Resumo 

 Este trabalho procura, brevemente, traçar um panorama geral a respeito das questões referentes ao Direito Internacional Constitucional ou Direito Constitucional Internacional, seus temas fundamentais e características.  

Sumário

 1. Introdução; 2. Aspectos do Direito Internacional Constitucional; 3. O Direito Comunitário; 4. Conclusão  

1. Introdução

 O direito constitucional enfrenta novos desafios, pois, a partir do final do século passado, com os processos de integrações regionais, ultrapassa as fronteiras nacionais. Esse processo de construção de um mundo novo traz a necessidade de repensar o conceito de constituição e quais os limites ao direito internacional.

Tanto o direito internacional quanto o direito constitucional transformam-se em conjunto e cada vez são encontrados mais pontos de interseção entre os dois ramos, que não necessariamente terminam onde o outro começa.[1]

A transformação e redução das fronteiras econômicas passam a transformar gradativamente também as fronteiras políticas. O processo de globalização econômica acentua-se cada vez mais. Excetuando os períodos de tensão, cresce a ideia de que são necessários padrões globais, denominadores comuns entre os países e as civilizações, posto que estamos cada vez mais conectados.

Assim, ao lado de processos de integração regionais, com a elaboração de um direito supraconstitucional, a defesa dos direitos humanos ganha destaque, podendo ser considerado esse elemento comum integrador.

Neste trabalho, serão expostas as principais características desse novo direito que se constrói: o direito internacional constitucional.

  

2. Aspectos do Direito Internacional Constitucional

Com o avanço do processo de globalização, também no âmbito jurídico, como mencionado, alguns temas que antes eram importantes apenas no âmbito interno, passando ao tratamento internacional, precisam ser analisados nessa dupla perspectiva.

Entram nesse debate questões referentes a mudanças profundas no direito internacional, como sua institucionalização, necessidade de cooperação internacional, o que exige, por sua vez, um tratamento compatível sobre determinados temas que não respeitam fronteiras, como criminalidade internacional e meio ambiente, sob pena de ineficácia das ações internas, e a preocupação crescente com os direitos fundamentais.

Com isso, nota-se a constitucionalização do direito internacional e, na mesma medida, a internacionalização de preocupações do direito constitucional. Tais alterações exigem uma revisão da teoria constitucional e também do direito internacional para adequá-los a essas novas realidades.

Algumas realidades não podem ser negadas e que, agora, justificam a postura dos Estados no sentido de, no exercício de sua soberania, abrir mão de feixes de sua competência, reduzindo, como consequência, a própria noção de soberania interna. Essa redução é significativa quando se trata de internacionalização do poder constituinte, já que o Estado abre mão de estabelecer, livremente, disposições constantes de sua lei primeira, de seu estatuto fundamental, que, como o próprio nome diz, inaugura toda a ordem jurídica estatal.[2]

“O que com isso se quer dizer é que o vínculo de dependência estabelecido entre os Estados é que impõe a estes a obrigatoriedade de “enquadrar” seus respectivos diplomas constitucionais ao que determinam as regras de direito internacional. Quanto mais integrado o Estado, portanto, maior a probabilidade de que este venha a ser obrigado a promover alterações em seu texto constitucional, em ordem a adequá-lo aos imperativos emergentes do cenário internacional.” [3]

Interessante notar que essas transformações no direito internacional acomodam tendências à universalização com tendências regionais.

