RESUMO

A presente monografia, a partir do estudo de dispositivos legais e doutrinários, tem como objetivo principal analisar a questão do conflito entre a liberdade de imprensa e de expressão em face do garantismo penal e princípios constitucionais do acusado, apontando qual a repercussão da mídia na sociedade e na vida do suspeito com a intensa exposição dos casos criminosos pelos meios de comunicação. Trata-se de pesquisa qualitativa, realizada pelo método dedutivo e de procedimento técnico bibliográfico e documental. Dessa forma, para melhor compreender as obscuridades que envolvem o tema a ser debatido, no primeiro capítulo, será feito um breve estudo sobre o garantismo penal, a fim de explicar, em linhas gerais, no que consiste essa teoria, bem como serão abordados os principais princípios constitucionais com relevância para o estado de inocência do acusado. Em seguida, realizar-se-á um estudo sobre a liberdade de imprensa, expressão e informação, bem como sobre a mídia, apresentando conceitos e apontando como que os meios de comunicação em massa são capazes de construir “verdades” e influenciar a populaçãoem massa. Aofinal, far-se-á um estudo de caso, a fim de verificar, no caso concreto, a observância ou não das garantias constitucionais do acusado pela mídia. Trata-se do conhecido Caso Escola Base, no qual verifica-se claramente que os abusos protagonizados pela imprensa feriram as garantias dos suspeitos, tendo em vista a ampla repercussão dada ao episódio e a forma sensacionalista com que foram difundidas as informações à população, que, sem maiores questionamentos, tomou as constatações divulgadas pela mídia como verdadeiras. 

 

Palavras-chave: Garantismo penal. Presunção de inocência. Devido processo legal. Contraditório. Ampla defesa. Liberdade de imprensa. Livre manifestação do pensamento. Direito de informação. Mídia. Sensacionalismo. Clamor público. Caso Escola Base.

 

SUMÁRIO

 

1 INTRODUÇÃO.. 10

 

2 O GARANTISMO PENAL.. 13

2.1 A teoria do garantismo penal 14

2.2 Principais princípios constitucionais com relevância para o estado de inocência  20

2.2.1 Princípio da presunção de inocência. 20

2.2.2 O devido processo legal 23

2.2.3 Princípios do contraditório e da ampla defesa. 26

 

3 LIBERDADES DE COMUNICAÇÃO E A MÍDIA.. 29

3.1 Liberdade de comunicação.. 30

3.1.1 Liberdade de expressão.. 30

3.1.2 Liberdade de informação.. 37

3.1.3 Imprensa e liberdade de informação jornalística. 40

3.2 Mídia. 43

3.2.1 Meios de comunicação de massa e construção de realidade. 44

3.2.2 Ética na imprensa. 47

 

4 ANÁLISE SOBRE GARANTISMO PENAL E A SUA OBSERVÂNCIA (OU NÃO) PELA MÍDIA: UM ESTUDO DE CASO.. 49

4.1 O caso Escola Base. 50

4.2 As consequências da atuação da mídia na vida dos acusados. 71

 

5 CONCLUSÃO.. 74

 

REFERÊNCIAS.. 78


1 INTRODUÇÃO

Como garantia constitucional e princípio fundamental no direito penal, a presunção de inocência deve ser observada até a sentença condenatória transitadaem julgado. Entrelaçadosa esse princípio estão o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Graças às renomadas e poderosas garantias, é assegurado ao acusado não ser “pré-julgado”, ou seja, não ser condenado por nenhum delito até que se tenha comprovado sua culpa e não haja mais possibilidade de recurso da decisão.

A conhecida expressão latina in dubio pro reo (que significa “na dúvida, em favor do réu”) expressa claramente uma das formas como se opera o princípio da presunção de inocência. Presume-se a inocência até que se prove o contrário. Para os operadores do direito, basta a ausência de provas capazes de comprovar que o denunciado efetivamente cometeu o delito capitulado na inicial acusatória para que haja absolvição. Na dúvida, o julgador tem a obrigação de absolver, sendo evidente que condenar um inocente é muito mais grave que, eventualmente, absolver um culpado.

De outra banda, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5ª, IV, prevê o direito à livre manifestação do pensamento e liberdade de imprensa como garantias fundamentais do cidadão e um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Afinal, expressar o pensamento é uma característica própria do ser humano.

A mídia, por sua vez, é o veículo de comunicação social, responsável pela difusão da livre manifestação do pensamento, por meio de rádio, jornal, revista, televisão, internet etc. Pode-se dizer que, de certa forma, a mídia é o que dá efetividade a essa garantia constitucional e a imprensa é livre, não pode ser censurada.

Entretanto, muitas vezes nos deparamos com uma questão conflitante entre essas importantes garantias, na medida em que os meios de comunicação abusam das liberdades de imprensa e expressão, prejudicando brutalmente a imagem do suspeito ou acusado. É sobre esse conflito e esses abusos que a presente monografia buscará tratar, fazendo uma análise sobre o garantismo penal e a sua observância ou não pela mídia no caso concreto, com um estudo de caso. O estudo discute como problema: qual a repercussão da mídia na sociedade e na vida do acusado com a exposição intensa, e muitas vezes sensacionalista, de casos criminosos?

Como hipótese para tal questionamento, entende-se que a sociedade é altamente influenciada pela mídia, que sempre se preocupou muito em como elevar seus índices de audiência, esquecendo-se, muitas vezes, da ética e das consequências que uma manchete equivocada pode gerar. Ocorre que isso vem violando os princípios e garantias constitucionais que tem o cidadão, em especial a presunção de inocência do suspeito ou acusado.

Quanto ao modo de abordagem, a pesquisa da futura monografia será qualitativa, considerando que irá trabalhar com o exame da natureza, do alcance e das interpretações possíveis para o assunto estudado (MEZZAROBA; MONTEIRO, 2008); ou seja, a análise do garantismo penal e a sua observância ou não pela mídia, através de um estudo de caso, de ampla repercussão. Para obter a finalidade desejada, o método utilizado para o desenvolvimento da monografia é o dedutivo, cuja operacionalização se dará por meio de procedimentos técnicos baseados na doutrina, legislação e jurisprudência, relacionados, inicialmente, ao garantismo penal e direitos constitucionalmente assegurados ao réu/suspeito, passando pelas liberdades de imprensa, expressão e informação, conceito de mídia e seu poder de influência na população em massa, para chegar ao ponto específico do estudo de caso, em que se analisará a observância do garantismo penal pelos meios de comunicação.

Sendo assim, o primeiro capítulo de desenvolvimento deste estudo tratará das garantias constitucionais do acusado/suspeito, dando enfoque a sua importância. Primeiramente, será explicado no que consiste a teoria do garantismo penal, bem como serão abordados os principais princípios constitucionais com relevância para o estado de inocência, como devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

No segundo capítulo, serão descritos conceitos, noções e principais aspectos acerca das liberdades de imprensa, expressão e informação. Também será feita uma abordagem sobre a mídia e seu poder de influência e manipulação da população em massa, esquecendo-se, muitas vezes, da ética e profissionalismo. A análise sobre mídia, imprensa, e a influência exercida pelos meios midiáticos no sentimento social, em especial na exposição de fatos em tese criminosos, tem relevância na construção do capítulo seguinte.

Adiante, no terceiro capítulo do desenvolvimento, far-se-á um estudo de caso, com a finalidade de verificar no caso concreto o comportamento da mídia ao expor condutas criminosas de grande repercussão, se os direitos e garantias dos indiciados foram violados e qual foi a consequência na população e na vida dos suspeitos. O caso trata de proprietários de uma escola de educação infantil (Escola Base), que foram indiciados por abuso sexual de crianças e onde a imprensa cometeu uma série de erros.

 

2  O GARANTISMO PENAL

Idealizada por Luigi Ferrajoli, a teoria do garantismo penal consiste basicamente na adequação do direito penal aos princípios constitucionais do ordenamento jurídico de um país, assegurando direitos e garantias tanto ao indivíduo, acusado ou condenado, quanto à coletividade como um todo, buscando minimizar o poder punitivo do Estado sobre o cidadão e, em contrapartida aumentar as garantias de liberdade. O próprio termo “garantismo” remete à palavra “garantias”, que nada mais são do que os direitos, privilégios e isenções que a constituição confere aos cidadãos de seu Estado.

A nossa Carta Magna de 1988 traz em seu texto, ainda que implicitamente, todas as garantias defendidas por Ferrajoli como indispensáveis ao indivíduo e à sociedade. Pode-se concluir, portanto, que a Constituição brasileira se enquadra nos moldes garantistas do estudioso idealizador dessa teoria.

Destarte, este capítulo terá como objetivo tecer as principais considerações acerca da teoria garantista, explicando seus fundamentos mais detalhadamente, bem como descrever os principais princípios constitucionais pertinentes ao estudo de caso que será apresentado no terceiro capítulo, com relevância para o estado de inocência.

 

 

2.1 A teoria do garantismo penal

Alicerçada na obra “Direito e Razão” pelo ilustre professor italiano Luigi Ferrajoli, a teoria do garantismo penal visa, fundamentalmente, ampliar a esfera de liberdade do homem e diminuir ao patamar mínimo necessário o poder punitivo do Estado, de forma que as garantias do indivíduo, e também da sociedade, sejam preservadas.

Nas palavras de Aury Lopes Jr. (2006, p. 46), o garantismo penal:

Consiste na tutela dos direitos fundamentais, os quais – da vida à liberdade pessoal, das liberdades civis e políticas às expectativas sociais de subsistência, dos direitos individuais aos coletivos – representam os valores, os bens e os interesses, materiais e pré-políticos, que fundam e justificam a existência daqueles artifícios – como chamou Hobbes – que são o direito e o Estado, cujo desfrute por parte de todos constitui a base substancial da democracia. Dessa afirmação de FERRAJOLI é possível extrair um imperativo básico: o direito existe para tutelar os direitos fundamentais.

 

O renomado jurista gaúcho Luciano Feldens (2008, p. 67), defende que o garantismo deve ser compreendido como uma “como uma teoria de base constitucional, (b) orientada à otimização dos direitos fundamentais, (c) o que significa, em direito, assegurar juridicamente (garantir) a sua realização”. Refere, ainda, que Estado constitucional de Direito e garantismo “são realidades auto-referentes, apontando, em conjunto, para a formulação de técnicas de garantias idôneas destinadas a assegurar o máximo grau de efetividade aos direitos fundamentais”.

Em sua obra, Ferrajoli (2002) sugere algumas técnicas de minimização do poder institucionalizado, valendo-se de dez axiomas, consistentes em dez princípios axiológicos, que devem ser rigorosamente obedecidos. Rogério Greco (2011, p. 10) define os axiomas da teoria garantista como “dez máximas que dão suporte a todo o seu raciocínio”, ou seja, nada mais são do que preceitos utilizados como base para a argumentação da teoria. O ilustre doutrinador italiano (2002) divide esse rol de princípios em: garantias relativas à pena (como e quando punir), garantias relativas ao delito (quando e como proibir), e garantias relacionadas ao processo (quando e como julgar).

No primeiro grupo de garantias, estão aquelas que dizem respeito à pena e a sua aplicação. O primeiro axioma citado pelo estudioso, nulla poena sine crimine (não há pena sem crime), determina que somente haverá pena se antes tiver ocorrido uma prática delituosa. Segundo os ensinamentos de Greco (2011, p. 469), “a pena é a consequência natural imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração penal”, isto é, “quando o agente comete um fato típico, ilícito e culpável, abre-se a possibilidade para o Estado de fazer valer o seu ius puniendi” (GRECO, 2011, p. 469). Já para Masson (2011), a pena é a retribuição de um fato criminoso praticado, em consonância com o princípio da retributividade.

O segundo axioma, nullum crimen sine lege (não há crime sem lei), está intimamente ligado ao princípio da legalidade estrita ou reserva legal, o qual indica que não poderá haver crime sem a devida determinação por lei. Evidentemente, isso também se aplica às penas, pois, conforme já mencionado, não há pena sem crime, logo, não há pena sem cominação legal. Segundo Ferrajoli (2002), o princípio da legalidade é a viga mestra do garantismo. Tal princípio encontra previsão expressa no art. 5º, XXXIX da Constituição Federal. Ainda, o art. 1º do Código Penal contempla a ideia da reserva legal, assim dispondo: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. O idealizador do garantismo (2002) entende que dessa legalidade ou reserva legal decorrem outros quatro princípios, isto é, para que o princípio da legalidade seja pleno, devem ser observadas outras quatro características. Além da exigência de que o crime deve ser criado por lei, é preciso que a lei seja anterior aos fatos que busca incriminar, em observância ao princípio da anterioridade, igualmente contemplado no dispositivo legal supracitado (art. 1º do CP). Outrossim, mister que a lei anterior seja escrita, já que costume não cria tipo penal, nem cria pena, de forma que a norma deve estar positivada no ordenamento para que tenha valia. A lei deve ser, ainda, estrita, com o objetivo de vedar a analogia incriminadora. Por fim, completando o princípio da legalidade, existe o princípio da taxatividade ou determinação, estabelecendo que não haverá crime sem lei certa, ou seja, o dispositivo normativo deve ser de fácil entendimento, redigido com clareza para que seja bem compreendido.

Como terceiro axioma, também relacionado à pena, Ferrajoli (2002) aponta a expressão nulla lex poenalis sine necessitate (não há lei penal sem necessidade), a qual está atrelada ao princípio da necessidade, que, por mais redundante que pareça, determina que só deve haver lei incriminadora, a qual cria tipos penais, se esta for estritamente necessária.

O segundo grupo de axiomas está relacionado ao delito. Nessa perspectiva, Ferrajoli (2002) segue mencionando a nulla necessitas sine injuria (não há necessidade de pena sem ofensa ao bem jurídico), que equivale ao princípio da lesividade ou ofensividade, o qual, segundo o professor Masson (2011), garante que só há crime quando a conduta é capaz de lesionar ou, ao menos, de colocar em perigo de lesão o bem jurídico protegido pela lei penal. Em seguida, o italiano (2002) cita o princípio da nulla injuria sine actione (não há ofensa sem conduta), também chamado de princípio da exterioridade ou materialidade, cujo principal objetivo é a proibição do direito penal do autor. Direito penal do autor é aquele que rotula, aquele que estereotipa determinado grupo de pessoas, deixando de analisar a conduta praticada e sim a figura do autor (MASSON, 2011).

O seguinte axioma mencionado por Ferrajoli (2002), ainda relacionado ao delito, é o da nulla actio sine culpa (não há ação sem culpa), que remete ao princípio da culpabilidade. No que tange ao mencionado princípio, Guilherme de Souza Nucci ensina que:

[...] ninguém será penalmente punido, se não houver agido com dolo ou culpa, dando mostras de que a responsabilização não será objetiva, mas subjetiva. Trata-se de conquista do direito penal moderno, voltado à idéia de que a liberdade é a regra, sendo exceção a prisão ou a restrição de direitos (NUCCI, 2006, p. 71).

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Finalmente, os últimos quatro axiomas integram o terceiro grupo de garantias, os quais dizem respeito ao processo. O primeiro deles consiste na nulla culpa sine judicio (não há culpa sem processo), ou seja, o reconhecimento da culpa lato sensu deve ser feito pelo órgão judicial competente, em nome do princípio da jurisdicionalidade. Aqui, se tem bem a ideia de que o Estado chamou para si o monopólio de dizer o direito, ele que possui a exclusividade da jurisdição (FERRAJOLI, 2002).

O segundo axioma relacionado ao processo é a nullum judicium sine accusatione (não há processo sem acusação), também conhecido como princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação, o qual assinala que, em regra, o juiz não pode agir de ofício, não podendo reconhecer culpa sem ser provocado, motivo pelo qual é necessário o exercício do direito de ação por quem tem legitimidade. Por sua vez, a nulla accusatio sine probatione (não há acusação sem provas), é o terceiro axioma ligado ao processo, e corresponde ao princípio do ônus da prova ou da verificação, o qual dispõe que não haverá acusação sem o mínimo de provas.

Como último axioma invocado por Ferrajoli (2002), temos a nulla probatio sine defensione (não há provas sem defesa), comumente conhecida como princípio do contraditório ou da defesa, que significa dizer que a prova produzida sem que haja oportunidade de defesa não existe. Tanto é assim, que um verdadeiro garantista defende o contraditório inclusive no Inquérito Policial. Essa é uma decorrência lógica do pensamento de Luigi Ferrajoli, justamente porque, conforme já mencionado, não há acusação sem o mínimo de provas, as quais pressupõem o contraditório. Dessa forma, conclui-se que sem contraditório, as provas produzidas no expediente administrativo policial não existem, e, não havendo provas, também não pode haver acusação, ao passo que sem acusação não há processo, e sem processo não há culpa. Dito isso, percebe-se que os axiomas se interligam, possuem uma relação de dependência entre si.

Ainda, segundo Ferrajoli (2002), é possível distinguir três interpretações diferentes do termo garantismo, mas todas relacionadas entre si.

Numa primeira acepção, o garantismo nada mais é do que um modelo normativo de direito, próprio do Estado de Direito, caracterizado como um sistema de poder mínimo (mínima intervenção estatal); no plano político, como uma técnica de minimização da violência e maximização da liberdade e, no plano jurídico, como um conjunto de vínculos impostos ao poder punitivo do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos. Ou seja, o direito penal deve ser utilizado como ultima ratio, como último instrumento a ser usado pelo Estado em situações de punição, recorrendo-se apenas quando não seja possível resolver a situação em outra esfera do direito (civil, trabalhista, administrativo etc.). Esta acepção está relacionada ao princípio da intervenção mínima do Estado ou subsidiariedade do direito penal. Sobre o referido princípio, o nobre Guilherme Nucci (2006, p. 69) expõe que:

 

[...] o direito penal não deve interferir em demasia na vida do indivíduo, retirando-lhe autonomia e liberdade. Afinal, a lei penal não deve ser vista como a primeira opção (prima ratio) do legislador para compor conflitos existentes em sociedade e que, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético na humanidade, sempre estarão presentes.

