3. CASAMENTO CIVIL

O terceiro capítulo trata da evolução legislativa e conceito de casamento, que tem como finalidade a união entre pessoas para constituição de uma família. Diferente da união estável, no casamento é necessário que haja o formalismo. Com a Constituição Federal Brasileira de 1988, além de reconhecer a união estável como forma de constituir família, houve também a normatização para que a sua conversão em casamento fosse facilitada. A decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a união homoafetiva não fez menção a sua conversão para o casamento, porém também não traz em momento algum impedimento para que isso ocorra, uma que a própria Constituição não proíbe essa conversão.

3.1. Evolução legislativa e conceito

Analisando os textos constitucionais brasileiros pode-se observar a evolução pela qual o casamento passou e vem passando.

Na Constituição de 1824, que seria o texto constitucional Imperial, tratou apenas do casamento da família real.

A constituição brasileira de 1891 faz referência ao casamento, porém apenas foi atribuída validade ao casamento civil, como consta no artigo 72, §4º :

Art. 72 – A Constituição assegura a brasileiro e a estrangeiros residentes do País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual, e à propriedade nos termos seguintes: (...)

§4º - A República só conhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.

É notável que esse texto constitucional não traz  referências rebuscadas do casamento e só admite o civil, não fazendo menção ao casamento religioso.

Em 1934 a Constituição traz em seu corpo o casamento como indissolúvel e como o único modelo de entidade familiar, é o que constava no seu art. 144 caput e parágrafo único:

A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado.

§único. A lei cível determinará os casos de desquite e de anulação do casamento, havendo sempre recurso ex officio, com efeito suspensivo.

A partir desse texto constitucional o casamento passou a ser visto como indissolúvel. E, como pode ser observado também, o texto não desagrega família de casamento. Nessa época, a família começou a ser considerada formada e entidade familiar através do casamento.

Os textos constitucionais de 1937, 1946 e 1967 trazem o mesmo sentido encontrado na Constituição de 1934, onde o casamento era indissolúvel e só era considerada entidade familiar as famílias formadas com o casamento.

Em 1977 surge a Lei do divórcio, Lei nº 6.515 de 26 de dezembro de 1977, a qual põe fim a visão de casamento eterno, indissolúvel. Como traz o artigo 2º, incisos e parágrafo único dessa lei:

A sociedade conjugal termina:

I- Pela moste de um dos cônjuges;

II- pela nulidade ou anulação do casamento;

III- pela separação juducial;

IV – pelo divórcio

Parágrafo único – O casamento válido somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio.

 

A possibilidade da dissolução do casamento começa a ser possível, não sendo mais obrigado a existência de um casamento eterno.

Antigamente o casamento era visto como um contrato. Era visto como um acordo entre famílias, a fim de aumentar seu patrimônio. O pai, que detinha o poder familiar, era quem escolhia o marido pra filha. Escolhia de acordo com a conveniência, com o que fosse melhor para toda a família. Não existia a possibilidade de escolha dos noivos, em relação com quem queriam se casar.

Esse ponto de vista começou a mudar com a Constituição de 1988, em seu artigo 226, onde normatiza que: “a família, base da sociedade, tem proteção especial do Estado.” Pode-se notar que, diferente dos outros textos constitucionais, a nova Constituição Brasileira não faz a ligação de que a família somente é aquela constituída com o casamento. E em seus parágrafos são determinados modelos de entidades familiares, como a união estável e a comunidade formada por entre um dos pais e seus descendentes, ou seja, esse texto inovador trouxe a pluralidade de entidades familiares.

Além dos textos constitucionais, veio o Código Civil Brasileiro de 2002 que seguiu a tendência constitucional da valorização da essência da família, como sendo a afetividade e, como não poderia ser diferente, acompanhando, também, as mudanças na sociedade, trazendo a regulamentação do casamento em todas as suas fases e vários outros assuntos destinados ao direito de famílias. Apesar de ainda ser presente a existência de lacunas.