 “O Direito Internacional tende à universalidade, mas surgem, em diferentes zonas geográficas, continentes ou subcontinentes, segmentos particulares, moldados em função de características, tradições, problemas ou necessidades peculiares.(...)”[4]

Poder-se-á então falar em Direito Internacional fundamental ou constitucional, em Direito estruturante das relações internacionais e da própria comunidade internacional; num conjunto de normas definidoras da posição jurídica dos sujeitos de tais relações e do quadro em que elas se desenvolvem – algumas das quais (as de jus cogens, de que se tratará adiante), determinam a nulidade de quaisquer outras que as contrariem (arts. 53º e 64º da Convenção de Viena de Direito dos Tratados); e também as obrigações resultantes da Carta das Nações Unidas prevalecem sobre as obrigações decorrentes de qualquer outra convenção (art. 103º da Carta).[5]

“Estes fenómenos levam já alguns a falar em Constituição internacional ou mundial, ainda que toda a prudência seja necessária, quer por causa do há pouco referido estado das coisas, quer por faltar um poder constituinte, quer por serem incomparavelmente mais fracos os mecanismos de garantia do que os de Direito interno.”[6]

Este “novo Estado Constitucional” começa a surgir com as comunidades e organismos internacionais. A Europa é o grande exemplo desse movimento. Gradativamente, os Estados europeus vão promovendo a abertura de seus ordenamentos constitucionais, transferindo parte de suas soberanias, formando uma espécie de confederação. Essa é a tendência que parece necessária e inevitável. A realidade de hoje, reunindo em torno de um ordenamento jurídico diversos Estados soberanos, era antes impensável.

“Uma mudança teórica paradigmática aponta para o surgimento de um constitucionalismo internacional ou supranacional ao plano global. A esse respeito, os enfoques são os mais diferentes e fundamentam-se em construções teóricas muito diversas. Vão desde modelos de Estado mundial, passando por concepções de política interna mundial, até a caracterização da Carta da ONU como Constituição da comunidade internacional.”[7]

O direito interno passa a ser ditado por tratados internacionais. Esse diálogo normativo entre o direito interno e as normas internacionais é cada vez mais presente. Os Estados que se recusam a admitir esse processo de abertura constitucional, de cooperação, acabam ficando marginalizados e começam a sofrer as consequências, principalmente na economia. Com isso, há uma pressão interna para a abertura constitucional.

Essas alterações trazem profundas mudanças no conceito de soberania. Só cogitação de eventual internacionalização do poder constituinte traz em si uma “crise de conceitos”. São vários os questionamentos que se seguem e trazem inquietação aos estudiosos do tema. Se o Estado é soberano e se isso significa que não há autoridade que lhe seja superior, como admitir uma imposição do Direito Internacional à Constituição de determinado Estado? “O direito internacional público estaria limitando a soberania do Estado?” E a supremacia da Constituição? Como mantê-la no mais elevado grau hierárquico do escalonamento jurídico, como expressão da própria soberania popular? “E, ainda, estaria superado o próprio conceito de poder constituinte, já que este, em sua acepção clássica, estaria vinculado à ideia de nação”?[8]

Essas questões são novas e ainda não há uma resposta definitiva. O que se sabe é que há, ao lado das tendências de fragmentação local, a tendência à regionalização e criação de um novo tipo de organização internacional, com instituições próprias, cujas leis se sobrepõe ao direito local. É o que acontece hoje na Europa, apesar de não existir formalmente um “Estado Europeu” e uma “Constituição Europeia”, a Comunidade Europeia é uma criação única, singular, que inspira outros projetos de integração regional, como o Mercosul.

Também, por necessidade de integração e convivência, não desaparece uma tendência à universalização, uma utopia de muitos internacionalistas de uma espécie de comunidade internacional de estados. Muitos são os desafios para que isso ocorra no futuro. A transformação das doutrinas tradicionais, a elaboração de um novo conceito de soberania e,  especialmente, a superação das diferenças culturais, na busca de um denominador comum, que interesse a todos, mesmo que em linhas genéricas, papel que pode vir a ser cumprido pelo reconhecimento dos direitos fundamentais.

