumidor ou de terceiro. Frisa-se apontar que se a culpa for exclusiva da vítima ou de terceiro, excluirá a responsabilidade do fornecedor. Porém, se caso concorrente haverá apenas uma redução do valor indenizatório, segundo posicionamento jurisprudencial (ALMEIDA, 2008).

Ainda, Cláudio Siminovich (2000) esclarece:

“Se, todavia, houver defeito nos moldes do art.12, § 1º, e houver concorrência entre o vício e a ação culposa de terceiro ou do lesado, esta, certamente, passa a não ser de natureza exclusiva, não se prestando como causa excludente de responsabilidade. Entretanto, ainda que se almeje considerar o defeito como existente, este será, quando muito defeito juridicamente irrelevante para a responsabilização do fornecedor” (SIMINOVICH, 2000).

Ou seja, em caso de concorrência de vício e ação culposa de terceiro ou do lesado, não se caracterizará como excludente de responsabilidade, uma vez que há ausência de natureza exclusiva.

Apesar de não previsto no CDC, e sim no art. 393, parágrafo único do Código Civil, o caso fortuito e a força maior, também são casos que possuem força de exclusão de responsabilidade, uma vez que rompem com o nexo de causalidade entre o defeito do produto e o dano causado ao consumidor. Fazendo-se a distinção entre caso fortuito e força maior, Maria Helena Diniz apud Gagliano e Filho (2005), salienta que:

“Na força maior conhece-se o motivo ou a causa que dá origem ao acontecimento, pois se trata de um fato da natureza, como, p.ex., um raio que provoca um incêndio, inundação que danifica produtos ou intercepta as vias de comunicação, impedindo a entrega da mercadoria prometida, ou um terremoto que ocasiona grandes prejuízos etc. Já no caso fortuito, o acidente que acarreta o dano advém de causa desconhecida, como o cabo elétrico aéreo que se rompe e cai sobre fios telefônicos, causando incêndio, explosão de caldeira de usina, e provocando morte” (GAGLIANO; FILHO, 2005).

Sendo assim, percebe-se que a característica básica da força maior é a inevitabilidade do caso, mesmo que a causa seja conhecida, ao passo que do caso fortuito é a imprevisibilidade de acordo com o paradigma do homem médio (GAGLIANO; FILHO, 2005).

Quanto a presença dessas excludentes nas hipóteses de responsabilidade civil objetiva, é mister compreender que pode o devedor de acordo com a parte final do caput do artigo 393 CC, ser responsabilizado pelo cumprimento da obrigação, mesmo que seja em caso fortuito. A possibilidade do risco, no entanto, deverá ser demonstrada em cláusula expressa do contrato. Porém, caso comprovada a absoluta ausência dos elementos caracterizadores da responsabilidade civil, a questão da responsabilidade civil objetiva e a possibilidade do risco ensejariam o afastamento da responsabilização (GAGLIANO; FILHO, 2005).

3.                Caso fortuito e força maior em estacionamentos

Como já foi dito no tópico anterior, caso fortuito e força maior são casos que possuem força de exclusão de responsabilidade, uma vez que rompem com o nexo de causalidade entre o defeito do produto e o dano causado ao consumidor. Apesar de não estarem expressamente previstos no Código de Defesa do Consumidor, o caso fortuito e força maior podem ser entendidos como casos de excludentes de responsabilidade nas relações de consumo, como no caso de estacionamentos. Em contra partida, ele está expressamente no artigo 393 parágrafo único do Código Civil:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir

Há várias posições doutrinárias em relação ao caso fortuito e força maior, é comum um doutrinador falar que naquele devido caso é força maior, e outro doutrinador falar que é caso fortuito. Gisele Leite em seu artigo mostra de forma bastante interessante as diferença que vários doutrinadores querem mostrar em relação ao tema que está se discutindo. Segue abaixo esse trecho de seu artigo:

