O trabalho fará uma análise sobre a Lei 12.318, de 2010, sancionada pelo governo brasileiro, a qual dispõe sobre a alienação parental, prática que causa às crianças e adolescentes distúrbios psicológicos, ferindo diretamente seus direitos fundamentais: viver harmoniosamente num ambiente com respeito, amor e dignidade.

A alienação parental é o conjunto de atos que se infiltra, paulatinamente, durante ou depois do divórcio ou separação, nos casos de disputa de guarda judicial dos filhos. Consiste na implantação de falsas memórias ensejando os sentimentos como raiva, ódio, desprezo pelo genitor alienado.

Diante do exposto, será o Estado, na figura do Juiz, capaz de coibir as práticas de alienação parental?  Em que aspectos a Lei 12.318, “Lei da Alienação Parental”, protege o direito fundamental da criança e do adolescente? Qual a postura dos advogados diante da lide que envolve menores alienados? Quais as dificuldades encontradas pelos magistrados na prolatação de uma sentença, quando há a incidência de alienação parental? O Judiciário tem estrutura para abarcar a interdisciplinaridade dos “profissionais-chaves”,[1] fundamentais ao deslinde?

A metodologia utilizada é com base nas obras doutrinárias, legislações atinentes, jurisprudências, artigos jurídicos e reportagens, estes disponíveis na internet, bem como, um relatório de um caso concreto em tramite na X Vara de Família da Comarca de Belém e a entrevista com a Magistrada da referida Vara de Família.

Inicialmente, serão feitas considerações conceituais sobre a família, tratando sobre a sua natureza jurídica e as espécies previstas em nosso ordenamento jurídico. Em seguida, serão abordados os princípios correlatos ao direito de família, elucidando a importância deles nas relações familiares, principalmente no que tange as lides. Logo após, se explanará a respeito da Alienação Parental e suas peculiaridades e por fim análise do objeto de estudo nas decisões de nossos tribunais e seus reflexos.

 

CAPÍTULO 1: FAMÍLIA

 

1.1: CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E ESPECIES.

 

De acordo com Chaves de Farias e Rosenvald, etimologicamente, “a expressão família vem da língua dos oscos, povo do norte da península italiana, famel (da raiz latina famul), com o significado de servo ou conjunto de escravos pertencentes ao mesmo padrão” (FARIAS & ROSENVALD, 2010, p. 9.). A etimologia, no entanto, não exprime o atual panorama da família, servindo apenas como demonstração da ideia de conjunto. Ainda segundo os referidos autores:

 

“Família tem o seu quadro evolutivo atrelado ao próprio avanço do homem e da sociedade, mutável de acordo com as novas conquistas da humanidade e descobertas científicas, não sendo crível, nem admissível, que esteja submetida a ideias estáticas, presas a valores pertencentes a um passado distante, nem a suposições incertas de um futuro remoto. É realidade viva, adaptada aos valores vigentes”. (2010, p. 4 e 5)

         

Quanto à natureza jurídica, “a família é catalogada no direito privado, contudo, as regras e princípios são cogentes, pois, sofrem interferências e limitações de ordem pública, propiciadas pela natureza indisponível e personalíssima de suas normas jurídicas” (FARIAS & ROSENVALD, 2010, p. 15).

Alexandre Sturion assevera que:

 

“A família, para o Direito Civil (1511 a 1783 CC/2002), e na visão de Clóvis”, é o complexo dos princípios que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, as relações entre pais e filhos, o vínculo de parentesco e os institutos complementares da tutela, da curatela e da ausência".(STURION,2002)

 

Os institutos do Direito de Família são como um “contrato”, gerando direitos e deveres, diferentemente, este “contrato” não é “frio”. Este direito tem por escopo a igualdade, a sociabilidade e o lado mais humano. (STURION,2002)

O “caput” do art. 226 da Constituição Federal diz que “a família é a base da sociedade e tem proteção especial do Estado[2]”. Este caput reconheceu a multiplicidade de núcleos familiares. Assim, as “espécies” de família são: família natural (biológica ou biparental), família extensa ou ampliada, famílias substitutas, famílias reconstituídas, famílias monoparentais e famílias homoafetivas.

A família natural (biológica ou biparental) é a composta pelos pais ou por qualquer um deles e o descendente, podendo ser ainda monoparental. A família monoparental é constituída por pessoas sozinhas que vivem com sua prole, sem a presença de um cônjuge ou parceiro. O exemplo clássico é o da mãe solteira que vive com seus filhos (ou o contrário). A garantia da monoparentalidade traz como consequência a admissibilidade da homoparentalidade, isto é, o núcleo familiar sendo composto por pessoas de mesmo sexo, rompendo com a visão heterossexual da família. (FARIAS & ROSENVALD, 2010, págs. 55; 60; 69—73; 74-77).

No que concerne ao reconhecimento de uniões homoafetivas, destaca-se a historia de R. da S. D. C., que ingressou com Ação Declaratória de União Estável, sendo esta julgada extinta pelo Juízo de 1º grau, que aduziu impossibilidade jurídica do pedido. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, argumentando que seus direitos foram violados, inclusive mencionando a existência de outros casos iguais ao seu, nos quais os magistrados reconheceram a união estável por analogia. É sabido que, recentemente, o Superior Tribunal Federal reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar. Além disso, é de suma importância fazer a leitura dos artigos 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que permitem, quando houver lacuna ou omissão de lei, ao magistrado dar um julgamento por analogia, levando em conta a relevância do caso, costumes, e, sobretudo, respeitando e resguardando o direito e a dignidade da pessoa. Segue abaixo parte do julgado proferido pela Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

 

CIVIL. RELAÇÃO HOMOSSEXUAL. UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. EMPREGO DA ANALOGIA.

2. É juridicamente possível pedido de reconhecimento de união estável de casal homossexual, uma vez que não há, no ordenamento jurídico brasileiro, vedação explícita ao ajuizamento de demanda com tal propósito. Competência do juízo da vara de família para julgar o pedido.

