TEMA: BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS E A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 20 E 21 DO CÓDIGO CIVIL

 

NOME: Sara Manuele Costa dos Reis

 

RESUMO: Através de pesquisas em portais jurídicos, doutrinas, jurisprudências, Código Civil e a própria Constituição Federal do Brasil, este trabalho através do método dedutivo, visa abordar o impasse no ordenamento jurídico brasileiro observado entre os artigos 20 e 21 do código civil, e os artigos 5º, inciso IX, e artigo 220, inciso I e II encontrados na Constituição Federal. Contudo, não será abordada somente uma visão dogmática do ordenamento, também terá um discurso mais flexível, pautados em outros pontos relacionados aos direitos personalíssimos.

 

ABSTRACT: Through research in legal portals, doctrines, jurisprudence, the Civil Code and the Federal Constitution of Brazil itself, this work through the deductive method, aims to address the situation in the Brazilian legal system observed between Articles 20 and 21 of the civil code, and 5 the Articles , section IX, and Article 220​​, item I and II found in the Federal Constitution. However, it will not be addressed only a dogmatic view of the system, will also have a more flexible speech, guided by the personal rights of the other points.

 

Palavras-chave: Ordenamento jurídico; Antinomias; Biografias não autorizadas; Constituição Federal; Código Civil;

SUMÁRIO

1 Introdução ..........................................................................................................................XX

2. Biografias não autorizadas...............................................................................................XX

2.1. O que são as biografias não autorizadas...........................................................................XX

2.2. Casos de biografias não autorizadas: opinião divergente entre as personalidades...........XX

3. A (in)constitucionalidade das biografias não autorizadas.............................................XX

3.1. As biografias e a Constituição Federal.............................................................................XX

3.2. Análise dos artigos 20 e 21 do Código Civil....................................................................XX

4 Conclusão ...........................................................................................................................XX

5 Referências .........................................................................................................................XX

 

1. Introdução

É comum no ordenamento jurídico brasileiro haver alguns conflitos, denominados de antinomias. No presente tema há a relevância dos artigos 5º, inciso IX, e artigo 220, ambos da Constituição Federal, que defendem, respectivamente, a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura e licença e a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, que, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição. Estes artigos vão de encontro aos artigos 20 e 21 do Código Civil, que defende a proibição de divulgação de escritos, a publicação, a exposição, ou a utilização da imagem de uma pessoa, salvo se forem autorizadas pela própria pessoa, ou em caso de morte ou ausência, pelos ascendentes ou os descendentes. Também são fatores de exceção quando são necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública.

A importância deste tema no âmbito jurídico e social se dá pelo motivo de que a população tem direito ao acesso à informação, garantidos pela própria Constituição Federal. Portanto, ainda que no Brasil personalidades e artistas brasileiros possam proibir suas biografias, se faz necessária divulgação de fatos públicos contidos nas mesmas para a criação de uma bagagem cultural, não sendo somente para a simples satisfação popular, mas sim, de relevante interesse público, visto que esses fatos fazem parte da história do país.

2 Biografias não autorizadas

2.1. O que são as biografias não autorizadas

A biografia é um gênero literário que descreve, em síntese, a trajetória, fatos e acontecimentos importantes que ocorreram ao longo da vida de um determinado protagonista. Geralmente são feitas baseadas em cartas, documentos, entrevistas e relatos de pessoas próximas bem como o próprio biografado. Comumente são feitas biografias de celebridades ou personalidades que contribuíram de forma ímpar para a humanidade, tais como políticos, artistas, esportistas, cientistas, escritores etc. Não de forma surpreendente causam certa polêmica, pois normalmente revelam fatos desconhecidos pela família e até pela própria pessoa biografada.

As biografias podem ser classificadas em dois grandes tipos: as biografias autorizadas, que são feitas com consentimento do biografado ou de seus ascendentes ou descendentes em caso de morte, e as biografias não autorizadas, onde o autor escreve sem o consentimento e conhecimento do personagem biografado. Esta ultima em especial, é tema de intensa polêmica, visto que não é incomum a mesma trazer ao conhecimento público, fatos que o biografado guardava em sua privacidade, expondo-o muitas vezes de forma indesejada pelo mesmo e por seus familiares.

