PROCESSO DO TRABALHO II
Aplicação do art. 475-J no Processo do Trabalho.


1.0 INTRODUÇÃO:
O módulo processual de execução, ou fase de execução, consiste na concretização do direito material pretendido na demanda que transitou em julgado. Na fase de cognição, averiguou-se o Direito pretendido, decidindo-se pela procedência ou improcedência dos pedidos da Reclamação Trabalhista.
Como sabemos, a pretensão da Reclamação Trabalhista, assim como no processo civil, pode concretizar-se por inteiro, quando todos os pedidos são procedentes, e desta forma, transitam em julgado, bem como parcialmente procedentes, ou, até mesmo, todos podem ser rejeitados.
Assim, nos casos de procedência parcial ou total dos pedidos, teremos que promover a execução judicial do título executivo, quando a sentença se tratar de sentença condenatória, que, na maioria das vezes, é o que ocorre no processo do trabalho.
A Execução trabalhista ocorre nos mesmos autos em que efetuou-se o módulo processual de conhecimento (fase de cognição) e inicia-se com o trânsito em julgado dos pedidos deferidos. Quando não há mais recurso cabível que possa modificar o julgado (sentença ou acórdão), estamos diante de um título judicial imutável.
Quando a sentença for líquida, proceder-se-á a execução de imediato. No entanto, quando ilíquida, dever-se-á promover a sua liquidação, transformando o quantum debeatur genérico num valor passível de ser executado. A fase de liquidação, como vimos, é o iter lógico entre o módulo processual de conhecimento, onde se produziu o título liquidando e o módulo processual executivo.
Convém ressaltar, apesar da celeridade existente no âmbito da seara trabalhista em comparação à justiça comum, a Execução judicial do título exeqüendo é uma parte tormentosa do processo.
Como bem anota Schiavi ,
"Ainda que tenha um título executivo judicial nas mãos, o credor trabalhista tem enfrentado um verdadeiro calvário para satisfazer seu crédito e muitas vezes o executado tendo numerário para satisfazer o crédito do autor, prefere apostar na burocracia processual e deixar para adimplir o crédito somente quando se esgotar a última forma de impugnação."
Em outras palavras, o Reclamado, Réu da demanda trabalhista, confia e aposta na demora. Aquele devedor que desde o início poderia pagar o crédito trabalhista sabe que não sofrerá nenhuma penalidade contra si em razão da mora, apenas a incidência dos juros e da correção monetária.
Ora, por que dizer isso se a Legislação Celetista determina que o não pagamento em "48 (quarenta e oito) horas ou garanta a execução, sob pena de penhora" já é considerada uma penalidade?
Pois hoje, através do sistema BACENJUD, não efetuado o pagamento, proceder-se-á à penhora dos bens, e neste caso, o dinheiro existente nas contas corrente do executado. Assim, tal fato consiste apenas no pagamento forçado do débito trabalhista sem pena alguma. A penhora é pressuposto da execução de ofício. Não sendo quitado o débito, proceder-se-á a execução de modo a torná-la efetiva, sendo, pois, a penhora em dinheiro, método condizente para atingir a satisfação da execução.
Como veremos a seguir, e já fixando a nossa posição, a adoção da multa do art. 475-j do CPC tem uma função social, qual seja, coibir o não pagamento do título executivo, aplicando-se uma multa.
Destarte a aplicação da multa, sabemos que o mau pagador, existindo ou não a multa pelo não adimplemento do título executivo, protelará o feito como puder.
2.0 ART. 475-J DO CPC X ARTs. 880 E 883 DA CLT:
Inicialmente, determina o caput do art. 475-J do CPC:
Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.
§ 4o Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput deste artigo, a multa de dez por cento incidirá sobre o restante.
O artigo 475-J foi instituído na última leva de reformas ocorridas no CPC, incluído pela Lei nº 11.232, de 2005 à legislação processual.
Da sua leitura, temos, pois, que a multa será aplicada quando a sentença condenatória for determinada por quantia certa ou o quantum debeatur já esteja fixado em liquidação.