3. Os arts. 4º e 5º da Lei de Introdução do Código Civil autorizam o julgador a reconhecer a união estável entre pessoas de mesmo sexo.[3]

 

 Nesse diapasão, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina julgou pela procedência do recurso de apelação, determinando a cassação da sentença proferida em sede de juízo a quo, e que os autos do processo fossem devolvidos ao seu lugar de origem para que houvesse o seu prosseguimento.

No que concerne às famílias reconstituídas, o Código Civil as ampara consoante o Art. 1595: Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade”. Por sua vez, o § 1º do referido artigo limita a extensão desse vínculo: “O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro”. O que se observa nessa “espécie” é a formação de uma nova família, com a composição de outra anteriormente formada.[4]

Como exemplo de família reconstituída, podemos citar o caso de L. A. G. Chamarei a mãe dela de “Senhora X” e o padrasto de “Senhor Y”. A Senhora “X” se casou com “C”, e, desse relacionamento, resultou o nascimento de XC1 e XC2. A “Senhora X” encontrando-se em uma relação insustentável, resolveu se divorciar de “C”. Anos depois, conhece o “Senhor Y” que era divorciado e tinha uma filha “Y1”. Após um período de convivência, Senhora X e Senhor Y casaram-se, constituindo um novo núcleo familiar, a família “XY”, que é composta pelos cônjuges e os filhos havidos de relações pretéritas.[5]

Quanto à família extensa ou ampliada, a mesma tem respaldo no Estatuto da Criança e Adolescente – Lei nº. 8.069/1990 – e na Lei Nacional de Adoção – Lei nº 12.010/2010[6]. Ambas as leis utilizam o mesmo texto                 

 

“Parágrafo único: Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade”. [7]

 

Sobre o assunto, o Código Civil trata o instituto de forma subjetiva. O art. 1729 do referido código dispõe “o direito de nomear tutor compete aos pais, em conjunto”. Um exemplo cabível para melhor entendimento das famílias extensas é avôs que criam seus netos ou tios que criam seus sobrinhos.

No que tange a família substitutiva, Alexandre Sturion de Paula, em seu artigo aborda sobre rompimento da família e os institutos da família substitutiva e guarda:


“(...) o organismo familiar se esfacelou, não há mais uma família, mas pessoas que social e/ou legalmente se devem obrigações. Neste sentido, aumentam o número de pais, especialmente mães, que buscam os Conselhos Tutelares em busca de uma solução para o seus problemas, isto é, seus filhos; que ora estão envolvidos perigosamente com o tráfico de drogas e à prostituição, ora estão agressivos em casa, desrespeitosos para com os entes familiares”. (STURION,2002)

 

Além das situações apontadas, Alexandre Sturion salienta que há outras que quebram o vínculo familiar. O Estado não atinge toda a sociedade, no que diz respeito, por exemplo, à educação, saúde, saneamento público e lazer. Esta ausência do poder público gera, em lugar inóspito, a revolta e o desespero, culminando em atos criminosos, e, consequentemente, na fragmentação da família. Imaginemos a seguinte situação: uma família na periferia de Belém do Pará, marido e mulher desempregados, com filhos pequenos que passam fome. O homem recebe o “convite” do dono de uma “boca” de fumo, nas proximidades de sua casa, para traficar pasta de cocaína. Indignado com sua situação, o pai de família, por não se inserir no mercado de trabalho, aceita o convite, envolvendo, inclusive, sua mulher no preparo e venda da droga. Após denúncias anônimas, a polícia tática os prende em flagrante e as crianças são encaminhadas ao Conselho Tutelar, tendo em vista que a situação ora narrada é de risco, e, portanto, cabe ao mesmo Estado omisso buscar soluções apontadas nos artigos 28 a 32 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

 

“Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.” (ECA, ART.28, 1990)

 

A lei garante à criança ou ao adolescente a assistência de uma equipe interprofissional, a qual dirá sua opinião sobre o caso. Quando maior de 12 anos, deve ser ouvido em audiência e o pedido a ser apreciado deve levar em conta as relações de afinidade ou afetividade para que o impacto não seja devastador. Em se tratando de um grupo de irmãos, estes serão colocados em adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, considerando que a preocupação do legislador é de que não haja o rompimento dos vínculos fraternais. A colocação de crianças e adolescentes deve ser feita de forma gradativa e com o devido acompanhamento da equipe interprofissional. Além disso, a lei protege a criança e o adolescente proveniente de comunidade remanescente de quilombo ou comunidade indígena, respeitando sua identidade social e cultural, colocando-as junto a membros da mesma etnia.[8]

 O artigo 29 do ECA, por sua vez, ressalta que, se houver incompatibilidade ou ausência de ambiente familiar apropriado, não se deferirá a colocação de crianças e adolescentes em família substituta. Já o artigo seguinte é bem claro ao não admitir a transferência de crianças e adolescentes a terceiros (entidades governamentais ou não – governamentais) sem a prévia autorização judicial. O artigo 31 trata de uma medida excepcional, haja vista que só admite através da adoção a colocação em família substituta estrangeira. Por fim, o artigo 32 preceitua que o responsável da guarda ou tutela prestará compromisso judicial, mediante termo nos autos do processo, no qual promete desempenhar fielmente o encargo posto. [9]