Há outros ramos do Direito preparados a solucionar as desavenças e lides surgidas na comunidade, compondo-se sem maiores traumas. O direito penal é considerado a ultima ratio, isto é, a última cartada do sistema legislativo, quando se entende que outra solução não pode haver senão a criação de lei penal incriminadora, impondo sanção penal ao infrator.

 

Conforme uma segunda perspectiva, Luigi Ferrajoli (2002) menciona que garantismo refere-se a uma teoria jurídica de validade, efetividade e vigência, em que existe uma diferença entre “ser” e “dever ser”, centrada na dissonância entre os modelos normativos (o ideal) e as práticas (o real). Dessa forma, além de ser um modelo normativo de direito inserido nos planos político e jurídico, o garantismo também pressupõe os elementos da validade e efetividade das normas e condutas punitivas. Para o doutrinador, essa distinção entre o “ser” e o “dever ser” se dá porque os modelos normativos, notadamente garantistas, são plenamente válidos, mas não efetivos, e as práticas operacionais (aplicação dos modelos normativos) são efetivas, mas não válidas:

Uma aproximação tal não é nem puramente ‘normativa’ nem puramente ‘realista’: a teoria que esta é hábil a fundar, precisamente, é uma teoria da divergência entre a normatividade e realidade, entre direito válido e direito efetivo, um e outro vigentes. A desenvolvida neste livro é, por exemplo, uma teoria garantista do direito penal ao mesmo tempo normativa e realista: referida ao funcionamento efetivo do ordenamento, o qual se exprime nos seus níveis mais baixos, autoriza a revelar-lhe os lineamentos de validade e sobretudo de invalidade; referida aos modelos normativos , os quais se exprimem nos seus níveis mais altos, é idônea a revelar-lhes o grau de efetividade e, sobretudo, de não efetividade (FERRAJOLI, 2002, p. 684).

 

Finalmente, como terceira significação, Ferrajoli (2002) diz que o garantismo indica uma filosofia política que impõe ao Direito e ao Estado a carga de sua justificação externa, ou seja, conforme os bens e interesses cuja tutela constitui sua própria razão de ser. Nesse sentido, o garantismo pressupõe a doutrina da separação entre direito e moral, validade e justiça, permitindo a valoração do ordenamento a partir da distinção entre “ser” e “dever ser” do Direito.

O estudioso, após a conceituação dos três significados, com enfoques distintos, para o garantismo, conclui que sua teoria possui um alcance filosófico geral, e não exclusivamente penal. Conforme explica o autor:

Estes três significados de ‘garantismo’, para os quais até agora forneci uma conotação exclusivamente penal, têm, a meu ver, um alcance teórico e filosófico geral que merece, pois, ser explicado. Eles delineiam, precisamente, os elementos de uma teoria geral do garantismo: o caráter vinculado de poder público no Estado de Direito; a divergência entre validade e vigor produzida pelos desníveis das normas e um certo grau irredutível de ilegitimidade jurídica das atividades normativas de nível inferior; a distinção entre ponto de vista externo (ou ético-político) e ponto de vista interno (ou jurídico) e a conexa divergência entre justiça e validade; a autonomia e a prevalência do primeiro e em certo grau irredutível de ilegitimidade política com relação a ele das instituições vigentes. Estes elementos não valem apenas para o direito penal, mas também para outros setores do ordenamento. Inclusive para estes é, pois, possível elaborar, com referência a outros direitos fundamentais e outras técnicas e critérios de legitimação, modelos de justiça e modelos garantistas de legalidade – de direito civil, administrativo, constitucional, internacional, do trabalho – estruturalmente análogos àquele penal aqui elaborado. E ainda para essas categorias supramencionadas, nas quais se exprime a abordagem garantista, representam instrumentos essenciais para a análise científica e crítica interna e externa das antinomias e das lacunas – jurídicas e políticas – que permitem revelar (FERRAJOLI, 2002, p. 686).

 

Assim, a Teoria Geral do Garantismo de Ferrajoli busca a aplicação da teoria no caso concreto, a aplicação rigorosa dos princípios e garantias no mundo dos fatos, criticando a imensa disparidade entre teoria e prática em sede de direitos fundamentais do homem.

Ao propor um modelo ideal de ação, Ferrajoli (2002) aponta para a incorporação de limitações e imposições normativas de atuação dos governos em seus ordenamentos jurídicos, para que os mesmos se aproximem do real Estado de Direito, com o propósito de se tornar um sistema efetivo de garantias para os cidadãos.

Importante destacar, outrossim, como Ferrajoli (2002) deixa claro em seus ensinamentos, que o garantismo afasta os dois extremos: o abuso do direito de punir por parte do Estado; e o abolicionismo, consistente na carência de regras e sanções.

Em linhas gerais, a conclusão que se tira desse pensamento, com o enfoque para o direito penal, é que o garantismo nada mais é do que um direito penal mínimo, um modelo normativo de direito como sistema de limites à autoridade punitiva do Estado, ou técnicas, como menciona Ferrajoli (2002), para limitar o poder estatal, visando à garantia de todos os direitos fundamentais, não somente dos direitos de liberdade, mas também dos direitos sociais e políticos.

2.2 Principais princípios constitucionais com relevância para o estado de inocência

Tecidas tais considerações acerca do garantismo penal, passa-se à análise de alguns princípios basilares do direito penal, que, devido a sua importância, foram expressamente insculpidos no texto constitucional. Os princípios a seguir abordados são de grande relevância para o estudo de caso a ser apresentado no terceiro capítulo desta monografia e possuem estreita relação com o estado de inocência do indivíduo.

 

2.2.1 Princípio da presunção de inocência

A Constituição Federal de 1988 incorporou princípios de suma importância em nosso ordenamento jurídico. Tais princípios constitucionais, em especial aqueles com relevância para o Direito Penal e Processual Penal, são garantias fundamentais do cidadão e têm como principal função limitar o poder do Estado, afastando o arbítrio estatal.

Estabelece a nossa Carta Magna que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII, CF), consagrando o famoso princípio da presunção de inocência, que, de acordo com Alexandre de Moraes (2006), é uma das bases do Estado de Direito. Como garantia processual penal que é, tem o propósito de tutelar a liberdade pessoal. Nessa senda, conforme ensina o referido doutrinador, é imprescindível que o Estado comprove a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena caracterizar arbítrio estatal.

Assevera o autor que o estado de inocência é uma presunção juris tantum, sendo que para ser afastada, exige um mínimo necessário de provas produzidas, respeitando o devido processo legal e, consequentemente, as garantias do contraditório e da ampla defesa.

Tamanha é a importância da presunção de inocência, que Aury Lopes Jr. (2010, p. 191) a qualifica como “o princípio reitor do processo penal e, em última análise, podemos verificar a qualidade de um sistema processual através do seu nível de observância (eficácia)”.

Conforme já visto no estudo dos axiomas elencados na obra de Ferrajoli (2002), a jurisdição é atividade necessária para obter a prova de que um sujeito cometeu um delito, e não havendo provas identificadas em um juízo regular (em que o contraditório deve ser observado), nenhum crime pode ser considerado cometido e nenhum sujeito pode ser reputado culpado, nem submetido à pena. A ligação desses preceitos – de que não há culpa sem juízo, não há juízo sem acusação, não há acusação sem provas e não há provas sem defesa – nos remete, ainda que indiretamente, à presunção de inocência do imputado, até prova contrária decretada por sentença condenatória definitiva. Segundo essa ideia, resta claro que a presunção de inocência está intimamente ligada ao ônus da prova no direito penal, determinando que é a culpa que deve ser demonstrada pelo órgão acusador e não a inocência pelo acusado.

Ferrajoli (2002, p. 441), afirma que “esse princípio fundamental de civilidade representa o fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que ao custo da imunidade de algum culpado”. Em outras palavras, é mais prudente deixar de punir um culpado, eventualmente, do que condenar um inocente. O estudioso acrescenta:

[...] a presunção de inocência não é apenas uma garantia de liberdade e de verdade, mas também uma garantia de segurança ou, se quisermos, de defesa social: da específica “segurança” fornecida pelo Estado de direito e expressa pela confiança dos cidadãos na justiça e daquela específica “defesa” destes contra o arbítrio punitivo (FERRAJOLI, 2002, p. 441).

 

Ao lado da presunção de inocência, como critério de solução para dúvida judicial, temos o famoso princípio do in dubio pro reo, que, de acordo com Lopes Jr. (2006, p. 190), “corrobora a atribuição da carga probatória ao acusador”. Nesse sentido, tem-se que a única certeza exigida pelo processo penal diz respeito à prova da autoria e materialidade delitivas, imprescindíveis para a prolação de uma sentença condenatória. De outra banda, caso não seja alcançado esse grau de convencimento, a absolvição é medida de rigor (LOPES JR., 2006).

Outrossim, Alexandre de Moraes (2006) ensina que o direito de ser presumido inocente possui quatro funções básicas, quais sejam: limitação à atividade legislativa; critério condicionador das interpretações das normas vigentes; critério de tratamento extraprocessual em todos os seus aspectos (inocente); e obrigatoriedade do ônus da prova da prática de um fato delituoso ser sempre acusador.

Dessa forma, conforme já destacado, a presunção de inocência condiciona toda a condenação a uma atividade probatória produzida pela acusação, isto é, o ônus da prova será sempre do órgão acusador, nunca do réu, de modo que é vedada taxativamente a condenação no caso de inexistirem as provas necessárias.

O critério de tratamento extraprocessual apontado pelo constitucionalista é de grande relevância para o tema abordado na presente monografia, na medida em que a presunção de inocência não deve se restringir formalmente ao processo, necessita estar presente fora dele também, sob pena de prejuízo e ofensa à dignidade do acusado.

Lopes Jr. (2010), esclarece que a presunção de inocência impõe um verdadeiro dever de tratamento, na medida em que exige que o acusado deve ser tratado como inocente. Em consonância com o referido por Alexandre de Moraes, Aury sustenta que esse dever de tratamento atua em duas dimensões: interna ao processo e exterior a ele. Internamente, o dever de tratamento é imposto, num primeiro momento, ao magistrado, determinando que o ônus probatório seja integralmente do acusador e que a dúvida conduza a um juízo absolutório. Na dimensão externa, a presunção de inocência requer uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização precoce do acusado (LOPES JR., 2010). Logo, a presunção de inocência também deve ser utilizada como limites democráticos à abusiva exploração da mídia em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial. Nas palavras do processualista (2010, p. 196): “o bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de inocência”.

Em continuidade a sua explicação sobre a presunção de inocência, Moraes (2006, p. 393) refere que:

 

 

O princípio da presunção de inocência consubstancia-se, portanto, no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença judicial com trânsito em julgado, ao término do devido processo legal (due process of law), em que o acusado pôde utilizar-se de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório).

 

Ainda, o autor apresenta três exigências decorrentes da previsão constitucional da presunção de inocência:

1 o ônus da prova dos fatos constitutivos da pretensão penal pertence com exclusividade à acusação, sem que se possa exigir a produção por parte da defesa de fatos negativos (provas diabólicas);

2 necessidade de colheita de provas ou de repetição de provas já obtidas perante o órgão judicial competente, mediante o devido processo legal, contraditório e ampla defesa;

3 absoluta independência funcional da magistrado na valoração livre das provas. (MORAES, 2006, p. 393).

 

Moraes (2006) revela, também, que a interligação entre os princípios da presunção de inocência, juiz natural, devido processo legal, ampla defesa e contraditório é inerente ao Estado democrático de Direito, considerando que somente através de uma sequência de atos processuais, realizados perante a autoridade judicial competente, é possível obter provas lícitas, produzidas com a integral participação e controle da defesa pessoal e técnica do acusado, com a finalidade de se obter uma decisão condenatória, afastando, desse modo, a presunção constitucional de inocência.

Destarte, conclui-se que o garantismo de Ferrajoli explica e abrange todas as questões que envolvem o estado de inocência, que é uma garantia de extrema importância, devendo ser observada dentro e fora do processo.

 

2.2.2 O devido processo legal

Como pilar do direito processual brasileiro, temos o princípio do devido processo legal, também chamado de due process of law, previsto no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, o qual garante que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem, antes, seguir todas as etapas previstas em lei”.

Ademais, o princípio em questão, por se tratar de um direito fundamental do homem, foi igualmente contemplado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, que em seus artigos IX, X e XI dispõe:

Artigo IX: Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo X: Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo XI: 1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

 

O Pacto de São José da Costa Rica também assegura o devido processo legal:

“Art. 8º. Garantias judiciais: 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. [...]”.

 

Conforme ensina Moraes (2006, p. 368):

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegura-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, à produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).

 

Ainda, complementa o constitucionalista que o princípio em apreço possui como consequência a ampla defesa e o contraditório, que devem ser assegurados aos litigantes, tanto no processo penal quanto nos processos civil e administrativo, conforme expressamente previsto na Constituição (MORAES, 2006).

Moraes (2006) divide o devido processo legal em duas espécies: processual (formal) e substantivo ou substancial (material).

Para o devido processo legal substantivo, as leis devem satisfazer o interesse público, os anseios do grupo social a que se destinam. Trata-se de uma forma de evitar o abuso de poder por parte do próprio governo, garantindo ao cidadão a elaboração legislativa comprometida com os reais interesses sociais, com a produção de leis razoáveis que busquem atender aos reclamos da sociedade. Afinal, é na razoabilidade das leis que se promovem os limites ao poder de legislar do Estado (MORAES, 2006).

Com relação a essa dimensão do devido processo legal, Fredie Didier Jr. (2009) menciona que, além da razoabilidade, desta garantia também surge o princípio da proporcionalidade, de forma que uma decisão, necessariamente, deva ser proporcional, razoável e correta.

Esse conceito substancial também foi consagrado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A fim de exemplificar a aplicação dessa acepção dada ao devido processo legal no caso concreto, colaciona-se a seguinte ementa:

HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE PENAL. TIPICIDADE PENAL. JUSTIÇA MATERIAL. PONDERABILIDADE NO JUÍZO DE ADEQUAÇÃO TÍPICA DE CONDUTAS FORMALMENTE CRIMINOSAS, PORÉM MATERIALMENTE INSIGNIFICANTES. SIGNIFICÂNCIA PENAL. CONCEITO CONSTITUCIONAL. DIRETRIZES DE APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL. ORDEM CONCEDIDA.

 

  1. A norma legal que descreve o delito e comina a respectiva pena atua por modo necessariamente binário, no sentido de que, se, por um lado, consubstancia o poder estatal de interferência na liberdade individual, também se traduz na garantia de que os eventuais arroubos legislativos de irrazoabilidade e desproporcionalidade se expõem a controle jurisdicional. Donde a política criminal-legislativa do Estado sempre comportar mediação judicial, inclusive quanto ao chamado “crime de bagatela” ou “postulado da insignificância penal” da conduta desse ou daquele agente. Com o que o tema da significância penal confirma que o “devido processo legal” a que se reporta a Constituição Federal no inciso LIII do art. 5º é de ser interpretado como um devido processo legal substantivo ou material. Não meramente formal.2. Ainsignificância penal expressa um necessário juízo de razoabilidade e proporcionalidade de condutas que, embora formalmente encaixadas no molde legal-punitivo, substancialmente escapam desse encaixe. E escapam desse molde simplesmente formal, como exigência mesma da própria justiça material enquanto valor ou bem coletivo que a nossa Constituição Federal prestigia desde o seu principiológico preâmbulo. Justiça como valor, a se concretizar mediante uma certa dosagem de razoabilidade e proporcionalidade na concretização dos valores da liberdade, igualdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, etc. Com o que ela, justiça, somente se realiza na medida em que os outros valores positivos se realizem por um modo peculiarmente razoável e proporcional. [...] (HC 109134, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 13/09/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-043 DIVULG 29-02-2012 PUBLIC 01-03-2012)

 

Por outro lado, Moraes (2006) afirma que o devido processo legal processual ou formal é o princípio empregado no sentido estrito, assegurando aos litigantes vários direitos no âmbito do processo. É nesse aspecto processual que se faz uso da expressão “devido processo legal” e se insere o contraditório, a ampla defesa e a igualdade de todos perante a lei. Este é o foco do estudo, o que o constitucionalista chama de acepção formal do devido processo legal.

Dentro dessa perspectiva, o devido processo legal garante o direito de processar e ser processado conforme as normas previamente estabelecidas para tanto, de modo que ninguém seja privado de seus direitos (DIDIER JR., 2009). O processualista Fredie Didier Jr. (2009) aponta que deste princípio desdobram-se as garantias de: acesso à justiça; juiz natural ou preconstituído; tratamento paritário dos sujeitos parciais do processo; ampla defesa, com a plenitude dos meios e recursos a ela inerentes; publicidade dos atos processuais e motivação das decisões jurisdicionais; e tutela jurisdicional dentro de um lapso temporal razoável. Em razão dessa consequência de princípios oriunda do devido processo legal, Didier Jr. (2009) o conceitua também como um direito fundamental de conteúdo complexo, uma “norma mãe”, uma cláusula geral que gera os demais dispositivos.

 

2.2.3 Princípios do contraditório e da ampla defesa

Conforme já delineado no tópico anterior, o contraditório e a ampla defesa são princípios corolários do devido processo legal, assegurados no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal.

O processualista Aury Lopes Jr. (2010, p. 196) fundamenta o contraditório inicialmente como um “método de confrontação da prova e comprovação da verdade, fundando-se não mais sobre um juízo potestativo, mas sobre o conflito, disciplinado e ritualizado, entre partes contrapostas”. Como partes contrapostas o autor refere-se à acusação como expressão do interesse punitivo do Estado e à defesa como expressão do interesse do acusado e da sociedade em ficar livre das acusações infundadas e imune a penas arbitrárias e desproporcionadas. Menciona que, basicamente, o contraditório deve ser visto como “o direito de participar, de manter uma contraposição em relação à acusação e de estar informado” de todos os atos desenvolvidos no processo (2010, p. 198).

