ANÁLISE DAS PRINCIPAIS OCORRÊNCIAS DE APLICAÇÃO DE AFASTAMENTO DA COMPENSAÇÃO NOS NEGÓCIOS JURÍDICOS COMPLEXOS[1]

 

Dennison Rodrigo Oliveira Sodré[2]

Maria Eduarda Costa Carneiro[3]

Vail Altarugio Filho[4]

 

Sumário: Introdução; 1 Abordagem geral sobre a compensação no direito civil; 2 Espécies de compensação; 3 Requisitos da compensação; 4 O afastamento da compensação: dívidas que não podem ser compensadas; Conclusão; Referências.

RESUMO

Este trabalho apresenta um estudo analítico sobre a compensação como forma de extinguir relações obrigacionais entre sujeitos, traçando uma perspectiva desde o seu conceito, bem como significado, espécies e requisitos, a fim de permitir uma compreensão acerca das principais ocorrências de aplicação do afastamento da compensação nos negócios jurídicos complexos e seus reais motivos. Assim, serão identificadas as situações em que será aplicado o afastamento da compensação nos negócios jurídicos complexos, por meio de uma análise embasada em reflexões teorias e práticas, abalizadas na temática. Dessa forma, o artigo desenvolve a perspectiva do direito civil, especificamente a parte obrigacional, quando se relacionam as questões da compensação nos negócios jurídicos complexos, sendo indispensável uma leitura aprofundada para a melhor compreensão do tema.

Palavras-chave: Compensação. Afastamento. Negócios.

INTRODUÇÃO

O instituto denominado pelo atual direito das obrigações chamado de compensação, data de remotas épocas. Apesar da sua origem ser um sinônimo de grandes controvérsias por diferentes autores, a maioria concorda num determinado ponto, que a sua natureza jurídica como conhecida atualmente, está ligada a uma prática empregada desde os tempos do final da república romana, onde eram realizadas algumas das formas de compensação. O instituto das compensações foi consolidado pelo código francês, logo depois pelo código suíço de obrigações, posteriormente pelo código alemão de 1896, depois pelo código português e finalmente pelo código brasileiro (Rodrigues 2002, p. 213).

A palavra compensar denota o sentido de equilibrar, estabilizar, igualar, dentre diversos outros significados. O presente trabalho tem como principal característica evidenciar os casos em que não ocorrem as compensações nos negócios jurídicos complexos.  Estas ocorrências ultrapassam o direito patrimonial privado e se caracterizam conforme o estabelecido pelo art. 373 do Código Civil Brasileiro de 2002 (CC-02).

Apesar do CC-02 trazer no seu bojo expressamente os casos em que não ocorrem as compensações, é mister o aprofundamento a respeito do tema, pois a explanação conceitual, teórica e reflexiva dos principais assuntos relacionados aos casos de obrigações incompensáveis, contribuirá de maneira farta e imparcial para a sua devida aplicação nos casos concretos.

Dessa forma, para melhor compreensão fez-se imprescindível inicialmente uma abordagem geral sobre o tema da compensação, como conceitos, formas, espécies, requisitos e sua utilização no campo civil, conforme é estabelecido no art. 368 do CC-02, bem como, seus efeitos para credor e devedor.

Sendo assim, após exposição dos principais assuntos no tocante à compensação, torna-se suficiente para a análise de aplicação do afastamento da compensação nos negócios jurídicos complexos, apresentando reflexões teóricas campo obrigacional do Direito Civil. Diante de tal cenário, torna-se imprescindível o devido aprofundamento do referido tema.

1 Abordagem geral sobre a compensação no direito civil

Entende-se por compensação como uma forma de extinguir uma determinada obrigação, sendo que esta advem de uma relação jurídica ao mesmo tempo creditícia e debitória. O código civil de 2002 (CC-02) estabelece no seu artigo 368 “Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”.

Desta forma, fica evidente que a compensação ocorre somente quando há duas ou mais pessoas, que ao mesmo tempo forem credoras e devedoras entre si, como por exemplo, se o sujeito “Y” deve o valor de R$ 1.000 para o sujeito “X” e o sujeito “X” deve o valor de R$ 800 ao sujeito “Y”, então as dívidas serão compensadas até o limite deste valor, neste caso, então, o sujeito “X” deverá pagar somente R$ 200 ao sujeito “Y”.

Corrobora com o nosso pensamento Rizzardo (2011, p. 392) da seguinte maneira: “Define-se a compensação, pois, como o desconto, ou o encontro de contas, que duas pessoas fazem uma em relação à outra, relativamente ao que devem e têm a receber. Duas dívidas reciprocamente se extinguem até a quantia concorrente”.

Sendo assim, resta claro que ocorre com a exemplificação acima o perfeito entendimento entre a previsão normativa do instituto da compensação e a sua ocorrência na prática. Desta forma, não restam dúvidas, que o instituto da compensação possui algumas características, tais como: a existências de dois débitos e duas obrigações, é um meio de extinção das obrigações e decorre de lei.

Ainda dispões o CC-02 no artigo 369 “A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis”. Ou seja, as dívidas não podem restar dúvidas, elas devem estarem certas quanto a sua existência e determinadas quanto ao valor, o que caracteriza a sua liquidez.