A família substituta deve preencher os alguns requisitos, dispostos nos art. 165 a 170 do ECA: qualificação completa do requerente e do cônjuge (se houver), devendo ter anuência expressa deste; indicação de eventual parentesco do requerente, cônjuge ou companheiro, no que diz respeito à criança, informando se tem ou não parente vivo; qualificação completa das crianças ou dos adolescentes e de seus pais, se for possível; indicação do cartório de nascimento, anexando cópia de certidão, se possível; se houver bens ou rendimentos relativos a criança ou adolescentes, deve o requerente juntar ao pedido.[10]

 No caso dos pais falecidos, se ambos tiverem aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta ou se ficar comprovada a destituição ou suspensão do poder familiar, o pedido poderá ser realizado diretamente em cartório, sem a presença de advogado. O parágrafo único do art. 166 aborda a hipótese da anuência dos pais, que só terá validade se for devidamente ratificada em audiência. Além disso, os mesmos deverão ser ouvidos pelo magistrado e pelo representante do Ministério Público, recebendo esclarecimentos sobre a irrevogabilidade da medida. No entanto, o consentimento é retratável até a data da publicação da sentença. [11]

Além disso, para que haja o deferimento da colocação de crianças ou adolescentes em família substitutiva é necessário que o estudo social ou perícia por equipe interdisciplinar seja feito através de determinação judicial, a requerimento das partes ou do Ministério Público, sem o qual fica inviável uma sentença mais apurada sobre a concessão da guarda ou do estágio de convivência.[12]

O Estado, ao instituir essas medidas, visa o melhor interesse do petiz ou infante, dando-lhes um novo lar, uma nova chance para reconstruírem sua vida com pilares sólidos, e, sobretudo, para “apagar” a omissão, desprezo e o abandono que receberam dos genitores, em face dos fatores sociais e políticos, como desemprego, falta de moradia digna, etc. (STURION,2002)

Diante do exposto, percebe-se que as famílias não decorrem apenas do enlace matrimonial, pelo contrário, o núcleo se constitui através da afetividade, amor e pelo compromisso de desempenhar as diretrizes morais e materiais concernentes ao bem-estar da família, e, principalmente, da criança e do adolescente. Dessa forma, os legisladores devem continuar atentos para o acompanhamento dessas modificações.

 

 

CAPÍTULO 2: PRINCIPIOS DO DIREITO DE FAMILIA NORTEADOS NO CÓDIGO CIVIL

 

O Dicionário Aurélio define “princípios” como “1. Bons costumes; educação. 2. Proposições diretoras duma arte, duma ciência” (FERREIRA, 2008, p. 654). Na ótica jurídica, pode-se dizer que os princípios servem como base para dirimir um sistema ou ordenamento jurídico, revestidos de coerência e unicidade.

Do excerto acima, depreende-se que o conjunto de regras e preceitos vigentes no sistema jurídico brasileiro emana da Constituição Federal, servindo de ponte, base ou alicerce para a normatização das leis infraconstitucionais, entre outras.

Celso Antônio Bandeira de Mello assevera que:

 

“Violar um principio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao principio implica ofensa não apenas a um especifico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra” ( MELLO, Celso Antônio Bandeira de, p. 230 apud CHAVES DE FARIAS E ROSENVALD, 2010, p. 34).

 

O Código Civil de 2002 e a Lei da Alienação Parental se encontram em consonância com os princípios dispostos na Carta Maior, resguardando direitos e garantias da família, da criança e do adolescente. No próximo tópico, explanaremos alguns princípios concernentes ao Código Civil, e, também aplicáveis à interpretação da Lei da Alienação Parental.

 

2.1 Princípios da Igualdade entre cônjuges, companheiros, conviventes e do Poder Familiar

 

A Constituição Federal consagrou, no inciso I do art. 5º, a isonomia entre “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”[13]. Não obstante, o Código Civil trata do princípio da igualdade no artigo 1º dispondo que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. A interpretação do princípio se desdobra ainda no Livro IV (Do Direito de Família) desta lei, precisamente, no art. 1511 “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”[14]. No mencionado artigo, fala-se da igualdade somente através do casamento, contudo, esse princípio deve ser aplicado, por analogia, ás uniões estáveis assim como a outro núcleo ou entidade a que se confere o status de família.   

No início do Século XX, Constata-se que o patriarcalismo exacerbado, onde a função do homem era a mantença da prole e a ele estavam submissos a esposa e os filhos.  O art. 2º do Código Civil Brasileiro de 1916 traduzia perfeitamente essa situação: “Art. 2o  Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil” (1916, art.2º. grifo nosso). Analisando o artigo, verifica-se que a mulher era tida como incapaz para gerenciar as suas atividades e vontades, ou seja, ela não tinha nenhuma autonomia. A elas atribuíam-se apenas o cuidado e zelo com o lar e os filhos.

Ainda sobre a submissão da mulher, Eduardo Pontes, citando Brandão, ressalta outros elementos acerca da questão histórica de delegar à mulher os cuidados do lar e dos filhos:

 

“Desde o advento da modernidade industrial, a ideia de cuidado infantil foi remetida ao “universo feminino", circunscrevendo a mulher no espaço doméstico-familiar e delegando a ela lugar central. O universo do lar tornou-se o lugar de intimidade, no qual a mulher assumiu a identidade de "mãe amorosa", sendo necessário para tanto que o homem fosse excluído dos cuidados infantis. Assim, à mulher, foi-lhe concedida uma "cidadania", porém limitada a essa esfera.” (BRANDÃO apud Valente,2007)

 

