AS CONTRIBUIÇÕES DE MICHEL FOUCAULT PARA A COMPREENSÃO DO FENÔMENO DO DIREITO E DO PODER: A BIOPOLÍTICA COMO FORMA DE ANÁLISE DO DIREITO

RESUMO 

Realizar-se-á uma abordagem da teoria foucaultiana sobre o poder disciplinar e o biopoder para o entendimento das relações de poder que estão em constante transformação, já que para Foucault o poder não é um objeto natural ou uma coisa, é uma prática social construída historicamente. Assim, objetiva-se demonstrar uma análise da “funcionalidade” do poder, o qual não está centralizado em um local, mas se dissemina por toda a estrutura social de forma a direcionar o entendimento sobre elementos e fenômenos contemporâneos a partir da análises feitas por Foucault das realidades, principalmente relacionadas à Europa, situadas entre os séculos XVII e XIX. Através do deslocamento das teorias clássicas sobre o poder será possível a compreensão dos aspectos de atuação do poder e seus mecanismos de controle e sujeição na contemporaneidade.

 

PALAVRAS-CHAVE: Foucault; Poder Disciplinar; Biopolítica.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

Como um dos maiores pensadores desta temática, Michel Foucault tem grande influencia no que tange as relações entre poder, política e Estado. Nascido em 1926, Paul Michel Foucault, tem diploma de Ensino superior em Filosofia e Psicologia, mas seus pensamentos vão alcançar todas as áreas do saber, e em grande importância, o Direito.

Seus escritos foram influenciados por movimentos históricos, como a guerra da Argélia, o nazismo e o totalitarismo soviéticos, o que acarretou na forma de Foucault pensar o Ocidente a partir de temas como liberdade e pensamento libertário, relacionando-os à dinâmica do poder. O principal interesse do trabalho está no que ocorre a partir de 1970, quando Foucault tem um novo direcionamento nas suas análises, passando a lhe interessar agora o poder como elemento capaz de produzir os saberes e as relações de poder dentro da sociedade. Vindo a construir o conceito de biopoder e bipolítica.  (DANNER, 2010)

O presente trabalho divide-se em dois tópicos, sendo que o primeiro trada das técnicas de poder que surgiram no século XII centradas do corpo do indivíduo. Chamadas por Foucault de disciplinas, ela permitiam o controle minucioso das operações do corpo, impondo-lhe uma relação de docilidade-utilidade através de um poder que o desarticula e o recompõe (relação soberano-súdito). O segundo explana a respeito da nova forma de exercício do poder chamada por ele de biopolítica, agora centrada na vida e não mais no indivíduo-corpo, sendo que os mecanismos de poder se tornam uma questão chave para a política.

 Para ele, a constituição do Estado moderno, com o início e o desenvolvimento das novas relações de produção capitalistas, leva à instauração da anátomo-política disciplinar e da biopolítica normativa enquanto procedimentos institucionais de modelagem do indivíduo e de gestão da coletividade; em outras palavras, de formatação do indivíduo e de administração da população. (DANNER, 2010)

Assim, observar-se-á que com a necessidade de mecanismos institucionais surgem os mecanismos jurídicos para solucionar os problemas postos à prática governamental e para gerenciar e controlar a multiplicidade humana.

2 A SOCIEDADE DISCIPLINAR

Para Foucault o poder é plural e para estudá-lo, o filosofo fez o uso de dois conceitos principais: a sociedade disciplinar e a biopolítica. Em meados do século XVII, SURGE NA EUROPA o que Foucault denomina de instituições disciplinares destinadas ao “adestramento” do indivíduo. Já no século XIX aparece a biopolítica com o objetivo de cuidar da população, ligada a temas como saúde pública, segurança social, fecundidade, etc. Ambas são formas diferentes de poder, porém complementares. (DANNER, 2010)

Em Microfísica do Poder o autor deixa claro que não quer expor a questão do poder analisando suas formas legítimas e regulamentares a partir do centro, mas, seu intuito é analisar as instituições locais e regionais, pois na sociedade disciplinar, algumas instituições (escolas, prisões, fábricas...) utilizam técnicas disciplinares para formar indivíduos úteis e fortes para fins econômicos e em oposição, indivíduos dóceis para fins políticos. Artifício necessário para a manutenção do poder. ¹  Em Vigiar e Punir, Foulcault (1997, P. 127) diz que:

O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente. Forma-se então uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O corpo humano entra em uma maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe.

