Ativismo Judicial na ADI 3510[1]

Alexandre Freire Amorim[2]

Sumário: 1 Introdução; 2 Ativismo Judicial: Caráter Ativo do Poder Judiciário; 3. Ativismo Judicial na ADI 3510; 4 A Invasão nas Esferas de Poder; 5 Conclusão; Referências.

RESUMO

 

O presente artigo tem por objetivo analisar o fenômeno do Ativismo Judicial, que no Brasil, tem como principal apoiador a mais alta instância do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal. A análise desse fenômeno jurídico ocorrerá sobre o estudo de um caso particular de ativismo pelo STF, ADI 3510, que julgou a constitucionalidade de um dispositivo da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/05), referente ao uso de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa. Esse caso particular foi um marco para o Supremo Tribunal Federal pela profundidade do julgamento realizado e para o Ativismo Judicial no país.

PALAVRAS-CHAVE

Constituição. Divisão dos Poderes. Ativismo Judicial.

1 Introdução

O Ativismo Judicial, no qual o juiz ultrapassa o campo do Direito para ingressar na área política, teve como instrumento normativo originário a Constituição Federal de 1988, que potencializou questões políticas sob a forma da norma jurídica, além do novo sistema de controle de constitucionalidade mais abrangente e forte. O Supremo Tribunal Federal é o principal ativista judicial do país, por tratar questões constitucionais que apresentam um conflito maior no âmbito político.

O presente trabalho pretende analisar esse fenômeno de judicialização da política, apresentando o caso da ADI 3510, que foi um instrumento de controle de constitucionalidade realizado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que declarou constitucional o art. 5º da Lei de Biossegurança na utilização de células-tronco embrionárias, assim solucionando uma tensão política que apresentava conflito normativo, realizado pelo Legislativo.

A partir da análise desse caso particular de ativismo judicial, serão analisadas as conseqüências desse fenômeno na política brasileira, a situação da invasão do poder judiciário na esfera legislativa e se, realmente, a judicialização da política é capaz de resolver tais conflitos políticos relacionados com a norma jurídica. Logo, o ativismo judicial realizado pelo STF, que mantém uma postura cada vez mais preocupada com a efetivação das normas jurídicas, toma posição do legislador para resolver conflito normativo que tem relação com a política.

 

2 Ativismo Judicial: Caráter Ativo do Poder Judiciário

A nova postura adotada pelo Supremo Tribunal Federal, de caráter mais ativo na vida institucional brasileira, remete ao seu julgamento em casos jurídicos polêmicos que apresentam conflitos políticos, sendo que esse caráter ativo do Poder Judiciário corresponde ao fenômeno do Ativismo Judicial. A nova atuação adotada pelo Judiciário Brasileiro se tornou alvo de elogios e críticas, pois na medida em que está criando “novos direitos” para honrar a Carta Magna brasileira, o Judiciário está se tornando “um intruso” ao invadir sem permissão as esferas do poder Legislativo e Executivo, isso remete a um dilema, que é a situação do Ativismo Judicial no país.

A Judicialização da Política tem sido considerada um fenômeno natural nos países democráticos após a Segunda Guerra Mundial, que provocou o surgimento de Constituições Democráticas preocupadas com os direitos fundamentais de seus cidadãos. Tais Constituições possuem como fundamento os ideais de igualdade e dignidade humana aliada a proteção aos direitos fundamentais e uma participação ativa na política da sociedade. No Brasil, o retorno do Estado Democrático de Direito, com a Constituição de 88, permitiu o Supremo Tribunal Federal aproveitar esse período de estabilidade, com o ativismo judicial, praticando uma jurisprudência política, que satisfaça os princípios constitucionais que a legislação atual não é capaz de realizar em casos inéditos, como é o caso da ADI 3510. Nessa Ação Direta de Inconstitucionalidade, o STF se utilizou dos instrumentos de controle de constitucionalidade para criar um “novo direito”, que a legislação defasada enunciava uma lacuna da lei, então para resolver esse caso extraordinário o Supremo Tribunal se utilizou de uma jurisprudência mais ativa, criadora de direito, típico dos tribunais da “common law”.

Na linha de defesa do Ativismo Judicial, o Poder Judiciário tem como função aplicar os direitos previstos na Legislação no caso concreto. Logo, se o cidadão provocou o juiz com um caso inédito, com o principio do Acesso à Justiça da Teoria do Processo, é direito do cidadão que haja uma resposta ao processo pelo juiz, ou seja, uma solução para o conflito. Então, a cidadania também possui participação no processo de Judicialização da Política, haja vista que o juiz foi provocado a resolver determinado conflito, tendo que recorrer a uma jurisprudência mais ativa para satisfazer os anseios da soberania popular.