As características das famílias regidas pelo Código Civil de 1916, de acordo com Farias e Rosenvald são: matrimonializada; patriarcal; hierarquizada; heteroparental; biológica; unidade de produção e reprodução e de caráter institucional. Com o advento da Carta da República de 1988 e as significativas mudanças que vinham ocorrendo (por exemplo, a promulgação da Lei do Divórcio de 1977), verifica-se a mudança da estrutura para: pluralizada; democrática; heteroparental ou homoparental; biológica ou socioafetiva; unidade socioafetiva e caráter instrumental. A igualdade entre os homens e mulheres alcançou o exercício do poder familiar. (FARIAS & ROSENVALD, 2010, p.12)

Os artigos 1566, incisos III e IV, e o caput dos artigos 1631 e 1634 do Código Civil estabelecem a igualdade de deveres entre os cônjuges em relação a eles mesmos e aos filhos, seguem abaixo os artigos:

 

Art. 1566 – São deveres de ambos os cônjuges:

III - mútua assistência;

IV- sustento, guarda e educação dos filhos;

Art. 1631 - Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade. (grifo nosso)

Art. 1634 - Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores[15].

 

Os artigos acima fazem referência aos pais casados ou que vivem sob a união estável, porém, é preciso ressaltar a igualdade de direitos e deveres se estendem aos núcleos a que se confere o status de família e são reconhecidos por nossos tribunais.

 

 

2.2 Princípio da Igualdade entre os filhos

 

Com base no texto do site “ Notas de Aula”, o Código Civil de 1916 trazia a classificação de filhos naturais, legítimos e ilegítimos. Os naturais eram filhos de pais que não se casavam por opção. Já os legítimos eram frutos de pais casados, enquanto que os ilegítimos eram de relações “espúrias” ou extraconjugais.[16]

 

 Nesse sentido, costuma-se denominar de “bastardos”, entre outros termos pejorativos, as crianças ou infantes que são frutos de um relacionamento extraconjugal. O código Civil de 1916 era categórico: “Não havia proteção aos direitos e garantias aos filhos adulterinos” [17]. (FARIAS & ROSENVALD, 2010, p.46). O artigo 358 do Código Civil de 1916 – Capítulo IV: “Do Reconhecimento dos Filhos Ilegítimos” – foi revogado pela Lei 7.841 de 17 de outubro de 1989, tendo em vista que o teor do artigo referido não se harmonizava com a Constituição federal. Vejamos o teor do artigo retromencionado: Art. 358. Os filhos [...] e os adulterinos não podem ser reconhecidos[18].

Mariana Sobral afirma que “não mais existe qualquer tipo de diferenciação entre os filhos, ou seja, não importa se eles são advindos ou não do casamento, uma vez que com a promulgação da Carta Política de 1988 foi reconhecida a família gerada pelo matrimônio, pela união estável, pela homoafetividade, pela adoção e pela sócio-afetividade, quando em seu artigo 226, §4º estatuiu que: “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por seus pais e seus descendentes”.[19]

O Princípio da Igualdade entre os filhos é a obrigação dos pais de provê-los de forma equitativa, independente de sua origem, se são frutos de um casamento, de um relacionamento extraconjungal, a ideia do princípio aventado é proteger o menor . É vedada qualquer discriminação, conforme se vislumbra no art. 1596 do Código Civil – inclusive tem o mesmo teor do § 6º do art. 227 da CF/88 - : “ Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” (2002,art. 1596)

 

Para demonstrar a efetividade do princípio ora discutido, abordarei julgados de nossos tribunais: comecemos pelo indivíduo Y. L. Em 1996, Y. L. moveu – através de sua mãe, representante legal à época – ação de alimentos em face de seu pai, A. C. B.L., na qual houve a fixação de um salário mínimo a título de pensão alimentícia. Após alguns anos, A. C. B. L. ajuizou ação revisional de alimentos, aduzindo pagar pensão na importância de 6,5 % à outra filha, além de ter outros dois menores sob o seu cuidado. O Juízo a quo julgou parcialmente seu pedido, fixando a pensão em 20% sobre os seus rendimentos brutos. Inconformado, o filho interpôs apelação, alegando que apesar de ter alcançado a maioridade não tem condições de se sustentar, e que o valor é muito pouco para as suas despesas. Declara ainda que é universitário e necessita de aparelho ortodôntico.

Os desembargadores da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por unanimidade, negaram provimento à apelação nos termos seguintes:

“APELAÇÃO CÍVEL. REVISÃO DE ALIMENTOS. Considerando que o alimentante possui outros dois filhos menores, nascidos após a fixação da pensão, e ainda paga alimentos para outra filha, no valor equivalente a 6,5 % de seus rendimentos líquidos, não há como compeli-lo a pagar valor superior ao fixado em prol do apelante, equivalente a 20% de seus rendimentos, pois isso contrariaria, até mesmo, o princípio de igualdade dos filhos (art. 227, § 6º, CF).NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.”[20]

 

O caso a seguir trata de Ação de Alimentos, tendo conexão com uma ação de dissolução de sociedade de fato com oferta de alimentos.[21] A menor P. G. A. de S., representada pela mãe M. A. A, moveu ação de alimentos na Comarca de São José contra seu genitor. O Juízo decidiu pela fixação de 20% sobre os vencimentos brutos, deduzidos os descontos obrigatórios. Inconformado, o pai apresentou Agravo de Instrumento, aduzindo preliminarmente a ocorrência de conexão e continência entre a ação de alimentos e outra ajuizada anteriormente àquela (ação de dissolução de sociedade de fato com oferta de alimentos). No agravo de instrumento, aduziu que não possui condições de arcar com o valor fixado e que, além da autora, o agravante sustenta outras duas filhas, para as quais contribui, igualmente, com o valor de um salário mínimo. Postulou pela isonomia entre as filhas e pugnou pela reforma da decisão agravada, com o escopo de que seja reduzida ao importe de 10% de seus vencimentos brutos ou no importe de um salário mínimo.

A Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, de forma unânime, decidiu:

 

“AÇÃO DE ALIMENTOS. PRELIMINAR. CONEXÃO COM AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO C/C OFERTA DE ALIMENTOS. CONFIGURAÇÃO. REUNIÃO DOS PROCESSOS (ART. 105 DO CPC). MÉRITO. VERBA ALIMENTAR PROVISORIAMENTE ARBITRADA À FILHA MENOR. PRETENDIDA REDUÇÃO. ALIMENTANTE QUE JÁ PRESTA ALIMENTOS A OUTRA FILHA. PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE A PROLE. REDUÇÃO DO QUANTUM FIXADO. RECURSO PROVIDO.[22]

 

Com base nos julgados acima e com o disposto no Código Civil de 2002, resta clara a proibição de discriminação quanto à filiação, garantindo-se os mesmos direitos e proteção. Para ratificar todo o exposto neste subtópico, dispõe o artigo 1596 do Código referido: “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. (2002, art. 1596)

 

2.3 Princípio da liberdade

 

Flávio Tartuce declara que “o Princípio da liberdade ou da não-intervenção consiste na ausência da coação do Estado ou de qualquer entidade privada no poder de regulamentação dos interesses particulares do núcleo familiar.”(TARTUCE,2006).

O princípio tem amparo jurídico no artigo 1513 do Código Civil:

 

É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.” (2002, Art. 1513)

 

É certo que o princípio em questão, conforme observado por Flávio Tartuce,

 

 “mantém relação direta com o princípio da autonomia privada, que também deve existir no âmbito do Direito de Família. A autonomia privada não existe apenas em sede contratual ou obrigacional, mas também em sede familiar. Quando escolhemos, na escalada do afeto, com quem ficar, com quem namorar, com quem ter uma união estável ou com quem casar, estamos falando em autonomia privada, obviamente.” (TARTUCE,2006)

 

Tartuce ainda nos explica que:,

 

“Retornando ao art. 1.513 do Código Civil em vigor, é importante frisar que se deve ter muito cuidado na sua leitura. Isso porque, o real sentido do texto legal é que o Estado ou mesmo um ente privado não pode intervir coativamente nas relações de família. Entretanto, o Estado poderá incentivar o controle da natalidade e o planejamento familiar por meio de políticas públicas. Vale lembrar, também, que a Constituição Federal de 1988 incentiva a paternidade responsável e o próprio planejamento familiar, devendo o Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desses direitos, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais e privadas (art. 227, § 7º, da CF/88). Além disso, o Estado deve assegurar a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integra, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (art. 227, § 8º, da CF/88).” (TARTUCE,2006)

 

Nesse contexto, deve o Estado estimular o controle de natalidade, o planejamento familiar e a paternidade responsável junto à sociedade. A tentativa de controlar a natalidade se dá através de politicas públicas fomentadas pelo Estado, como propagandas direcionadas à população de jovens e adultos e distribuição de métodos contraceptivos (camisinha, anticoncepcionais, DIU, entre outros), que, além de prevenir a gravidez “indesejada”, também protegem o indivíduo contra as doenças sexualmente transmissíveis. Já o planejamento familiar, segundo a Lei 9.263/1996 é “o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal” (1996, Art. 2º). O Portal da Saúde complementa o entendimento quando cita os conjuntos ações (reprodução assistida, anticoncepcionais, procedimentos de laqueadura e vasectomia) para a regulação referida [23]. Quanto à paternidade responsável, o objetivo é resguardar os direitos inerentes à filiação, conforme o inciso IV do art. 1566 do Código Civil: “(...) IV - sustento, guarda e educação dos filhos”. Portanto, a paternidade responsável é a obrigação dos pais em prover materialmente, educar, amar os filhos (2002, Art. 1566).

 

 

2. 4 PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR

 

Morgana Delfino cita em seu trabalho que:

 

 “Em novembro de 1959, por unanimidade, a Assembléia Geral, a Organização das Nações Unidas – ONU aprovou a Declaração Universal dos Direitos da Criança, inspirada na Declaração de Genebra de 1924, determinando: Explicitamente que a criança, em decorrência de sua imaturidade física e mental, precisa de proteção e cuidados especiais, antes e depois do nascimento. Afirma, ainda, que a humanidade deve à criança o melhor de seus esforços. Apela a que os pais (grifo nosso), cada indivíduo de per si, as organizações voluntárias, as autoridades locais e os governos reconheçam esses direitos e liberdades enunciados, empenhando-se todos pela sua observância, mediante medidas legislativas de outra natureza”.(DELFINO, Morgana, 2009)

 

A partir da declaração acima, compreende-se que o mundo passou a enxerga crianças e adolescentes como sujeitos de direito. A Carta da República de 1988 está perfeitamente harmônica com o texto da Declaração Universal dos Direitos da Criança (DUDC). A proteção aos direitos e deveres, dispostos no caput do art. 227, diz que:

 

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. (grifo nosso) (1988, art. 227).

 

Outra fonte jurídica de nosso ordenamento, que veio ratificar e regulamentar esses direitos com mais propriedade, é o Estatuto da Criança e do Adolescente. A Lei dispõe que os pais, a sociedade e o Estado devem oferecer meios para que haja o sadio desenvolvimento moral e intelectual (DELFINO, Morgana, 2009). Vejamos o disposto no art. 3º do ECA:

 

“Art. 3º: A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (1990, Art. 3º).”

