RESUMO

O presente artigo apresenta os resultados de uma análise sobre a construção do discurso de jurisprudências nacionais, tendo como o recorte o tema da responsabilidade penal da pessoa jurídica (RPPJ). Foram analisadas jurisprudências de diversos Estados brasileiros entre esses o Estado de Minas Gerais, Amapá, Paraná etc, que discutem acerca da degradação ambiental de recursos naturais advindos de ações de empresas responsáveis por explorações desconformes à legislação ambiental. O objetivo do trabalho é promover uma contextualização sobre questões que envolvam a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais, o posicionamento dos tribunais acerca da temática, as noções da análise do discurso, e a análise propriamente dita das jurisprudências nacionais.

Palavras-chaves: Análise do discurso; jurisprudências; responsabilidade penal; pessoa jurídica; crime ambiental.

INTRODUÇÃO

A discussão sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica (RPPJ) nos crimes ambientais foi divergente durante muito tempo no palco dos tribunais nacionais. Mas, devido a crescente crise ambiental do século XX que veio se alastrando no país e no mundo nasceu um cenário de degradação ambiental e conseqüentes problemas a humanidade. Neste contexto surgiram leis e políticas públicas para regulamentação do bem ambiental. Em contrapartida durante certo tempo os tribunais insistiram em interpretar a legislação penal ambiental de maneira diversa, não aceitando a responsabilização penal dos entes coletivos, tanto diante de crimes ambientais oriundos da mineração quanto de outros recursos naturais.
Com intuito de entender como os tribunais nacionais constroem seu discurso em face da temática da responsabilidade penal da pessoa jurídica nos casos de crimes ambientais minerários será feito uma análise da construção desses discursos, e para isso foram escolhidas jurisprudências nacionais representando o discurso elaborado pelos tribunais propriamente ditos. O objetivo do artigo, portanto, visa examinar como os tribunais nacionais constroem o discurso ambiental para os aplicadores do direito, em especial os ambientalistas tendo como recorte a responsabilidade penal da pessoa jurídica decorrente de crime ambiental.
A escolha pela RPPJ deveu-se a polêmica engendrada sobre a aplicação da temática, decorrente das sucessivas ocorrências de degradação ambiental praticadas por empresas. O recorte também foi necessário como forma de delimitar as inúmeras matérias que abrange o conteúdo das jurisprudências nacionais. A responsabilidade penal da pessoa jurídica decorrente de crimes ambientais foi instituída com intuito de atender o reclamo de toda a sociedade contra privilégios inaceitáveis de empresas que degradam o meio ambiente.
As tragédias ambientais oriundas da prática de atividades econômicas das empresas era muito comum, pois a reação dos poderes estatais diante da problemática foi durante muito tempo a inércia, em contrapartida a humanidade assistia a paulatina destruição dos recursos naturais como forma de sustento do consumo excessivo. Tal cenário representava a importância que foi dada ao bem jurídico denominado meio ambiente, mas as graves conseqüências do ritmo de vida capitalista trouxeram a valorização ambiental.
O alerta para a gravidade de deterioração das condições ambientais foi dado em 1972, em Estocolmo, na "Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano", promovida pela ONU e contando com a participação de 113 países. Nesse evento os países chegaram a propor uma política de "crescimento zero", visando a salvar o que não havia sido ainda destruído. Mas o resultado foi adverso. O Brasil liderou o grupo de países com idéias contrárias a preservação ambiental.
Como resultado desta evolução do direito ambiental, em junho de 1992, realizou-se no Rio de Janeiro a "Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento", conhecida como Rio 92, evento de repercussão mundial, da qual resultaram cinco documentos: Declaração do Rio de Janeiro (Carta da Terra), com 27 princípios fundamentais sobre o desenvolvimento sustentável; a Declaração de Princípios sobre Florestas; a Convenção sobre Biodiversidade, sobre a proteção das riquezas biológicas, principalmente florestais; Convenção sobre o Clima, sobre medidas para preservação do equilíbrio atmosférico, com o uso de tecnologias limpas, e controle da emissão de CO2; Agenda 21, que é um guia de cooperação internacional sobre recursos hídricos, resíduos tóxicos, transferência de recursos e tecnologias para os países pobres, etc.
Neste contexto de preocupação mundial tanto do Poder Judiciário, o poderio estatal, quanto da própria comunidade surgiu a necessidade de aplicação da responsabilidade penal da pessoa jurídica decorrente de crimes ambientais. Em alguns países de origem jurídica romano-germânica, que adotavam o princípio societas delinquere non potest, já vislumbravam a possibilidade de responsabilização do ente coletivo. E o Brasil espelhado nesses países regulamentou esse instituto na Constituição Federal Brasileira 1988, no artigo 225, § 3º, e na Lei de Crimes Ambientais, artigo 3º, (Lei nº 9.605/98). O objetivo deste instituto é prevenir, e coibir ilícitos praticados por pessoas físicas que utilizam da personalidade jurídica para tornar seus crimes impunes, diante das penalidades da lei.
Tendo em vista que o Brasil é um dos países com grande potencial de recursos naturais do mundo, pois neste espaço podem ser encontradas um série de riquezas naturais, entre essas; o maior rio do mundo, denominado Rio Amazonas, o Corredor da Biodiversidade com uma rica diversidade de espécies de fauna e flora, o maior parque de proteção integral do mundo "Parque de Montanhas do Tumucumaque", diversas fontes minerais localizadas em Municípios do Amapá, Minas Gerais, Rio de Janeiro etc, a maior floresta do mundo conhecida como "Floresta Amazônica" e etc.
A existência dessas riquezas há muito tempo vem despertando a ânsia do homem pela exploração, desde o descobrimento dessas terras brasilienses em 1500 já eram registrados os primeiros sinais de degradação ambiental em prol de proveito econômico. Na época, o Pau-Brasil e o Ouro foram alvo dos portugueses devido o valor econômico atribuído ao recurso, e os bens que poderiam ser produzidos da matéria-prima.

CONTEXTUALIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA POR CRIMES AMBIENTAIS

A Carta da República de 1988 (CF/88) institui em seu Capítulo VI, artigo 225, § 3º a responsabilidade penal da pessoa jurídica decorrente de crimes ambientais.

Não obstante a doutrina nacional quase em sua totalidade contrária a responsabilidade penal da pessoa jurídica, a CF/88 ignorou os apelos da doutrina e optou pelo caminho inverso nos seus arts. 173, § 5º e 225, § 3º.
Apesar da instituição da responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais, tal regulamentação constitucional careceu de complementação por norma específica, devido à carência de pressupostos de aplicação.

Por isso, foi sancionada a Lei de crimes ambientais (Lei nº 9.605/98) posteriormente a CF/88, com intuito de suprir questões omissas, e trouxe em seu dispositivo 3º, § único, a responsabilidade penal dos entes coletivos.

Neste instituto observa-se duas teorias concernentes a sua natureza jurídica, sendo as principais a teoria da ficção e a da realidade ou organicista. A primeira, consagrada pela parêmia suso aludida, ganhou definitividade com Savigny, em 1840, para quem as pessoas jurídicas só existem ficticiamente, sendo incapazes, portanto, de atuar. Faltam-lhes condições psíquicas para tal, eis que só o homem é dotado pela natureza para ser sujeito de direitos e de personalidade.

A teoria da realidade ou organicista, cujo principal representante foi Otto Gierke em 1930, afirma a existência de vontade própria à pessoa jurídica, vontade esta que não se confunde com a soma das de seus sócios ou diretores. Para essa teoria, a pessoa jurídica possui personalidade real, vontade própria, sendo capaz de ação e de praticar atos ilícitos, portanto, de ter responsabilidade civil e penal, sendo assim reconhecida sua capacidade criminal.

Diante de tais teorias a doutrina se divide e os ensinamentos de Walter Rodrigues da Cruz fazem parte das interpretações contrárias aos dispositivos de lei, pois afirma que a Constituição Federal visa imputar a responsabilidade penal às pessoas jurídicas por extensão em relação ao comportamento de seus dirigentes, responsáveis, mandatários ou prepostos, posto que, através da vontade destes, e somente assim, pode uma pessoa jurídica incidir na prática de condutas lesivas ao meio ambiente .

