A desapropriação é prevista na Constituição Federal e regulada também por leis infraconstitucionais. Tal instituto do Direito Administrativo é uma exceção ao direito fundamental à propriedade, consiste assim em uma modalidade de intervenção na propriedade privada por parte do Estado.

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010, p. 159) a desapropriação é o procedimento administrativo que pode ser realizado por qualquer ente do Poder Público ou seus delegados, através de uma prévia declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, que acarreta ao proprietário de certo bem a perda deste mediante justa indenização.

A desapropriação possui um cunho formalista, visto que há um procedimento estipulado legalmente que deve ser observado para que ocorra a desapropriação propriamente dita, que tem como expropriante o Poder Público, passando o bem privado à dominialidade pública.

De acordo com lições de José dos Santos Carvalho Filho (2012, p. 809), “o procedimento tem em seu curso quase sempre duas fases”. O autor acrescenta que a primeira fase é declaratória, que consiste nos atos do Poder Público declarando seu interesse na desapropriação e começa adotar todas as providências visando à transferência do bem. Se ocorrer acordo com o proprietário, a desapropriação se esgota nesta fase. A segunda fase consiste na fase executória, subdividida em administrativa e judicial, que corresponde a ação movida pelo Estado contra o proprietário.

Na fase declaratória, o Poder Público “declara a utilidade pública ou o interesse social do bem para fins de desapropriação” (DI PIETRO, 2010, p. 163). O Poder Público faz uma declaração expropriatória, que justifica a utilidade pública ou o interesse social na desapropriação do bem. Assim, a declaração expropriatória deve ser formalizada através de lei ou decreto emanado do Chefe do Poder Executivo (Presidente, Governadores, Prefeitos e Interventores), nos termos do art. 8º do Decreto-Lei nº 3.365/41.

Visualizamos, portanto, o primeiro erro procedimental que podemos apontar no procedimento realizado pela governadora: o ato realizado se instrumentalizou através de portaria, a qual não é a via adequada para declarar expropriação. Visto que portaria não é lei, nem decreto executivo, sendo “um ato administrativo normativo que visa à correta aplicação da lei, expressando em minúcia o mandamento abstrato da lei, com a mesma normatividade da regra legislativa, embora seja manifestação tipicamente administrativa” (MEIRELLES, 2010, p. 365).

Essa declaração expropriatória uma vez válida, irá produzir os efeitos: a) submeter o bem à força expropriatória do Estado; b) fixar o estado do bem, isto é, de suas condições, melhoramentos, benfeitorias existentes; c) conferir ao Poder Público o direito de penetrar no bem a fim de fazer verificações e medições, desde que as autoridades administrativas atuem com moderação e sem excesso de poder; d) dar início ao prazo de caducidade da declaração.

A segunda fase do procedimento da desapropriação corresponde a execução da desapropriação por parte do Poder Público, podendo ser administrativa ou judicial. Aqui não envolve mais atos que declaram a necessidade pública utilidade pública ou interesse social, mas sim a própria desapropriação, que corresponderá as “medidas necessárias à efetivação da desapropriação, pela integração do bem no patrimônio público” (DI PIETRO, 2010, p. 165).

Desse modo, após a expedição da declaração, afirmada a intenção de desapropriar o bem, o Poder Público passa a adotar providências para efetivar a desapropriação, com o fim de transferir o bem para o seu patrimônio, que poderá ser  administrativa ou judicial. Em havendo acordo entre Expropriante e Expropriado quanto aos valores da indenização, deverão ser obedecidas as mesmas formalidades da compra e venda, encerrando-se o ato, nos casos de bens imóveis, com o respectivo registro no Registro de Imóveis.

A fase administrativa decorre da transferência do bem por intermédio de acordo entre o Poder Público e o Expropriado. Inexistindo acordo, segue-se a fase judicial, iniciada pelo próprio Poder Público, que deverá obedecer o procedimento prelecionado no  Decreto-Lei nº 3.365/41, também aplicado à desapropriação por interesse social  fundada na Lei nº 4.132/62, em razão do disposto em seu art. 5º.

Quando não houver o acordo entre o Poder Público e o proprietário segue-se a fase judicial, observando-se o disposto nos artigos 11 a 30 do Decreto-lei nº 3.365/41. Lembre-se que cabe ao Magistrado apenas decidir a questão relativa aos valores da indenização, sendo defesa a análise da existência de utilidade pública ou interesse coletivo, tendo em vista se tratar de um ato administrativo, não sendo cabível a intervenção de uma esfera de poder em outra, salvo hipóteses de ilegalidade - art. 9º, do Decreto-Lei nº 3.365/41.

Iniciado o procedimento judicial, caso as partes entrem em consenso quanto ao preço, o juiz apenas homologará o ato, e sua decisão servirá como título para a transcrição no Registro de Imóveis. Não havendo acordo, o valor será fixado pelo juiz, após arbitramento. Não se poderá discutir, na fase judicial, sobre eventual desvio de finalidade do administrador ou sobre a existência dos motivos que o administrador considerou como de utilidade pública ou de interesse social, e “A contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço”. Todavia, tais discussões poderão ser levadas pelo Expropriado ao Judiciário em ação autônoma, denominada de ação direta pelo art. 20 do Decreto-Lei nº 3.365/41.

A desapropriação somente se completa após o pagamento de prévia indenização, nos casos de bens imóveis, tal como preceitua a atual Constituição Federal.