Outro ponto a ser analisado é quanto ao momento de cobrança, pois somente as dívidas que estão vencidas é que estão sujeitas a serem cobradas, não podendo o credor exigir a compensação de dívidas ainda não vencidas.

No ultimo aspecto quanto à utilização da compensação as dívidas devem ser constituídas por coisas substituíveis, podendo ser consumíveis ou fungíveis. Apesar de consumíveis não podem diferenciar quanto à qualidade, exemplo do dinheiro.

2 Espécies de compensação

A doutrina aponta que existem pelo menos três tipos de espécies de compensação, dentre elas: a compensação legal; a compensação convencional e a compensação judicial.

Entende-se pela compensação legal como aquela que satisfazem os requisitos legais, a sua atuação decorre por força de lei e independe da vontade dos interessados, pois ocorre o envolvimento da ordem pública. Os requisitos legais mencionados são os mesmo que foram do art. 369 do CC-02. Ainda no mesmo sentido, segundo Stolze (2010, p.230): “Satisfeitos os requisitos da lei, o juiz apenas a reconhece, declarando a sua realização”.

A segunda espécie de compensação também chamada de contratual ou convencional ocorre de um acordo de vontade entre os sujeitos da relação jurídica (Tartuce 2012, p. 179). A sua origem se dá somente da vontade das partes, uma disposição entre os envolvidos. Nesta hipótese de compensação não há necessidades dos pressupostos similares ao da compensação legal.

A terceira espécie de compensação é a judicial, segundo (Rizzardo 2011, p. 394): “ou ordenada judicialmente, mas em vista de uma previsão legal”. A diferença entre esta espécie de compensação e a legal é que aquela é ordenada de um juiz.

Entretanto, para a ocorrência da compensação judicial será necessário ao magistrado observar critérios legais e o reconhecimento da extinção da obrigação. Esta espécie também pode decorrer de uma dívida que venha se tornar líquida no processo judicial (Venosa 2003, p.298).

3 REQUISITOS DA COMPENSAÇÃO LEGAL

A compensação legal, conforme já explanado anteriormente, é a compensação que produz efeitos desde que haja observância dos pressupostos exigidos em lei. E, portanto, o que a difere das demais é o fato de que esta pode acontecer independente da vontade de uma das partes, pois ainda que esta se oponha, este tipo de compensação ocorre automaticamente, quando da provocação pela outra parte ao juiz, que reconhece legalmente a compensação e extingue ambas as dívidas, operando pleno iure, produzindo efeitos legais.

Ademais, aos outros tipos de compensação faculta-se a presença de todos os requisitos na forma da lei, dispostos no art. 369 no CC-02. Nesse sentido, ratifica Venosa (2003, p.298): “Contudo, a compensação pode ser voluntária, quando as partes concordam, podendo até compensar dívidas ilíquidas e não vencidas, por exemplo, pois estamos em sede de atos dispositivos.”

Assim, o primeiro requisito da compensação legal é a reciprocidade das obrigações, é imprescindível a existência de duas obrigações entre os mesmos pólos, que devem ser obrigatoriamente ambos credores e devedores, pois somente nessa hipótese é possível a extinção da obrigação até onde se compensem conforme art. 368 do CC-02.

O CC-02 insculpe ainda no art. 369 que “A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis”. Portanto, o segundo requisito trata-se da liquidez das dívidas, pois somente admite-se a compensação de dívidas com valor determinado e certo, visto que não há como haver exigência imediata de uma dívida que ainda tem de ser deduzida e é incerta no que concerne ao valor econômico, caracterizando-se a sua iliquidez.

Para efeitos práticos, Stolze (2010, p. 232) exemplifica: “..se A tem uma dívida de  R$ 1500,00 com B e B foi condenado judicialmente ao pagamento de perdas e danos morais em relação a A, se ainda não foi verificado o valor exato dessa condenação, não há possibilidade de saber a quanto alcançam para serem compensadas.”

Um terceiro requisito é a exigibilidade atual das prestações, ou seja, tem haver com o momento da cobrança, que deve ser feito somente quando a dívida já está vencida, pois somente assim estará passível de exigência pelo credor, portanto por vias legais não é possível compensar uma dívida vencida com outra a vencer. Então mesmo nas obrigações alternativas, em que há multiplicidade dos objetos devidos, a compensação somente poderá ocorrer posteriormente à escolha do objeto, e nas obrigações condicionais tem de aguardar o implemento da condição.

     O quarto e último requisito, trata-se da fungibilidade dos débitos, isto é, as prestações devem ser fungíveis entre si, e portanto, de mesma natureza, o que garante que ninguém será obrigado a receber prestação diversa do pactuado. E, ainda que as coisas sejam fungíveis entre si, se diferem na qualidade, desde que especificado no contrato também não é permitido a compensação legal.

4 O AFASTAMENTO DA COMPENSAÇÃO: DÍVIDAS QUE NÃO PODEM SER COMPENSADAS

Apesar da existência do instituto da compensação, que pode ocorrer mediante diferentes espécies, existem casos em que não se admite a utilização deste meio para prover a extinção de relações obrigacionais mútuas, seja por determinação legal ou por simples decorrência de acordo entre as partes ambos credores e devedores.