O Professor Cezar Roberto Bitencourt, ao explanar sua posição contrária ao reconhecimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica, leciona que:

A inadmissibilidade da responsabilidade penal das pessoas jurídicas ? societas delinquere non potest ? remonta Feurbach e Savigny. Os dois principais fundamentos para não se reconhecer a capacidade penal desses entes abstratos são: a falta de capacidade ?natural? de ação e a carência de capacidade de culpabilidade. (Bitencourt, 2002, p. 164)

Mas a contrário senso, o renomado jurista e doutrinador Damásio Evangelista de Jesus, lança ensinamentos defensivos ao instituto em discussão fazendo parte da teoria organicista, nos seguintes termos:
A pessoa jurídica é um ser real, um verdadeiro organismo, tendo vontade que não é simplesmente, a soma de vontade dos associados, nem o querer dos administradores. É a "senhora de si", seus atos não são frutos de seus acionistas, administradores, ou diretores.
Neste sentido, dentre os argumentos que enfatizam a responsabilização penal das pessoas jurídicas, devido às insuficiências das tutelas administrativa e civil em face dos danos ao ambiente, destacam-se os seguintes:

[...] que as medidas especiais, de caráter ordenatório, administrativo ou civil, podem ser utilizadas para a prevenção dos ilícitos praticados pelas pessoas jurídicas, mas são insuficientes para responder à realidade criminal econômica e ambiental de nossos dias, devendo ser aplicadas juntamente com medidas de caráter penal, fazendo parte de um sistema jurídico-penal novo, apto a atuar de forma eficaz no combate à criminalidade contemporânea, à lavagem de dinheiro, à criminalidade organizada etc. (g/n)

Apesar da existência de correntes contrárias, atualmente as favoráveis são as mais utilizadas, principalmente pelos Tribunais Superiores que pacificaram seu entendimento acerca da temática. Mas para responsabilizar penalmente a pessoa jurídica, a infração penal deve ser cometida por decisão de seu representante legal (presidente, diretor, administrador, gerente etc.); por decisão contratual (preposto ou mandatário de pessoa jurídica, auditor independente etc.); por decisão de órgão colegiado (órgão independente etc.) e no interesse ou benefício da sua entidade. Esses passaram a ser os requisitos de aplicação da responsabilidade penal da pessoa jurídica nos casos de crime ambiental.

Mesmo diante da permissividade de aplicação do instituto existem críticas sob as questões de exigibilidade de alguns requisitos como v.g, a necessidade de nomeação da pessoa física em conjunto com a pessoa jurídica ao pólo ativo das ações penais ambientais. Tal exigência se fundamenta em evitar ofensas ao princípio constitucional de que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado", diante da existência de duas pessoas distintas: uma física - que de qualquer forma contribui para a prática do delito - e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva.

A responsabilidade penal das empresas obviamente não poderia deixar de vir acompanhadas de suas penas respectivas, todas tipificados na Lei de crimes ambientais a partir do artigo 21 até o 24, entre essas multa; penas restritivas de direitos; prestação de serviços a comunidade.

Analisando as penas é possível afirmar que todas apresentam metodologia de diminuição do patrimônio, porém de formas diferentes, como por exemplo, a condenação por multa onde coage-se a empresa ao pagamento de valores, a restritiva interdita ou suspende por prazo determinado ou indeterminado as atividades da empresa, isto também causa redução do capital empresarial, e a prestação de serviços a comunidade que é realizada através do custeio de programas e projetos ambientais, execução de obras de recuperação de áreas degradadas, manutenção de espaços públicos, e contribuição a entidades ambientais ou culturais públicas. Um exemplo é a realização de propagandas pela empresa, afirmando sua preocupação com a natureza e o meio ambiente em geral. O objetivo é causar a conscientização do agente ativo causador do dano.