Em havendo depósito prévio, e declarada a urgência, o Expropriante poderá ser imitido provisoriamente na posse do bem, o que, em regra, apenas ocorre quando tiver sido ultimado todo o processo de desapropriação, com a transferência jurídica do bem, após o pagamento da devida indenização.

 A quantia depositada para fins de imissão provisória na posse do bem, deverá ser definida segundo os critérios estabelecidos pelo art. 15 do Decreto-Lei nº 3.365/41:

“Art. 15. Se o Expropriante alegar urgência e depositar quantia arbitrada de conformidade com o art. 685 do Código de Processo Civil, o juiz mandará imiti-lo provisoriamente na posse dos bens;

 § 1º A imissão provisória poderá ser feita, independente da citação do réu, mediante o depósito:

a) do preço oferecido, se este for superior a 20 (vinte) vezes o valor locativo, caso o imóvel esteja sujeito ao imposto predial;

 b) da quantia correspondente a 20 (vinte) vezes o valor locativo, estando o imóvel sujeito ao imposto predial e sendo menor o preço oferecido;

c) do valor cadastral do imóvel, para fins de lançamento do imposto territorial, urbano ou rural, caso o referido valor tenha sido atualizado no ano fiscal imediatamente anterior;

 d) não tendo havido a atualização a que se refere o inciso c, o juiz fixará independente de avaliação, a importância do depósito, tendo em vista a época em que houver sido fixado originàlmente o valor cadastral e a valorização ou desvalorização posterior do imóvel.

 § 2º A alegação de urgência, que não poderá ser renovada, obrigará o Expropriante a requerer a imissão provisória dentro do prazo improrrogável de 120 (cento e vinte) dias.

 § 3º Excedido o prazo fixado no parágrafo anterior não será  concedida a imissão provisória.

Ademais, o art. 15, §2º, do Decreto-Lei nº 3.365/41, fixa o prazo de 120 (cento e vinte) dias, a partir da alegação da urgência, para que o Expropriante requeira ao juiz a imissão na posse, sob pena de não ser deferida.  Outrossim, caracterizada a incompatibilidade da medida de urgência a ser tomada com o tempo despendido com o procedimento legal da desapropriação, o juiz fica obrigado a conceder ao Expropriante a posse provisória do bem.

No que se refere ao quantum indenizatório, podemos perceber que o valor é exorbitante e destoa do atual entendimento do STJ, pois há nesses casos de indenização por desapropriação, vedação expressa ao enriquecimento ilícito de uma das partes. Vejamos:

 

“Em respeito ao princípio da justa indenização, os valores referentes à desapropriação para fins de reforma agrária devem corresponder à exata dimensão da propriedade, pois não faz sentido vincular-se, de forma indissociável, o valor da indenização à área registrada, visto que tal procedimento poderia acarretar, em certos casos, o enriquecimento sem causa de uma ou de outra parte caso a área constante do registro seja superior. Dessarte, para fins indenizatórios, o alcance do justo preço recomenda que se adote a área efetivamente expropriada, com o fim de evitar prejuízo a qualquer das partes. No caso, deve-se pagar pelo que foi constatado pelo perito (a parte incontroversa), e o montante correspondente à área remanescente ficará eventualmente depositado em juízo até que se defina quem faz jus ao levantamento dos valores. Precedentes citados: REsp 596.300-SP, DJe 22/4/2008; REsp 937.585-MG, DJe 26/5/2008; REsp 841.001-BA, DJ 12/12/20 07, e REsp 837.962-PB, DJ 16/11/2006. REsp 1.115.875-MT, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 7/12/2010”. Fonte: STJ | Data: 21 de dezembro, 2010

Considerando ainda, os procedimentos realizados na desapropriação, é necessário ressalvar que a realidade fática do imóvel desapropriado e o motivo da desapropriação (utilidade pública). Visto que, o rol de hipóteses de casos que versam sobre utilidade pública é taxativo, ou seja, não cabe ao Poder Público dizer discricionariamente o que é ou não utilidade pública.

De acordo com DI PIETRO (2010, p. 169), “há utilidade pública quando a utilização da propriedade é conveniente e vantajosa ao interesse coletivo, mas não constitui imperativo irremovível.” No caso em questão, não observa-se interesse coletivo, pois o benefício do estacionamento será para um número restrito de funcionários públicos.

Além do que existem ressalvas se o imóvel objeto da desapropriação ocupa área de tombamento. Segundo sítio oficial do Patrimônio Cultural, o tombamento com o objetivo de preservar, através da aplicação da lei, bens de valor histórico, cultural, arquitetônico e ambiental para a população, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados. São atos totalmente diferentes. O Tombamento não altera a propriedade de um bem; apenas proíbe que ele venha a ser destruído ou descaracterizado. Logo, um bem tombado não necessita ser desapropriado, mas deve manter as características que possuía na data do tombamento[1].

Não restam dúvidas, portanto, de que o procedimento de desapropriação somente é viável quando preencher os requisitos legais exigidos, visto que o mesmo é uma restrição ao direito constitucional de propriedade. Não podendo, portanto ser restringido de forma meramente discricionária do Poder Público.

 

REFERÊNCIAS

 

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São

Paulo: Atlas, 2012.

DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2010.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros

2010.



[1] http://www.patrimoniocultural.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=4