 

O princípio do melhor interesse do infante é muito aventado sobretudo em audiências de ações de alimentos, guarda e divórcio. É muito comum o ressentimento nas acusações trocadas em sessão de audiência. Por exemplo, diariamente, nas audiências realizadas perante o Juízo da X Vara de Família de Belém, a atual magistrada insta as partes à conciliação. Quando estas não aceitam, passa-se à instrução do feito. Ao término, renova a proposta de consenso, explicando aos pais o princípio do melhor interesse do menor, e, além disso, ressaltando as consequências que poderão atingir a criança ou o adolescente, caso cresça vendo aquele relacionamento nocivo entre os pais.

Quando se trata de divórcio litigioso, o Código Civil disciplina, por meio dos artigos 1583 e 1584, de forma implícita, o Princípio do melhor interesse do menor. O art. 1583 estabelece que a guarda será compartilhada ou unilateral. A compartilhada é aquela em que os genitores que não vivem sob o mesmo teto devem dirimir conjuntamente toda e qualquer situação referente à criança ou adolescente. A unilateral é quando a obrigação é atribuída a apenas um dos genitores, não significando, contudo, que o outro que não detém a guarda se exime das responsabilidades; pelo contrário, cabe a ele supervisionar o bem-estar do menor. Geralmente esta guarda é dada àquele que possui melhores condições para arcar com despesas, quais sejam, saúde, educação, segurança, entre outras. (2002, Art. 1583 e 1584)

Já o art. 1584 dispõe os procedimentos para o requerimento dos dois tipos de guarda, que podem ser requeridas mediante consenso entre os pais ou por qualquer um deles nas ações de separação, divórcio, medida cautelar (separação de corpos) e dissolução de união estável. No dia da audiência para estabelecer a guarda, o magistrado deve informar o significado da guarda compartilhada. Se não houver acordo entre os pais, aplica-se, sempre que possível, a guarda compartilhada, ressaltando as sanções decorrentes de descumprimento ou de alterações não autorizadas. E ainda há a possibilidade de guarda a outra pessoa, caso o magistrado verifique que o filho não tem condições de permanecer sob a guarda da mãe ou pai, observando o grau de parentesco e as relações de afinidade. (2002, art. 1584)

J. C. de A. C. S moveu ação de posse e guarda em desfavor de H.D.L.A. Alegou na aludida peça que eles viveram em regime de ‘concubinato’ durante catorze anos, do qual resultou o nascimento de três filhos, um de 13, um de 11 e outro de 09 anos, idades à época da propositura da ação. Aduz que, em 2000, as crianças passaram a conviver sob sua guarda, sendo de sua inteira responsabilidade as despesas. Ao final, postulou pela guarda e posse definitiva dos filhos e mantença do regime de visitas nos moldes já deliberados. A ré contestou os termos da exordial. O juízo deferiu, em caráter provisório, a posse e guarda ao autor, motivo pelo qual, insatisfeita, a ré apresentou apelação, alegando um acordo celebrado entre as partes, no qual constaria uma cláusula demandando que ora os filhos ficassem com o pai e ora retornassem ao lar materno. Ao final, requereu a modificação da sentença de 1º grau para julgar procedente ação de busca e apreensão, em apenso. A decisão foi unânime para negar provimento ao recurso. Vejamos a ementa:

 

“PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. GUARDA DE MENORES. PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS MENORES. RECURSO IMPROVIDO. O pai e a mãe dos menores são aptos a exercerem a guarda deles que já se encontram na pré-adolescência, tendo sido demonstrado que são afetuosos e capazes de dar boa educação aos filhos. O interesse dos menores deve prevalecer. Consta da sentença que os filhos têm interesse em permanecer com o pai. Soma-se a isso a manutenção da situação fática existente. A jurisprudência já vinha caminhando no sentido de separar a causa do rompimento dos companheiros do interesse dos menores o que restou fortalecido com o novo Código Civil. Recurso improvido. (grifo nosso).” [24]

 

Em vista do que foi exposto, é necessário equilibrar os interesses dentro de uma família, como ensina Giselle Groeninga: “O melhor interesse da criança não pode ser conflitante com o melhor interesse de todos os indivíduos que compõem uma família, o que seria um contra senso. Direitos, deveres, responsabilidades, são complementares e não excludentes nas relações familiares.” (GROENINGA, Giselle, 2002)

 

2.5 Principio da Função Social da Família

 

Flávio Tartuce destaca que

 

“a idéia de função social como instrumento procede da própria etimologia do termo função. Em latim, a palavra functio derivava do verbo fungor (functus sem, fungi), cujo significado remete a cumprir algo, desempenhar um dever ou tarefa, ou seja, cumprir uma finalidade, funcionalizar.” (TARTUCE, 2006)

 

O mesmo autor discorre que

 

“(...) há algum tempo se afirmava, nas antigas aulas de Educação Moral e Cívica, que a família é a célula mater da sociedade. (...) Apesar de as aulas serem herança do período militar ditatorial, a frase ainda serve como luva no atual contexto, até porque o art. 226, caput, da Constituição Federal de 1988 dispõe que a família é a base da sociedade, tendo especial proteção do Estado”. (TARTUCE, 2006)

 

“A família é a base da sociedade...”, assim é o início do caput do art. 226 da Constituição Federal (1988, art. 226). A família é a primeira noção de “sociedade” que conhecemos, quando somos pequenos. É ela que fornece os meios para um bom desenvolvimento educacional e moral e serve de ponte ao “mundo exterior”. Flávio Tartuce diz que “as relações familiares devem ser analisadas dentro de um contexto social e diante das diferenças regionais de cada localidade. (...) a título de exemplo, a socialidade pode servir para fundamentar o parentesco civil decorrente da paternidade socioafetiva” (TARTUCE, 2006)

Concluímos este capítulo em coro com Lemes, Neres, Oliveira, Rosa, Silva & Teixeira:

 