O Código Civil Brasileiro de 2002 não denomina o que seria o casamento, apenas afirma o que seria uma consequência. Apesar de o Código não determinar o conceito de casamento, vários doutrinadores se encarregam dessa função.

Casamento, segundo Rodrigues, é compreendido como “Contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência.” (2008). O casamento não ocorre somente com a vontade das partes. Essa vontade mútua tem que ser afirmada perante o presidente do ato depois da afirmação é que ocorre a declaração da efetuação do casamento, feita de acordo com a lei e, com isso, decorrem efeitos necessários.

 Outra definição interessante de casamento é proposta por Lamartine, que diz:

O casamento é negócio Jurídico de Direito de família por meio do qual um homem e uma mulher se vinculam através de uma relação jurídica típica, que é a relação matrimonial. Esta é uma relação personalíssima e permanente, que traduz ampla e duradoura comunhão de vida. (2010, p.40) 

Para esse autor o casamento é um negócio jurídico bilateral, onde surgem direitos, deveres e obrigações para as duas partes.

 Através do casamento é constituída a sociedade conjugal, em que o casal satisfaz seu desejo sexual, que faz parte da sua natureza, ocorrendo, assim, a aproximação e a convivência entre marido e mulher, fazendo surgir o afeto recíproco. E é a partir desse sentimento que começa a surgir o dever de prestar mútua assistência. Além da procriação da prole e de sua educação, para muitos doutrinadores, essa talvez seja a principal finalidade do casamento, formando-se, assim, uma família. Porém, é de suma importância saber que com a evolução da sociedade o mais importante para a construção da família é o afeto e a busca da felicidade, pois se para a construção da família fosse necessário a procriação da prole, não seria concedida a família monoparental, como entidade familiar e nem seria concedido o casamento para pessoas inférteis.

Os efeitos jurídicos e consequências que o casamento produz são vários. Expandindo-se no ambiente social e, principalmente, nas relações pessoais e econômicas dos cônjuges e entre eles e sua prole.

De acordo com Gonçalves, as relações que se desenvolvem a partir da constituição da família são: de caráter pessoal, essas se limitam em regra aos cônjuges e aos filhos, de natureza ética e social. São os direitos e deveres do casal e dos pais para com os filhos. O principal efeito pessoal do casamento vem expresso no art.1.511 do Código Civil: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.”

A importância desse artigo é a eficácia do casamento. Por exemplo, com a expressão “comunhão plena de vida”, ele quer implicar a união exclusiva, a fidelidade recíproca. Como complemento desses argumentos, deve salientar o art. 1565 do Código Civil, que diz: “Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.”

Com o casamento, tanto marido quanto esposa ficam obrigados aos direitos, obrigações e deveres, conjuntamente. E, ainda, o art. 1.567, caput, do Código Civil regula: “A direção da sociedade conjugal, será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos.”

Esses artigos demonstram que se faz necessário os direitos, obrigações e deveres compartilhados entre os cônjuges, bem como proteger a família, e de uma forma igualitária, sem que um tenha mais privilégios que o outro.

As relações de cunho patrimonial são as que abrangem os regimes de bens, a obrigação alimentar e o direito sucessório. Em princípio o regime de bens é irrevogável, ele começa a vigorar a partir da data do casamento e somente poderá ser modificado nos casos previstos no parágrafo segundo do art. 1.639 do Código Civil, que são estes: “mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.” E antes da celebração o pacto antenupcial pode ser modificado, para ser alterado o regime de bens. Além de assegurar o cônjuge sobrevivo os direitos sucessórios, como: na ausência de ascendentes e descendentes ele é incluído como um herdeiro necessário e mesmo que haja herdeiros ele terá direito a metade da herança.

 Os de caráter social projetarão suas conseqüências em toda a sociedade. O principal efeito é constituir a família legítima. Um exemplo que repercute socialmente é o fato do casamento legalizar a união sexual entre homem e mulher, não permitindo sua prática com outras pessoas.  

