ANÁLISE DE DECISÃO JURISPRUDENCIAL SOBRE: ALIMENTOS

Glaucimara A. V. Portes 

INTRODUÇÃO 

Este trabalho é uma análise do acórdão do STJ (Resp. n.º 513.895 – RN/2003), e tem como intenção discorrer sobre um dos temas citados nesta decisão judicial: os alimentos.

Os alimentos, dentro de nosso ordenamento jurídico visam a atender as necessidades vitais e sociais básicas, sem entrar em mérito o sexo ou condição social, de quem que por si só não consegue prover integralmente seu sustento. Neste entendimento é notório que os integrantes da família têm compromisso moral e solidário de alimentar seus parentes, devido aos vínculos da relação familiar.

Inicialmente, uma breve explicação da escolha do tema pelo grupo, em seguida conceitos e generalidades sobre o tema será exposto, explicando algumas finalidades e espécies de alimentos.

Nos outros tópicos exporemos os pressupostos da obrigação dos alimentos, o binômio necessidade possibilidade, o qual mostra que somente são concedidos os alimentos para o alimentado se este realmente necessita de auxílio e se o alimentante tem possibilidade de prestá-los.

 A natureza jurídica, seguida da classificação, de como os alimentos pode ser dividida. As características entre o dever de sustento e o da obrigação alimentar, e, por fim, a extinção da obrigação de alimentar. 

1 RAZÃO DA ESCOHA DO TEMA: ALIMENTOS

Vemos que a vida é um fator e direito fundamental do ser humano, protegido pela Constituição Federal. E, como temos direito de viver dignamente, ás vezes o Estado tem que interferir para que este direito de suprir necessidades básicas de nossa vida sejam atendidas, pois são essenciais e imprescindíveis para a existência humana.

O compromisso de família não é apenas do âmbito social, engloba as necessidades totais do ser humano, e a esta família tem a obrigação de zelar pelos seus entes.

A obrigação de alimentar é contínua e prolonga-se com o tempo, e na relação entre cônjuges, decorrente de casamento, poderá ser mais prolongada e, em relação aos filhos menores podem manter-se por um longo período. Por ser algo tão presente e que relaciona a família em si, torna-se um tema de interesse de contínuo estudo, pois a atual realidade é de instabilidade na vida conjugal dos casais com filhos ou não, na qual se percebe um número cada vez maior de separações e divórcios, o que trazem consequências de mantença para uma das partes e para os filhos.

Enfim, este tema é uma questão que sempre envolverá alguém que conhecemos ou a nós mesmos. Então nada mais coerente que conhecer ou assimilar mais do assunto aprendido em sala de aula (conteúdo bem exposto pela professora em sala de aula) com esta oportunidade de trabalho que se apresentou. 

2 ALIMENTOS: CONCEITO, FINALIDADE E ESPÉCIES

A existência humana depende de prestações vitais para seu desenvolvimento físico e social. E quando uma pessoa por si só não puder prover estas prestações a família deverá assumir esta responsabilidade, este auxílio. Sobre esse auxílio mútuo temos a seguinte definição de Washington de Barros Monteiro e Regina B. T. da Silva:

A esse auxílio mútuo, que mutuamente se devem os cônjuges ou ex-cônjuges, os companheiros ou ex-companheiros, e os parentes, dá-se o nome de alimentos, expressão que, na terminologia jurídica, tem sentido mais lato do que o vigorante na linguagem comum, abrangendo não só o fornecimento de alimentação propriamente dita, como também de habitação, vestuário, diversões e tratamento médico, como, ainda, as verbas para instrução e educação.[1] 

A obrigação de prestar alimentos é fundamentada na Constituição Federal de 1988, em seu art.1º, inciso III, no princípio da preservação da dignidade humana.