[...] vários doutrinadores procuram estabelecer diferenças entre caso fortuito e força maior. Sintetizando as seguintes diferenças apresentadas pela boa doutrina:
1. para uns, o caso fortuito é oriundo da força física ininteligente enquanto que força maior deriva de fato de terceiro;
2. outros procuram identificar o caso fortuito como caráter imprevisto ao passo que a força maior indica o caráter invencível do obstáculo;
3. ainda há quem sustente que no caso fortuito a impossibilidade é relativa enquanto que na força maior, a impossibilidade é absoluta.
4. finalmente, temos uma corrente recente que no caso fortuito há impedimento relacionado com a pessoa do devedor ou com sua empresa, ao passo que a força maior deriva de acontecimento externo.
Dessa última corrente surgiu a diferenciação de caso fortuito interno e caso fortuito externo, para considerar que somente o último exclui a responsabilidade pelo inadimplemento da obrigação.O primeiro, por dizer, respeito à atividade do devedor, não exclui sua responsabilidade, atribuindo somente ao fortuito externo esse poder. (LEITE, 2006)

 

 

Alguns doutrinadores que entendem, que não pode ser usado a força maior caso fortuito como excludentes, se baseiam em que como a Código de Defesa do Consumidor, não estabelece expressamente essas causas como excludentes, tais não devem serem, sendo assim, o fornecedor responsável integralmente pelo dano causado.

A grande dificuldade que se encontra em relação ao tema se dá em relação aos furtos ocorridos nos automóveis que estão nos estacionamentos sequestros relâmpagos, e em relação aos fenômenos naturais, tais como chuva de granizo, fortes tempestades, raios, dentre outros (CAETANO, 2011).

Uma pessoa quando deixa seu carro em um estacionamento pago, está tomando está atitude, procurando maior segurança, conforto, caso contrário deixaria seu automóvel, em qualquer lugar, se está pagando, logicamente ele vai querer o retorno positivo daquele ato. O esperado pelo consumidor é que, apesar de terem ocorridos tempestades, ou até mesmo chuvas de granizo, que seu carro esteja do mesmo jeito que o mesmo o deixou, sem qualquer diferença, que no caso seria uma deterioração do veículo.

Indubitável que o consumidor tem a real expectativa de segurança enquanto usufrui os serviços de shopping e hipermercados; o estacionamento é uma comodidade posta à disposição dos clientes como atrativo (CHENQUER, 2008).

 A pessoa que guarda esses carros, os responsáveis, como no caso os estacionamentos de shoppings centers, supermercados, é previsível, já que está é sua função, que o mesmo tenha os equipamentos necessários para que não ocorra nenhum malefício ao veículo, como no caso de uma chuva de granizo, um local fechado e de bastante resistência e em caso de furtos, que seja o ambiente monitorado, e quem em qualquer movimento suspeito, venha á pessoa responsável pela segurança saber o que está acontecendo e tomar as medidas cabíveis.

Caetano, traz uma importante informação relacionada, em relação a teoria do preço, que pode ser adotada neste caso:

“Teoria do Preço: todo consumidor tem os mesmos direitos que o outro se pagou o mesmo preço pelo bem, a não ser que tenha sido publicada ou ofertada nova proposta, de forma clara. A importância disso? Ora, se alguns veículos são danificados por estarem em parte sem cobertura em estacionamento, e outros estão protegidos pelo teto, há uma pequena discriminação em relação à vítima do dano patrimonial. E mesmo que os coordenadores do estacionamento alegassem que somente os primeiros veículos que chegassem estariam protegidos, isto provavelmente não seria verdade, tido que assim que um dos que ocupou um lugar coberto de lá saísse, teria sua vaga ocupada por um que chegou depois que começasse a ocupação das vagas descobertas.”(CAETANO,2011)

O estacionamento não responderá se comprovar alguma das excludentes de responsabilidade civil, como o caso fortuito e a força maior, além da culpa exclusiva da vítima, o que romperá o nexo causal (CAPELARI, 2009). 