“a principal função social da família é o acolhimento do indivíduo formando-o como cidadão capaz de representar seu papel na sociedade como filho, irmão, trabalhador, estudante, entre outros. A família adquire importância na vida do indivíduo a partir de seu nascimento em virtude de seu dever de guarda, criação e educação da criança. Posteriormente tem-se uma fase de desenvolvimento, onde se prepara para a vida em sociedade estabelecendo relações de afetividade e trabalho. (...) a família tem sim uma função dentro da sociedade e esta é a de formar cidadãos conscientes e aptos para a convivência social, independente de âmbito esteja inserido, se profissional, se na escola, se entre amigos.” [25]

 

CAPÍTULO 3: Alienação Parental

 

O Código Civil Brasileiro e a Constituição dispõem que o poder familiar deve ser exercido em igualdade de condições pelo pai e pela mãe, circunstância que não deve se alterar no eventual divórcio do casal. Em situação de litígio, na qual os genitores não conseguem entrar em acordo para atuarem em consonância com as normas que regem a guarda, pensão alimentícia, direito de visitação, etc. caberá à justiça regulamentar esse acordo.

 É nesse contexto de desarmonia entre os cônjuges que incide a Alienação Parental e seus efeitos. Principalmente, nas ações de divórcio é há o maior registro da alienação, travando-se, uma luta “homérica” de “egos”, culminando em comportamentos hostis trocados pelos pais em sessões de audiências. Estes comportamentos geram eventos traumáticos, resultando em perturbações - ansiedade, sentimentos de abandono, problemas escolares - ao bem-estar da criança e do adolescente.

Nas Varas de família, em audiência, as partes litigantes (os pais) sobrepõem os seus interesses aos das crianças. Euclides Oliveira leciona: “Colocados como epicentro da disputa paterna, como se fossem meros objetos numa relação de forçada convivência em que se lhes renega a posição de sujeitos de direitos”. (OLIVEIRA, 2003).

 

 Um paradigma diferente do acima apresentado é quando os pais optam pelo divórcio consensual, que, ao contrário do litigioso, não prejudica a criança ou adolescente porque eles acordam pensão alimentícia, direito à visita e guarda. Segue abaixo uma ata de audiência de um divórcio consensual na X Vara de Família da Capital:

“Iniciando os trabalhos as partes foram instadas à reconciliação o que foi infrutífero, eis que dizem estarem separados desde 2006; que não houve coabitação nesse período. As partes ratificam os termos da exordial, estabelecendo os seguintes termos: 1 - O casal possui 2 filhos menores que se acham sob a guarda da mãe e com ela permanecerá, resguardados os direitos de visita do requerente; 2- O casal reciprocamente dispensa o direito à pensão alimentícia uma vez que ambos têm condições de sustentar-se; 4- O cônjuge virago voltará a usar o nome de solteira; 3- No que concerne a pensão alimentícia, ao pai caberá o investimento educacional e a mãe  o pagamento dos planos de saúde, e a ambos os gastos referentes a vestuário, lazer, alimentação e outros gastos supervenientes;4-Assim, para os efeitos legais pedem que o presente acordo seja homologado por sentença. Nesta oportunidade apresentam o desejo de não recorrer da decisão, em razão do que renunciam desde já ao prazo recursal. Pelo juízo foi proferida decisão (...)HOMOLOGO por sentença o acordo formulado pelas partes, para que produza seus jurídicos e legais efeitos e, consequentemente, DECRETO O DIVÓRCIO CONSENSUAL do casal X, com ruptura do laço matrimonial, que se regerá pelas cláusulas e condições constantes deste termo.”

 

3.1 Conceito da Alienação Parental

 

“A Síndrome da Alienação Parental foi identificada pela primeira vez nos Estados Unidos pelo professor especialista do Departamento de Psiquiatria Infantil da Universidade de Columbia e perito judicial Richard Gardner, em 1985” (FREITAS e PELLIZZARO, 2011, p.17).

“O professor se interessou pelas consequências que as crianças desenvolviam nos divórcios litigiosos” (FREITAS e PELLIZZARO, 2011, p.17). Ele observou que nos divórcios e disputas de guarda, um dos objetivos de um dos pais inconformado com o novo paradigma era afastar o ex-cônjuge dos filhos, implantando condutas negativas que desconstruíam todo o afeto e respeito até então estabelecido.

 

É importante ressaltar que outros profissionais, em suas pesquisas também identificaram sintomas similares, no entanto, denominaram de forma diferente, por exemplo, há Alegações Sexuais no Divórcio (SAID) onde se constata falsas acusações de abuso sexual. No Brasil, nomenclatura descrita por Gardner foi a que prevaleceu, bem como, todos os estudos e pesquisas e movimentos sociais em prol da família contribuíram para o advento da Lei nº. 12.318/2010 – LEI DA ALIENAÇÃO PARENTAL. (FREITAS e PELLIZZARO, 2011, p.17).

O Judiciário brasileiro só despertou a atenção para Alienação Parental em 2003, quando surgiram decisões que reconheciam essa prática “monstruosa”. Com a integralização de outros profissionais a área da família, tais como, pedagogos, psicólogos e assistentes sociais a alienação parental passou a ser mais difundida.

O conceito de Alienação Parental é disposto no art. 2º da Lei 12.318/2010, no qual é definido:

 

Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento o à manutenção de vínculos com este  (2010, Art. 2).

 

  Nesse viés, é caracterizado por um conjunto de ações sintomáticas ocasionadas por um dos genitores, denominado cônjuge alienador, na qual modifica a consciência do filho, por meio de malicia, com a finalidade de impedir ou destruir seus vínculos com o genitor alienado (FREITAS e PELLIZZARO, 2011, p. 20).