ANALISANDO O DISCURSO JURISPRUDENCIAL

Para entender como funciona o discurso das jurisprudências dos tribunais nacionais acerca da aplicação do instituto da RPPJ no âmbito minerário, tomamos como basilares o conceito de discurso oferecido por Foucault e as noções de dialogismo e polifonia propostas por Bakhtin. Outras contribuições relevantes são oferecidas por Eni Orlandi acerca das relações da história, sujeito e ideologia na formação do discurso, assim como outros institutos da lingüística que podem ser visualizados no decorrer da análise.

Na construção da análise empreendida partimos no pressuposto de que o significado de um texto sempre está relacionado a uma série de fatores que contribuíram para sua criação, pois as palavras falam com outras palavras que fizeram parte de um tempo, e toda palavra sempre é parte de um discurso. Entretanto, é necessário considerar aspectos históricos e ideológicos que reafirmam a ação do homem dentro desse processo lingüístico. (ORLANDI, 1999)

Em análise às jurisprudências foi possível encontrar uma série de decisões relacionadas à temática em questão, onde entre os anos de 2005 a 2010 todas as jurisprudências julgaram em conformidade com a legislação constitucional e infraconstitucional, aceitando a aplicação da RPPJ em casos de crimes ambientais proferidos em desfavor de diversos recursos naturais. Este trabalho apresenta os resultados de um estudo sobre o discurso das jurisprudências nacionais acerca RPPJ no âmbito da mineração fundamentado em elementos que compõe a jurisprudência como as ementas e acórdãos .

Investigando as decisões jurisprudenciais entendemos de modo geral que os tribunais superiores tentam atender um clamor da própria humanidade e do meio ambiente aplicando a RPPJ, devido às sucessivas degradações ambientais causadas por empresas. Pelo exposto nas ementas observa-se que não é aceitável a responsabilização penal da pessoa jurídica dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio (dolo ou culpa), por isso devem compor o pólo passivo das ações penais ambientais tanto a empresa quanto o responsável pela mesma, mas quanto à punibilidade ambos serão responsabilizados na medida de sua culpabilidade. Mas, nesse caso há uma diversidade de penas, pois cada tipo de pessoa física ou jurídica será sancionado conforme sua pessoalidade.

Em jurisprudências do ano de 1998 a 2004 e 2005 a 2010 revela-se o contraste dos discursos, pois os relatores e julgadores transparecem no primeiro período a despreocupação com os delitos ambientais violadores do recurso mineral e inaplicabilidade da responsabilidade penal de ações de pessoas jurídicas, mesmo com a previsibilidade de aplicação do instituto na Constituição Federal da República 1988 e a Lei de crimes ambientais (Lei nº 9.605/98) os infratores coletivos não são penalizados.

Pelos argumentos presentes nos acórdãos a irresponsabilidade penal do ente coletivo não era aceita devido a uma série de argumentos da doutrina penal entre alguns, a incapacidade de culpabilidade e a inconsciência da pessoa jurídica.

Os tribunais superiores constroem as jurisprudências, como seu discurso, através da visão apresentada pelos julgados da época, e na maioria das vezes acompanham seu posicionamento, além disso, se utilizam da doutrina e legislações que fundamentam e estruturam seu discurso. A construção deste discurso das cortes acompanha uma evolução onde a proteção ambiental é vista como um direito não emergente, já que os acidentes causados por inúmeras empresas não geram a responsabilidade penal, em contrapartida mais em frente surge a defesa jurídica penal de forma complacente, admitindo que empresas devam ser penalizadas com rigor.

Entre as jurisprudências do ano de 1998 a 2004 foi identificada a despreocupação com o bem jurídico denominado meio ambiente, sendo esta o fator central que contribuiu para impunidade de empresas, mesmo com a Lex matter assegurando o meio ambiente como um direito fundamental, essencial a sadia qualidade de vida, os tribunais insistiam na impossibilidade de aplicação da RPPJ em crimes contra o meio ambiente. A inconstitucionalidade da Lei de crimes ambientais foi suscita em diversos julgados sob o argumento de incompatibilidade de aplicação a norma processual penal. Em verdade os tribunais mantinham-se resistentes a aceitação.

