José Maria Couto Moreira*

 

A campanha presidencial desta primavera está menos para flores. Os oponentes, melhor dizer os litigantes, já se encontram a um passo da agressão física, estimulados, é claro, pela militância, que, a um, coroam-no como anjo, enquanto a outro imputam-lhe como demônio.
Este cenário já se concretizou, valendo a Serra um grande susto. Os candidatos, ainda, estão sintonizando as preferências religiosas que, ao juízo de cada um, melhor repercutirão nas urnas, e temas tabus como o aborto transformaram-se em assuntos recorrentes em debates e entrevistas. Um está de olho no outro, para criticar ou antecipar posições com o único propósito eleitoral. A aspirante a primeira dama Monica Serra teria dito que a adversária Dilma Roussef come criancinhas, o que provocou a ira da segunda, que a censurou nominal e acidamente em público. Rebatendo, a candidata golpeou Serra como integrante da “privataria”, quase um neologismo que une privatização e pirataria. No fundo, estão aí expostas as feridas que ambos não desejam mostrar, a primeira por lembrar o passado supostamente terrorista de Dilma e a segunda por apontar a tendência de Serra, que acompanhou FHC nas suas investidas privatizantes..
É importante para o eleitor, em homenagem a um voto consciente, que se abstraia das acusações mútuas de ambos os oponentes, que não o conduzem senão a uma visão apaixonada. Vale mesmo é a análise da biografia e das atitudes incontestadas de ambos no exercício da vida pública, os tropeços de cada um e os acontecimentos marginais a um e a outro que podem lhes atribuir responsabilidades. Neste aspecto, aliás, o volume das repercussões (negativas) está a favor de Dilma, que foi a responsável indireta pela última manchete escandalosa, que teve como personagem central sua amiga íntima Erenice Guerra, que, defenestrada da Casa Civil da presidência por patrocínio (ou tolerância) de tráfico de influência e corrupção ativa partidos de seu filho, recolheu-se agora ao silêncio. Contra Serra correram também manchetes de invasão de privacidade fiscal da filha Verônica, que indignou Monica e que também saiu a campo em defesa da filha, atribuindo a ação a petralhas, o mais recente neologismo que associou os sempre arteiros “irmãos Metralha” com o PT. Se a eleição não se vence com elegâncias, pelo menos a imaginosa criação de vocábulos, com novas acepções, vai enriquecendo o nosso já extenso e variegado vernáculo.
Enquanto não nos aproximamos de uma modelar Suíça, vamos engulindo isto tudo. É Cony, o inefável, quem reconta uma visita de Álvaro Lins aquele país, quando embaixador em Portugal, no dia das eleições gerais na Suíça. Não vejo movimento algum, disse Lins a seu acompanhante suíço. É que cada quarteirão tem a sua urna e os moradores não precisam se movimentar. Mas, replicou Álvaro, quem garante que não se vota mais de uma vez ? E responde seu acompanhante : mas quem é que faria isso ? Este diálogo tem precisamente 50 anos ...


*Procurador do Estado