A partir dos efeitos explicados é que pode ser percebido que homens e mulheres dentro de um casamento possuem seus deveres um com o outro. Esses deveres recíprocos estão elencados no art. 1.566 do Código Civil. São eles:

“São deveres de ambos os cônjuges:

I-fidelidade recíproca,

II- vida comum, no domicílio conjugal,

III- mútua assistência,

IV- sustento, guarda e educação dos filhos e

V- respeito e consideração mútuos.”

Esses são os principais deveres, mas não são todos. E caso ocorra o desrespeito a algum deles pode constituir causa para a separação judicial.

Para que ocorra o casamento é necessário todo um procedimento rigoroso, denominado de processo de habilitação, ou seja, uma das principais características do casamento é o formalismo. Faz parte desse formalismo a capacidade para o casamento, onde traz requisitos gerais e específicos, além do suprimento judicial de idade e do consentimento dos representantes legais. O procedimento para habilitação, é o memento onde, também, se faz necessário a apresentação de alguns documentos necessários, como por exemplo, a certidão de nascimento ou documento equivalente.

 3.2 – Possibilidade de conversão de união estável em casamento civil

Essa possibilidade surgiu através da Constituição brasileira de 1988, a qual regulou, em seu artigo 226, que a família deve ter proteção do Estado e reconheceu alguns modelos de entidades familiares, dentre elas a união estável, e, além disso, abriu espaço para que seja permitida a conversão de união estável em casamento, como pode-se observar no parágrafo terceiro: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”

Além de garantir a possibilidade da conversão de união estável para casamento, o artigo determina que a lei deve facilitar essa mudança.

Porém não é só a Constituição que prevê essa possibilidade, ainda existem as Leis nº 8.971 de dezembro de 1994 e a nº 9.278 de maio de 1996, sendo essa última a mais importante e de maior relevância para a analise da conversão de união estável em casamento, já que ela regula o parágrafo 3º do art. 226 da Constituição brasileira de 1988.

O que a Lei nº 8.971 pode nos trazer de interessante é o seu artigo primeiro e parágrafo único, onde afirma que:

Art. 1º A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade.

Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva.

A referida lei deixa a desejar quando estabelece o tempo de cinco anos para que seja possível a união estável, porém é cediço que não é só o tempo que define a estabilidade de uma relação, além disso, quem tem que determinar a quantidade de tempo é o juiz em cada caso e não a lei.

Já a Lei nº 9.278 de 10 de maio de 1996 é a que regula de fato a união estável e traz um conceito de união estável em seu artigo 1º, afirmando que: “É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família.”

Diferente da lei anteriormente citada, essa lei faz menção ao conceito de união estável, trazendo os seus elementos caracterizadores e não determina o tempo, só afirma a necessidade de ser duradoura.

E o seu artigo 8º faz a defesa da conversão de união estável em casamento, quando diz que: “Os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio.”

Mencionando também como proceder para poder pedir a conversão em casamento, através de requerimento endereçado ao Oficial do Registro Civil e é necessário que seja da circunscrição de seu domicílio.

O Código Civil de 2002 também regulamentou a possibilidade de converter união estável em casamento no seu artigo 1.726, que tem por texto: “A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Regime Civil.”

É fato que é possível converter união estável em casamento, até porque está regulamentado na Constituição de 1988 e nas leis mencionadas. Porém pode-se perceber que apesar do assunto estar previsto no ordenamento brasileiro, ele não é devidamente claro, nem detalhado. É nítido que o legislador não deu a atenção necessária e devida a matéria.

Mas, apesar de todas as imperfeições relativas a regulamentação da união estável e da possibilidade da sua conversão em casamento, foi dado aos indivíduos que vivem nessa realidade o direito de escolher entre se manterem companheiros ou se casarem. Direito esse inerente a todas as pessoas que vivam sob a regulamentação do ordenamento jurídico brasileiro.

3.3- Possibilidade da conversão de união estável homoafetiva em casamento civil

O direito ao casamento está ligado ao exercício de vários direitos fundamentais inerentes a dignidade da pessoa humana, como o direito à igualdade, à liberdade, direito à intimidade e ao livre desenvolvimento da personalidade. A dignidade da pessoa humana é intrínseca ao indivíduo e que deve ser respeitada pelos outros.