O processualista segue explicando que o contraditório é indispensável à relação dialética do processo (LOPES JR. 2010). Em outras palavras, tanto no processo penal, quanto nos processos civil e administrativo, é a partir do contraditório que ocorre a angularização da relação processual, isto é, antes do contraditório, só existe um vínculo linear entre o autor da ação e juiz.

O contraditório é uma característica tão fundamental que, conforme os ensinamentos de Aury Lopes Jr. (2010, p. 197), “se confunde com a própria essência do processo”. Nesse sentido, defende o doutrinador que não há processo sem procedimento e sem contraditório. Ainda, refere que “o juiz deve dar ‘ouvida’ a ambas as partes, sob pena de parcialidade, na medida em que conheceu apenas metade do que deveria ter conhecido” (2010, p. 196).

Nesta senda, Aury (2010) assevera que o contraditório e o direito de defesa, em que pesem distintos no plano teórico, estão indispensavelmente ligados, já que é do contraditório que surge o exercício da defesa, e é a defesa que garante o contraditório. Noutras palavras, o contraditório é o responsável por garantir que o réu tenha ciência das acusações que lhe foram feitas, oportunizando a sua manifestação sobre elas, sendo que essa manifestação consiste no exercício de defesa. Em contrapartida, é graças a esse exercício de defesa, obrigatoriamente oportunizado ao acusado, que ele deve ter a ciência das acusações, bem como de todos os atos processuais.

Conforme conceitua o constitucionalista Alexandre de Moraes (2006), ampla defesa nada mais é do que a garantia que é dada ao acusado de trazer para o processo todos os elementos permitidos em lei que possam esclarecer a verdade, ou mesmo de manter-se em silêncio, se entender necessário, enquanto que o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo o ato produzido caberá igual direito da outra parte de opor-se a ele ou de dar a versão que lhe convenha, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.

Menciona Moraes (2006) que a tutela jurisdicional efetiva cogita o rigoroso cumprimento pelos órgãos judiciários dos princípios processuais previstos no ordenamento jurídico, em especial os princípios em questão, pois não se trata apenas de um conjunto de trâmites burocráticos, mas um rígido sistema de garantias para o acusado visando ao asseguramento de justa e imparcial decisão.

Entre as cláusulas que integram a garantia constitucional à ampla defesa encontra-se a necessidade de defesa técnica no processo, reforça o autor, com a finalidade de assegurar a “paridade de armas” entre as partes (par conditio) e evitar o desequilíbrio processual, possível causador de desigualdade e injustiças. Por sua vez, o princípio do contraditório também exige a igualdade de armas entre as partes no processo (ampla defesa), oferecendo oportunidade das mesmas possibilidades, alegações, provas e impugnações (MORAES, 2006).

Por fim, acrescenta Moraes (2006) que dentro da previsão de ampla defesa, igualmente está o direito constitucionalmente garantido de ser informado da acusação que dará início ao processo, relacionando todos os fatos considerados puníveis que se imputam ao acusado, bem como a narrativa detalhada dos fatos concretos praticados.

Verificadas as principais considerações acerca do garantismo penal, bem como as questões pertinentes ao direito constitucional da presunção de inocência, princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, faz-se necessário, no próximo capítulo, abordar os conceitos de imprensa e mídia, bem como o poder de influência midiático na população, a fim de saber como que é traçado o estigma do acusado pelos meios de comunicação.

 

 


3  LIBERDADES DE COMUNICAÇÃO E A MÍDIA

Neste capítulo que se inicia, buscar-se-á, num primeiro momento, tratar das “liberdades de comunicação”, termo utilizado para tratar dos direitos de liberdade, constitucionalmente assegurados, que estão umbilicalmente ligados à comunicação. Aqui, serão abordadas as liberdades de expressão, imprensa e informação, apontando o conceito, a distinção e os principais aspectos de cada uma dessas garantias.

Em um segundo momento, analisar-se-á o conceito de mídia, apontando alguns aspectos sobre a construção da realidade pelos meios de comunicação de massa e o poder de influência e manipulação exercido sobre a população, com enfoque para a produção do estigma em relação ao suspeito e/ou acusado de um crime. Ainda, tratar-se-á das questões éticas e profissionais relativas à imprensa.

A conceituação relativa às “liberdades de comunicação” é de extrema importância, na medida em que esta monografia busca abordar a questão conflitante entre essas fundamentais garantias e os princípios elencados no capítulo anterior. Por sua vez, a análise sobre mídia, imprensa, e a influência exercida pelos meios midiáticos no sentimento social, em especial na exposição de casos criminosos, tem relevância para o estudo de caso que será abordado no terceiro capítulo.

 

3.1 Liberdade de comunicação

Com a finalidade de inteirar em apenas uma expressão as liberdades relacionadas à comunicação e à mídia, foi empregado o termo “liberdade de comunicação” para facilitar a abordagem do objeto de estudo deste capítulo. A palavra “comunicação” integra, de certa forma, a essência de todas as demais liberdades, uma vez que tanto a liberdade de expressão, quanto as liberdades de imprensa e informação estão diretamente relacionadas ao comunicar.

José Afonso da Silva (2006, p. 243) conceitua a liberdade de comunicação como:

[...] um conjunto de direitos, formas, processos e veículos, que possibilitam a coordenação desembaraçada da criação, expressão e difusão do pensamento e da informação. É o que se extrai dos incisos IV, V, IX, XII e XIV do art. 5º combinados com os arts.220 a224 da Constituição. Compreende ela as formas de criação, expressão e manifestação do pensamento e de informação, e a organização dos meios de comunicação [...].

 

A doutora Helena Abdo (2011), reportando-se aos autores Desmond Fisher e Edilsom Farias, aponta que o termo “liberdade de comunicação” prevalece nas obras mais recentes e especializadas, pois tal expressão tem sido considerada mais rica e abrangente, sendo capaz de não apenas englobar todos os direitos e liberdades contidos nas demais formulações (liberdades de pensamento, opinião, expressão, imprensa, além do direito à informação), mas também de expressar outros aspectos importantes não contidos nessas concepções.

Esclarecido o conceito amplo de liberdade de comunicação, passemos ao estudo das liberdades de expressão, imprensa e informação.

 

3.1.1 Liberdade de expressão

Inicialmente, imperioso destacar que a liberdade de expressão não é uma garantia recente. Tamanha a sua importância, que tal direito já foi reconhecido em 1789, com o advento da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, cujo texto do artigo 11 garante que “a livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei”.

A garantia em questão foi igualmente contemplada na primeira Emenda Constitucional da Constituição dos Estados Unidos da América, em 1791, prevendo que:

O congresso não deve fazer leis a respeito de se estabelecer uma religião, ou proibir o seu livre exercício; ou diminuir a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou sobre o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações por ofensas.

 

Chama a atenção que já em 1798 o direito de expressar-se livremente, por qualquer que fosse o meio, possuía limites legais, na medida em que havia previsão expressa de que o indivíduo que abusasse de tal liberdade seria responsabilizado nos termos da lei. Ou seja, desde aquela época, a liberdade de expressão, como todo e qualquer direito, não era absoluta.

No ordenamento jurídico brasileiro, tanto a liberdade de expressão, como as liberdades de imprensa e informação, estão asseguradas na Magna Carta, no capítulo dos direitos fundamentais, artigo 5º, incisos IV, IX e XIV, os quais asseguram:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.

 

Ainda, o texto constitucional também aborda o tema no capítulo V, que cuida da comunicação social, dispondo nos §§ 1º e 2º do art. 220 que:

Art.220. Amanifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

 

Para esclarecer exatamente o que a liberdade de expressão visa proteger, quais são seus fundamentos, e qual o alcance com que tal conceito é utilizado, interessante se faz examinar, previamente, o conceito de liberdade de pensamento, direito assegurado no art. 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948. Tal direito também foi acolhido pelo art. 19 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos de 1966, pelo art. 10 da Convenção Européia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais de 1950 e pelo art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, além da Constituição Federal brasileira.

A doutrina propõe algumas distinções entre a liberdade de expressão e de pensamento. Para Pontes de Miranda (1968, p. 139), a diferença consiste no fato de que, enquanto que a livre manifestação do pensamento ou a emissão do pensamento tratam de “direito de liberdade do indivíduo em suas relações com os outros”, a simples liberdade de pensamento é “o direito do indivíduo sozinho”.

Abdo (2011, p. 31), discorrendo sobre a previsão constitucional das liberdades de pensamento, opinião, expressão, comunicação e imprensa, assevera que “a liberdade de pensamento, considerada pela doutrina como uma liberdade primária, da qual decorrem todas as acima mencionadas” é uma “liberdade de foro íntimo, que se esgotaria na convicção interna do indivíduo”.

Referindo-se a Celso Ribeiro Bastos, Vidal Serrano Nunes Jr. e Pontes de Miranda, a referida autora ainda menciona que “para alguns essa liberdade não estaria resguardada pelo ordenamento jurídico, uma vez que o pensar sem dizer é questão estranha ao mundo do direito e à vida social”. De outra banda, expondo o entendimento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, diz que “para outros, essa liberdade de foro íntimo estaria amparada pela proteção das liberdades de consciência e de crença, desde que não venham a ser exteriorizadas”, cuja garantia vem prevista no art. 5º, VI e VIII, primeira parte, da CF (ABDO, 2011, p. 31).

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo 19, estabelece que “toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”. Diante de tal previsão, percebe-se claramente que o referido diploma legal pretendeu englobar a liberdade de pensamento à liberdade de expressão, protegendo tanto o pensamento, não exteriorizado, quando a sua manifestação.

Entretanto, o professor e juiz de direito Álvaro Rodrigues Júnior (2009, p. 55), explica que a real importância desses direitos “não está na faculdade de alguém ter as opiniões (ou pensamentos) que lhes pareçam convenientes (sem chegar a expressá-las ou divulgá-las)”, mas, sim, na “possibilidade de exteriorizá-las, de poder manifestá-las e transmiti-las a outras pessoas”. Acrescenta o autor que “a liberdade de pensamento não interessa ao Direito, pois se trata de processo estritamente interno, sem transcendência social”. Assim, conclui-se que somente quando o pensamento é exteriorizado pela palavra, gesto ou escrita, é que passa a ter importância e consequências jurídicas.

Dito isso, verifica-se que, em que pese seja assegurada a liberdade de pensamento como garantia fundamental, o importante para o mundo dos fatos e do direito é quando esse pensamento é exposto, independente do meio. É essa exteriorização que nos reporta à liberdade de expressão e que carrega a relevância jurídica.

Feita essa distinção entre as liberdades, necessário delinear alguns aspectos importantes relativos à liberdade de expressão, tais como seus fundamentos, alcance e qual o objeto que pretende tutelar.

Sobre os fundamentos da garantia em apreço, Rodrigues Júnior (2009, p. 65) ensina, em linhas gerais, que existem três teorias que explicam a sua existência e importância, sintetizando que:

[...] a primeira delas defende a tese de que a liberdade de expressão é instrumento útil para o descobrimento da verdade; a segunda teoria concebe a liberdade de expressão como direito puramente político cuja relevância se radica em seu caráter instrumental para a participação do cidadão no processo democrático; por fim, a terceira teoria vê na liberdade de expressão um aspecto do desenvolvimento e da realização pessoal e entende a liberdade de expressão como valor em si mesmo.

 

Salienta o autor (2009, p. 65), todavia, que não há como apresentar conclusões definitivas quanto ao seu fundamento, diante da complexidade da liberdade de expressão, asseverando que “talvez seja mais acertado admitir uma síntese de todas as teorias explicativas”. Acrescenta, também, que a junção das três teorias “permitiria definição de critérios para os casos em que a liberdade de expressão entra em conflito com outros interesses igualmente dignos de proteção jurídica”, citando como exemplos o direito à privacidade, à honra, à imagem; os direitos autorais; a segurança nacional e a ordem pública.

No que diz respeito à primeira teoria, Rodrigues Júnior (2009) revela que seu principal defensor é o estudioso John Stuart Mill, que a contempla em sua obra On Liberty, de 1859, na qual sustentou que o silêncio de uma opinião prejudica toda a humanidade, na medida em que a priva da verdade, e, mesmo que a opinião esteja equivocada, a humanidade também é prejudicada por perder a oportunidade de ter a percepção mais clara e a impressão mais vivida ocasionadas pelo choque entre a verdade e o erro.

O autor (2006, p. 66-67) critica a teoria diante de sua insuficiência, referindo que “nem sempre é fácil distinguir entre o verdadeiro e o falso, o que dificulta a aptidão dessa teoria para justificar todo tipo de manifestação do direito de expressão”; ele exemplifica com as manifestações que não se referem a situações fáticas, mas constituem juízos de valor ou opinião, cujos conteúdos são subjetivos e, diante disso, mesmo verdadeiros, podem confrontar com outros direitos fundamentais.

Com relação à segunda teoria, em que a liberdade de expressão se justifica como instrumento para o processo democrático, explica que, conforme a teoria, a discussão pública seria um dever do cidadão, sendo que o propósito da liberdade de expressar-se consistiria em permitir a compreensão dos assuntos de interesse público, a fim de que possa participar de maneira eficaz do processo democrático. Acrescenta que somente com essa garantia assegurada “é que o cidadão poderia emitir juízos críticos sobre o governo, pronunciar-se sobre as políticas públicas e participar livremente da eleição de seus representantes” (RODRIGUES JÚNIOR, 2009, p. 67).

A crítica que o autor faz dessa teoria é que ela tende a privilegiar o discurso de conteúdo político em detrimento a outras formas de expressão.

Por fim, sobre a realização pessoal como fundamento da liberdade de expressão, Rodrigues Júnior (2009) refere que essa teoria contempla a liberdade de expressão como valor em si mesmo, ainda que o seu exercício possa ir contra os interesses da coletividade. Cita como um dos defensores desse pensamento o filósofo Ronald Dworkin, para quem o direito à liberdade de expressão está diretamente vinculado ao conceito fundamental da dignidade da pessoa humana, não necessitando cumprir uma finalidade específica. Discorre, ainda, que:

[...] o direito à liberdade de expressão seria uma conseqüência direta da idéia de dignidade da pessoa humana, pois um homem a quem se impede ou dificulta a comunicação livre é tratado indignamente e lhe é negada a condição essencial de ser comunicativo, já que é condenado ao isolamento social e ao empobrecimento espiritual (RODRIGUES JÚNIOR, 2009, p. 68).

 

Analisadas as três teorias que buscam fundamentar o direito à liberdade de expressão, verifica-se que uma não exclui a outra, podendo considerar todas elas concomitantemente, como se fossem uma só, conforme apontado.

No que concerne ao alcance da liberdade de expressão, Gomes Canotilho e Vital Moreira (1984, p. 234, apud RODRIGUES JÚNIOR, 2009, p. 57) asseveram que a liberdade de expressão abarca dois aspectos: um negativo e outro positivo. O aspecto negativo consiste no direito de não ser impedido de expressar o que se pensa, enquanto que o positivo trata do direito de acesso aos meios de expressão.

Outrossim, Alexandre de Moraes (2006) ensina que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não somente as informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também as que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, considerando que a democracia (poder do povo) somente existe graças à consagração do pluralismo de ideias e pensamentos, da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo. Ainda, o estudioso (2006, p. 118) aponta que “a proteção constitucional engloba não só o direito de expressar-se, oralmente ou por escrito, mas também o direito de ouvir, assistir e ler”, que está relacionado ao direito de acesso à informação, o qual será visto mais adiante.

Evidentemente, a liberdade de expressão também abrange o direito de não se manifestar, conforme consagrado no inciso LXIII do artigo 5º da Constituição Federal, o qual prevê que o direito do réu ao silêncio.

Quanto ao objeto tutelado pela liberdade de expressão, tem-se que a proteção visada por esse direito abrange todo e qualquer tipo de expressão, independentemente de seu conteúdo, respeitadas, contudo, as limitações de outros direitos fundamentais (RODRIGUES JÚNIOR, 2009).

Vimos que o artigo 11 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão dispunha que a livre manifestação do pensamento é um direito precioso do ser humano, podendo o cidadão expressar-se livremente, respondendo, todavia, pelo abuso dessa liberdade, o que garante que a liberdade de expressão não é um direito absoluto.

Nessa esteira, Rodrigues Júnior (2009) refere que uma das problemáticas mais intrigantes no campo dos direitos humanos consiste na necessidade de manter o equilíbrio adequado entre os direitos do indivíduo e os direitos da sociedade. Isso vale não apenas para a liberdade de expressão, mas todo e qualquer direito fundamental. Nesse contexto, José Carlos Vieira de Andrade (1987, p. 220, apud RODRIGUES JÚNIOR, 2009, p. 83) afirma sobre a necessidade de distinguir as situações de conflito entre direitos ou entre direitos e valores afirmados por normas ou princípios constitucionais, mencionando que “haverá colisão ou conflito sempre que se deve entender que a Constituição protege simultaneamente dois valores ou bens em contradição concreta”. A abordagem deste ponto é de extrema importância para o estudo de caso que será apresentado no terceiro capítulo.

Rodrigues Júnior (2009) apresenta a necessidade de impor limites diante dos conflitos de direitos, destacando que:

O maior problema, contudo, consiste em como solucionar esse conflito entre direitos quando ambos se apresentam protegidos como fundamentais. (...) Na medida em que a liberdade de expressão e a liberdade de informação são cada vez mais relevantes para a interação social e a vida em comunidade, faz-se necessário estabelecer o equilíbrio entre o direito de o indivíduo se expressar ou se informar e, de outra parte, os direitos de outros indivíduos ou da sociedade em se protegerem de certas formas de expressão ou de informações cuja divulgação poderia causar prejuízos ao grupo ou até mesmo ameaçar-lhes a própria existência. É o conhecido conflito entre a liberdade de expressão e informação e o direito à intimidade, à reputação, à segurança nacional e à ordem pública, entre outros (RODRIGUES JÚNIOR, 2009, p. 84).

 

Acrescenta o autor (2009) que não se trata de recorrer à ordem hierárquica dos valores constitucionais e infraconstitucionais, mas de realizar o que Vieira de Andrade aponta como juízo de ponderação, a ser realizado com base na ideia de proporcionalidade.