Ainda, o pagamento deverá ser efetuado no prazo de quinze dias, caso contrário, aplicar-se-á a multa de 10%.
Logo, o sentido social do art. 475-J é a coerção, a punição pela inércia do devedor. Esse caráter coercitivo ? multa aplicada ? surge do não cumprimento da sentença, da passividade do devedor que, mesmo sabendo do seu dever-obrigação de cumprir com o título, não o faz de imediato.
Possível dizer, então, que a aplicação do art. 475-J tem como escopo, a satisfação do crédito exeqüendo, de forma célere, atendendo à ordem constitucional, às reformas processuais e, principalmente, os princípios que vigoram no processo do trabalho.
Ordem constitucional, com fulcro no art. 5º LXXVIII, in verbis:
Art. 5º - LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Preleciona Bezerra Leite, como uma das vozes a favor da aplicação do artigo em comento: "A natureza jurídica da multa ora focalizada é punitiva, isto é, aflora-se como uma sanção processual, em valor prefixado pela lei"
Ainda, continua o mencionado autor: "tal multa não se confunde com o astreinte, que é uma medida de pressão psicológica para que o próprio devedor cumpra obrigações específicas, ou seja, uma forma de execução indireta nas condenações em obrigação de fazer, não fazer, ou entregar coisa."
Desta forma, a aplicabilidade do art. 475-J do CPC pode ser tanto determinada na sentença, quanto na liquidação para parte da doutrina. No entanto, dada a interpretação do art. 475-J do CPC e a sua aplicação ao processo do trabalho, esta deve se dar quando a sentença proferida for líquida.
O principal argumento daqueles que acreditam na inaplicabilidade do art. 475-J no processo do trabalho, sustenta-se na existência dos arts. 880 e 883 da CLT, in verbis:
Art. 880. Requerida a execução, o juiz ou presidente do tribunal mandará expedir mandado de citação do executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas ou, quando se tratar de pagamento em dinheiro, inclusive de contribuições sociais devidas à União, para que o faça em 48 (quarenta e oito) horas ou garanta a execução, sob pena de penhora.
Art. 883 - Não pagando o executado, nem garantindo a execução, seguir-se-á penhora dos bens, tantos quantos bastem ao pagamento da importância da condenação, acrescida de custas e juros de mora, sendo estes, em qualquer caso, devidos a partir da data em que for ajuizada a reclamação inicial.
Aduzem, portanto, que a pena estipulada pela consolidação é a penhora, sendo esta eficiente para o caso concreto. Ainda, ressaltam o fato de que o prazo de 48 horas para o pagamento é menor, portanto, condizente com a celeridade processual, bem como que a CLT não é omissa, o que impossibilitaria a aplicabilidade subsidiária.
Ora, a existência da penhora seria uma vantagem a mais para o credor, devendo a multa de 10% ser aplicada conjuntamente, isto é, supletivamente. E neste caso, reside a citada lacuna ontológica, caracterizada pela perda de atualidade da norma, que não mais consegue reger os fatos, diante da alteração da realidade.
No Acórdão da lavra do Eminente Desembargador Cláudio Brandão da 5ª Região, que determinou a aplicabilidade do art. 475-J, este se posicionou acerca da lacuna ontológica, pautado nas lições de Luciano Athayde Chaves:
"A propósito, cita-se a doutrina de Luciano Athayde Chaves que destaca: As lacunas ontológicas ocorrem quando determinado instituto jurídico, normalmente positivado pelo sistema, não mais corresponde aos fatos sociais. Resulta, de regra, do ancilosamento da norma positiva [...], fruto do avanço tecnológico e cultural de uma dada realidade social. Cuida-se de um fenômeno intimamente vinculado à constatação da quebra da isomorfia (ou equilíbrio) que deve existir entre a norma, o valor e o fato, integradores dos subsistemas jurídicos, que passam a interagir de maneira heteromórfica [...], causando perturbação na atmosfera social, impulsionando a alteração da matriz jurídica tendente a interferir na solução dos conflitos de toda ordem, tanto substancial como judiciária."
Logo, só podemos nos posicionar a favor da aplicabilidade do referido artigo, porquanto deverá ser feitas algumas ponderações a posteriori.