Podemos dizer que alimentos englobam tudo aquilo que é necessário para a sobrevivência e manutenção da pessoa, dentro de sua condição social, como educação, alimentação, habitação, saúde, vestuário e lazer. (CC, arts. 1694 e 1920)

Um conceito amplo e de fácil entendimento é de Orlando Gomes, citado por Maria Helena Diniz, que diz: alimentos são prestações para a satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si.[2]

Então, conclui-se que a finalidade dos alimentos é fornecer a um parente, cônjuge ou companheiro o necessário à sua subsistência. Observa-se um dever (moral e legal) de auxílio mútuo entre família e parentes, no qual o Estado tem interesse de ver cumprido, para que não aumente o número de carentes e desprotegidos e ele não precise cuidar destes. Por este motivo as normas referentes aos alimentos são de ordem pública, não podendo ser anulado por convenção entre as partes e impostas por sanção, com pena de prisão em caso de descumprimento. 

2.1 PRESSUPOSTOS E NATUREZA JURÍDICA 

Conforme os art. 1.695 e 1.694, § 1º do CC que dizem, respectivamente: “São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento;” e: “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”, entende-se que para a aplicação da norma de alimentos é preciso à comprovação de um binômio de necessidade e possibilidade.

Como pressupostos para esta concessão, essencialmente é necessário a existência de companheirismo, vínculo de parentesco ou conjugal entre o alimentado e o alimentante; necessidade do alimentado, possibilidade econômica do alimentante e proporcionalidade, na sua fixação,entre as necessidades daquele que está sendo alimentado e os recursos econômicos e financeiros do alimentante.[3]

Há divergências a respeito da natureza jurídica entre os doutrinadores, uns a consideram direito pessoal extra patrimonial e outros simplesmente patrimoniais. Mas prevalece os que atribuem como natureza mista, ou seja, um direito de conteúdo patrimonial e finalidade pessoal.

Os alimentos podem ser fixados em pecúnia (pensão alimentícia); e in natura, ou seja, em bens materiais. Ex: pagamento de plano de saúde.

 2.2 CLASSIFICAÇÃO 

Uma classificação abrangente nos dá Maria Helena Diniz, a qual discorremos a seguir.[4]

Quanto às espécies os alimentos podem ser divididos:

a) Quanto a Natureza podem ser: os naturais ou necessários (apenas a satisfação das necessidades primárias da vida); os civis ou côngruos (manterá a condição social, como a educação,instrução,etc.).

b) Quanto à causa jurídica: legítimos (são devidos em virtude de uma obrigação legal, que pode ser de parentesco,casamento ou companheirismo,art.1.694 do CC); voluntários (sobrevêm de uma declaração de vontades , inter vivos ou causa mortis, art.1.920 do CC); ressarcitórios (indenização da vítima de ato ilícito, art. 948,II do CC).

c) Quanto à finalidade: definitivos ou regulares (prestações periódicas e permanente, estabelecido pelo juiz, art.1.699 CC); provisórios (fixados liminarmente no despacho inicial proferido na ação de alimentos, rito especial da Lei n. 5.478/68, art. 4º); provisionais ou acautelatórios (determinados em medida cautelar,não exige prova pré- constituída). 

2.3 CARACTERÍSTICAS DO DIREITO A ALIMENTOS 

O direito a alimentos possuem várias características, como:

a)        Personalíssimo – uma das características fundamentais e da qual decorrem as demais que trata de um direito inato tendente a assegurar a subsistência e integridade física do ser humano, por isso constituem um direito pessoal.

b)        Incessível – é inseparável da pessoa, não pode ser objeto de cessão de crédito (CC,art. 1.707).

c)        Impenhorável- como serve para a mantença do necessitado de modo algum pode ser penhorado (CC,art. 1.707).

d)        Incompensável - a impossibilidade de se compensar a obrigação alimentar objetiva assegurar que o alimentado tenha acesso aos meios indispensáveis a sua sobrevivência. (art.373,II do CC).

e)        Intransacionável – por ser personalíssimo e indisponível o direito a alimentos não pode ser objeto de transação (art.841 do CC).