Para o Ministro Luís Roberto Barroso, a ponderação de valores nada mais é do que o método pelo qual o intérprete procura lidar com valores constitucionais conflitantes. Nas palavras do jurista:

[...] como não existe um critério abstrato que imponha supremacia de um sobre o outro, deve-se, à vista do caso concreto, fazer concessões recíprocas, de modo a produzir um resultado socialmente desejável, sacrificando o mínimo de cada um dos princípios ou direitos fundamentais em oposição (BARROSO, 2001, p. 265).

 

Assim, sempre que houver conflito entre direitos fundamentais, deverá ocorrer um juízo valorativo para a produção de um resultado menos danoso a cada uma das garantias, preservando o que há de mais fundamental.

 

3.1.2 Liberdade de informação

Por questões didáticas, deve ser feita, inicialmente, uma distinção entre a liberdade de informação e o direito de acesso à informação, que, em que pese sejam termos intimamente próximos, não são expressões sinônimas e não devem ser confundidas.

O renomado doutrinador José Afonso da Silva (2006) explica que o acesso à informação não é um direito pessoal nem profissional como a liberdade de informação, trata-se, na realidade, de um direito coletivo.

Refere o constitucionalista que:

O direito de informar, como aspecto da liberdade de manifestação de pensamento, revela-se um direito individual, mas já contaminado de sentido coletivo, em virtude de transformações de dos meios de comunicação, de sorte que a caracterização mais moderna do direito de comunicação, que especialmente se concretiza pelos meios de comunicação social ou de massa, envolve a transmutação do antigo direito de imprensa e de manifestação do pensamento, por esses meios, em direitos de feição coletiva. Albino Greco notou essa transformação: “Já se observou que a liberdade de imprensa nasceu no início da idade moderna e se concretizou – especialmente- num direito subjetivo do indivíduo de manifestar o próprio pensamento: nasce, pois, como garantia de liberdade individual. Mas, ao lado de tal direito do indivíduo, veio afirmando-se o direito da coletividade à informação” (SILVA, 2006, p. 260).

 

Utilizando-se do conceito de Fernand Terrou, o nobre jurista Silva (2006, p. 245) ensina que a palavra informação designa “o conjunto de condições e modalidades de difusão para o público (ou colocada à disposição do público) sob formas apropriadas, de notícias ou elementos de conhecimento, idéias ou opiniões”. Outrossim, acrescenta:

Como esclarece Albino Greco, por “informação” se entende “o conhecimento de fatos, de acontecimentos, de situações de interesse geral e particular que implica, do ponto de vista jurídico, duas direções: a do direito de informar e a do direito de ser informado”. O mesmo é dizer que a liberdade de informação compreende a liberdade de informar e a liberdade de ser informado. A primeira, observa Albino Greco, coincide com a liberdade de manifestação do pensamento pela palavra, por escrito ou por qualquer outro meio de difusão; a segunda indica o interesse sempre crescente da coletividade para que tanto os indivíduos como a comunidade estejam informados para o exercício consciente das liberdades públicas (SILVA, 2006, p. 245).

 

Trata-se de um direito fundamental que tem como finalidade:

[...] assegurar a liberdade de acesso às fontes de informação e garantir a difusão e recepção da informação tão completa e objetivamente quanto possível. Passa, portanto, pelas faculdades de buscar, receber, difundir e publicar as informações e, ainda, de exigir da administração pública que divulgue informações de interesse dos cidadãos (FARIAS, 2004, p. 86, apud ABDO, 2011, p. 35).

 

Nesse diapasão, o mestre José Afonso (2006, p. 246) destaca que a liberdade de informação “compreende a procura, o acesso, o recebimento e a difusão das informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada qual pelos abusos que cometer”. Reforça, ainda, que “o acesso de todos à informação é um direito individual consagrado na Constituição, que também resguarda o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional (art. 5º, XIV)”. Neste caso, o jurista referiu-se à ressalva ao direito do profissional atuante no campo jornalístico, bem como do comunicador social, de não declinar a fonte onde obteve a informação divulgada (SILVA, 2006). O constitucionalista (2006, p. 246) chama à atenção que “em tal situação, eles ou o meio de comunicação utilizado respondem pelos abusos e prejuízos ao bom nome, à reputação e à imagem do ofendido (art. 5º, X)”.

Dito isso e assim como foi alinhavado no tópico anterior, havendo abuso de qualquer uma dessas liberdades relacionadas à comunicação, haverá um conflito de direitos fundamentais, necessitando da imposição de limites e sanções ao agente que se exceder, o qual responderá pelos prejuízos causados – ao menos em tese.

Boa parte da doutrina divide a liberdade de informação em uma tríade de direitos: direto de informar; direito de se informar; e direito de ser informado.

Rodrigo Júnior (2009) dá a esses três direitos uma definição bem simplificada, afirmando que o direito de informar consiste na possibilidade de comunicar informações, sem impedimentos; o direito de se informar trata da aptidão de obter informações sem impedimentos; e o direito de ser informado firma-se na liberdade de receber informações íntegras, verídicas e contínuas, sem qualquer impedimento.

Para Helena Abdo (2011), o direito de informar, protegido no ordenamento jurídico brasileiro pelo disposto no art. 220, caput, da CF, é entendido como a faculdade de veicular informações. Como vimos, o referido dispositivo legal prevê que qualquer forma de manifestação do pensamento não poderá sofrer qualquer restrição. A doutora acrescenta que o que a Constituição fez foi garantir o direito de divulgação de informações de interesse público. Em outras palavras, ela explica que “a norma constitucional apenas previu que a faculdade de veicular informações não pode sofrer qualquer espécie de restrição, mas não estabeleceu para garantir, em sentido positivo, a efetiva transmissão de informações” (ABDO, 2011, p. 36).

Sobre a titularidade do direito de informar, a autora (2011, p. 37) coloca que “pertence a quem quer que dele queira fazer uso”, de forma que não só os meios ou profissionais da comunicação gozam desse direito, mas também o indivíduo, cidadão comum, sujeito de direitos. Ela explica que o direito de informar, quando exercido pelos profissionais da comunicação, tem por objeto a notícia, entendida como qualquer nota sobre fato ou pessoa, desacompanhada de juízo de valor. No estudo de caso a ser apresentado no terceiro capítulo, veremos a importância dessa característica do direito de informar, e quais as consequências da sua inobservância.

Assim como qualquer outra garantia, o direito de informação também não pode ser tomado como absoluto, uma vez que todos os direitos são relativos e o seu exercício está condicionado a determinadas limitações (ABDO, 2011).

Sobre o direito de se informar, Helena (2011, p. 37) afirma que este costuma ser definido como a faculdade de se buscar ou investigar informações desejadas, sem qualquer espécie de impedimento ou obstrução. Trata-se de direito de acesso à informação ou às várias fontes de informação, direito esse garantido, como visto, pelo artigo XIV do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

O sigilo da fonte assegurado significa, conforme Celso Ribeiro Bastos (2002), que um jornalista não pode ser compelido, nem pela lei nem pela administração nem pelos particulares, a denunciar de quem obteve a informação.

 

3.1.3  Imprensa e liberdade de informação jornalística

Antes de mais nada, convém registrar o conceito de imprensa. Garschagen (2000, p. 35, apud BAYER, 2013, p. 37) conceitua imprensa como o meio de comunicação que atinge a massa, formado por conjuntos de publicações periódicas que divulgam imagens, opiniões e informações sobre o que acontece em determinado local, de interesse para indivíduos da comunidade.

Por sua vez, Miranda (1994, p. 50) registra que:

Se é certo que, nos primórdios de sua vulgarização, a palavra imprensa englobava num mesmo conceito todos os produtos das artes gráficas, das reproduções por imagens e por processos mecânicos e químicos, envolvendo livros, gravuras, jornais e impressos em geral, hodiernamente, em virtude de seu grande desenvolvimento, essas mesmas artes se subdividiram, esgalhando-se em planos distintos, formando cada qual uma nova especialidade, não sendo mais possível jungir a imprensa ao conceito dos velhos tempos.

Urge, portanto, emancipá-la dos anexos, dando-se-lhe a conceituação moderna de jornalismo, desvinculando-a do conceito genérico de impressos.

 

Considerando que o conceito dado à imprensa é bem amplo, abrangendo muito mais do que apenas os meios de comunicação impressos, aos quais se restringia no passado, o termo que melhor adequa-se para designá-lo é, como dito por Miranda, “jornalismo”. É por essa razão que alguns doutrinadores têm tratado da liberdade de imprensa utilizando outras expressões, como “liberdade de informação jornalística” ou “liberdade de comunicação”.

Helena Abdo (2011, p. 34) menciona que o termo liberdade de imprensa tem sido objeto de críticas, “seja porque é semanticamente inadequado para representar todos os meios de comunicação social, já que o termo imprensa foi talhado para designar a imprensa escrita (...), seja por não revelar importantes aspectos e implicações da comunicação social”, trazendo como exemplos “o acesso à informação, a multiplicidade de formas de linguagem e de expressão, o pluralismo e a função social dos meios de comunicação”.

Referindo-se à liberdade de informação jornalística, José Afonso da Silva (2006, p. 246) menciona que é nela que se centraliza a liberdade de informação, assumindo características mais modernas, que superam a velha liberdade de imprensa. Esclarece que “nela se concentra a liberdade de informar e é nela ou através dela que se realiza o direito coletivo à informação, isto é, a liberdade de ser informado”. Acrescenta que é por esse motivo que “a ordem jurídica lhe confere um regime específico, que lhe garanta a atuação e lhe coíba os abusos”.

A respeito da liberdade de imprensa, Karl Marx (1980, p. 42 apud SILVA, 2006, p. 246) defendia que:

A imprensa livre é o olhar onipotente do povo, a confiança personalizada do povo nele mesmo, o vínculo articulado que une o indivíduo ao Estado e ao mundo, a cultura incorporada que transforma lutas materiais em lutas intelectuais, e idealiza suas formas brutas. É a franca confissão do povo a si mesmo e sabemos que o poder da confissão é o de redimir. A imprensa livre é o espelho intelectual no qual o povo se vê, e a visão de si mesmo é a primeira confissão da sabedoria.

 

Das nobres palavras de Marx, pode-se apurar a importância da imprensa livre, já que ela representa, segundo o filósofo, a união do indivíduo com o Estado e com o mundo, tornando o povo conhecedor do que se passa a sua volta, dando-lhe um olhar onipotente. Podemos concluir, também, que a liberdade de imprensa (de comunicação ou informação jornalística) integra a base da existência de um Estado Democrático de Direito, onde é assegurada plena liberdade para se manifestar ao cidadão.

Conforme já referido, a Constituição Federal de 1988 prevê, entre os direitos e garantias individuais, ser livre a manifestação do pensamento, vedado, contudo, o anonimato, sendo igualmente estabelecido que é "livre a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura e licença" (art. 5º, IX, CF). Também nesse diapasão, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo 19, dispõe que "todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, inclusive o direito de não ser inquietado pela própria opinião, e o de procurar, receber e difundir informações e ideias por qualquer meio de expressão e sem olhar fronteiras".

Ainda, vimos que o inciso XIV do artigo 5º do diploma constitucional prevê o direito de se informar, como o acesso à informação, assegurando, também, o sigilo na fonte quando este acesso é levado a efeito por jornalistas.

Percebe-se claramente que todas essas garantias de liberdade – de expressão, informação (informar, ser informado e se informar) e imprensa –, estão diretamente interligadas, de forma que uma depende e complementa a outra. Por exemplo, a liberdade de informação se concretiza com a livre expressão, tanto no direito de informar quanto nos de se informar e ser informado, tendo em vista que o indivíduo (ou mesmo a sociedade como um todo) só informa se for expressar-se, ou só é informada se houver expressão. Da mesma forma ocorre com a liberdade de imprensa, que se realiza pela necessidade da informação e só sucede porque a expressão é livre, sendo que podemos interpretar a imprensa como veículo da expressão.

Como vimos, a liberdade de imprensa é uma garantia plena e de grande relevância no ordenamento jurídico. Entretanto, não podemos esquecer que, como todo direito, a liberdade de imprensa também não é uma norma absoluta.

Nessa esteira, Nélson Hungria (apud MIRANDA, 1994, p. 64) revela que liberdade de imprensa “é o direito de livre manifestação do pensamento pela imprensa; mas, como todo o direito, tem o seu limite lógico na fronteira dos direitos alheios”. O doutrinador segue dizendo que “a ordem jurídica não pode deixar de ser um equilíbrio de interesses: não é possível uma colisão de direitos, autenticamente tais”. Hungria conclui que “o exercício de um direito degenera em abuso, e torna-se atividade antijurídica, quando invade a órbita de gravitação do direito alheio”, acrescentando que “em quase todo o mundo civilizado, a imprensa, pela relevância dos interesses que se entrechocam com o da liberdade das idéias e opiniões, tem sido objeto de regulamentação especial”.

Delineadas tais considerações acerca das garantias de liberdade de expressão, liberdade de informação e liberdade de imprensa, passemos ao estudo da mídia.

3.2 Mídia

Nesta segunda parte do capítulo, será feita uma análise sobre o poder de influência e manipulação que possui a mídia com relação à população em massa (com enfoque para o estigma do suspeito/acusado de um crime), e, ao final, oportunamente tratar-se-á sobre aspectos éticos e profissionais da imprensa.

Antes de qualquer coisa, imperioso conceituar o que exatamente deve se entender por mídia.

Popularmente, a palavra “mídia” traz a ideia de divulgação ou transmissão de informações, que ocorre através dos mais diversos meios de comunicação, tais como: jornal, revista, anúncios, televisão, internet etc.

Liziane Guazina (texto digital, 2007, p. 51), mestre em comunicação e cultura, fez um estudo sobre o conceito de mídia no âmbito da comunicação e na ciência política, onde sustenta que:

Apesar do largo emprego, é difícil encontrar uma definição consensual explícita do conceito de mídia entre os pesquisadores do campo da Comunicação. Seu uso predominante [...] parte de uma quase extensão ou decorrência natural de conjunto de meios de comunicação.

 

A jornalista refere que a utilização da palavra mídia de forma generalizada é recente nas pesquisas brasileiras em comunicação, sendo que seu conceito passou a ser amplamente empregado apenas a partir da década de 90. Acrescenta, que “em muitas das publicações especializadas, porém, mídia é utilizada no mesmo sentido de imprensa, grande imprensa, jornalismo, meio de comunicação, veículo” (GUAZINA, texto digital, 2007, p. 49).

Assim, tem-se que, em geral, quando se fala de mídia, ela é reduzida à função de transmissora, disseminadora, instrumento, fonte, canal de informações etc. Contudo, Guazina (texto digital, 2007, p. 62) assevera que esses sentidos atribuídos à mídia são “insuficientes para se compreender as complexidades de seu lugar de indústria e instituição no mundo contemporâneo”.

Nesse sentido, transcendendo ao conceito do senso comum sobre o que a mídia representa e levando em consideração o estudo mais aprofundado da comunicação de massa, a estudiosa destaca:

Com a consolidação da indústria cultural, de uma cultura e uma comunicação de massa, da conexão cada vez mais estreita entre o campo da política e o papel da comunicação nas sociedades democráticas ocidentais (assim como a constituição, a ferro e fogo, de um campo próprio de conhecimento da Comunicação, em que a interface com a Política já é uma especialidade relevante), as pesquisas desta área de confluência não puderam mais ser dedicadas a estudos pontuais de fenômenos relacionados a determinado meio, veículo ou instrumento. Os meios de comunicação deixaram de ser entendidos como canais e passaram a ser vistos como potenciais construtores de conhecimento, responsáveis pelo agendamento de temas públicos e formadores de compreensão sobre mundo e a política (GUAZINA, texto digital, 2007, p. 53).

 

Feitas essas breves considerações sobre o conceito de mídia, passa-se ao estudo das principais teorias da comunicação de massa, com o objetivo de verificar, em linhas gerais, mas de forma crítica, o fenômeno da comunicação social.

 

3.2.1 Meios de comunicação de massa e construção de realidade

Diante da grande influência que a mídia exerce sobre as pessoas, ela agrega a capacidade de manipular a opinião pública. O maior problema centra-se no fato de haver grande dificuldade de filtragem do conteúdo que os meios de comunicação trazem à população, fazendo com que muitos acreditem que o que a mídia apresenta é uma verdade absoluta (BAYER, 2013).

Com a finalidade de transmitir essa “verdade absoluta”, a mídia faz uso de várias técnicas e mecanismos para divulgar as informações, sendo necessário entendermos como se faz a construção dessa realidade.

Cumpre sinalar que de uma porção de fatos que ocorrem em todo o mundo, apenas alguns poucos são relatados, tendo em vista que é feita uma seleção dos que serão amplamente divulgados, o que se denomina de princípio da seletividade (BAYER, 2013). É evidente que esta seleção deveria observar a ética e o profissionalismo, e não apenas levar em consideração os altos índices de audiência, como ocorre na intensa exposição de casos criminosos, de forma sensacionalista.

Nesse contexto, Diego Augusto Bayer (2013) traz que, ao selecionar os fatos, a mídia explica e interpreta a realidade, selecionando também qual o conteúdo que será considerado importante em relação ao fato. Partilhando desse entendimento, Claude-Jean Bertrand (1999, p. 53) defendia que, “inegavelmente, a mídia determina a ordem do dia da sociedade: ela não pode ditar às pessoas o que pensar, mas decide no que elas vão pensar”.

Bayer (2013, p. 38) também menciona que “o jornalismo tem sido adaptado ao espetáculo e, por meio dessa seleção de conteúdo, a mídia tem o ‘poder de construção da realidade’, criando pessoas incapazes de contestar, garantindo, assim, a sua ‘verdade absoluta’”.