“Infine, gli scenari di uma società globalizata hanno prodotto, da um lato, la dilatazione su larga scala dei processi di costituzionalizazione, che tendono a oltrepassare i confini degli Stati nazione, e la formazione di um patrimônio costituzionale comune costituitosi attraverso fenomeni di recezione, di comunicazione e di integrazione fra culture costituzionali. Tali scenari lasciano peraltro intravvedere l’insufficienza di um “futuro dela costituzione” interamente racchiuso nella tradizionale dimensione territoriale dello Stato nazione.”[9]

3. O Direito Comunitário

Por fim, em razão da importância que a União Europeia tem nesse cenário de mudanças institucionais no plano internacional e releitura das antigas doutrinas de Direito Público, cabe traçar algumas linhas caracterizadoras do direito comunitário, que ela, de certa forma, representa.

Algumas características são eleitas como essenciais para se compreender as peculiaridades desse tipo de ordenamento jurídico de integração, que se trata de um ordenamento jurídico ímpar, distinto das organizações internacionais do tipo clássico.

“- 1) a possibilidade de visualização de um certo grau de institucionalização (a existência, portanto, de uma estrutura própria que não se confunda com a estrutura institucional de cada qual dos Estados membros de uma dada organização internacional);

- 2) como consequência dessa estrutura própria, a existência de fontes jurídicas próprias, distintas das fontes inerentes aos ordenamentos jurídicos nacionais, e

- 3) a existência de um inter-relacionamento entre a estrutura jurídica comunitária e a estrutura jurídica de cada qual dos Estados membros. Ou seja, para que exista um ordenamento jurídico comunitário, este sistema jurídico comunitário deve criar relações jurídicas próprias com os ordenamentos jurídicos nacionais.” [10]

Há quem relacione os caracteres do Direito Comunitário, entendido como um Direito comum a uma Comunidade de Estados, e detentor de certos caracteres que o individualizam e lhe asseguram condições de aplicação uniforme na ordem interna dos Estados-membros, como sendo os seguintes:

1- A autonomia do Direito Comunitário, em virtude da sua origem supranacional e pela sua finalidade própria (essa finalidade é a de “estabelecer a disciplina jurídica dos interesses comuns dos Estados”);

2- A inserção, das normas de Direito Comunitário, como tais, nas ordens jurídicas internas, “podendo ser diretamente aplicadas pelas jurisdições nacionais”, quando produzam efeito direto ou imediato na esfera jurídica individual, ou seja, quando atribuam diretamente, aos particulares, direitos ou obrigações, que tenham que ser reconhecidos ou impostos pelos Tribunais nacionais;

3- A primazia da norma comunitária perante a norma nacional do Estado membro, “excluindo a aplicação da norma nacional contrária, qualquer que ela seja (de nível ordinário ou constitucional, anterior ou posterior)”;

4- A aplicação uniforme do Direito Comunitário em todo o espaço da Comunidade, o que exige ainda a “uniformidade de interpretação e de apreciação de validade dos actos normativos emanados da Autoridade Comunitária”, assegurada pelo Tribunal Comunitário, “na conformidade de um sistema assente na colaboração dos juízes nacionais com aquele órgão jurisdicional comunitário”[11]

Tomando por base a União Europeia como representante desse direito comunitário, cabe fazer algumas considerações pontuais. Em primeiro lugar, é reconhecida uma primazia relativa da lei comunitária sobre a lei doméstica, apesar de discutidos os seus limites e do papel da constituição dos estados membros: se elas teriam ou não preferência sobre o direito comunitário.

As mudanças nos parâmetros de soberania ficam claros. Pois, interferindo o direito comunitário diretamente no direito interno, inclusive na constituição de seus Estados membros, fica evidente que a noção de soberania foi relativizada. Porém não se trata de um novo tipo de federalismo, mas um desenho institucional único.

No geral, há ainda uma grande preocupação na manutenção do equilíbrio de poder entre os Estados. No geral, as cortes constitucionais tem tido um importante papel na interpretação do direito comunitário e também no desenvolvimento dos direitos fundamentais no âmbito da comunidade europeia.[12]

4. Conclusão

Do exposto, extrai-se que as transformações decorrentes da aceleração do processo de globalização, especialmente no pós-guerra, ainda no século passado, não implicam tão somente em questões econômicas, mas em alterações jurídicas.