f)         Imprescritível – é relacionado ao direito de requerer alimentos e não a cobrança de prestações da pensão alimentícia (fixada ou homologada pelo juiz) vencidas, estas prescrevem em 2 (dois) anos, salvo para os absolutamente incapazes (arts.197, II e 198,I CC).

g)        Irrepitível - uma vez prestados os alimentos esses são irrestituíveis ao obrigado, pois a prestação de alimentos não gera enriquecimento ilícito.Ela é dada para os suprimentos das necessidades básicas do pleiteante.

h)        Irrenunciável – a prestação de alimentos existe para o provimento das necessidades básicas do indivíduo necessitado, logo está ligado a direitos indisponíveis, sendo fácil concluir que ninguém pode renunciar a esse direito, sendo facultado ao credor de alimentos exercê-lo ou não (art. 1.707 do CC, 1ªparte).

i)          Atual porque visa atender as necessidades atuais e futuras.

j)          Transmissível – o credor de alimentos pode exigir do parente que estiver obrigado a pagar, herdeiros do devedor (CC, art. 1700).

2.4 CARACTERÍSTICAS DA OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS 

A obrigação de prestar alimentos tem características específicas:

1)        Condicionalidade - a obrigação de prestar alimentos está subordinada a uma condição resolutiva, ou seja, tal encargo só subsistirá enquanto houver caracterizado o binômio da necessidade-possibilidade (art. 1.694,§ 1º do CC).

2)        Reciprocidade - não indica que duas pessoas devam entre si alimentos, mas que o devedor de hoje poderá ser o credor alimentar no futuro (art.1.696 do CC).

3)        Mutabilidade – poderá sofrer alterações no pressuposto objetivo, como: a necessidade do reclamante e a possibilidade da pessoa obrigada, podendo haver alteração da pensão mediante ação revisional. 

2.5 QUEM DEVE PRESTAR ALIMENTOS E QUEM DEVE RECLAMÁ-LOS

                Os sujeitos serão, preferencialmente e reciprocamente, os ascendentes e descendentes, nos termos do artigo 1.696 do CC. Não havendo ascendentes cabe aos descendentes a obrigação de alimentar e, não havendo estes, caberá aos irmãos, germanos ou unilaterais a responsabilidade pelo pagamento, de acordo com o art.1.697 do CC.

O Código Civil no art. 1.698, também prevê a possibilidade de vários devedores, quando o parente mais próximo não puder satisfazer todas as necessidades por si só, poderão ser chamados outros parentes para concorrer coma a obrigação.

Na relação matrimonial a obrigação surgirá na ruptura do vínculo, sendo devida pelo cônjuge ou companheiro que tiver melhor condição financeira, independentemente do sexo.

Quanto aos alimentos gravídicos, estes podem ser concedidos desde a concepção e apenas com meros indícios de que há relação de paternidade. Os alimentos gravídicos são irrepetíveis, não se pode solicitar devolução em caso de comprovação de paternidade negativa.

 2.6  PANORÂMICA GERAL DOS ALIMENTOS E EXTINÇÃO 

Os alimentos entre cônjuges apenas serão fixados após a dissolução da união, pois enquanto perdurar a união há um dever recíproco de sustento.

Estes alimentos pleiteados devem ter um binômio de necessidade e possibilidade, ou seja, necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante.

Se ocorrer de culpa, os alimentos serão apenas para a subsistência do outro ex-cônjuge. E, quando o alimentando constituir família legalmente, extingue-se a obrigação dos alimentos, o que não acontece quando o alimentante constitui outra família.

A obrigação de prestar alimentos cessa quando morre o alimentando, por ser personalíssimo; e quando desaparece um dos pressupostos do art. 1.695 do CC, como, a emancipação econômica /financeira do alimentando e impossibilidade total ou parcial de arcar com os alimentos do alimentante.