Aceitar o casamento entre pessoas do mesmo sexo acarretaria o reconhecimento de que os homossexuais possuem o direito de serem tratados com a mesma consideração dada aos heterossexuais no ordenamento jurídico brasileiro. Pois, como afirma Carlos Pamplona Cortê Real, a modelação sexual do casamento é livre e personalizadamente feita por cada casal, no contexto e na privacidade da comunhão de vida de que lhe é inerente.

Marianna Chaves (2011, p.197) fala em seu livro sobre pesquisas, onde revelam “que a maioria dos homossexuais gostaria de ter o direito de casar-se, especialmente pelo fato de a regulação traduzir-se em uma maior tolerância e até aceitação pelas famílias, pelas pessoas com quem trabalham e da comunidade.” Os homossexuais querem ter seus direitos reconhecidos para que possam ser vistos sem preconceitos e para que possam ter um tratamento de igualdade merecida e prevista na Constituição Federal de 1988.

Há quem se posicione contra o casamento homoafetivo usando os argumentos de que o instituto do casamento só é possível se formado por um casal de sexos diferentes, pois a mulher domestica o homem, fazendo com que o casamento funcione. Um argumento que não tem base, uma vez que é sabido que não existe mais a desigualdade que ocorria em tempos passados, entre marido e mulher. Além de que a mulher era submetida a aceitar tudo que o marido determinava, ou seja, existia uma hierarquia que nos dias de hoje não existe mais, uma vez que as mulheres alcançaram os mesmos direitos que os homens.

Existem também doutrinadores como a argentina Graciela Medina que assegura o casamento como sendo um direito a todo homem e toda mulher, porém não sendo possível o casamento entre pessoas do mesmo sexo, pois elas não seriam capazes de cumprir com os deveres sociais impostos pelo casamento, tendo como exemplo a continuação da espécie, educação dos filhos e transmissão de valores culturais. Se seguir os argumentos de tal doutrinadora, vê-se que não tem fundamento, por vários motivos, começando que a doutrina mundial já reconheceu que a procriação não é fator para o casamento. Atualmente, os fatores que compõem o casamento, acima de tudo, seria o afeto, companheirismo e o amparo mútuo entre os cônjuges. Além disso, também não poderia ser reconhecido o casamento heterossexual entre idosos, pessoas inférteis, pois eles não possuem a capacidade de reprodução, ou até entre pessoas férteis, mas que não possuem o desejo de constituir prole. E os casais homossexuais têm capacidade reprodutiva, pois já existem as várias técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA), onde as mais conhecidas são: inseminação artificial e fertilização “in vitro”.[1]

Foi visto no primeiro tópico deste capítulo que em textos constitucionais brasileiros o casamento se confundia com a ideia de família, o que não ocorre mais, pois sabe-se que o reconhecimento legal de uma família não está ligado ao casamento, existem várias formas de constituir família, como é o caso da união estável e a família monoparental.

A sociedade está em constate movimento, mudando seus conceitos, seus valores e suas tradições com o passar do tempo, por isso as leis e as normas não podem permanecer iguais, elas necessitam evoluir junto com a sociedade. Referente a esse assunto, o Procurador da República, Dr. João Gilberto Gonçalves Filho, em Ação Civil Pública que intentou em 2005, com o intuito de assegurar o reconhecimento legal do casamento civil homossexual, afirmou que:

Todo o mundo sabe que homem só casa com mulher e mulher só casa com homem, não havendo a possibilidade de algo diferente e isso é tão certo que ninguém discute. Só que talvez as pessoas não parem para refletir, como deveriam, que existem certas coisas que são certas porque ninguém discute e ninguém discute porque são certas. Ou seja, existem práticas humanas tão enraizadas no espírito cultural coletivo que paira uma sensação geral de que as coisas foram assim, são assim e vão ser sempre assim. É exatamente esse dogma cultural que a presente ação civil pública vai combater, orientada pelo espírito de tolerância e de respeito com as diferenças. 