Como já foi dito, não há uma grande distinção entre caso fortuito e força maior diante os doutrinadores, e até mesmo na jurisprudência. Em contra partida se dar mais ênfase em relação a diferença entre caso fortuito externo  e caso fortuito interno.

Cavalieri Filho,é um dos doutrinadores que faz a distinção entre ambos e fala que,  fortuito externo é :

“Fortuito externo, assim entendido é aquele fato que não guarda nenhuma

relação com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao

produto ou serviço, via de regra ocorrido em momento posterior ao da sua

fabricação ou formulação”. (CAVALIERI. 2010. p. 502).

 

E sobre fortuito interno, o mesmo autor relata que:

“O fortuito interno, assim entendido o fato imprevisível e, por isso,inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor porque faz parte da sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se a noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço”. (CAVALIERI. 2010. p. 502)

 

A incidência da causa maior chuva, granizo, raios, entre outros, podem ser considerados fortuitos internos, vez que a cobertura já mostra preocupação com tais fenômenos naturais (CAETANO, 20111).

Segundo Luciana Capelari:

“Avisos como “não nos responsabilizamos pelo veículo ou pelos objetos deixados no veículo”, que configuram verdadeiras cláusulas de não-indenizar, não são admitidos como lícitos[...].Interessa destacar que o fato de o estacionamento ser gratuito não o exime da responsabilidade sobre os danos sofridos, basta que o proprietário se coloque na posição de garantidor do veículo, por murar ou gradear o local ou ainda por colocar vigilantes, porteiros etc.”( CAPELARI,2009)

 

4                   Análise de julgados em relação ao tema

 Vários doutrinadores entendem que o caso fortuito ou força maior são excludentes de responsabilidade, apesar de o Código e Defesa o Consumidor não trazer expressamente os mesmos. O STJ também mostra-se a favor disso, e como exemplo  temos o seguinte julgado, que mostra uma ação de indenização:

Ação de indenização. Estacionamento. Chuva de granizo. Vagas cobertas e descobertas. Art. 1.277 do Código Civil. Código de Defesa do Consumidor. Precedente da Corte.

1. Como assentado em precedente da Corte, o "fato de o artigo 14, § 3° do Código de Defesa do Consumidor não se referir ao caso fortuito e à força maior, ao arrolar as causas de isenção de responsabilidade do fornecedor de serviços, não significa que, no sistema por ele instituído, não possam ser invocadas. Aplicação do artigo 1.058 do Código Civil" (REsp n° 120.647-SP, Relator o Senhor Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 15/05/00).

2. Havendo vagas cobertas e descobertas é incabível a presunção de que o estacionamento seria feito em vaga coberta, ausente qualquer prova sobre o assunto.

3. Recurso especial conhecido e provido. (BRASIL, STJ. Ementa: Ação de indenização. Precedente da corte. Resp n. º 330.523 – SP. Relator: Carlos Alberto Menezes. 27 de NOV de 2001. DJ 25/03/2002 p. 278).

 

 

O fortuito externo tem sido aceito como verdadeira causa de excludente de responsabilidade implícita no CDC. Assim tem sido o entendimento do STJ, conforme julgado a seguir (JUNIOR, 2012, p.13):

RECURSO ESPECIAL - DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR –RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - FORNECEDOR - DEVER DE SEGURANÇA - ARTIGO 14, CAPUT, DO CDC –RESPONSABILIDADE OBJETIVA - POSTO DE COMBUSTÍVEIS -OCORRÊNCIA DE DELITO - ROUBO - CASO FORTUITO

EXTERNO - EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE -INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

I - É dever do fornecedor oferecer aos seus consumidores a segurança na prestação de seus serviços, sob pena, inclusive, de responsabilidade objetiva, tal como estabelece, expressamente, o próprio artigo 14, "caput", do CDC.

II - Contudo, tratando-se de postos de combustíveis, a ocorrência de delito (roubo) a clientes de tal estabelecimento, não traduz, em regra, evento inserido no âmbito da prestação específica do comerciante, cuidando-se de caso fortuito externo, ensejando-se, por conseguinte, a exclusão de sua responsabilidade pelo lamentável incidente.