Pode-se perceber que seu objetivo não é compreender a questão do poder a partir de uma experiência de dominação, mas examinar os mecanismos de controle oriundos das suas aplicações mais elementares, como nos processos de reclusão e de repressão no âmbito da família, do bairro, buscando seus agentes reais nas ações habituais. E assim para normaliza

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Sociedade Disciplinar. Disponível em: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/sociedade%20disciplinar/Sociedade%20disciplinar.htm>. Acesso: 20 de Maio de 2012.

o sujeito moderno, segundo Foucault, foram desenvolvidos mecanismos e dispositivos de vigilância, capazes de interiorizar a culpa e causar no indivíduo arrependimento pelos seus atos. Por exemplo, Foucault elege o Panóptico como modelo arquitetônico “ideal”. Idealizado no século XVII, o Panóptico é uma contrução em forma de anel com várias celas e uma torre no centro, o conceito do desenho permite a um vigilante observar todos os prisioneiros sem que estes possam saber se estão ou não sendo observados. No lugar das celas estariam um condenado, um louco, uma criança aprendendo a ler, um estudante, etc.

Foucault (1977, p. 181) assinala que:

É polivalente em suas aplicações: serve para emendar os prisioneiros, mas também para cuidar dos doentes, instruir os escolares, guardar os loucos, fiscalizar os operários, fazer trabalhar os mendigos e ociosos. É um tipo de implantação dos corpos no espaço, de distribuição dos indivíduos em relação mútua, de organização hierárquica, de disposição dos centros e dos canais de poder, de definição de instrumentos e de modos de intervenção, que se podem utilizar nos hospitais, nas oficinas, nas escolas, nas prisões. Cada vez que se tratar de uma multiplicidade de indivíduos a que se deve impor uma tarefa ou um comportamento, o esquema panóptico pode ser utilizado.

O panoptismo corresponde ao controle e poder disciplinador exercido na vida de um indivíduo, que é observado o tempo todo sem conhecer seu observador e sem saber em qual momento está sendo oibservado, assim pode vigiar todas as dependências onde quer ter domínio e controle com princípios “simples” de correção e controle. Esta é a finalidade do modelo Panóptico, assegurar o funcionamento autoritário do poder e fazer com que a vigilância surta efeito neste processo, através de um inspetor central. (FOUCAULT, 1977)

Essas técnicas de poder sofrem mudanças a partir do século XVIII, observa-se então, o surgimento de uma nova mecânica do poder, que não está limitado pela relação soberano-súdito, mas ampliação do processo de dominação, necessitando inclusive da inclusão de novos sistemas disciplinares.

3 DA BIOPOLÍTICA AO DIREITO

A partir do século XVIII surge uma nova modalidade de poder diferente da forma de exercício do poder vista na relação soberano-súdito, caracterizada pelo direito que o soberano tinha de causar a morte ou permitir a vivência dos seus súditos. Para Foulcault (1988, p.134):

O homem ocidental aprende pouco a pouco o que é ser uma espécie viva num mundo vivo, ter um corpo, condições de existência, probabilidade de vida, saúde individual e coletiva, forças que se podem modificar, e um espaço em que se pode reparti-las de modo ótimo. Pela primeira vez na história, sem dúvida, o biológico reflete-se no político; o fato de viver não é mais esse sustentáculo inacessível que só emerge de tempos em tempos, no acaso da morte e de sua fatalidade: cai, em parte, no campo de controle do saber e de intervenção do poder.