2.2 Casos de biografias não autorizadas: opinião divergente entre as personalidades

Após a polêmica biografia não autorizada sobre Roberto Carlos, a qual o cantor conseguiu por vias judiciais a retirada de todos os exemplares de venda, algumas grandes personalidades como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Djavan, Marília Pêra dentre outros, se alinharam a favor da proibição de tais biografias não autorizadas. Criando inclusive a Associação “Procure Saber”, a qual presidida pela ex-mulher de Caetano Veloso, Paula Lavigne, tem por objetivo ser um grupo de artistas e pessoas voltadas ao meio musical, dedicados a estudar e informar a população em geral as leis e regras de funcionamento da indústria biográfica no Brasil. Atualmente estão engajados na luta contra a aprovação de um projeto proposto pelo Deputado Newton Lima (PT-SP), que visa por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), promover mudanças no Código Civil, nos artigos 20 e 21 que permitem o veto de biografias não autorizadas pelo biografado ou sua família.

Gilberto Gil em artigo publicado pelo jornal “O Globo”, afirma sua posição contrária às biografias não autorizadas ao afirmar:

Independentemente do que venha a decidir o STF em relação à questão, nós da associação Procure Saber, no âmbito do nosso pequeno foro e em que pesem as tantas dúvidas e posições entre nós, resolvemos exercer o nosso direito democrático de associação, de opinião e de manifestação, levando a público o nosso propósito de defender o direito à privacidade como elo importante da cadeia da cidadania soberana (...) É o princípio da soberania decisória sobre a vida privada que deve prevalecer" (Gilberto Gil).

Caetano Veloso em artigo publicado pelo jornal “O Globo”, demonstra seu posicionamento e cita também o caso de Gloria Perez que por meio judicial, conseguiu retirar das livrarias a obra “A História que o Brasil Desconhece”, escrito por Guilherme de Pádua, assassino de Daniella Perez, contando sua versão dos fatos. Caetano Veloso afirma:

Sou sim a favor de podermos ter biografias não autorizadas de Sarney ou Roberto Marinho. Mas as delicadezas do sofrimento de Gloria Perez e o perigo de proliferação de escândalos são tópicos sobre os quais o leitor deve refletir (Caetano Veloso).

Já para outras Personalidades como Fagner, Alceu Valença, Lobão, o Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música (GAP), bem como o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, são contrários à censura prévia das biografias não autorizadas. As opiniões das personalidades citadas, em síntese, concordam no que Joaquim Barbosa esclarece e afirma sobre a questão durante a Conferência Global de Jornalismo Investigativo na PUC-RJ

 O ideal seria [que houvesse] liberdade total de publicação, mas cada um assume os riscos. Se violou o direito de alguém, [o autor] vai ter que responder financeiramente. Com isso, se criaria uma responsabilidade daqueles que escrevem (...) Censura prévia é ruim, não é permitido, é ilegal (Joaquim Barbosa, presidente do STF).

 

Na citação supracitada é perceptível a posição do Ministro Joaquim Barbosa referente à proibição das biografias não autorizadas, no qual, o mesmo defende a liberdade de publicação. Caso haja uma discordância entre o biografado e o que foi escrito, e este se sentir lesado, o autor responderá onerosamente. Sendo considerado ilegítimo a proibição da prévia publicação.

Benjamin Moser, biógrafo de Clarice Lispector, também se posiciona contra a censura prévia das biografias não autorizadas. Ainda debate sobre a questão em carta a Caetano Veloso, publicada pelo jornal “Folha de S. Paulo”, onde o mesmo afirma:

 Não é questão de dinheiro, Caetano. A questão é: que tipo de País você quer deixar para os seus filhos? A liberdade de expressão não existe para proteger elogios. Disso, todo mundo gosta (Benjamin Moser).

 

3. A (in)constitucionalidade das biografias não autorizadas

3.1. As biografias e a Constituição Federal

      A Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 5º, inciso IX, afirma:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; (Constituição Federal, 1988).

Ainda na Constituição Federal do Brasil, o artigo 220, ainda afirma:

 Art. 220 - A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no Art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. § 6º - A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade; (Constituição Federal, 1988).