3.0 DA SUBSIDIARIEDADE DO CPC E HERMENEUTICA PROCESSUAL:
Determina o art. 769 da CLT:
Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.
Expressamente, o legislador da legislação celetista, determinou a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil à CLT, desde que observadas algumas orientações.
Obtempera Carrion , acerca da possibilidade de aplicação subsidiária do CPC mediante a observação de quatro pontos, senão vejamos:
"Ao processo laboral, se aplicam as normas, institutos e estudos da doutrina do processo geral, desde que: a) não esteja aqui regulado de outro modo (casos omissos, subsidiariamente); b) não ofendam os princípios do processo laboral (incompatível); c) se adapte aos mesmos princípios e às peculiaridades deste procedimento; d) não haja impossibilidade material de aplicação (institutos estranhos à relação deduzida no juízo trabalhista)"

A subsidiariedade dá azo ao uso de técnicas da hermenêutica, para ajustar o procedimento laboral com o rito cível, comum. Ainda, como aduz Süssekind ,
"a aplicação do direito é a adptação da norma abstrata a um caso concreto: a individualização do comando abstrato contido na lei. Tal aplicação, por conseguinte, importa numa passagem do abstrato ao concreto, do geral ao particular, em suma, numa dedução."
Tal raciocínio nos leva a lembrar que o direito existe em razão do caso concreto. Sobre o tema em comento, deve-se lembrar que a inércia do devedor, somente lhe traz benefícios. Ainda, o crédito devido, é de natureza alimentar, de tal importância que outros princípios e institutos são mitigados em sua função, como os bens de família que podem ser penhorados (impenhorabilidade do bem de família), a penhora sobre os casos elencados no art. 649 , IV do CPC etc.
De todos os métodos, aquele que mais se adapta para dar fundamento à nossa idéia da possibilidade de aplicação do art. 475-J é o método teleológico. Ademais, este é o que mais se identifica com o processo do trabalho.
Sobre o método teleológico, cumpre citar as lições de alguns autores, para o seu entendimento, nesta ordem. (i) Tércio Ferraz, (ii) Bezerra Leite, (iii) Sussekind:
(i) O pressuposto e, ao mesmo tempo, a regra básica dos métodos teleológicos é de que sempre é possível atribuir um propósito às normas(...) No direito brasileiro, a própria Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art. 5º, contém uma exigência teleológica. "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ele se dirige e às exigência do bem comum". As expressões fins sociais e bem comum são entendidas como sínteses éticas da vida em comunidade. Sua menção pressupõe uma unidade de objetivos do comportamento social do homem.
(ii) Nele, a atenção do intérprete volta-se para os fins sociais a que a norma jurídica se propõe. Dito de outro modo, o método teleológico ou sociológico visa a adaptar a finalidade da norma à realidade social, econômica e política em que vai incidir na prática.
(iii) O sistema teleológico, opondo-se, por sua vez, ao abuso das construções lógicas do sistema tradicional, propugna por uma interpretação conforme à finalidade da norma, devendo o intérprete orientar-se pelas necessidades práticas a que o direito visa a atender.
Logo, o método teleológico de interpretação das normas, relaciona a codificação posta com a realidade, atribuindo à Lei uma finalidade prática fundada em um fim social, econômico ou político, de modo a determinar à sua aplicabilidade a atualização da norma sem alterá-la, em razão da existência de uma lacuna ontológica.

4.0 APLICABILIDADE OU INAPLICABILIDADE?
Em que pese às posições em contrário, maior acerto, por todo exposto, está ao lado daqueles que acreditam na aplicabilidade do mencionado artigo.
Comungamos com esta idéia, de forma que a aplicação do mencionado artigo deverá ser feita de acordo com uma interpretação teleológica do mesmo.
Sabemos que o processo do trabalho caminha ao lado do princípio da razoável duração do processo, e tem como peça chave, as lições que o Direito Material do Trabalho e os direitos fundamentais do trabalhador nos dão: a hipossuficiência do trabalhador.
Assim, conclui-se com o seguinte posicionamento: o art. 475-J deve ser aplicado na Justiça do Trabalho, desde que: a) seja observado o prazo de 15 dias para o pagamento após a citação; b) no mandado de citação a multa do art. 475-J deverá estar imposta, determinada e quantificada, caso não seja efetuado o pagamento; c) se o executado não pagar, o Juiz do Trabalho pode iniciar a execução de ofício (artigo 848, da CLT), expedindo-se mandado de penhora a avaliação com a multa imposta; d) que a multa seja aplicada na sentença, se líquida, ou após a liquidação o prazo de 15 dias deve incidir a partir da intimação do executado sobre a homologação dos cálculos.

















REFERÊNCIAS:
BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de Direito Processual do Trabalho. 7ª Ed.
CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das Leis do Trabalho, 34ª Ed.
SUSSEKIND, Arnaldo. Instituições do Direito do Trabalho18ª Ed. Vol I, 1999.
LEITE de CARVALHO Augusto César. Adoção da multa do art. 475-J do CPC no processo trabalhista. Disponível em:http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10481.
SCHIAVI Mauro. Os princípios da execução trabalhista e a aplicabilidade do artigo 475-j, do cpc: Em busca da efetividade perdida.
CÂMARA, Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil, 16ª Ed, LumensJuris, 2009.
FERRAZ JR. Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito, técnica, decisão, dominação, 3ª Ed., ATLAS, 2001.