Criticamente essa resistência pode ser justificada pela reflexão que devido a exploração de minérios constituir uma atividade lucrativa, isto tende a envolver diversos personagens, entre esses empresários pertencentes a uma elite capitalista, de outro lado a comunidade de classe baixa, que geralmente são ribeirinhos moradores próximos dos lugares de instalação da empresa, e pessoas diretamente afetadas pela degradação ambiental.

Surge uma luta de interesses, que se agrava devido a ausência de políticas públicas neste setor no Brasil, uma vez a idéia da sociedade brasileira do período concernente ao século XIX e início XX era a expansão, desenvolvimento, exploração, o capitalismo era "selvagem", não que atualmente não seja, mas a consciência ambiental ainda buscava espaço nos paradigmas sociais, contrário no que se assinala atualmente, onde o discurso da vez é o ambiental.

Em relação à linguagem, percebe-se que o texto jurisprudencial abrange termos extremamente técnicos utilizados por advogados, juízes, promotores e outros que trabalham na seara jurídica. A estrutura do texto acompanha em sua ementa palavras ou trechos que destacam o mérito do julgamento, nestes destaques legislação pertinente e palavras elucidativas fazem parte de seu conteúdo, no acórdão encontramos a síntese dos fatos do processo, as decisões das fases processuais, os votos de seus relatores e a fundamentação de ambos.

Com base em ensinamentos metodológicos o discurso jurisprudencial pode ser classificado como descritivo-explicativo. Segundo Gil (1991) o descritivo visa descrever as características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis. E a explicativa visa identificar os fatores que determinam ou contribuem para ocorrência de fenômenos. A descritividade é identificada como o início da construção do discurso, pois os tribunais como órgãos de 2º e 3º grau no momento de julgamento precisam reler, descrever ou revozear o discurso dos órgãos de 1º grau que são as varas comuns (cíveis, criminais [...] )

Nesse processo de construção das jurisprudências alguns elementos da análise bakhtiniana podem ser facilmente identificados, v.g , como a diversidade de vozes presentes no discurso seja de forma homogenia ou heterogênea, neste sentido Bakhtin (1997) afirma que o discurso se constitui de muitas vozes na troca dialógica entre os sujeitos. A interpretação deste pressupõe que o discurso é formado por um tecido de vozes que se entrelaçam. E tal tecido dá origem a outro elemento lingüístico a polifonia, que Bezerra (2007) explica a multiplicidade de vozes da polifonia como uma constante na produção da linguagem dos discursos, pois materializam nosso ponto de vista, nossos valores, nosso olhar, nossa interpretação autônoma e diversos posicionamentos. Os votos dos relatores são provenientes de uma análise polifônica, pois nestes podem ser visualizados suas interpretações jurídicas oriundas de diversos discursos anteriores ao seu.

O dialogismo não deve ser confundido com polifonia, porque aquele é o princípio dialógico constitutivo da linguagem e esta se caracteriza por vozes polêmicas em um discurso. A polifonia é o dialogismo polifônico e a dialogia é o dialogismo monofônico. Na linguagem jurisprudencial a polifonia é identificada nos outros discursos mencionados no texto repleto de vozes polêmicas como a doutrina, a legislação, destaques do processo etc, já o dialogismo são as diversas vozes que deram origem a decisão dos desembargadores, relatores, mas em sua construção acabam sendo mascaradas.

A cronotopia e a exotopia conceitos ligados a relação de espaço e tempo de modo distinto. O cronotopo é o espaço e tempo que o homem está inserido no momento em que determinada obra literária foi confeccionada, através desse identifica-se o contexto social, histórico, temporal, político e outros que o sujeito encontra-se ou encontrava-se. Nesta análise de discurso o cronotopo é identificado quando nos reportamos a leitura das jurisprudências de 1998 a 2004, fase que o Brasil ainda tentava absorver as mudanças paradigmáticas ambientais, por volta do século XIX e início do século XX, aceleração de incorporação de recursos naturais ao processo de produção industrial (tecnologia), poluição urbana e exploração da força de trabalho, crescimento do movimento ambientalista, construção da racionalidade ambiental, e criação do partido verde foram alguns marcos para instauração de mudanças comportamentais sociais.