Um fator que permitiu o Ativismo Judicial se tornar um instrumento de destaque no Poder Judiciário, corresponde à negligência dos demais poderes nas suas funções. O Congresso Nacional está incapacitado de atualizar a legislação brasileira, dada a situação de desordem instaurada nas Casas Legislativas, e o Poder Executivo não consegue satisfazer os direitos dos cidadãos com políticas públicas pífias. Com esse cenário, o Judiciário Brasileiro bem melhor organizado, se sente responsabilizado em satisfazer os valores da Constituição nos diversos casos concretos, mesmo que seja necessário criar um “novo direito” para resolver o conflito. Assim, o operador do direito cria uma nova norma, que está implícita na legislação, em face da negligência e morosidade do legislador.

O Caráter Ativo do Poder Judiciário está relacionado com o poder de interpretação do operador de Direito. O Supremo Tribunal Federal, com seu ativismo judicial, não cria uma nova norma sem fundamento constitucional, portanto, os “novos direitos” criados pelo STF, estão implícitos na Constituição, seja por princípios ou com base na norma constitucional. O Supremo Tribunal, a partir da Judicialização da Política, soluciona os conflitos que lhe são apresentados, buscando realizar a soberania popular, no que tange a satisfação de princípios constitucionais.

Luís Roberto Barroso, em seu trabalho científico “Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática”, se refere ao Ativismo Judicial: “A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes”.

 

3 Ativismo Judicial na ADI 3510

A Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510 foi proposta pelo ex-Procurador Geral da República Dr. Claúdio Lemos Fonteles, referente à inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/05), que permite a destruição de embriões humanos para fins de pesquisa e terapia. O ex-Procurador Geral da República alegou que determinado artigo da lei de Biossegurança feria a inviolabilidade do direito à vida humana, previsto no artigo 5º da Constituição Federal. Com tal Ação de Direta de Inconstitucionalidade, o debate acerca do uso de células-tronco embrionárias foi realizado no Supremo Tribunal Federal, que inspirado por uma jurisprudência mais ativa, fez uso dos mecanismos do Ativismo Judicial.

A Lei de Biossegurança, que regulariza o uso de células-tronco embrionárias para pesquisas e terapias, havia sido aprovada pelo Congresso Nacional, porém a discussão a respeito desse tema polêmico não foi feita com tanta profundidade, mais uma vez o Poder Judiciário é responsável por definir qual o direito em questão do caso, haja vista que a legislação não esclareceu.

A discussão do caso realizado pelo Supremo Tribunal Federal foi um marco na história da mais alta instância do Poder Judiciário brasileiro, como a Ministra Ellen Gracie (Presidente do STF no período) disse a respeito do caso no relatório de voto da ADI 3510: “Buscaram-se neste Tribunal, a meu ver, respostas que nem mesmo os constituintes originário e reformador propuseram-se a dar.” A ADI 3510 foi uma julgamento extraordinário e um exemplo fiel de Ativismo Judicial praticado pelo Supremo Tribunal Federal. O dispositivo posto em questão no caso corresponde ao art. 5 da Lei nº 11.105/05 (Lei de Biossegurança), verbis:

Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

I – sejam embriões inviáveis; ou

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

 § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.

§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

No decorrer do julgamento da ADI 3510, foi averiguada a harmonia do art. 5º da Lei de Biossegurança supracitado com a Constituição vigente. Para isso, o STF discutiu sobre o momento inicial da vida humana, ou seja, quando o embrião começa a ter a formação de ser humano na fertilização in vitro (técnica de reprodução assistida), para descobrir se o dispositivo questionado feria à inviolabilidade do direito à vida, direito fundamental do art. 5º da Carta Magna. A Corte Suprema analisou também qual era o destino dos embriões excedentes, que não foram utilizados para a reprodução, que são produzidos de formal natural nesse tipo de reprodução assistida.

A partir desse estudo científico, o STF descobriu detalhes interessantes sobre a formação e do destino dos embriões formados na fertilização in vitro, tecnicamente, não transcorridos 14 dias do momento da fecundação, não há embrião, mas somente uma massa de células indiferenciadas geradas pela fertilização do óvulo; e a respeito do destino dos embriões excedentes, que permanecem congelados por mais de três anos, são descartados, por não possuírem mais capacidade de fecundação. Então, com base nos seguintes dispositivos constitucionais, o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), o direito à livre expressão da atividade científica (art. 5º, IX), o direito à saúde (art. 6º), o dever do Estado de promover políticas públicas que promovam a saúde (art. 196), e de promover e incentivar o desenvolvimento científico e a pesquisa (art. 218), o Supremo Tribunal Federal julga a Ação de Direta de Inconstitucionalidade 3510 improcedente.

O Supremo Tribunal Federal julgando o art. 5º da Lei de Biossegurança constitucional visou proteger os interesses dos cidadãos brasileiros, que dependem dessas pesquisas com células-troncos, para recuperar sua saúde e consequentemente poder viver de forma digna, assim promovendo um uso sustentável desses embriões congelados, que seriam descartados. O Ativismo Judicial praticado pelo STF nesse caso serviu para garantir a concretização de princípios constitucionais, com destaque para o direito à saúde, que ganhará grandes contribuições das pesquisas realizadas com células-tronco embrionárias.