Sobre o tema, o professor Salo de Carvalho (2010, p. 34, texto digital), ensina que:

[...] a formação do imaginário social sobre crime, criminalidade e punição se estabelece a partir de imagens publicitárias, sendo os problemas derivados da questão criminal, não raras vezes, superdimensionados. A hipervalorização de fatos episódicos e excepcionais como regra e a distorção ou incompreensão de importantes variáveis pelos agentes formadores da opinião pública, notadamente os meios de comunicação de massa, densificam a vontade de punir que caracteriza o punitivismo contemporâneo.

 

Diante disso, o mestre Sérgio Salomão Shecaira (1996) entende que, de certa forma, a mídia induz a criminalização, na medida em que não hesita em modificar a realidade de determinado acontecimento que expõe aos expectadores, tornando-se uma fábrica ideológica condicionadora. O professor Shecaira ainda salienta é que:

[...] os meios de comunicação de massas, ao agirem dessa forma, atuam impedindo os processos de descriminalização de condutas de bagatela (por exemplo), incentivando a majoração de penas, constituindo-se, pois, num dos principais obstáculos à criação de uma sociedade democrática fundada nos valores de respeito aos direitos dos cidadãos e da dignidade humana.

 

Outra questão que Bayer (2013) refere a respeito dos mecanismos de divulgação utilizados pela mídia é a objetividade dos noticiários. O autor menciona que a notícia não pode conter em seu texto qualquer conteúdo que emita opinião, devendo ser sempre objetiva. Todavia, ele destaca que no processo de seleção a notícia já perde uma fração de objetividade, recebendo, muitas vezes, opinião de quem a redige.

Em relação a essa questão de expor a “realidade”, o criminalista (2013, p. 38) aponta que “a necessidade da mídia em ser a primeira a divulgar o fato faz criar uma realidade parcial ou até mesmo inexistente, sem querer escutar o outro lado da história”. Dessa forma, conclui-se que, ao noticiar um acontecimento criminoso (ou aparentemente criminoso), não há nenhuma preocupação em ouvir a versão do acusado sobre os fatos, o que acaba na maioria das vezes prejudicando a exposição da realidade dos acontecimentos. A verdade é que, em muitos casos, a mídia sequer se interessa em retratar essa realidade justa.

Noam Chomski (2010, p. 51) revela que desde as suas origens, no início do século20, aindústria das relações públicas vem se dedicando ao “controle da opinião pública”, como descrevem os líderes empresariais.

Dentro dessa ideia e no âmbito da esfera criminal, Carnelutti (2010, p. 6) já ressaltava:

Um pouco em todos os tempos, mas no tempo moderno sempre mais, o processo penal interessa à opinião pública. Os jornais ocupam boa parte das suas páginas para a crônica dos delitos e dos processos. Quem as lê, aliás, tem a impressão de que tenha muito mais delitos que não boas ações neste mundo. A ele é que os delitos se assemelham às papoulas, que, quando se tem uma em um campo, todos desta se a percebem; e as boas ações se escondem, como as violetas entre as ervas daninhas.

 

Bayer (2013, p. 39) destaca que é com esses mecanismos que “a mídia exerce o poder de manipulação sobre as massas, moldando os acontecimentos, manipulando as informações, escolhendo os entrevistados e selecionando os trechos mais adequados de suas falas”, frisando que “não são poucos os casos em âmbito mundial de boatos que foram transformados em fatos ‘reais’, imputando-se crimes a inocentes e julgando-os antes de uma sentença condenatória”.

O autor segue afirmando:

Em virtude disso, crescente é a preocupação em relação à imprensa, especialmente a televisiva em relação ao seu alcance. Os programas sensacionalistas transmitidos diariamente, em quase todos os canais da grade televisiva atingem a grande massa, que não possui capacidade de discernir a verdade da mentira, tomando por base o que lhes é transmitido como verdade absoluta (BAYER, 2013, p. 39).

 

 No que tange a esse poder de manipular e influenciar que detém a mídia, Marques (2010, texto digital) expõe, com certa indignação, que no Brasil se aprende a conviver com as misérias em nossa porta, mas não dentro de nossas casas. Refere que a publicação da maioria dos crimes hediondos que ocorrem em nosso país é feita nos jornais de periferia, apontando que, “nesses periódicos, casos de decapitação e corpos nos esgotos são fatos comuns. Só que isso não costuma ser notícia em grandes veículos porque ocorre quase que exclusivamente com as classes menos favorecidas da nossa sociedade”. Marques (2010, texto digital) ressalta que “seria muito mais proveitoso se a mídia utilizasse de sua força que nos emociona para promover uma necessária mudança de valores em nossa sociedade”, entretanto, faz uma crítica, referindo que “ao invés disso, sai ano entra ano e ela continua a nos escandalizar com mais casos como os do Nardoni, Suzane Von Richthofen e o do assassino do cartunista Glauco”.

Considerando que a influência e poder de manipulação que possui a mídia na comunicação de massas traz também preocupações de cunho moral e ético, mister fazer uma breve abordagem sobre a ética na imprensa.

 

3.2.2 Ética na imprensa

A ética deve estar presente em toda e qualquer atividade profissional, e é claro que com o jornalismo não poderia ser diferente.

O Código de Ética, redigido pela Federação Nacional dos Jornalistas, dispõe, no terceiro capítulo, sobre as responsabilidades profissionais. Dentro do contexto em estudo, destacam-se os artigos 9º e 11 do referido diploma legal, os quais preveem:

Art. 9º. A presunção de inocência é um dos fundamentos da atividade jornalística.

Art. 11. O jornalista não pode divulgar informações:

I - visando o interesse pessoal ou buscando vantagem econômica;

II - de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes;

III - obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração.

 

Eugênio Bucci (2008, p. 31) defende que “a discussão ética só produz resultados quando acontece sobre uma base de compromisso”. E, dentro dessa perspectiva, refere “ninguém precisa ter freqüentado as aulas numa faculdade de comunicação social para intuir que ao jornalismo cabe perseguir a verdade dos fatos para bem informar o público” e “que o jornalismo cumpre uma função social antes de ser um negócio, que a objetividade e o equilíbrio são vetores que alicerçam a reportagem” (BUCCI, 2008, p. 30).

Com relação a essa ética e a todo o conteúdo teórico estudado até aqui, no próximo capítulo, serão analisados os fatos que envolveram o Caso Escola Base, dando relevo ao papel da imprensa da época e as conseqüências para os acusados.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4 ANÁLISE SOBRE GARANTISMO PENAL E A SUA OBSERVÂNCIA (OU NÃO) PELA MÍDIA: UM ESTUDO DE CASO

Em sequência ao trabalho monográfico, realizado o estudo sobre garantismo penal e analisado o conceito de mídia e seu poder de influência sobre a população em massa, adentra-se, neste momento, no foco principal deste trabalho: a questão conflitante entre a exposição de casos criminosos pela mídia e as garantias que possui o acusado.

Os relatos do caso apresentado neste terceiro capítulo foram baseados, fundamentalmente, na obra do jornalista Alex Ribeiro (Caso Escola Base: os abusos da imprensa), que se empenhou no aprofundamento da história, conversou com todos os envolvidos – à exceção das mães que fizeram as denúncias – e investigou maiores detalhes que não haviam sido anteriormente divulgados.

O autor aponta, de forma crítica e esclarecedora, o comportamento da mídia no caso, relatando, pormenorizadamente, os bastidores dos abusos cometidos pelo jornalismo brasileiro e como a imprensa agiu de forma sensacionalista (e muitas vezes mentirosa), produzindo um juízo condenatório antecipadamente aos olhos do espectador.

 

 

4.1  O caso Escola Base

Cuida-se de um episódio ocorrido em 1994, na cidade de São Paulo, em que dois casais proprietários de uma escola infantil, juntamente com os pais de uma das crianças que frequentava a escolinha, foram “acusados” de abuso sexual.

Para ilustrar o caso, o jornalista Alex Ribeiro, que ouviu todos os envolvidos no escândalo – à exceção das mães que fizeram as denúncias e que não quiserem se manifestar sobre o ocorrido –, conta em detalhes os acontecimentos, apontando todos os abusos e injustiças protagonizados pela imprensa na época.

Ayres, marido de Cida, costumava sair do trabalho e ir direto para a Escola de Educação Infantil Base, ajudar a esposa com a hora da saída das crianças, que costumavam chamar de “horário de rush”. O atencioso marido auxiliava com toda aquela coisa de atender a campainha, colocar a mochila nas costas, lancheiras nos ombros das crianças e entregá-las aos pais. Conforme narrado por Ribeiro (2000, p. 12), algumas crianças nem queriam voltar para casa e “faziam manha para esticar o horário de aula”.

A narrativa do jornalista conta que, em 1992, Cida comprara o estabelecimento em plena decadência, com apenas 17 alunos, e todos prestes a cancelar a matrícula. Apenas dois anos após a compra, já contando com 72 alunos, os proprietários planejavam mais investimentos, reformas e compras de equipamentos para o local.

Antes de adquirirem a escolinha, Ayres (Icushiro Shimada) trabalhou como datilógrafo e, posteriormente, devido a pouca procura dos serviços de datilografia com o passar dos anos, comprou uma máquina de Xerox e duas máquinas copiadoras de plantas de engenharia. A esposa Cida (Maria Aparecida Shimada) era formada em letras e tinha o magistério como vocação. Ribeiro (2000) conta que, no início dos anos 90, Cida resolveu montar um negócio próprio e, para inteirar o capital, chamou a prima Paula Milhin de Monteiro Alvarenga., que contou com a ajuda do marido Maurício de Monteiro Alvarenga.

Paula já havia trabalhado com Cida antes, dava aulas em uma escola infantil que a prima era diretora, foi quando surgiu a ideia de trabalhar por conta própria e constituírem uma sociedade. Ribeiro (2000, p. 16-17) revela que “em setembro de 1992, interessaram-se por uma oferta de uma escolinha na Aclimação” e “como a escola estava em franca decadência, o preço não era ruim”, “fecharam negócio”.

Na sociedade das primas, Cida tomava conta da parte administrativa e Paula era responsável pela parte pedagógica. As duas trabalharam duro, “levantaram uma edícula nos fundos, transformaram a casa modesta em um sobradinho de dois andares, cimentaram todo o quintal e construíram banheiros externos (RIBEIRO, 2000, p. 17).

Não foi uma tarefa fácil erguer aquela precária escola que haviam comprado:

Parte dos serviços era feita pelos próprios casais nas horas vagas. Durante dois anos não conheceram descanso nos sábados, domingos e feriados. Ainda assim foi necessário recorrer a algum crédito e pagarem prestações. Nocomeço de 1994, as últimas obras estavam prontas. O sacrifício poderia ter valido a pena, pois em menos de dois anos o número de alunos havia saltado de 17 para 72.

Só que a sorte da Escola Base começou a mudar dois dias antes, numa noite de sábado, 26 de março de 1994 (RIBEIRO, 2000, p. 17).

 

Tudo começou quando Fábio[1], um dos alunos, com quatro anos de idade na época, ao brincar na cama com sua mãe, Lúcia Eiko Tanouse, sentou em cima de sua barriga, começou a se movimentar e disse “o homem faz assim com a mulher” (RIBEIRO, 2000, p. 20). A mãe, surpresa com o comportamento do menino, lhe questionou onde aprendera aquilo. Inicialmente, o infante não quis responder, disse que era coisa do videogame. Lúcia começou a pressionar o marido para ver se ele havia levado o garoto a algum local inapropriado, mas a resposta foi negativa. A genitora continuou insistindo com a criança. Nas palavras de Alex Ribeiro (2000, p. 20):

Lúcia voltou ao quarto. Ninguém presenciou a inquirição, mas o fato é que ela saiu de lá dizendo que o menino revelara barbaridades. A fita pornográfica, ele a teria visto na casa de Rodrigo, um coleguinha da Escola Base. Um lugar com porão verde, jardim na lateral, muitos quartos, cama redonda e aparelho de televisão no alto.

Seria levado a essa casa por uma perua Kombi, dirigida por Shimada – o Ayres, marido da proprietária da escolinha. Fábio teria sido beijado na boca por uma mulher de traços orientais, e o beijo fotografado por três homens: José Fontana, Roberto Carlos e Saulo, pai do Rodrigo.

Maurício – marido de Paula, sócia da escolinha – teria agredido o pequeno a tapas.

Uma mulher de traços orientais faria com que ele virasse de bruços para passar mertiolate em suas nádegas. Ardia muito, foi o que o garoto disse à mãe. E uma mulher e um homem ficariam “colados” na frente dele.

Outros coleguinhas teriam participado da orgia: Iracema, Rodrigo e Cibele.

 

Lúcia conhecia a mãe de Cibele, Cléa Parente de Carvalho, e lhe contou sobre os relatos de Fábio. Desesperada, Cléa foi conversar com a filha, que teria lhe contado tudo, mas, da mesma forma como ocorreu com Lúcia e Fábio, ninguém presenciou a conversa. A menina teria contado horrores, coisas absurdas, dentre as quais “que teria sido introduzido em seu ânus um objeto esquisito, que ela não sabia descrever”, que “assistia a filmes de mulheres peladas e era fotografada nua” e que “os tios ficavam sem roupas e deitavam em cima dela” (RIBEIRO, 2000, p. 23).

Diante disso, as mães dirigiram-se à delegacia de polícia e relataram tudo ao delegado que estava de plantão na ocasião, Antônio Primante. Optou-se por fazer uma bisca e apreensão na casa dos pais de Rodrigo. Cibele e Fábio foram encaminhados para o exame de corpo de delito, enquanto que a polícia judiciária providenciava o mandado de busca.

Durante a diligência, apenas a mãe de Rodrigo, Mara, estavaem casa. Quandoo delegado lhe falou sobre o que era a acusação, Mara ficou surpresa, disse que só poderia ter ocorrido algum engano. Enquanto a polícia revirava seu domicílio, ela chamou o marido Saulo para que saísse do trabalho e fosse imediatamente para casa:

Saulo deixou o elevador e encontrou a casa de pernas pro ar. Policiais revirando armários, Cléa e Lúcia vendo fitas no vídeo e a esposa no quarto, chorando. Mara havia autorizado a entrada das acusadoras e, antes que pudesse conversar com elas, tomou um soco de Cléa na altura do estômago (RIBEIRO, 2000, p. 30).

 

Com a chegada de Saulo, as crianças não manifestaram qualquer sentimento de ódio ou medo do suposto abusador, pelo contrário, estavam agindo normalmente, correndo e brincando pelas dependências do apartamento. Ribeiro (2000, p. 30-31) enfatiza que “a polícia pôde constatar que a casa dos pais de Rodrigo era muito diferente da descrita pelas crianças” e “o conteúdo das fitas de vídeo encontradas na casa também estava distante de ser pornográfico”.

Ribeiro (2000) menciona que na semana anterior ao incidente, o delegado Edélson Lemos teria discutido com o jornal Diário Popular, devido a um filme fotográfico arbitrariamente apreendido pela autoridade policial. Entretanto, no momento em que chegou à delegacia o caso da Escola Base, Lemos teria telefonado para o editor do Diário, Paulo Breitenvieser, passando as informações com exclusividade[2], como forma de se redimir pela tal arbitrariedade da apreensão. Conforme refere o auto (2000, p. 34), Lemos “disse que tinha um caso bom, de violência sexual envolvendo crianças de quatro anos”.

O encarregado pela cobertura do caso foi o repórter Antônio Carlos Silveira dos Santos, que chegou ao local na hora em que o delegado Primante estava no prédio para fazer a busca. Quando o delegado saiu da escola e deu a primeira entrevista, “afirmou que a polícia tinha apenas uma denúncia, que até ali não havia prova nenhuma e que tudo precisava ser mais investigado” (RIBEIRO, 2000, p. 35).

Profissionalmente, Antônio Carlos ficou um tanto desapontado com a busca na escola, pois não havia qualquer indício concreto da existência do crime. O repórter conversou com Ayres, que, conforme a narrativa de Ribeiro (2000, p. 36), lhe disse: “se vocês publicarem uma matéria dessas vão destruir a vida da gente”.

O jornalista (2000, p. 36) coloca que:

O dono da escola foi pego de surpresa, mas não se encontrou nada que provasse qualquer ligação com um suposto crime. Ninguém poderia ir para a cadeia, nem pro flagrante nem por prisão temporária.

Chegou à redação por volta das oito horas da noite e foi direto conversar com o editor Breitenvierser.

- Como é? A matéria é boa?

- Está redonda, tem fotos de todo mundo, mas não tem prova nenhuma contra a escola.

Editor e repórter conversaram mais um pouco sobre o que poderia ser a manchete do dia. “Se a gente desse a matéria, a gente ferrava o japonês”, conta Antônio Carlos. “Mas se a gente não desse e saísse publicado em outros jornais, quem estava ferrado era a gente.”

- Faço a matéria?

- Faz, mas não pega pesado.

 

Com essa passagem da história, fica evidente (tendo como o exemplo a atitude do Diário Popular) que a intenção da imprensa muitas vezes é de não ser passada para trás pela concorrência, de ter as notícias mais “quentes”, de maior repercussão, custe o que custar. Claro que estamos falando de um fato ocorrido em 1994, mas, atualmente, também nos deparamos com esse tipo de atitude, mormente os que costumam abordar as notícias e acontecimentos de forma sensacionalista.

Ribeiro (2000, p. 36-37) segue relatando que Antônio Carlos escreveu uma matéria burocrática: “O 6º Distrito Policial, do Cambuci, está investigando a possibilidade de a Escola de Educação Infantil Base estar envolvida em abuso sexual...”. Ocorre, no entanto, que o caso foi levado para o diretor responsável, Jorge de Miranda Jordão, e foi decidido que nada seria publicado sem ter a certeza da ocorrência do delito.

Após a busca realizada na escolinha, voltaram à delegacia o delegado Primante e sua equipe, juntamente com as acusadoras, seus filhos, e os suspeitos. As mães insistiram para que a polícia continuasse as buscas na casa dos outros suspeitos, mas, como não havia mandado judicial autorizando a diligência e já estava no final do expediente, os acusados foram dispensados, intimados a voltarem na manhã do dia seguinte. Entretanto, diante da inércia da polícia naquele momento, as mães indignadas resolveram chamar a Rede Globo, “foi quando o caso da Escola Base começou pra valer” (RIBEIRO, 2000, p. 40).