E nesse contexto histórico e espacial os tribunais ainda insistiam em não aplicar a RPPJ por crimes ambientais diante dos casos de poluição ambiental, seus argumentos ainda sustentavam a incompatibilidade da legislação penal em relação ao instituto a responsabilidade penal.

No período de 2005 a 2010 (século XX) a crise ambiental foi instalada e os problemas ambientais passaram a preocupar diretamente a humanidade, devido a ocorrência dos fenômenos de mudanças climáticas, enchentes, desmoronamentos, altas emissões de gases poluentes (CO2 ? dióxido de carbono) etc, e atingir a saúde do homem causando uma série de doenças. Diante da situação catastrófica instalada, o discurso passou a ser o de sustentabilidade ambiental, onde a proposta era a aliança de fatores como o desenvolvimento, preservação ambiental e vida harmônica do homem, neste momento em 2005 os tribunais decidiram em aplicar a penalização às empresas que poluiam ou exploravam irregularmente qualquer recurso natural. Neste retrocesso as condições espaciais de degradação ambiental eram inferiores comparadas aos aspectos atuais, talvez isso justifique a mudança do posicionamento jurisprudencial.

A exotopia como o excedente de visão é toda captação e entendimento do olhar do outro, e no discurso da corte é externada na reunião de vozes em diversos tempo e espaço, como a forma que os tribunais reagem em cada período, sendo a visão de mundo dos desembargadores e a reflexão das ideologias inseridas na sociedade da época.

A constituição do discurso da corte é a formalização dos pensamentos da consciência, que em outro tempo e espaço foram significados por um ser humano, sua exteriorização sofreu influência de seletos discursos construídos pelo gênero que estão diretamente ligados, o gênero secundário jurídico. A historicidade e o sujeito são questões que agem também na construção desse discurso, pois relatores e desembargadores não criaram todos os preceitos legais no momento em que nasceram, pois antes de nascerem já existiam palavras e discursos, se isto não fosse verdade suas decisões não seriam eivadas de resignificações e citações.

CONCLUSÃO


O discurso sobre essa problemática da RPPJ por crimes ambientais começou a ser discutido desde a década de 90 com a Constituição Federal 1988, mas ganhou força com a Lei nº 9.605/98 que confirmou os dizeres constitucionais e regulamentou questões omissas. Mas devido sua polêmica doutrinária e legislativa, necessitou-se da interferência dos tribunais superiores para apaziguar a aplicabilidade da norma jurídica protetora do meio ambiente.

Após muitos debates em 2005 foi pacificado o entendimento dos tribunais pela aplicação da RPPJ por crimes ambientais, desde que seus requisitos legais fossem preenchidos. A pacificação surgiu em bom momento, uma vez que as sucessivas degradações ambientais do século XX vinham causando graves danos, tanto para humanidade quanto para o meio ambiente, por isso os tribunais entenderam que a penalização dos entes coletivos seria uma alternativa diante dos fatos sociais, mesmo com a falha e lacunosa lei penal tal punição foi admitida.

Conclui-se que o discurso jurisprudencial é construído inicialmente como ferramenta de discussão das leis polêmicas, e servem para pacificar entendimentos, tornando-se fonte jurídica fundamentadora do período que está sendo julgado e de qualquer outro, uma vez que servem de parâmetro para construção de compreensões acerca de uma temática. As decisões jurisprudenciais acompanham o tempo, os fatos históricos e o espaço em que o sujeito do discurso está inserido no momento em produz sua idéia.

Tais decisões massificam compreensões e respondem a uma urgência do ordenamento jurídico, pois são um anseio social construído por um processo histórico evolutivo.

REFERÊNCIAS


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______. Lei 9.605, de 12 de Fevereiro de 1998: Lei de crimes ambientais. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 03 mar. 2009.

FOUCALT, M. A Ordem do Discurso. Trad: Laura Fraga de Almeida Sampaio. 9° ed. São Paulo: Ed Loyola, 2003.

ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas, São Paulo: Pontes,1999.

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