4 A Invasão nas Esferas de Poder

As Constituições dos Estados Democráticos de Direito tem como princípio fundamental, a divisão de poderes, estabelecido por Monstesquieu na sua obra “Espírito das Leis”. A divisão de Estado em poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário, tem como objetivo manter um sistema de “freios e contrapesos”, ou seja, promover uma maior eficiência na administração estatal dividindo as funções estatais em instituições independentes entre si. A razão dessa divisão, além administrar melhor as funções do Estado, é proteger as liberdades individuais e melhorar as condições de igualdade na sociedade.

Uma das características negativas apontadas sobre ativismo judicial corresponde ao fato desse fenômeno ferir o princípio da divisão das esferas de poder, pois na sua prática temos a invasão de um poder em outro, no caso, do Poder Judiciário invadindo uma função do Poder Legislativo ou Executivo. O fato é, em parte, o ativismo realmente fere esse principio da separação dos poderes, princípio das Constituições dos atuais Estados Democráticos de Direito. Isso, de certa forma, tornaria a nova postura política do Judiciário em um ato inconstitucional, mas devemos observar que cada caso de ativismo judicial possui características peculiares e essa invasão do Poder Judiciário possui seus motivos, muitas vezes, válidos principalmente no caso brasileiro e no presente caso da ADI 3510.

A principal função da Separação dos Poderes é garantir a proteção da liberdade individual, a promoção da igualdade e satisfazer a soberania popular, melhorando a eficiência do Estado. O Ativismo Judicial, praticado pelo Poder Judiciário no Brasil, almeja cumprir essa função, que não é realizada na prática pelo poder legislativo e executivo. Então, realmente, com a prática do ativismo temos a invasão de um poder estatal nas funções de outro, porém essa medida se torna útil no caso brasileiro, na medida em que, de fato, busca satisfazer a soberania popular e as normas constitucionais, permitindo uma maior eficiência do Estado brasileiro. Como é o caso da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510, o STF realizou a discussão do legislador, para saber se a norma era válida constitucionalmente, com isso, a Corte Suprema protegeu direitos fundamentais constitucionais que estavam ameaçados no caso.

 

5 Conclusão

O Ativismo Judicial, fenômeno praticado pelo Judiciário brasileiro, demonstra como os operadores do Direito estão engajados em concretizar a Constituição, protegendo os direitos fundamentais dos cidadãos, não realizado pelo exercício irregular das funções dos Poderes Legislativo e Executivo. As razões do ativismo judicial praticado pelo Supremo Tribunal Federal possuem mérito, como no caso da ADI 3510, que protegeu direitos constitucionais fundamentais que estavam ameaçados no caso, foi uma intervenção necessária e que não prejudicou, de fato, o principio da separação dos poderes.

Cada caso de Ativismo Judicial, realizado pelo STF, possui características próprias, cada um apresentando, em maior ou menor escala, uma intervenção nas funções dos demais poderes. Assim, temos uma intervenção inconstante, não permitindo concluir se o ativismo judicial prejudica o sistema de “freios e contrapesos” dos Poderes Estatais, previsto na Constituição.

No Brasil, o Ativismo Judicial, praticado pelo STF, está servindo muito bem a sociedade, suprindo uma deficiência dos demais poderes, tecnicamente, não prejudicando o principio da separação de poderes. Porém, essa postura ativista do Supremo Tribunal Federal deve ser realizada de forma moderada, não ultrapassando todos os limites de uma intervenção na função de outro Poder estatal. O Ativismo Judicial, ou Judicialização da Política, no caso brasileiro, tem tido a aprovação da sociedade e exercido esse importante papel de concretização da Constituição, representando uma jurisprudência ativa, que reconstrói a interpretação da norma. De certa forma, o Ativismo Judicial, reforça o Estado Democrático de Direito, que almeja satisfazer a soberania popular.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em: < http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181 901.pdf>. Acesso em: 15 mai 2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: < http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 15 mai 2011.

CITTADINO, Gisele. Poder Judiciário, ativismo judiciário e democracia. Disponível em: <http://publique.rdc.puc-rio.br/revistaalceu/media/alceu_n9_cittadino.pdf>. Acesso em: 15 mai 2011.

COELHO, Inocêncio Mártires. Ativismo judicial ou criação judicial do direito?. Disponível em: < http://www.osconstitucionalistas.com.br/ativismo-judicial-ou-criacao-judicial-do-direito>. Acesso em: 15 mai 2011.

RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010.

Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510-0 Distrito Federal. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/adi3510EG.pdf>. Acesso em: 15 mai 2011

 

 



[1] Paper apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina Constitucional I, lecionado pela Profª. Amanda Thomé, do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[2] Graduando do 3º Período noturno do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.