Naquele mesmo dia, o repórter Vlamir Salaro chegou ao distrito a fim de que a polícia buscasse os quatro proprietários da escola (Ayres, Cida, Paula e Maurício) para inquirições informais. Os quatro suspeitos referem que sofreram uma espécie de sessão de pressão psicológica. Paula afirma, ainda, que a pressão não foi apenas psicológica, pois alega ter sido agredida por policiais, conforme revela Ribeiro (2000). Todos negaram envolvimento no suposto crime e só foram liberados pelo repórter às 23 horas.

No dia seguinte, 29 de março, os acusados voltaram à delegacia pela manhã para prestar os depoimentos formais. O inquérito passou a tramitar sob a responsabilidade do delegado Edélson Lemos. A surpresa do dia foi o recebimento de um telex do IML, adiantando os resultados do exame de corpo de delito realizado nas crianças: “referente ao laudo nº. 6.254/94 do menor F.J.T Chang, BO 1827/94, informamos que é positivo para a prática de atos libidinosos. Dra. Eliete Pacheco, setor de sexologia, IML, sede” (RIBEIRO, 2000, p. 41).

Bastou aquela informação para que todos os jornais já tomassem conhecimento sobre o caso. Tamanha foi a repercussão que “nesse mesmo dia, o Jornal Nacional, da Rede Globo, soltou a notícia, sem a versão dos acusados”, mas “o repórter da Globo não assumia as denúncias como verdadeiras e apenas narrava o fato de um inquérito policial ter sido aberto para apurar possível abuso sexual” [3] (RIBEIRO, 2000, p. 43). E várias foram as manchetes do dia 30 de março informando sobre o caso, mas todos os jornais mantiveram parcialidade naquele momento, agindo tecnicamente de forma correta, já que apenas expuseram a informação sobre as acusações.

No entanto:

[...] os reflexos da cobertura começaram a aparecer na madrugada de terça para quarta. Um coquetel molotov foi lançado dentro da escolinha, espalhou fogo em uma janela e no assoalho e só não causou um incêndio porque foi apagado por um funcionário que dormia no local.

Mara e Saulo, na quarta-feira, ficaram reclusos dentro do próprio apartamento durante toda a manhã, pois os jornalistas já faziam plantão em frente de seu prédio. Só conseguiram sair depois de uma hora da tarde. Foram recebidos com palavrões e escárnio dos vizinhos. Decidiram contratar advogados – Maria Elisa Munhol e Ubiratan Cássio de Alencar –, que os aconselharam a se esconder para evitar linchamento (RIBEIRO, 2000, p. 45-46).

 

Ayres contratou seguranças particulares para proteger a escolinha, mas seu advogado, Cezar Alves, também aconselhou que ele e a esposa saíssem de cena. Paula, no meio da correria, não conseguiu comunicar-se com seu marido e se escondeu junto com a prima Cida (RIBEIRO, 2000). Maurício “decidiu por conta própria esconder-se na casa de um parente”, “de noite conversou pela primeira vez com seu advogado, Celso Carlos Teixeira, que, recusando-se a defender um acusado de abuso sexual de crianças, arrancou em lágrimas a certeza de sua inocência” (RIBEIRO, 2000, p. 46). O advogado o aconselhou a se afastar, o mais longe possível, razão pela qual, naquela mesma noite, Maurício viajou para o Espírito Santo.

A partir de então, o caso Escola Base começou a tomar cada vez mais espaço na mídia, “era uma notícia de impacto: crianças de classe média estariam sofrendo abusos sexuais justamente dos responsáveis por uma escolinha, que deveriam zelar por sua integridade” (RIBEIRO, 2000, p. 47). Todavia, a abordagem do caso começou a mudar, a imprensa começou a deixar de lado aquele relado formal e burocrático, para, nas palavras de Ribeiro (2000, p. 47) “se mergulhar em uma cobertura sensacionalista”.

Conforme relata o jornalista (2000, p. 47-48), “as emissoras de televisão foram as que mais exploraram o sofrimento das mães das vítimas”, exibindo relatos das genitoras, emocionadas e indignadas, de forma que “o telespectador nunca assistia a uma reportagem equilibrada do caso, que desse margem à reflexão”.

Quanto à cobertura dos jornais impressos, Ribeiro (2000, p. 50) menciona que “um crítico rigoroso poderia afirmar que desde o princípio os repórteres já haviam começado a comprar a versão das vítimas”. Acrescenta:

As reportagens omitiram, por exemplo, que a Escola Base e a casa de Saulo e Mara tinham sido revistadas de surpresa, e nada havia sido encontrado. Outros detalhes que pudessem favorecer os acusados foram negligenciados, como o testemunho do chefe de Saulo, garantindo que o funcionário nunca se ausentara do trabalho durante o expediente. Os jornalistas também não tiveram nenhum distanciamento crítico da polícia e deixaram de questionar por que os acusados não foram ouvidos em depoimento (RIBEIRO, 2000, p. 50).

 

Em 30 de março, quando foram publicadas as primeiras matérias sobre o caso Escola Base, Ângela Sandroni Isber e Ricardo Isber, pais de um menino de 04 anos, procuraram os repórteres na delegacia para fazer uma queixa contra Maurício Monteiro Alvarenga, o motorista da Kombi escolar. A denúncia do casal chegou primeiro na imprensa, sendo registrada formalmente no inquérito apenas em 04 de abril (RIBEIRO, 2000).

Ainda no mesmo dia surgiram mais duas denúncias, uma de Sheila Aparecida Fiorito e outra de Abraão Rodrigues do Nascimento, mas que não foram formalmente registradas (RIBEIRO, 2000). Cada vez mais “a imprensa perdia completamente toda a preocupação profissional e ética: já não narrava somente o que era apurado pela autoridade policial, mas dava voz a todas as pessoas que quisessem denunciar” (RIBEIRO, 2000, p. 54).

O filho do casal Isber, Rogério, não estudava na Escola Base, mas era transportado pela Kombi de Maurício Alvarenga. Segundo a denúncia dos pais, Maurício teria deixado exposto o órgão genital e esfregado no garoto em um dia que estavam sozinhos na Kombi (RIBEIRO, 2000).

Quanto aos filhos de Sheila e Abraão, de casamentos anteriores, estudavam na Escola Base, e teriam relatado aos pais que viram “crianças ficarem peladas na escola”, dito que “pessoas de olhos puxados mandarem (sic) as crianças tirarem as roupas” e, ainda, que “as crianças foram levadas para um lugar que tinha camas redondas” (RIBEIRO, 2000, p. 55). O casal expôs esses relatos para a Folha de S. Paulo e a Folha da Tarde, entretanto, tais queixas sequer foram levadas à delegacia de polícia para integrarem o inquérito policial.

Dias depois da publicação, “Cláudio Roberto Fiorito afirma que levou o filho a um pediatra e um psicólogo, e nada foi constatado. Para ele, a imprensa deve ter dado uma interpretação errada às declarações de sua ex-mulher”, e a mãe do garoto, em depoimento posterior à polícia, “disse que não tinha nenhuma queixa contra a escola e que o comportamento da criança não se havia alterado”. Sobre as matérias publicadas nos jornais, Sheila declarou que “se viu assediada por muitos repórteres, não se lembrando sequer do que tinha dito” (RIBEIRO, 2000, p. 56).

Nesse contexto, Ribeiro (2000, p. 56) aponta que, na realidade, “Abraão e Sheila soltaram um alarme falso” e que “os jornais, incapazes de avaliar a histeria que se instalava, engoliram a história e deixaram a opinião pública ainda mais indignada com os ‘horrores’ da escolinha”.

No dia 1º de abril, por meio de uma denúncia telefônica à delegacia, surgiu uma nova vítima no caso. A narrativa de Ribeiro (2000, p. 56) traz que “a acusadora era identificada como ‘a mãe de R.’, segundo O Estado, ou ‘a mãe de C.’, segundo a Folha”. O autor arremata dizendo:

Os jornais, portanto, aceitavam publicar qualquer denúncia, mesmo de pessoas não identificadas. A imprensa não era mais movida pelo animus narrandi, ou intenção de narrar. O que estava mais do que presente era o animus denunciandi, ou compulsão por denunciar. Essa prática é chamada também de “denuncismo” (RIBEIRO, 2000, p. 556).

 

As notícias trazidas pela imprensa eram absurdas. A matéria apresentada pelo jornal O Estado de S. Paulo, visivelmente sem crédito, foi a seguinte:

[...] A mulher (mãe de R.) contou ter recebido um folheto de uma outra escola. Ao ver o papel, seu filho perguntou o que era aquilo, e, ao responder, o menino indagou: “Será que esta escola dá aula de educação especial como a minha?” A mãe quis saber como era a aula. R. respondeu que uma professora, de nome Célia, o obrigou a tirar a roupa, tocou nele, enquanto o beijava. Ele contou que um “tio” ajudou na aula (RIBEIRO, 2000, p. 57).

 

Marcelo Godoy, da Folha de S. Paulo, trazia mais detalhes à notícia: “(...) A mãe perguntou para o filho (C.) que aulas eram essas. O menino disse: ‘a tia Célia pegava meu pipi e beijava e dizia que era para ele ficar grande como o do tio’” (RIBEIRO, 2000, p. 57).

Novamente os que a imprensa publicou jamais se confirmaria no inquérito policial, e, mais uma vez, os leitores ficaram sem esclarecimentos posteriores. Ribeiro (2000, p. 57) enfatiza que “a cobertura da mídia impressa começava a entrar no ritmo sensacionalista da televisão”, sendo que “a manchete da Folha da Tarde de quinta-feira já aceitava denúncias como fatos verdadeiros: ‘Perua escolar carregava crianças para orgia’”.

Todo esse sensacionalismo foi adquirindo proporções que fugiam do controle. Enquanto que o delegado Pimentel havia feito uma busca no apartamento de Mara e Saulo, convencido de que, em princípio, o casal nada tinha a ver com o suposto crime, a imprensa colocava para o povo que “a polícia foi até a casa de Saulo da Costa Nunes e Mara Cristina França e descobriu que R.N. (Rodrigo) possivelmente foi violentado” (RIBEIRO, 2000, p. 58). Fica claro que os jornalistas estavam perdendo a preocupação com a exatidão das informações publicadas e dando enfoques tendenciosos.

Mas, segundo Ribeiro (2000, p. 59), “o clima ainda estava só esquentado”. O autor refere que, em 31 de março, os telejornais noticiaram mais uma suposta barbaridade. Conta que “na Rede Globo, foi veiculada uma reportagem de Britto Jr., na qual deixou-se a objetividade jornalística completamente de lado” (RIBEIRO, 2000, p. 60), diz que o repórter não só embarca no ‘denuncismo’, mas também ofende os acusados:

Repórter: [...] mas a covardia dos criminosos pode ter sido ainda maior. Os exames vão revelar se há vestígio de algum tipo de tóxico na urina do garoto. A suspeita de que eles possam ter ingerido drogas partiu dos próprios pais, assustados com a mudança de comportamento dos filhos (RIBEIRO, 2000, p. 60).

 

Realizado o exame toxicológico, o resultado foi negativo. Pelo fato de a mídia engolir qualquer denúncia, elas tornaram-se cada vez mais absurdas: “levantou-se a suspeita de que as supostas vítimas poderiam estar com o vírus da AIDS” (RIBEIRO, 2000, p. 61). E não parou por aí. Impressionado com os desdobramentos do caso, o relator da CPI da Prostituição Infanto-Juvenil pediu até quebra de sigilo bancário dos suspeitos, que tiveram suas contas revistadas.

O jornalista (2000, p. 62), expõe que a essa altura:

A imprensa já havia provocado a ira popular: na madrugada de quinta para sexta, a escolinha foi saqueada. Móveis e materiais escolares foram destruídos e aparelhos eletrônicos furtados. Segundo os jornais do dia seguinte, 30 pessoas participaram do saque e policiais militares deram cobertura. Sete pessoas foram presas, mas depois liberadas pela polícia.

[...] Atacada a escolinha, o novo alvo foi a casa de Paula e Maurício.

 

Aqui, percebe-se as proporções que o poder de influência que a mídia exerce na população pode tomar. A verdade é que não havia sequer processo criminal ainda, não havia provas suficientes para a propositura de uma ação penal, que dirá uma condenação.

Como vimos no primeiro capítulo, o garantismo sustenta que ninguém pode ser considerado culpado sem, antes, responder ao devido processo (nulla culpa sine judicio), pois o reconhecimento da culpa deve ser feito pelo órgão judicial competente. E para que haja processo, imprescindível a existência de acusação (nullum judicium sine accusatione), que, por sua vez, só ocorre se houver justa causa, isto é, as provas da materialidade e autoria do crime (nulla accusatio sine probatione).

Mas, no caso concreto, todos os suspeitos já integravam o rol de culpados aos olhos da população, isso graças ao sensacionalismo, altamente influenciável, exercido pela mídia. Com a atitude bárbara das pessoas, saqueando a escola, revoltadas com os “criminosos”, estes já estavam sendo injustamente penalizados.

Para piorar a situação dos acusados, o delegado Edélson Lemos, que assumira o caso, falara em frente às câmeras que “as investigações estavam adiantadas e que tinha provas” (RIBEIRO, 2000, p. 66). Ribeiro (2000, p. 67) coloca que “o caso da Escola Base era a chance esperada para uma promoção” para o delegado.

Como diagnóstico do caso, Lemos expôs ao repórter Cezar Galvão, da Rede Manchete:

Nós trabalhamos com três linhas de investigação. A primeira de que havia uma investida sexual só por parte do motorista da Kombi que transportava as crianças. A segunda hipótese é que mais pessoas também se envolviam nessa prática com as crianças. E a terceira hipótese, que talvez seja a mais provável, é a do comércio de fitas e fotos feitas com as crianças (RIBEIRO, 2000, p. 68).

 

Ainda, em uma das entrevistas, realizada para o Rede Cidade, da Bandeirantes, o delegado asseverou que “eu tenho provas materiais, baseadas em laudos do IML, que confirma que um dos meninos sofreu violência sexual”, ressaltando que “eu também tenho filhos e quero uma punição exemplar para isso” (RIBEIRO, 2000, p. 69-70).

Foi aí que os acusados resolveram expor a sua versão dos fatos e falar com a imprensa, afinal de contas, pior a situação deles não poderia ficar.  Ribeiro (2000, p. 71) conta que “o jornalista Florestan Fernandes Jr., então da Rede Cultura, recebeu um telefonema de um amigo arquiteto”, refere que “era um presente de páscoa: uma entrevista com os acusados no caso da Escola Base, as pessoas mais cobiçadas pela imprensa naquele final de semana prolongado”.

O arquiteto era amigo de Paula, a conhecia desde pequena, ligou para marcar uma entrevista com os suspeitos, à exceção de Maurício, que achou arriscado voltar de Espírito Santo para São Paulo. Com a matéria produzida, “pela primeira vez se trazia o outro lado” (RIBEIRO, 2000, p. 72). O autor (2000) sinala que Florestan levou ao ar uma reportagem equilibrada, sem julgamentos, abordagem que foi fundamental na formação da opinião de outros jornalistas, que, a partir de então, sentiram-se no direito de conversar com os acusados.

Ribeiro (2000, p. 73) revela que:

Nesse momento, alguns jornalistas já haviam feito investigações por conta própria e constataram que na semana anterior circularam muitos boatos infundados.

Exemplo: que Paula e Cida seriam amantes e passariam suas noites no Ferro’s Bar, casa noturna freqüentada por homossexuais femininas. Outro: que Maurício seria proprietário de uma boate, onde faria papel de cáften. Marcelo Faria de Barros e Carlos Rydle, d’O Estado, checaram os boatos e descobriram que não eram procedentes.

As depredações na escolinha e na casa de Maurício, lideradas mais por vândalos do que “guardiões da moral”, acabaram por colocar em dúvida a idoneidade dos acusadores.

 

As entrevistas passaram a ser positivas para os acusados. “Os repórteres, no mínimo, constataram que ninguém tinha cara de tarado e que o delegado Lemos falara muito, mas quase não tinha provas” (RIBEIRO, 2000, p. 74). A partir daí, a atuação do delegado começou a ser questionada e “a imprensa percebia tardiamente seus erros, e de forma gradual”, bem como que “a notoriedade havia subido à cabeça do delegado Lemos e ele já se sentia amparado para cometer a arbitrariedade que bem entendesse” (RIBEIRO, 2000, p. 75).

E foi exatamente o que aconteceu. Ribeiro (2000) relata que, em 05 de abril, o delegado se reuniu com os advogados atuantes no inquérito e disse que gostaria de ouvir os seis acusados, insistindo que fosse marcado um único horário para todos os depoimentos. Obviamente, os advogados estranharam a exigência de Lemos, já que não há praticidade alguma em marcar o mesmo horário para todos, levaria uma eternidade até concluir o trabalho. Os defensores ficaram com o pé atrás, suspeitando que talvez o delegado tivesse intenções de prender os suspeitos, utilizando a colheita dos depoimentos como “armadilha”. No entanto, Lemos garantiu aos advogados que nenhuma prisão seria realizada.

Diante da situação duvidosa, o advogado Teixeira telefonou para Lemos:

- Doutor, eu queria que o senhor me garantisse, sob a honra do grau de seu diploma, que o senhor não está pedindo a preventiva ou a temporária de ninguém.

Já era perto de quinze para as sete. No TJ Brasil, do SBT, o âncora Boris Casoy dava a última notícia. 

- Eu garanto, doutor – respondeu Lemos. – Emprenho a minha palavra.

No entanto, Teixeira mal ouvia o delegado, pois segundos antes concentrara a atenção no que anunciava Boris Casoy: o casal Saulo e Mara estava preso e havia sido decretada a prisão temporária dos outros quatro suspeitos (...).

Ainda confuso com a notícia que chegava (...) Teixeira voltou a falar com Lemos. Colocou, ainda uma última vez, a palavra do delegado à prova:

- O senhor, então, me garante que não prende ninguém?