 Chamada por Foulcault de biopolítica, o novo poder destina-se ao controle da espécie, é um conceito que abrange uma dimensão coletiva, tendo a vida como principal foco. As relações de poder vão incidir sobre os vários âmbitos da vida, seja econômico, trabalhista a, político, judiciário... Dessa forma, a disciplina e a regulação da população formam os polos da organização do poder sobre a vida.           

Vale ressaltar para ficar mais claro o entendimento, que Foucault em algumas de suas obras faz referencia ao termo biopoder relacionado à biopolítica. Biopoder corresponde às práticas (Exemplos: vigilância, inspeção, justiça, etc.) dos Estados Modernos e a regulação dos que estão sujeitos a eles por meio de diversas técnicas para submeter os “corpos” e controlar as populações buscando um equilíbrio global. Portanto, a biopolítica vai se ocupar com os processos biológicos relacionados ao homem-espécie, estabelecendo sobre os mesmos uma espécie de regulamentação utilizando o biopoder. 

Neste sentido, o início da modernidade biológica de uma dada sociedade inicia no momento em que a espécie humana pertence às estratégias políticas de um Estado. E para compreender melhor este corpo, referente à coletividade, é necessário descrever e quantificar alguns processos, como a mortalidade, longevidade, criminalidade, nascimento, migração,etc. A preocupação não será modificar os fenômenos, mas intervir no nível das determinações desses fenômenos gerais. Através dos levantamentos, há a produção de inúmeros saberes como a Demografia, Estatística, Criminologia...

E para a garantia da vida é necessário a criação de mecanismos de segurança, reguladores e contínuos.  Neste caso, o direito passa a ser vinculado à ideia de Estado, servindo de instrumento ou justificação. Como consequência desse poder voltado para a vida, cresce a importância assumida pela atuação da norma, que pode ser aplicada tanto ao indivíduo que precisa de disciplina como a uma população que se deseja regulamentar, formando uma ligação entre o elemento disciplinar e o elemento regulamentador. As Constituições e os Códigos escritos a partir da Revolução francesa são exemplos aceitáveis de um poder essencialmente normalizador. (FOUCAULT, 1977)

Por isso que uma sociedade normalizadora é tida como o resultado de uma tecnologia de poder focada na vida.  Desta feita, o modo lícito e legítimo de exercer poder é encontrado nos limites do direito, utilizado para solucionar os problemas postos à prática governamental que se utilizará de mecanismos jurídicos para gerenciar e controlar a multiplicidade humana.

4 CONCLUSÃO

 

Portanto, a concepção foulcaultiana de um direito normalizador das sociedades modernas e das novas relações de produção capitalista demonstra que a lei funciona cada vez mais como norma, enquanto a instituição judicial vai se integrando a um conjunto de aparelhos com funções reguladoras. Por exemplo, para um louco ser considerado anormal e seja submetido á reclusão social, é necessário que as técnicas da biopolítica utilizem as técnicas jurídicas. O mesmo tratamento é conferido ao criminoso.

Ou seja, com a modernidade se vê uma interação cada vez maior entre as técnicas da biopolítica e o discurso jurídico-político. Inclusive, ao redor da Instituição Judiciária se desenvolve outras instituições ( escola, asilo, polícia...) normalizando o indivíduo ao longo de sua existência.

Conclui-se então, que as disciplinas e a biopolítica que  foram dois mecanismos do poder inventados no decorrer do século XVII e no decorrer do século XVIII, como instrumentos de formatação e normalização dos indivíduos e das populações ainda  então em pleno desenvolvimento.

 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. L. M. Pondé Vassallo. Pretropólis: Vozes, 1977.

Sociedade Disciplinar. Disponível em: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/sociedade%20disciplinar/Sociedade%20disciplinar.htm>. Acesso: 20 de Maio de 2012.

FOULCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1997.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

DANNER, Fernando. O Sentido da Biopolítica em Michel Foucault. Revista Estudos Filosóficos, Minas Gerais, n.4, 2010. Disponível em: <http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/revistaestudosfilosoficos/art9-rev4.pdf>. Acesso em: 08março 2012.