III - O dever de segurança, a que se refere o § 1º, do artigo 14, do CDC, diz respeito à qualidade do combustível, na segurança das instalações, bem como no correto abastecimento, atividades, portanto, próprias de um posto de combustíveis.

IV - A prevenção de delitos é, em última análise, da autoridade pública competente. É, pois, dever do Estado, a proteção da sociedade, nos termos do que preconiza o artigo 144, da Constituição da República.V –

Recurso especial improvido. (Brasil. STJ. Ementa: Roubo. Fortuito externo. Excludente de responsabilidade. REsp 1243970 / SE. Relator: Massami Uyeda, DJe 10/05/2012).

 

 

Existem casos ainda, julgados pelo STJ, em casos de assaltos em estacionamentos de shopping center e sequestros relâmpagos, em que os responsáveis são condenados a pagar indenização, no caso do assalto a mão armada,são responsabilizados civilmente por danos morais e materias,  pois agiram com negligência no serviço prestado.Segue os julgados:

 

INDENIZAÇÃO - Relação de consumo - Fato do serviço - Responsabilidade objetiva do fornecedor - "Sequestro- relâmpago" ocorrido no interior de estacionamento de supermercado - Consumidor que tem a legítima expectativa, fomentada pelo fornecedor, de segurança enquanto frui dos serviços do estabelecimento - Estacionamento integrado ao edifício do supermercado e, em última análise, nada mais é do que uma extensão do estabelecimento, pouco importando se é gratuito ou pago - Comodidade posta à disposição dos clientes como atrativo e fator determinante para consumidores frequentarem o supermercado - Dever de segurança - Fato previsível e evitável - Ocorrência de fortuito interno, decorrente do próprio risco do negócio - 65.2010.8.26.0000; Relator(a): Natan Zelinschi de Arruda; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 23/09/2010; Data de registro: 26/10/2010)

 

Responsabilidade Civil. Danos morais e materiais. Assalto à mão armada em estacionamento de Shopping Center. Vítimas feitas reféns e vulneradas por tiroteio entre assaltantes e prepostos da requerida. Nexo de causalidade demonstrado. Indenização devida. Teoria da prova dinâmica. Sentença mantida. Recurso improvido. (AP n° APELAÇÃO CÍVEL N° 9131941-76.2007.8.26.0000- SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - VOTO N° 5792-JJS/CM PODER JUDICÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO 9073149-03.2005.8.26.0000; Relator(a): Caetano Lagrasta; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 24/03/2010; Data de registro: 06/04/2010).

 

Tão forte é a aceitação do STJ acerca da divisão do caso fortuito em externo e interno que recentemente foi editada a súmula 479 afirmando que as fraudes praticadas por terceiros no âmbito das operações bancária são casos fortuitos internos (JUNIOR, 2012, p.14):

As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. (BRASIL, STJ, Súmula 479, DJe 01/08/2012)

Acerca de dúvidas em relação á responsabilidade ou não dos donos dos estacionamentos a súmula 130 do STJ a responde: “A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”. Vale ressaltar que isso vale para estacionamentos pagos e gratuitos.

 

Considerações Finais

A responsabilidade não pode ser afastada por disposições contratuais, especialmente quando se considera o caráter de proteção que a função social exerce em função do indivíduo quando do exercício da iniciativa privada no plano jurídico pátrio.( CAETANO, 2011).

Se considerado a força maior e o caso fortuito como excludentes de responsabilidade nos casos de assaltos e outros fenômenos nos estacionamentos, os consumidores sairão prejudicados, pois os mesmos que irão ter que arcar com os prejuízos com os seus automóveis. São nulas as cláusulas que busquem afastar ou mesmo atenuar a responsabilidade do dono do estacionamento, em conformidade com o art. 25 do Código de Defesa do Consumidor (CAPELARI,2009).