 Certas práticas, por exemplo, o casamento como sendo somente possível entre pessoas de sexo diferente, são determinadas de uma maneira tão intensa, sendo vistas como comuns à sociedade que aderem ao espírito cultural coletivo, fazendo com que as pessoas acreditem que o imposto é o certo, não existindo situação diversa daquela na sociedade e o diferente acaba se tornando e sendo julgado como errado. Porém essa situação fere vários direitos fundamentais.

Outro argumento bastante utilizado por pessoas que não admitem o casamento civil homoafetivo é o da diversidade de sexos, porém não mais se sustenta diante da repersonalização dos direitos de família, que quer garantir a busca da felicidade, previstos nos princípios constitucionais.

O preâmbulo da Constituição Brasileira de 1988 assegura:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.

A própria Constituição Federal assegura o não preconceito, a igualdade, a justiça a liberdade, ou seja, o casamento civil homossexual era pra ser permitido e isso é garantia que o texto constitucional de 1988 proporciona.

Se o casamento atualmente fosse regulamentado como era séculos atrás, o casamento seria possível entre pessoas que não se conhecem, por meio do denominado casamento arranjado, pessoas de raças diferentes não poderiam se casar, pois poderia ser condenado a prisão, menores de idade poderiam casar, ainda existiria a hierarquia entre homem e mulher, onde a mulher era tida como propriedade do marido, onde o homem poderia dispor dela sem limitação, não podendo ocorrer a mulher pedir o divórcio, pois o casamento era tido como indissolúvel. Portanto, se faz necessário que as leis e normas acompanhem a evolução das tradições e valores de uma sociedade, não podendo ficar inerte, a mesma de tempos remotos, pois com o tempo iriam perder a eficácia, além de perder o sentido.

A religião também é contrária ao casamento civil homossexual, pelas tradições religiosas entenderem que o casamento só deve acontecer entre um homem e uma mulher. Porém não é um argumento com base racional para a proibição de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. As religiões não precisam alterar o conceito que elas possuem sobre o casamento. A situação pode ser comparada com a do divórcio, pois muitas religiões não aceitam o divórcio, porém o divórcio civil continua sendo legal.

Além do que o preâmbulo na Constituição Federal de 1988 assegura, os argumentos mais utilizados na defesa do reconhecimento do direito de casar para homossexuais, como já citados, são inerentes a dignidade da pessoa humana e o livre desenvolvimento da personalidade em condições de igualdade, o direito à intimidade e o direito à liberdade.

E por esses direitos assegurados a todos é que deve ser dado aos homossexuais a possibilidade de escolha, assim como é dada aos heterossexuais. Nesse cabe o princípio da liberdade, uma vez que as pessoas de mesmo sexo poderiam escolher entre casar ou não. Seria um direito assegurado a eles, porém eles podendo fazer suas escolhas.

A igualdade tão pregada pela Constituição somente acontecerá quando houver a possibilidade de o casamento for um instituto alcançado por todos.

Os homossexuais não querem a criação de direitos especiais, eles querem que sejam reconhecidos os mesmos direitos existentes para os heterossexuais. E, além disso, querem ser aceitos pela sociedade, querem ser respeitados. Portanto, se a cultura social passa a mensagem de que o relacionamento conjugal deve ser respeitado e os relacionamentos conjugais entre pessoas do mesmo sexo passam a ser aceitos e normatizados, seria transmitido que essas relações são dignas de respeito.

Uma afirmação que Marianna Chaves (2011, p.204) traz em seu livro é que: “quando os homossexuais evidenciam que a proibição ao casamento está a prejudica-los legalmente, economicamente e emocionalmente, a sociedade é obrigada a razão pela qual este aspecto particular do casamento – heterossexualidade obrigatória – deve permanecer inalterado, quando tantos outros aspectos mudaram drasticamente.”  Os homossexuais demonstram o seu interesse em casar e mostram que a proibição ao casamento os afetam de alguma forma. Mesmo assim a sociedade não consegue ter uma explicação segura e plausível para continuar sustentando essa proibição a não ser o preconceito evidente.