 3RECURSO ESPECIAL Nº 513.895 - RN (2003/0000029-1) – ALIMENTOS 

Neste recurso vemos demonstrado uma aplicação sobre alimentos, onde destacamos o voto de:O EXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (RELATOR): (...) Como visto, Telma de Castro Bouhacene , ora recorrida, casou-se com Rojas Senzano Jorge e, nada obstante, ainda na vigência desse casamento, contraiu com Habib Bouhacene, ora recorrente, novo matrimônio que veio a ser declarado nulo, nos termos do art. 207 do Código Civil de 1916, quando descoberta a existência do primeiro casamento. Declarado nulo o segundo casamento, que perdurou por cerca de dezesseis anos, tendo o casal três filhas menores, a ora recorrida ajuizou ação de dissolução de sociedade de fato, cumulada com partilha de bens e pensão, contra Habib Bouhacene, ora recorrente, aduzindo que só se casou pela segunda vez porque reputava que o seu primeiro marido tivesse falecido. A r. sentença reconheceu a existência de sociedade de fato, decretou a sua dissolução e determinou a partilha dos bens adquiridos na sua constância, fixando pensão alimentícia em favor da autora, o que veio a ser confirmado pelo r. aresto recorrido. Vê-se, pois, que a questão posta no apelo nobre está em saber sobre a possibilidade de o cônjuge casado, que teve o seu (segundo) casamento declarado nulo, pelo impedimento de ser vigente o seu primeiro casamento, poder postular o reconhecimento de sociedade de fato e, por decorrência, ter direito a parte do patrimônio

 

de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato c/c partilha de bens (....).[5] 

                           CONCLUSÃO 

            A lei brasileira não aceita a bigamia e, no caso deste acórdão estudado, a requerente era casada e contraiu matrimônio pela segunda vez sem tomar as medidas judiciais cabíveis para dissolução do primeiro casamento, constatando-se a bigamia. Essa prática tem uma consequência que está elencada na própria lei, portanto prestigia-se a expressão maior da lei que atribui à nulidade neste caso.

            O Código Civil tem uma base sustentável no princípio da boa-fé, com o casamento anulado não fica nenhum resíduo de direito para o cônjuge culpado, por isso o impedimento é absoluto e como consequência de nulidade absoluta não gera nenhum efeito.

Um dos princípios gerais do direito diz que a ninguém é lícito de tirar proveito da sua própria torpeza. Portanto, não é possível reconhecer a dissolução de fato do segundo casamento com partilha de bens e uma vez que ele é nulo e sendo assim não pode gerar nenhum efeito.

Embora a requerente tenha contribuído para aquisição de bens durante o período que conviveu com o segundo “marido”, não poderá usufruir deste pela caracterização de nulidade da segunda união, o que aos nossos olhos parece injusto, mas não há como ir contra a lei tomando decisão favorável a ela, neste caso, pois estaria abrindo uma grande discussão do conceito de monogamia que rege nosso código.

       Conclui-se com a leitura do presente acórdão que a prestação de alimentos, tema escolhido, deve-se atentar a questão da legitimidade, ficando claro que a requerente não tem esta legitimidade. 

                            REFERÊNCIAS 

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. 5º V.18ª ed. Editora Saraiva. São Paulo:2003

GONÇALVES,Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro.Direito de Família. 6º v. 3ª ed.Ed. Saraiva.São Paulo:2007 

MONTEIRO, Washington de Barros.SILVA,R.B.T.Curso de Direito Civil.Direito de Família. 2º v. 40ª ed. Editora Saraiva.São Paulo:2010



[1] Washington de Barros Monteiro;Regina Beatriz T. da Silva.Curso de Direito Civil, Direito de Família,40ª Ed, op.cit.,p.468,2010

[2]  Maria Helena Diniz.Direito de família,v.5, op. cit.,p. 467,2003. 

[3]Maria Helena Diniz.Direito de família,v.5,p. 469 e 470,2003

[4] Maria Helena Diniz.Direito de família,v.5,p. 474 a 479,2003

[5] Recurso Especial Nº 513.895 - RN (2003/0000029-1),op.cit p 16-18