As cartas psicografadas estão adentrando no ordenamento jurídico de maneira tal, que acabam trazendo para a sociedade certa insegurança jurídica.
Aproveitando o ensejo, esclarecemos que o objetivo não é fazer menção a qualquer tipo de religião, no entanto, deixaremos bem claro, que o Brasil é um país laico e, deste modo, ao permitir que as cartas psicografadas, originadas da doutrina espírita, adentrem no processo penal, estaremos indo de encontro ao texto legal da Constituição Federal.
Portanto, o fato de o texto constitucional assegurar o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos inerentes ao atendimento desses princípios (art. 5º, LV), significam dizer que os sujeitos processuais possuem o direito de contraditar e de se defender, em relação a qualquer tipo de prova.
No entanto, o contraditório e a ampla defesa só estarão plenamente assegurados quando uma verdade tiver igual possibilidade de convencimento do magistrado, quer alegada pelo titular da ação penal, quer pelo acusado. Ou seja, as alegações e provas trazidas aos autos por uma das partes devem corresponder igual possibilidade da outra parte, o que não poderá ocorrer no caso da psicografia.
Deste modo, a carta psicografada como prova, gera insatisfação para, pelo menos, uma das partes do processo, bem como, insegurança ante a impossibilidade de contestação.
Nesse momento, vêm à tona as seguintes questões: de que forma poderemos comprovar a autenticidade de uma carta psicografada? Deverá ser levado em consideração um aval oferecido por um oficial público ou exame pericial a tão polêmica figura? Como lidar juridicamente com uma permissão de se prejudicar a parte de um processo por meio de um documento assinado por um desencarnado? Como poderá a parte contrária contestar uma carta psicografada? Deverá invocar outro espírito? E quando tal parte possui outra crença religiosa e definitivamente descaracteriza como verdade o procedimento da psicografia? De forma clara, observamos que uma das partes se sentirá prejudicada, injustiçada e a partir daí vemos que a justiça acaba enveredando por caminhos alheios a sua real função.
Por outro lado, é óbvio que as provas acostadas ao processo influenciam na motivação da decisão do magistrado, deste modo, não podemos ser ingênuos ao ponto de acreditar que o juiz, caso professe a fé espírita, não terá a carta psicografada como plena verdade, o que não ocorrerá com aquele que tenha outro princípio religioso.
Ainda que muitos tentem "mascarar" tal procedimento, é perceptível a olho nu que a aceitação da psicografia no processo penal, é no mínimo incoerente e incompatível com o princípio da separação entre a Igreja e o Estado. Da mesma forma, qualquer outro tipo de prova baseada no conhecimento religioso causaria a mesma estranheza. Logo, mais uma vez, deixamos bem claro que não se trata de uma questão de se tolerar ou não a crença espírita, evangélica, católica, ou seja, ela qual for.
O que nos preocupa, é o fato da subjetividade e controvérsia deste tipo de prova. Sendo assim, a "aceitação ou não" de uma carta psicografada, dependerá, em parte, da concepção religiosa do sentenciante. E ao verificarmos essa subjetividade, vemos claramente o surgimento da insegurança jurídica.
Deste modo, diante do exposto, devemos ter como fundamento o fato do ordenamento jurídico não poder, em hipótese alguma, enveredar para terreno tão nebuloso, subjetivo, controvertido e inseguro. Em quaisquer circunstâncias, seja ela qual for a justiça deverá a qualquer preço manter a sua racionalidade.

Vanicy Lima- Acadêmica do 8º período do Curso de Direito da Unesc Faculdades e estagiária da OAB-PB.