A última hipótese está prevista no art. 375, em que existe a possibilidade de não haver compensação por convenção das partes, que por decisão mútua renunciam o instituto da compensação, ou a somente uma das partes poderá optar pelo afastamento da compensação, por meio de um ato de renúncia unilateral, desde que a renúncia seja prévia, e que não haja todos os requisitos da compensação legal, pois neste caso a compensação ocorre por força de lei, ainda que uma das partes se oponha.

Em regra, a validade do negócio jurídico não depende da causa das dívidas, mas o art. 373 dispõe alguns impedimentos ao exercício da compensação delineando alguns casos que vetam a sua utilização. Não se admite a compensação conforme inciso I, quando a dívida for proveniente de esbulho, furto ou roubo, pois o objeto tem de ser lícito, visto que o direito não permite a utilização de meios ilícitos para alcançar benefícios legais, e, portanto, não ampara condutas antijurídicas, não é permitido então ao esbulhador compensar sua dívida utilizando-se de objeto ilícito para beneficiar-se.

Nesse sentido, corrobora Rizzardo (p.398, 2011): “Se admitida a compensação na dívida originada de furto, abrir-se-ia o caminho para a prática do delito. Furtar-se-ia junto ao devedor, cujo produto abateria o montante da dívida que o autor do delito tem a receber perante ele. Indiretamente chegar-se-ia a tal situação”.

O inciso II, trás que a dívida não poderá originar-se de comodato, depósito ou alimentos, isto porque nos dois primeiros casos, por serem objetos de contratos determinados, falta a fungibilidade necessária a compensação, já que as dívidas contraídas vão ter por objeto a própria entrega da coisa emprestada, que é uma coisa certa, o que impede a homogeneidade das dívidas. No último caso, o objeto da compensação não poderá ser alimentos, pois esta hipótese compromete diretamente a sobrevivência do alimentado, visto que este se destina à sua subsistência, e não é razoável ao alimentante querer compensar sua dívida através de eventual crédito com o alimentado.

A última vedação, insculpida no inciso III, impede que a dívida seja de coisa não suscetível de penhora, isto porque a compensação exige uma coisa que possa ser transferida para outra pessoa, ou seja, tem de ser permitida a sua alienação, e no caso dos bens impenhoráveis, isto não seria possível, visto que esses bens possuem proteção legal, conforme se verifica taxativamente no art. 649 do CPC, no art. 5 inciso XXVI, e na lei nº 8.009/90.

Dessa vedação, elucida Rizzardo (p.402, 2011): “As dívidas de salário também impedem a compensação. Ou seja, não vale a compensação que envolve salários, ou vencimentos, ou a remuneração pelo desempenho de uma atividade que represente a fonte de sustento da pessoa. Mesmo que se trate de dívida decorrente de prejuízo causado pelo empregado ao empregador, exceto se houver acordo ou se derivar de ato criminoso, como furto, apropriação indébita, não é possível permitir compensação”.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, é possível notar que a compensação constitui um meio eficiente para a resolução de créditos e débitos correlativamente, sem a necessidade de um deslocamento numerário entre os pólos visto que ambos são credores e devedores, o que sem dúvida evita a insolvência recíproca das partes, constituindo um instituto simplificador prático dos negócios jurídicos por evitar a circulação inútil de moeda, especialmente no campo obrigacional.

Além disso, a compensação torna-se sinônimo de garantia, pois evita que uma das partes pague seu débito, mas continue credora, por razão de a outra parte se tornar insolvente. Daí a vasta utilização deste meio de extinção das relações obrigacionais, principalmente quando da ocorrência da falência, e nos grandes centros comerciais através do pagamento pela compensação de cheques nas câmaras de compensação.

Apesar de as vantagens da compensação, esta esbarra nos limites definidos pelo Código Civil que regula a utilização deste meio como modo prático para extinguir relações conforme exposto no paper, seja pela existência de um objeto ilícito, por não ser suscetível de penhora o crédito, ou por sua simples natureza peculiar, e que por isso tem de analisados no caso concreto, a fim de não desviar a finalidade da compensação que é produzir conseqüências justas baseadas na equidade de direitos e obrigações entre os sujeitos.

Referências

GAGLIANO, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho. Novo curso de direito civil, volume II: obrigações - 11 ed. rev. e atual – São Paulo: Saraiva, 2010.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das obrigações, 6. Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2011.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil, v. 2. Parte geral das obrigações, 30. Ed. atualizada de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-01-2002) – São Paulo: Saraiva, 2002

TARTUCE, Flávio. Direito das obrigações e contrato civil, v. 2; 7. Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2012.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, v.2; 3 ed. – São Paulo: Atlas, 2003.



[1] Paper apresentado à disciplina de Direito das Obrigações, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluno do 3º período do curso de graduação em Direito, da UNDB.

[3] Aluna do 3º período do curso de graduação em Direito, da UNDB.

[4] Professor Mestre, orientador.