Lemos não titubeou:

- Garanto, doutor (RIBEIRO, 2000, p. 80-81).

 

A advogada de Saulo e Mara, Maria Elisa Munhol, foi consultar o inquérito policial, e, segundo ela, teria sido o primeiro acesso da defesa ao expediente desde o início do caso. “A grande novidade era o laudo do IML das três crianças – Fábio, Cibele e Rodrigo –, que chegara no dia anterior” (RIBEIRO, 2000, p. 84). Lemos havia divulgado para a imprensa que o exame dera positivo.

Ribeiro (2000, p. 84) assevera que “o inquérito tinha umas poucas e frágeis páginas”, sendo que o depoimento prestado pelas crianças foi colhido sem o acompanhamento de psicólogos. Ressalta o autor que:

Tudo era muito precário, ainda. Foi por isso que a chegada dos laudos mudou o humor do delegado Edélson Lemos. Era seu grande trunfo: a prova de que tinha havido o crime.

Mas para Maria Elisa, não. Ela ficou impressionada quando abriu a página 51 do inquérito, onde estava o resultado do exame de corpo de delito de Fábio, que Lemos divulgara como positivo. A advogada tirou uma conclusão imediata: o documento permitia mais de uma interpretação (RIBEIRO, 2000, p. 87).

 

Ocorreu que na conclusão do laudo, os legistas deveriam, por óbvio, concluir, mas isso não foi feito. Os peritos constataram que as lesões são compatíveis com a prática de atos libidinosos, mas sem garantir categoricamente se as lesões são ou não decorrentes disso (RIBEIRO, 2000).

Em 06 de abril, os advogados de Saulo e Mara foram, com uma cópia do inquérito policial, ao gabinete do juiz-corregedor responsável pelo decreto prisional, Francisco José Galvão Bruno. Ribeiro (2000) conta que o magistrado teria dito que não poderia soltar os suspeitos, argumentando que modificar uma decisão tão radical, iria desmoralizá-lo. O juiz tinha receio da opinião pública, por foi ele quem decretou a prisão, não podia voltar atrás no dia seguinte.

A verdade é que:

De fato, o juiz-corregedor estava em uma situação delicada. A prisão fora autorizada através de um telefonema. Edélson Lemos relatara que tinha provas suficientes e, em estrita confiança, Galvão Bruno soltara o mandado. [...]

Galvão Bruno se dispôs a receber repórteres no dia seguinte à prisão. Sentia-se constrangido. Acabou-se comprometendo em uma entrevista a Carlos Rydle, d’O Estado de S. Paulo. Afirmou que o laudo do IML, a prova alardeada por Edélson Lemos, não era conclusivo:

- Entre a compatibilidade do ferimento e sua comprovação há uma diferença muito grande – observou. – Em tese, poderia até ser uma forte assadura. (RIBEIRO, 2000, p. 98).

 

Percebeu-se que, depois de analisar a cópia do inquérito policial trazida pelos advogados de defesa a seu gabinete, o magistrado estava “à espera de uma virada nos noticiários para corrigir a mancada” (RIBEIRO, 2000, p. 99). Os advogados também perceberam a necessidade de fazer uma marcação cerrada em cima dos jornalistas. “Se a imprensa havia julgado antecipadamente os suspeitos e só depois a Justiça agiu, agora era hora de os jornalistas absolverem todos, pois certamente os magistrados seguiriam o mesmo caminho” (RIBEIRO, 2000, p. 99).

A partir de então, o caso começou a pender para o outro lado. Na mesma noite da prisão, o jornalista Luís Nassif, da TV Bandeirantes, fez uma declaração opinativa em defesa de direitos elementares dos suspeitos. Reproduzindo as palavras de Nassif, Ribeiro (2000, p. 99-100) traz:

Bom, hoje eu não vou falar de economia, vou falar de um assunto que me deixa doente. Toda a imprensa está há uma semana denunciando donos de escola que presumivelmente teriam cometido abuso sexual contra crianças de quatro anos. Toda a cobertura se funda em opinião da polícia. Está havendo um massacre. Mais que isso, está havendo um linchamento. Se eles forem culpados, não é mais que merecido. E se não forem? Uma leitura exaustiva de todos os jornais mostra o seguinte: não há até agora nenhuma prova conclusiva de que a criança foi violentada por adulto. Não há nenhuma prova conclusiva contra as pessoas que estão sendo acusadas. Tem-se apenas a opinião de policiais que ganharam notoriedade com denúncias e, se eventualmente se descobrir que as denúncias são falsas, vão ter muita dificuldade de admitir. Por isso, a melhor fonte não é a polícia, neste momento. A imprensa deve as pessoas que estão sendo massacradas, no mínimo, um direito de defesa, de procurar versões fora da polícia. Repito: é possível que as pessoas sejam culpadas. Mas é possível que sejam inocentes. E se forem inocentes?

 

Aqui, Nassif faz uma crítica muito importante, e esse “clima” acabou contaminando outras redações. A Folha da Tarde foi em busca de mais informações, através da jornalista Marcela Matos, que conversou com o presidente da Associação Paulista de Medicina, José Kanopolish, o qual afirmou que o laudo era incerto, pois não havia como ter certeza de que houve violência sexual; podia ser micose, vermes ou fezes duras (RIBEIRO, 2000). A Folha de S. Paulo publicou declaração da coordenadora do Serviço de Advocacia da Criança da OAB, Lia Junqueira, que “criticou o fato de o delegado ter ouvido as crianças sem psicólogos” (RIBEIRO, 2000, p. 101).

As emissoras de televisão abordaram uma virada mais emocional. Na semana anterior usaram o desespero das mães acusadoras para fazer sensacionalismo, agora as lágrimas usadas foram as de Saulo e Mara (RIBEIRO, 2000).

Mesmo nessas circunstâncias, o delegado Edélson Lemos representou pela prisão preventiva de todos os suspeitos, lamentando a falta de “sorte” na colheita das provas: “É de se revoltar que tais fatos sempre acontecem entre quatro paredes, o que dificulta a localização de testemunhas presenciais” (RIBEIRO, 2000, p. 105). O Ministério Público manifestou-se contrariamente ao pedido, que pelo juiz Galvão Bruno restou indeferido.

O magistrado encaminhou o caso para a 1ª Seccional de Polícia, onde o inquérito passou a correr sob a direção do delegado Gélson Carvalho. Conforme aponta Ribeiro (2000, p. 106), “essa última medida foi um acerto entre Odyr Porto, secretário de Segurança Pública e ex-presidente do Tribunal de Justiça, e o juiz Galvão Bruno. Ambos estavam com Lemos atravessado na garganta”.

No dia seguinte, dezenas de matérias foram publicadas denunciando a injustiça, mostrando o apartamento de Saulo e Mara e o filho Rodrigo alegre por rever os pais. “Parecia que a imprensa havia aprendido a lição da Escola Base. Mas era apenas aparência” (RIBEIRO, 2000, p. 107).

Como ironiza Ribeiro (2000, p. 109): “faltava um gringo na história”. Sim, envolveram um estrangeiro nas acusações, dando a entender que ele estaria envolvido no caso da Escola Base, que tirava foto das crianças para comercializar no exterior. No dia 11 de abril, uma segunda-feira, o americano Richard Harrod Pedicini foi surpreendido em sua casa com a visita do delegado Jorge Carrasco, assistente de Gérson de Carvalho, que trazia consigo um mandado de busca e apreensão. O documento, expedido naquele mesmo dia, teria sido produto de uma denúncia anônima de que em frente à casa de Richard fora vista uma Kombi escolar estacionada (RIBEIRO, 2000).

Concluída a diligência, o delegado localizou na mansão do gringo várias fotografias de crianças, pessoas nuas em praias de nudismo – mas sem conotação erótica –, imagens de uma festa à fantasia em que havia pessoas peladas (todos adultos), e, o que lhe causou maior indignação e foi a razão decisiva para lhe dar voz de prisão, uma fotoem que Richardestá vestindo uma batina preta, com bíblia e terço na mão, fazendo sinal como se estivesse dando uma bênção. Segundo o estrangeiro, aquela era apenas uma roupa que usara em uma festa junina, quando foi padre do casamento caipira (RIBEIRO, 2000).

Por mais absurdo que pareça, Ribeiro (2000) relata que o gringo foi algemado e levado para o camburão, sua casa foi revirada pela polícia, que buscava outros indícios de crime. Levaram vários objetos até a viatura. Já na delegacia, no momento em que chegou a imprensa:

A polícia preparou todo um cenário para os fotógrafos e cinegrafistas. Richard atrás de uma mesa, algemado; em sua frente, os indícios do crime.

Os repórteres entraram na sala com a informação de que aquele indivíduo, possivelmente, era o gringo que tirava as fotos das crianças da Escola Base. Sobre a mesa eles veriam o material fotográfico apreendido na mansão do americano, mas aquelas fotos seriam mais leves; as mais pesadas, que enchiam uma caixa, estavam guardadas para preservar as crianças (na verdade, esse material não existia). Também foram previamente avisados de que o gringo estava em situação ilegal no Brasil e que, apesar de não tem emprego, vivia em uma casa cujo aluguel passava de dois mil dólares (RIBEIRO, 2000, p. 115).

 

Richard, ao prestar esclarecimentos para a imprensa, mencionou que teve o visto válido por cinco anos, mas que estava vencido há apenas duas semanas (RIBEIRO, 2000). Entretanto, “a maioria não ouviu e poucos publicaram a sua defesa. Preferiram ficar com a versão oficial, passada pela polícia” (RIBEIRO, 2000, p. 116).

Nesse episódio:

[...] até o Diário Popular, que até então havia se mantido afastado do caso da Escola Base, errou. Assumiu a suspeita como verdadeira no título “Americano fazia fotos eróticas com crianças” e publicou equivocadamente que na casa de Richard encontraram-se fotos de “adolescentes mantendo relações sexuais” (RIBEIRO, 2000, p. 116).

 

É de causar grande indignação, mas, pelo visto, o delegado Jorge Carrasco devia estar realmente convencido de que na casa de Richard eram feitas filmagens com as crianças da Escola Base. O delegado chegou a dizer ao repórter Renato Lombardi “que dentro da mansão havia um pequeno estúdio fotográfico onde eram fotografadas as crianças nuas, e tudo saiu publicado n’O Estado de S. Paulo do dia 12 de abril” (RIBEIRO, 2000, p. 119).

 Ribeiro (2000, p. 120) acrescenta que:

 

O repórter não deve ter consultado o inquérito policial, pois dele não consta nenhuma palavra ou documento que faça referência a algum estúdio. De fato, essa era mais uma bola fora de Carrasco que, com poucas horas no caso, parecia querer tomar o lugar antes ocupado pelo colega Edélson Lemos.

 

Mas as criações sobre os fatos não terminaram por aí. Informações que não constavam no inquérito policial eram divulgadas entre os jornalistas, “que as tomavam como quentes, exclusivas, e passavam adiante sem se perguntar se a fonte que eles protegiam em off estava fazendo jogo limpo” (RIBEIRO, 2000, p. 120-121). A situação ficou tão fora de controle, que chegaram a divulgar que “o gringo só aceitava o ingresso em sua casa de crianças com exame soronegativo de HIV, o vírus da Aids” (RIBEIRO, 2000, p. 121). Um absurdo, uma realidade completamente distorcida.

E mais, Fábio e Cibele, as duas crianças que iniciaram com toda essa história, foram com os delegados e as mães para a casa de Richard – sem acompanhamento de psicólogo –, com o propósito de ver se reconheciam ou não o local. Já havia sido constatado que nenhuma das informações dadas pelos menores batia com a mansão, já que não havia camas redondas, porão verde, jardim na lateral, videocassetes no alto ou qualquer outro detalhe que as crianças tenham relatado.

Entretanto, durante a “visita” dos meninos à casa do gringo, chamou à atenção dos delegados que Cibele se encantou com uma tartaruga que habitava o lugar, e questionada se já a conhecia ela respondeu “conheço a tartaruga, olha ela aqui” (RIBEIRO, 2000, p. 123). Ademais, as crianças souberam indicar o banheiro e dizer que os quartos da casa ficavam no andar de cima, onde, como aponta Ribeiro (2000, p. 123), “focam os quartos de 99,9% dos sobrados brasileiros”.

A prova do reconhecimento da residência era muito precária, não havia como dizer que as crianças haviam reconhecido a casa, “a princípio, não teria havido reconhecimento” (RIBEIRO, 2000, p. 124). Todavia, para a surpresa de todos, no dia 13 de abril “os jornais trouxeram grandes furos. O Estado de S. Paulo: ‘Alunos da Escola Base reconhecem casa do americano’; Folha de S. Paulo: ‘Criança liga americano ao abuso da escola’” (RIBEIRO, 2000, p. 124).

Um trecho da obra de Alex Ribeiro (2000, p. 128) que chama muito à atenção neste momento é quando menciona:

Para Richard Pedicini, desse episódio tira-se a conclusão de que o maior vício da imprensa não é somente basear-se em declarações oficiais. No momento de sua prisão os jornalistas acreditaram, sim, na versão oficial, mas somente porque a história era interessante para a venda de seus jornais.

No dia das averiguações na casa suspeita, quando o pronunciamento oficial era desinteressante, preferiram a versão alternativa.

Para Richard, portanto, o problema é bem mais grave: sensacionalismo.

 

Apenas após uma série de acareações é que o delegado Gérson de Carvalho deu uma entrevista, no final da tarde do dia 13 de abril, informando que “por hora (sic) não há nada que ligue um caso a outro” (RIBEIRO, 2000, p. 129).

Todos os suspeitos do caso da Escola Base sofreram sérios abusos protagonizados pela mídia, que não mediu esforços para “condená-los” aos olhos do povo, sequer se preocupando com a fonte das informações que difundia, o que importava mesmo era ter as notícias mais “quentes”, de maior repercussão, que causasse todo aquele clamor público, para vender mais, dar mais audiência. De fato, foi o que os jornalistas conseguiram, e causando revolta na população.

Mas, agora, as coisas estavam para mudar e, finalmente, no desenrolar do inquérito policial, com a produção das provas faltantes, é que se saberia se houve ou não crime e, em caso positivo, se os proprietários da escolinha, juntamente com os pais de Rodrigo, eram ou não os responsáveis (RIBEIRO, 2000).

Tudo começou quando Fábio viu uma foto de Ângela Sandroni Isber e Ricardo Isber no jornal, casal que também acusou o pessoal da Escola Base de abuso sexual conta o filho Rogério, e disse para a mãe Lúcia que era aquela a mulher que o beijava na boca e o homem era o que deitava em cima da coleguinha Iracema (RIBEIRO, 2000). Foi então que a mãe do garoto “apanhou o jornal e, naquela noite, foi ao apartamento de Cléa para checar se Cibele também conhecia o casal” (RIBEIRO, 2000, p. 132), a menina teria respondido que os conhecia é que “Ricardo deitava em cima dela, nu, e beijava sua boca”

É lógico que Ricardo Isber ficou muito surpreso quando soube da acusação. Depois de saber disso, Ângela já não tinha mais tanta convicção sobre as denúncias contra o motorista da Kombi, pensando que o filho poderia estar fantasiando tudo o que dissera (RIBEIRO, 2000). E os relatos de Fábio não se limitaram a isso, o menino ainda teria apontado para o sapato da empregada e dito que eram iguais aos de Ângela, “a tia que ficava pelada” (RIBEIRO, 2000, p. 133). Fábio ainda “teria dito que Ricardo tinha uma mancha ou desenho em um dos braços”.

Quanto à acusação contra Maurício, Ribeiro (2000, p. 133) retrata:

[...] a inocência do perueiro já estava sendo provada através de três depoimentos. Primeiro: Wallace afirmou que havia duas semanas que ele estava transferindo a perua e a freguesia para Maurício e, com a exceção de um dia, os dois andaram sempre juntos para aprender o itinerário. Segundo: a diretora da escola em que o filho dos Isber estudava confirmou que apenas uma vez, em 28 de março, Maurício dirigiu sozinho a perua. Terceiro: as mães de duas alunas confirmaram que naquele dia suas filhas foram as últimas a ser entregues, e que as filhas de Maurício ainda permaneceram na perua.

 

A denúncia contra Maurício caía por terra, mas dúvidas passaram a surgir contra os Isber. Diante disso, o delegado pediu para que Ricardo tirasse a camisa, momento em que ficou constatado que ele não tinha nenhuma pinta ou tatuagem nos braços ou região do tórax, diferentemente do que foi apontado pelo menor Fábio (RIBEIRO, 2000). Conforme Ribeiro (2000), “o inquérito chegava as suas oitocentas páginas e, em vez de confirmar as denúncias das mães, ficava clara a inocência dos acusados”.

Concluídas as investigações, o delegado Gérson pode verificar pelo menos treze contradições:

Cléa denunciara que outras nove crianças participaram das supostas orgias: Danilo, Tiago, Iracema, Sílvia, Francisco, Rafaela, Augusto, Bianca e Vinícius.

Os pais de cada um deles foram convocados a depor. Todos asseguraram que conversaram exaustivamente com os filhos, mas não obtiveram nenhuma palavra que confirmasse as suspeitas. Das nove crianças, três foram examinadas por médicos particulares, que nada constataram. Uma das mães levou o filho para uma psicóloga, que não encontrou nenhum indício de abuso sexual (RIBEIRO, 2000, p. 134).

 

 Os pais de todos os alunos da classe de Fábio e Cibele foram ouvidos, seis crianças foram examinadas por médicos particulares e duas se submeteram a testes psicológicos, e todos negaram suspeitas (RIBEIRO, 2000). Muito pelo contrário, “nove pais fizeram verdadeiras declarações de amor à Escola Base, assinalando que, caso fosse reaberta, matriculariam os filhos no dia seguinte (RIBEIRO, 2000, p. 134).