Apesar da possibilidade da conversão da união estável em casamento civil não ser regulamentada, existem vários casos, em diversos estados brasileiros, onde juízes, desembargadores, foram favoráveis à conversão ao casamento. Uma vez que, se foram dadas a união estável homoafetiva os mesmo direitos da união estável heterossexual, é mais que evidente que a conversão para casamento civil seja possível, e também porque há uma omissão quanto à normatização para a possibilidade de conversão de união estável homoafetiva para casamento civil, porém não há a proibição dessa conversão.

Uma decisão a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo é dada pelo Superior Tribunal de Justiça, que julgou procedente o Recurso Especial nº 1.183.378, pela Quarta Turma, Relator Ministro Luis Felipe Salomão. O Recurso Especial trata do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, inexistência de vedação expressa a que se habilitem para o casamento de pessoas do mesmo sexo, vedação implícita constitucionalmente inaceitável, orientação principiológica conferida pelo STF no julgamento da ADPF nº 132/RJ e da ADI nº 4.277/DF.

Interessante afirmação que o Relator Ministro Luis Felipe Salomão faz é a seguinte:

A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito à auto-afirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias. Em uma palavra: o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se é garantido o direito à diferença . Conclusão diversa também não se mostra consentânea com um ordenamento constitucional que prevê o princípio do livre planejamento familiar (7º do art. 226). E é importante ressaltar, nesse ponto, que o planejamento familiar se faz presente tão logo haja a decisão de duas pessoas em se unir, com escopo de constituir família, e desde esse momento a Constituição lhes franqueia ampla liberdade de escolha pela forma em que se dará a união. (j. 25.10.2011)

Mostrando que apesar da Constituição não tratar sobre o assunto, ser omissa, os direitos garantidos a qualquer pessoa, como o da igualdade, permite a livre escolha, sem que haja proibições a escolha da orientação sexual, sendo permitido, assim, a conversão ao casamento entre pessoas do meso sexo e que elas podem constituir família.

A existência da não possibilidade da conversão para casamento civil por pessoas que vivem em união estável homossexual vai contra os princípios estabelecidos no ordenamento brasileiro, como já visto nesse capítulo.

Portanto, apesar de a legislação não normatizar a possibilidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo, essa possibilidade é possível, pois a Constituição Federal visa à busca da felicidade por quem quer que seja, defende a dignidade humana, garante o direito a liberdade, ao não preconceito, a igualdade, defende o livre desenvolvimento da personalidade, o principio da afetividade, dentre outros. Além disso, a norma tem que acompanhar a evolução da sociedade e também ser justa, porquanto foram dadas as uniões homoafetivas os mesmo direitos da união estável heterossexual. E facilitar a conversão de união estável para casamento é um desses direitos.

Esse fato é bem parecido quando a união estável não era tida como entidade familiar, apesar de já existir na sociedade por muito tempo. Porém com o passar do tempo ela foi aceita e normatizada, pois é uma realidade existente e incontestável. E no mesmo sentido segue a possibilidade da conversão de união estável homoafetiva para casamento civil, pois essa situação é uma realidade social, que não pode ser negada.

Se foi garantido aos homossexuais os mesmos direitos que os heterossexuais possuem em relação à união estável, nada mais justo do que garantir a possibilidade do casamento civil. Alias, deve ser dado todos os direitos que a Constituição protege aos homossexuais, pois todas as pessoas são iguais, e só porque não é bem visto pela sociedade que exista a relação homossexual, nem as pessoas que se relacionam com pessoas do mesmo sexo, não quer dizer que eles façam mal e tragam algum tipo de risco e perigo para a realidade social. 



[1]          CHAVES, Marianna. Homoafetividade e direito: proteção constitucional, uniões, casamento e parentalidade – um panorama luso-brasileiro. Curitiba: Juruá, 2011, p.200-201.