Após o artigo 5º, inciso IX, e artigo 220, acima referenciados, ambos da Constituição Federal, torna-se claro que os mesmos defendem, respectivamente, a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura e licença e a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, que, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição. Portanto, qualquer lei que vá de encontro a esses direitos básicos, torna-se inconstitucional e deve sofrer Ação Direta de Inconstitucionalidade, como é o caso dos artigos 20 e 21 ambos do Código Civil. Afinal, os Direitos e Garantias defendidos precisam ser preservados independentemente de Norma Vigente que possa contrariá-los.

3.2. Análise dos artigos 20 e 21 do Código Civil

O Código Civil Brasileiro trás em seu artigo 20 afirma que:

 

 

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes (BRASIL).

Complementando o artigo 20, o artigo 21, também do Código Civil, ainda afirma que:

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma (BRASIL).

Portanto, fica visível que os artigos 20 e 21 do Código Civil, defendem uma forma de censura prévia, que vai de encontro ao direito de expressão e informação, defendidos pela própria Constituição Federal. Salvo apenas algumas exceções. Apesar disso, Paulo Oliver, presidente da comissão de Direitos Autorais da OAB/SP, afirmou que "dificilmente o STF vai decretar a nulidade desses artigos, uma vez que eles só estão definindo responsabilidades." Porém, ele afirma ainda afirma que “os autores têm que se cobrir de provas, e deixar claro nos índices das obras as fontes que consultaram. Esta é a salvaguarda que eles têm”.

além dos artigos 20 e 21 do código civil, as personalidades a favor da censura prévia das biografias não autorizadas ainda dispõe dos direitos a personalidade, que dentre eles, há o direito ao esquecimento. Este último foi abordado em um noticiário do STJ, afirmando que:

“Ao estabelecer que ‘a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento’, o Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), estabelece que o direito de não ser lembrado eternamente pelo equivoco pretérito ou por situações constrangedoras ou vexatórias é uma forma de proteger a dignidade humana. A tese de que ninguém é obrigado a conviver para sempre com erros do passado foi assegurada pela Quarta Turma do STJ no julgamento de dois recursos especiais movidos contra reportagens exibidas em programa de televisão” (colocar fonte).

4. Conclusão

A importância deste tema no âmbito jurídico e social se dá pelo motivo de que a população tem direito ao acesso à informação, garantidos pela própria Constituição Federal. Portanto, ainda que no Brasil personalidades e artistas brasileiros possam proibir suas biografias, se faz necessária divulgação de fatos públicos contidos nas mesmas para a criação de uma bagagem cultural, não sendo somente para a simples satisfação popular, mas sim, de relevante interesse público, visto que esses fatos fazem parte da história do país.

Vicentini afirma que:

É preciso compreender que o limite à intimidade das pessoas célebres decorre do interesse público e das exigências de ordem histórica, uma vez que ultrapassa a mera curiosidade, alcançando, assim, projeção social. Com isso, quando a questão aborda a intimidade de uma pessoa pública, o limite imposto acaba decorrente do interesse público e das exigências de ordem histórica. É neste contexto que se faz necessária a permissão do estudo de biografias, mesmo que não autorizadas, a fim de se proteger as pesquisas históricas, em meio a uma população deficiente de memória cultural. (VICENTINI, 2013

Nesta senda, discutiremos como a legislação nacional se comporta dentro desse contexto.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p. (Série Legislação Brasileira).

BRASIL. Código civil, 2002. Código civil. 53.ed. São Paulo: Saraiva; 2002.

Entenda a polêmica sobre a publicação de biografias não autorizadas. iG São Paulo: online: Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/livros/2013-10-21/entenda-a-polemica-sobre-a-publicacao-de-biografias-nao-autorizadas.html, acesso em: 18/fev/2014

O Direito de Ser Deixado Em Paz. Portal STJ: online: Disponível em: < http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=111837>, acesso em, 18/fev/2014

VICENTINI, Danielle Regina Bartelli. Aspectos jurídicos da biografia não autorizada. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25088/aspectos-juridicos-da-biografia-nao-autorizada>, acesso em: 18/fev/2014