 Ainda, Cléa e Lúcia haviam afirmado, conforme o relato dos filhos, que as supostas orgias ocorreram na casa de Mara e Saulo. Entretanto, o zelador e o síndico do prédio em que o casal residia foram categóricos ao afirmar que nunca viram crianças subirem no apartamento deles. Segundo seus depoimentos, “Saulo saía cedo para trabalhar e só voltava no início da noite” (RIBEIRO, 2000, p. 135). Tal versão foi confirmada através de outros depoimentos.

Outros pontos das denúncias iam por água abaixo:

[...] a versão de que as crianças eram transportadas às supostas orgias na Kombi escolar. Ficou constatado em todos os depoimentos que a Escola Base nunca prestou esse tipo de serviço. Levantamentos feitos pelo Detran demonstraram que nenhum dos suspeitos fora proprietário de perua de Kombi.

Foram feitas perícias nas casas de todos os acusados e seus parentes. Os policiais nunca encontraram a mansão com muitos quartos, porão verde, jardim na lateral e videocassete fixado no alto (RIBEIRO, 2000, p. 135).

 

E várias outras provas foram produzidas no sentido de que não havia nada de errado ou estranho com a Escola Base, teve mãe dizendo que ia algumas vezes à escolinha para assistir desenhos animados com as crianças, outra afirmando que sempre vai tomar cafezinho no refeitório, e nunca viram nenhum aluno ser retirado de lá em horário de aula (RIBEIRO, 2000).

Outrossim, três pais de alunos, que moravam em frente à escola, informaram que tudo ocorria normalmente lá, nunca notaram nada de estranho, todos sem queixas. Muitos relataram, inclusive, que os filhos sentem falta da Escola Base e sempre perguntam quando as aulas vão recomeçar (RIBEIRO, 2000).

Ribeiro (2000, p. 137) aduz que o delegado Gérson de Carvalho, ainda insatisfeito com as alegações, enviou investigadores ao bairro onde se localiza a escola e, “vestidos à paisana, os policiais se misturaram ao povo e fizeram perguntas em bares, lojas e casas vizinhas. Nada descobriram”.

Então, “o inquérito passou a tomar outro rumo: além de não provar as afirmações contra os suspeitos, a cada depoimento a veracidade das próprias denúncias era colocadaem xeque. Odelegado apanhou pelo menos uma mentira na versão das mães” (RIBEIRO, 2000, p. 138).

No que tange ao laudo do IML, Ribeiro (2000) coloca que em um depoimento da mãe de Fábio, ela revela que o garoto sofria de constipação intestinal, sentia dor de barriga desde fevereiro e as vezes coçava o ânus, apresentando muita dificuldade para evacuar devido à dor intensa. Após os relatos de Lúcia, não havia como saber se as lesões que constavam no laudo anterior eram produto do problema intestinal de Fábio ou se provinham de ato libidinoso. Diante disso, o delegado Carvalho fez uma nova consulta ao IML, mas a resposta foi igualmente inconclusiva: “no presente caso não existem elementos para afirmar se o ato libidinoso ocorreu ou não” (RIBEIRO, 2000, p. 143), foi o que constou na conclusão do laudo, que apenas multiplicou as dúvidas já existentes.

Todos os pareceres dos psicólogos também não concluíam nada, sendo que alguns eram até contraditórios (RIBEIRO, 2000).

Diante dessa realidade, o magistrado Galvão Bruno decidiu arquivar o inquérito policial, não por ausência de justa causa (provas da materialidade e suficientes indícios de autoria), mas porque entendeu estar comprovada a inocência dos suspeitos. Referendou as conclusões do delegado Carvalho:

A acusação foi direcionada contra pessoas determinadas. As investigações procedidas demonstram, à saciedade, que não tiveram participação no caso. Houve crime? Não acredito! Apesar disso, não ouso descartar a possibilidade de o mesmo ter ocorrido em outros ambientes, com a participação e envolvimento de outros protagonistas (RIBEIRO, 2000, p. 145).

 

Ribeiro (2000, p. 145) arremata dizendo:

É bom deixar bem claras as conclusões do inquérito: Gérson de Carvalho descobriu que os seis suspeitos eram inocentes. A Folha da Tarde, em reportagem de Renato Krausz, cometeu erro ao publicar que o inquérito fora arquivado por falta de provas: “Inquérito termina sem provas contra os acusados”. Dizer que faltam provas é uma coisa. Provar a inocência é totalmente diverso.

 

A partir de então, a imprensa começou a se desculpar pelas gafes e abusos cometidos. Conforme Ribeiro (2000, p. 147), “nunca a imprensa se desculpou tanto como no caso da Escola Base”.

Com a confirmação da inocência, a mídia, que antes havia estampado os suspeitos como criminosos, abriu um bom espaço para eles. Em 29 de maio, a Folha da Tarde inaugurou a mea-culpa, apresentando uma reportagem com a seguinte manchete: “seis acusados de abuso sexual em escolinha vivem pesadelo” (RIBEIRO, 2000, p. 147). O Jornal da Tarde também aderiu à retratação, no dia 20 de junho publicou a matéria “Escola Base: vidas humilhadas” (RIBEIRO, 2000, p. 148). Os maiores jornais de São Paulo – a Folha e o Estado – dedicaram as duas páginas mais importantes do caderno de cidades ao caso, e, conforme relata Ribeiro (2000, p. 148), “a leitura dessas reportagens mostra que a imprensa comportou-se corretamente no momento das retratações, e procurou, com todos os instrumentos, reparar os danos morais causados aos sete inocentes”.

Na televisão, “o desfecho mereceu reportagens em todas as emissoras. A Rede Globo levou ao ar uma retratação no Fantástico (RIBEIRO, 2000, p. 151).

  Quanto ao americano Richard Pedicini, apenas em 07 de abril de 1995 é que todas as acusações contra ele foram arquivadas, já que o Ministério Público e o juízo reconheceram que “as fotos apreendidas em sua casa não tinham conotação pornográfica ou erótica” (RIBEIRO, 2000, p. 152).

E esse foi o desfecho do famoso caso da Escola Base.

 

4.2 As consequências da atuação da mídia na vida dos acusados

Após tantas acusações absurdas, injustas e infundadas, tantos alardes, sensacionalismo e sofrimento causado aos suspeitos, a imprensa buscou de todas as formas possíveis se desculpar pelos danos e amenizar a situação. No entanto, é evidente que a simples retratação não tem o condão de corrigir os danos morais causados pela publicação de informações incorretas. São prejuízos irreversíveis.

 Tanto é verdade, que Ribeiro (2000) manteve contato com os envolvidos para averiguar quais as sequelas carregadas por cada um deles, e constatou que nenhum suspeito saiu ileso dos abusos da imprensa.

O japonês Ayres seguiu sua vida normalmente, mas acometido de sérios problemas emocionais e insônia, necessitando fazer uso de tranqüilizantes todas as noites para conseguir dormir. Quando anda na rua, está sempre alerta. Possui alto grau de irritabilidade e fuma mais que o habitual (RIBEIRO, 2000).

Maria Aparecida, a esposa de Ayres, viu desmoronar o projeto de uma vida. Se antes dar aulas era sua vocação, agora tornou-se apenas um sonho distante. Segundo relata Ribeiro (2000, p. 164), Cida “desde cedo sonhara com a escolhinha. Hoje, nem aulas pode dar. Quem confiaria a ela uma sala cheia de alunos? Dinâmica e empreendedora, vê-se obrigada a passar as horas em casa, deprimida”. Sem falar que também passou a fazer uso de calmantes.

O motorista Maurício separou-se de Paula. Após o episódio da Escola Base passou a ter mania de perseguição e pânico de sair na rua. O jornalista conta que “não ia nem mesmo ao escritório do advogado. Para falar com ele, chegou a montar esquemas exagerados de segurança. Só saía de casa com guarda-costas” (RIBEIRO, 2000).

Paula, após a separação, mudou-se para a casa da mãe com suas duas filhas. Desde quando surgiu o caso da Escola Base ficou desempregada e impedida de trabalhar em sua profissão. Ela “vive de ‘bicos’ e bufês” (RIBEIRO, 2000) e chegou a mover processo contra Cléa e Lúcia.

O casal Saulo e Mara fez o possível e o impossível para pagar as dívidas com os advogados. De acordo com Ribeiro (2000), Saulo perdeu o emprego e passou a tocar bateria em bares noturnos, Mara começou a fazer bijuterias e os dois vendem rifas. O filho do casal, Rodrigo, “teve uma fase difícil quando o casal foi preso. Passou a comer com as mãos ao saber que na prisão os pais não teriam talheres” e “fica nervoso e muda de canal sempre que se fala de abuso sexual na televisão” (RIBEIRO, 2000, p. 165).

O americano Richard “tornou-se obcecado por provar a sua inocência [...] passa a maior parte do tempo atrás de processos e advogados. Contratou até um assessor de imprensa para conseguir nos jornais espaço para sua defesa” (RIBEIRO, 2000, p. 165).

Como visto, sem cometer exagero, pode-se afirmar que as vidas desses pobres coitados foram destruídas. Pessoas estabilizadas, que tinham trabalho fixo, amavam o que faziam, desmoronaram por causa de acusações infundadas que tomaram proporções alarmantes.

Verifica-se que a mídia teve um papel fundamental para o clamor público gerado em cima do caso. A população, que muitas vezes só absorve as informações dadas, sem senso critico e questionamentos, tomando os fatos narrados como verdades absolutas, passou a enxergar meros suspeitos como criminosos bárbaros.

 

5 CONCLUSÃO

Tendo como principal objetivo impor limites à autoridade punitiva do Estado, a fim de evitar qualquer violação dos direitos mais fundamentais, o garantismo penal, teoria desenvolvida pelo italiano Luigi Ferrajoli, tem sua base enraizada em dez axiomas, que nada mais são do que técnicas de minimização do poder estatal. Esses mecanismos de tutela dos direitos fundamentais são divididos em três pequenos grupos: os que tratam da pena (como e quando punir); os relacionados ao delito (quando e como proibir); e os que dizem respeito ao processo (quando e como julgar).

Essas máximas, que dão suporte ao pensamento do estudioso, possuem uma relação de interdependência e devem ser todas observadas para que,em um EstadoDemocráticode Direito, as garantias do acusado sejam todas preservadas. E, aqui, cabe referir que não se trata de abolicionismo, mas, sim, de um direito penal mínimo, que jamais poderá condenar uma pessoa se não houver a certeza de que ela é culpada.

Aliado ao garantismo penal, temos o princípio da presunção de inocência, contemplado no inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal, o qual imputa ao autor da ação penal o ônus probatório de que o réu é, de fato, culpado. Ou seja, se não houver prova suficiente, a absolvição do acusado é medida impositiva (in dubio pro reo), pois o que se presume no direito penal não é a culpa e sim a inocência.

Com a realização do estudo do caso Escola Base, verificou-se que este princípio foi brutalmente violado pela mídia, uma vez que, sem qualquer prova capaz de emitir um juízo de certeza da ocorrência de algum dos fatos denunciados, a imprensa já saia divulgado manchetes absurdas, sem se preocupar com a fonte, expondo à população “verdades”, que, na realidade, eram meras suspeitas. E o estrago foi grande.

Em sequência aos princípios constitucionais abordados, temos o devido processo legal, também insculpido no art. 5º da CF (inciso LIV). Na esfera penal, tal princípio garante, em linhas gerais, o direito de ser processado conforme as normas previamente estabelecidas para tanto, sendo que ninguém poderá ser privado de seus direitos.

Como decorrência do devido processo legal, temos o contraditório e a ampla defesa, ambos assegurados no inc. LV do art. 5º da Magna Carta. O primeiro está relacionado à angularização processual, isto é, a conexão do processo deixa de ser apenas entre órgão acusador e juiz (conexão linear), passando o réu a integrar a relação, com o direito de participar, contrapondo-se à acusação e sendo informado de todos os atos processuais. A ampla defesa, por sua vez, está mais relacionada com a defesa técnica, assegurando ao acusado carrear elementos possam esclarecer a verdade sobre os fatos, ou mesmo garantindo o direito de permanecer calado, sem que isso seja interpretado em seu desfavor.

 Aqui também verificamos uma violação principiológica ocorrida no caso estudado. No momento em que a mídia começou a divulgação de todas aquelas notícias (todas equivocadas, diga-se de passagem), não houve uma preocupação em ouvir o outro lado.

Diante de todo o contexto do caso Escola Base, percebeu-se que a mídia se valeu das garantias de liberdade de imprensa, expressão e informação de forma ilimitada. Conforme visto no segundo capítulo, todos têm o direito de expressar-se livremente, o que vem assegurado dentro e fora da nossa Constituição. Ainda, vimos que os direitos de informar, se informar e ser informado, também são garantias fundamentais. Ademais, para a concretização dessas garantias, de expressão e informação, termos que ver assegurada uma imprensa livre, sem censura.

Entretanto, verificamos que essas liberdades não são absolutas, na medida em que podem violar outras garantias fundamentais. Exatamente o que ocorreu no caso da escolinha, onde as liberdades de imprensa, expressão e informação se sobrepuseram às garantias dos indiciados. Dentro das máximas da proporcionalidade e razoabilidade, é óbvio que em havendo conflito entre esses direitos, os individuais, nesse caso, devem prevalecer.

Ao expor fatos, tendo-os como verdades, a mídia estabelece uma espécie de senso comum para os espectadores. Os meios de comunicação não se limitam a informar, são transmitidas informações com enfoques tendenciosos, dependendo do que se deseja passar às pessoas. A população lê os jornais e assiste aos noticiários acreditando em tudo o que lhes é exposto, como meros receptores de informação, sem quase questionar, dando ampla credibilidade para os meios de comunicação social.

É evidente que a mídia não tem o poder de influenciar de forma determinante nas decisões judiciais, proferidas por quem conhece o direito, bem assim os seus princípios e garantias. Todavia, para os leigos, a mídia pode gerar um sentimento social que ameaça os direitos insculpidos na Carta Magna, tendo em vista que a população em massa acaba acusando, julgando e condenando o indiciado ou réu, por ser incapaz de entender os fundamentos do nosso ordenamento jurídico.

Dessa forma, conclui-se que a mídia, se não seguir os artigos 9º e 11º de seu Código de Ética, interfere de uma forma negativa na exposição intensa e sensacionalista de crimes, envolvendo revolta, indignação e clamor público. Tal atitude faz com que haja um “pré-julgamento” do suspeito pela população, o que vai totalmente de encontro aos princípios e garantias constitucionais do cidadão, considerando fundamentalmente que esse “pré-julgamento” é de condenação. E nessa perspectiva, o garantismo penal, tão defendido por Ferrajoli, torna-se sem serventia, obsoleto.

Uma possível explicação para a despreocupação da mídia com as questões éticas e profissionais na esfera da comunicação é o anseio que as empresas jornalísticas possuem pelos altos índices de audiência, por serem as responsáveis pela divulgação de grandes “furos”, buscando ter as notícias mais “quentes” antes que qualquer concorrente.

É evidente que as notícias de maior repercussão são as responsáveis por elevar os índices de audiência. Se uma empresa jornalística divulga as informações sobre um acontecimento bárbaro antes que as demais, por exemplo, será a mais acessada. Isso acaba fazendo com que haja uma falta de preocupação com a ética e profissionalismo, como ocorreu no caso estudado.

Vimos que o poder de influência exercido pela mídia é tão grande que, sem que ocorra o devido processo legal, ela é capaz de estampar no rosto do acusado o título de culpado, condenado etc. Mas mesmo que seja o acusado absolvido, ou que sequer tenha sido denunciado, os danos causados pela mídia são irreparáveis.

No caso apresentado, não havia nem processo judicial, tratava-se somente de um inquérito policial incipiente, que possuía apenas como prova da materialidade delitiva os relatos de crianças de quatro anos, cuja credibilidade era deveras questionável, e um laudo pericial inconclusivo. Mesmo assim, a mídia priorizou o caso e noticiou uma série de equívocos e absurdos, explorando o sofrimento das mães das supostas vítimas. Claro que o delegado Edélson Lemos também teve participação para que a imprensa fizesse do caso um espetáculo, mas nada justifica a atuação tão incisiva dos jornalistas.

Em que pese o caso estudado tenha ocorrido em 1994, e possa parecer um pouco distante da nossa realidade atual, basta ligar a televisão no final da tarde (ou ler jornais, ouvir rádios, ler artigos da internet) e zapear por alguns canais para ver como ainda ocorrem abusos. Alguns noticiários – se é que podemos assim chamá-los – chegam a contratar atores para fazer simulações de como ocorreram os fatos, reconstituído a cena do crime, um verdadeiro espetáculo sensacionalista, que muitas pessoas assimilam como verdade. E como ficam as garantias constitucionais dos suspeitos?  Completamente violadas.

Tais apontamentos desencadeiam a reflexão de que não adianta uma Constituição que se amolde ao modelo garantista, assegurando tantos direitos ao réu, se, mesmo após um juízo absolutório, a sociedade continuar enxergado o sujeito como culpado. Muitas vezes, mesmo que todos se convençam da inocência, os danos causados já não podem ser reparados, o que enseja no cumprimento de uma pena para o resto da vida, as “sequelas” dos abusos da mídia.

Longe de esgotar o assunto, este trabalho quis trazer uma reflexão sobre os limites de atuação da mídia, sobre o seu direito a liberdade de expressão e de como ela pode interferir na presunção de inocência dos cidadãos. Conforme já foi dito alhures, conclui-se que, sempre que houver conflito entre direitos fundamentais, deverá ocorrer um juízo valorativo para a produção de um resultado menos danoso a cada uma das garantias, preservando o que há de mais fundamental, que é a dignidade humana.

 

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[1] Na obra de Alex Ribeiro todos os nomes das crianças foram trocados para preservar suas identidades.

[2] Alex Ribeiro (2000) refere quer o delegado Edélson Lemos negou ter telefonado para o Diário Popular.

[3] Aqui também entra a questão do sigilo no inquérito policial, que não foi, e muitas vezes não é, observado pela mídia. O sigilo no inquérito tem previsão legal na redação do art. 20 do Código de Processo Penal, o qual contempla que “a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.