A partir do reconhecimento de uma necessidade de maior cooperação internacional em diversos assuntos, como a efetivação dos direitos humanos, e da criação de um organismo internacional único como é a União Europeia, o direito internacional ganhou uma dimensão até então inexistente.

Questões que antes eram importantes apenas no âmbito interno ganham relevância internacional. A noção de soberania vem sendo revisitada, mas ainda não se firmou um novo entendimento sobre ela. A supremacia do direito internacional sobre o direito interno começa a ser uma ideia aceitável, pelo menos em determinadas organizações internacionais.

Enfim, as tendências integradoras ganham força, apesar dos movimentos de afirmação local. Sente-se cada vez mais uma necessidade de encontrar denominadores comuns para a melhor convivência entre os povos e Estados.

O Direito Internacional e o Direito Constitucional são revistos, abrindo caminho para o Direito Internacional Constitucional, ou Direito Constitucional Internacional se firmar como ramo de estudo do direito.

Referências Bibliográficas

CASELLA, Paulo Borba e VIEGAS LIQUIDATO, Vera Lucia (coord.) Direito da Integração. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

GRABENWATER, Christoph. National Constitutional Law relating to the european union. In Principles of European Constitutional Law. Second Revised Edition.

HÄBERLE, Peter. Estado constitucional cooperativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público. 3ª edição, revista e atualizada. Estoril: Princípia, 2006.

NEVES, Marcelo da Costa Pinto. Transconstitucionalismo. Tese apresentada ao concurso para o provimento do cargo de professor titular na área de direito constitucional, junto ao Departamento de Direito de Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo: 2009.

RAMOS, Rui Manoel Moura. Das Comunidades à União Européia. Estudos de Direito Comunitário. Coimbra: Coimbra editora, 1994.

RIDOLA, Paolo di. Preistoria, origini e vicende del costituzionalismo. In Diritto costituzionale comparato. Editora Laterza.

VRABIE, Genoveva. Droit Constitucionnel – Droit International: fronteires et interférences: table ronde internationale: Iasi, le 3 juin 2011 / organisée par le Centre francofone de droit constitucionnel de l’Université Michail Kogãlniceanu el l’Association Roumanine de Droit Constitutionnel: sous la direction de Genoveva Vreibie: table ronde internationale. Iasi: Institutul European, 2012.


[1] HÄBERLE, Peter. Estado constitucional cooperativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. P. 11 e 12

[2] PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. A internacionalização do poder constituinte. In CASELLA, Paulo Borba e VIEGAS LIQUIDATO, Vera Lucia (coord.) Direito da Integração. São Paulo: Quartier Latin, 2006. P. 150

[3] PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. A internacionalização do poder constituinte. p. 150

[4]  MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público. 3ª edição, revista e atualizada. Estoril: Princípia, 2006. p. 26

[5] MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público. p. 29

[6] MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público. p. 30

[7] NEVES, Marcelo da Costa Pinto. Transconstitucionalismo. Tese apresentada ao concurso para o provimento do cargo de professor titular na área de direito constitucional, junto ao Departamento de Direito de Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo: 2009.p. 76

[8] PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. A internacionalização do poder constituinte. p. 141 e 142.

[9] RIDOLA, Paolo di. Preistoria, origini e vicende del costituzionalismo. In Diritto costituzionale comparato. Editora Laterza.

[10] VIEGAS LIQUIDATO, Vera Lucia. Direito Internacional Público e Direito da Integração: desafios atuais. In CASELLA, Paulo Borba e VIEGAS LIQUIDATO, Vera Lucia (coord.) Direito da Integração. São Paulo: Quartier Latin, 2006. P. 64

[11] VIEGAS LIQUIDATO, Vera Lucia. Direito Internacional Público e Direito da Integração: desafios atuais. p 63 e 64.

[12] GRABENWATER, Christoph. National Constitutional Law relating to the european union. In Principles of European Constitutional Law. Second Revised Edition. p. 123