Porém, apesar de não estarem expressamente no Código de Defesa do Consumidor, podem ser vistos como excludentes de responsabilidade, não se diferenciando com que fala o legislador, pois o mesmo adotou no Brasil o risco empreendimento e não o risco integral (JUNIOR, 2012).

REFERÊNCIAS

 

ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 6.ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.

BERALDO, Leonardo de Faria. A responsabilidade civil no parágrafo único do artigo 927 do código civil e alguns apontamentos do direito comparado. Disponível em: <https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=5&cad=rja&ved=0CEsQFjAE&url=http%3A%2F%2Fsiaiweb06.univali.br%2Fseer%2Findex.php%2Fnej%2Farticle%2Fdownload%2F367%2F310&ei=iAqZUYXLOojm8gSh34C4DA&usg=AFQjCNEUCLiV64ONCodxZ0sPU4gEkgqe-Q&sig2=00Tlc5T1LLY2VBpTdunxQQ&bvm=bv.46751780,d.eWU>. Acesso em: 19 mai 2013.

CAETANO, Luís Mário Leal Salvador. Responsabilidade civil dos estacionamentos e correlacionados. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 abr. 2011. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,responsabilidade-civil-dos-estacionamentos-e-correlacionados,31847.html > Acesso em: 20 maio 2013.

CAPELARI, Luciana Santos Trindade. Responsabilidade civil dos estacionamentos por danos causados a veículos ou a objetos no interior destes. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 71, dez 2009. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6666>. Acesso em  20 maio 2013.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 9 ed. São Paulo:

Atlas, 2010.

CHENQUER, Paulo Ricardo. Código de Defesa do Consumidor, roubo em estacionamento, caso fortuito, força maior, advérbio “só” e temas correlatos.Disponível em : < http://www.recantodasletras.com.br/textosjuridicos/1252252 > Acesso em: 20 maio 2013.

DIREITONET. Estacionamento pago não tem responsabilidade pela segurança do cliente, apenas do veículo. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/noticias/exibir/14612/Estacionamento-pago-nao-tem-responsabilidade-pela-seguranca-do-cliente-apenas-do-veiculo>. Acesso em: 17 mai 2013.

FONSECA, Alessandro. A responsabilidade das empresas pelos estacionamentos. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/a-responsabilidade-das-empresas-pelos-estacionamentos/10109/.>. Acesso em: 20 mai 2013. 

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 3.ed.rev. São Paulo: Saraiva, 2005.

JUNIOR, Otávio Braz Ribeiro. APLICABILIDADE DO CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR COMO CAUSAS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DE FATO DO PRODUTO.Goiânia: PUC-GO,2012. Disponível em:< http://www.cpgls.ucg.br/7mostra/Artigos/SOCIAIS%20APLICADAS/APLICABILIDADE%20DO%20CASO%20FORTUITO%20E%20FOR%C3%87A%20MAIOR%20COMO%20CAUSAS%20EXCLUDENTES.pdf> . Acesso em: 20 mai 2013.

LEITE, Gisele. Considerações sobre caso fortuito e força maior. Revista Jus Vigilantibus, Domingo, 12 de fevereiro de 2006. Disponível em : < http://jusvi.com/artigos/20117/2> Acesso em 17 mai 2013.

MELO, Nehemias Domingos de. Excludentes da responsabilidade em face do Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=629>. Acesso em: 24 abr 2013

MIGALHAS. Danos materiais.TJ/SP - Shopping deve pagar indenização por sequestro-relâmpago em estacionamento. Disponívem em : < http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI137623,91041TJSP+Shopping+deve+pagar+indenizacao+por+sequestrorelampago+em>  Acesso em: 20 mai.2013

SIMINOVICH, Cláudio. Causas excludentes de responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/655/causas-excludentes-da-responsabilidade-do-fornecedor-pelo-fato-do-produto>. Acesso em: 19 mai 2013.



[1]Paper apresentado à disciplina de Direito do Consumidor, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

2Alunos do 6º período vespertino, do Curso de Direito da UNDB.

3Professor orientador.