 

Maria Berenice Dias, jurista e uma das maiores estudiosas do tema, ensina que a Síndrome de Alienação Parental pode ser chamada de implantação de falsas memórias, pois o alienador passa a incutir no filho, falsas idéias sobre o outro genitor, implantando por definitivo as falsas memórias (FREITAS & PELILIZZARO, 2011, p. 20 apud DIAS, 2007. p 409).

 

A alienação parental é um processo que consiste em programar uma criança para que odeie o outro genitor e normalmente acontece sem uma justificativa plausível. É uma perturbação que surge principalmente no âmbito das disputas pela guarda e custódia das crianças. O Ilustre Jesualdo Almeida Júnior, em seu artigo “Comentários à Lei da Alienação Parental” cita novamente as sábias lições de Maria Berenice Dias:

 

“[...] A criança, que ama o seu genitor, é levada a afastar-se dele, que também a ama. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre ambos. Restando órfão do genitor alienado, acaba identificando-se com o genitor patológico, passando a aceitar como verdadeiro tudo que lhe é informado.

O detentor da guarda, ao destruir a relação do filho com o outro, assume o controle total. Tornam-se unos, inseparáveis. O pai passa a ser considerado um invasor, um intruso a ser afastado a qualquer preço. Este conjunto de manobras confere prazer ao alienador em sua trajetória de promover a destruição do antigo parceiro.

“Em linhas gerais, dá-se a síndrome de alienação parental quando os genitores ou aqueles próximos influenciam negativamente na formação psicológica de uma criança ou adolescente, ao promover ou induzir que este menor repudie um dos seus genitores ou crie obstáculos à manutenção de vínculos afetivos entre pais e filhos.” (JÚNIOR apud Dias, 2010)

 

3.2 Os protagonistas na alienação parental

 

Na alienação parental, observam-se três personagens importantes para o desencadeamento da “alarmante” trama: pai, mãe e filhos. Cada um deles representa um papel, quais sejam: alienado (a), alienadora (o) e vítimas. Apesar de na maioria dos casos, a mãe, apresente-se como a agente alienadora, há lides onde o pai é “mentor” da prática.

Jesualdo Almeida Júnior, suscintamente define cada um desses papéis:

 

“Alienador é o genitor, ascendente, tutor e todo e qualquer representante da criança ou adolescente que pratiquem atos que caracterizem a alienação parental (...) Por sua vez, alienado é o genitor afetado pela alienação parental, e porque não dizer, igualmente vítima destes atos.” (JÚNIOR,2010)

 

Perissini da Silva leciona que:

 

 “a alienação parental opera-se pela mãe, ou pelo pai, ou no pior dos casos pelos dois pais. Essas manobras não se baseiam sobre sexo, masculino ou feminino, mas, sobre a estrutura da personalidade de um lado,e,sobre a natureza da interação antes da separação do casal” (PERISSINI DA SILVA, 2010,p.53).

 

Perissini da Silva assevera que a alienação pode ser feita por ambos, contudo, adverte que:

 

“ (...) é  a mãe que dedica mais tempo ás crianças, ainda se ela obtiver a guarda principal; se essa mãe decide empreender manobras de descrédito deliberado contra o pai, então ela tem todos os meios, tantos verbais (comentários de descrédito) como não verbais ( teatralizações, atitudes) (..) ao pai ,que muitas vezes fica marginalizado, afastado, excluído da relação familiar. Isso ocorre porque ele é notadamente – e paradoxalmente -  vítima de ser, ainda muitas vezes, o primeiro responsável financeiro e de alimentos da família(...) Portanto, pais podem também alienar as suas crianças, tão rigorosamente quanto as mães, notadamente quando eles têm meios financeiros favoráveis”. (PERISSINI DA SILVA, 2010,p.53).

 

      E completa que:

 

“ (...) a SAP pode ser instaurada por um terceiro: a avó, a uma tia, um (a) amigo(a) da família  que dá conselhos insensatos, profissionais antiéticos(psicólogos, advogado, assistente social, médico, delegado, conselheiro tutelar etc.) (...) uma tia solteirona, por exemplo, pode sentir-se frustrada e invejosa pela autonomia da irmã que se casou e teve filhos, e induz essa irmã a sentir aversão ao marido para afastá-lo da família.  (...) uma avó pode exercer uma influencia forte sobre o genitor contra o outro: pode usar discursos médicos ( “ se você não separar dele, eu vou morrer/ eu vou ter um enfarte/ estou com depressão por causa dele”), agourentos (“ ele é a desgraça da família, separa-se dele porque é mau”, “na outra encarnação ele tentou matá-la, você vai querer que isso aconteça nesta vida?”.(PERISSINI DA SILVA, 2010,págs.54-55).

 

 

Jesualdo Almeida Júnior assevera que as crianças viram “marionetes” nas mãos dos pais alienadores:

 

“Já acompanhamos casos em que o filho dizia ao pai: "você tem dinheiro para gastar com prostitutas, mas não aumenta minha pensão". Essa frase não pode ter saído espontaneamente de uma criança de 07 (sete) anos. É claro que nesta hipótese a mãe o disse e insuflou o filho a fazer tal comentário”.(JÚNIOR, 2010)

           

Sob essa influência, a criança se negará a manter contato com o seu genitor (pai ou mãe), sem um motivo aparente. Os resultados são as gravíssimas consequências de ordem comportamental e psíquica. A superação, se ocorrer, acontecerá somente quando a criança ou o adolescente alcançar a maioridade e se dar conta do que realmente aconteceu.

 

Ocorre que os cuidados dos menores cabem, geralmente, a mãe, François Podevyn explica que ela avoca para si a “execução” da alienação parental:

 

“A Síndrome se manifesta, em geral, no ambiente da mãe das crianças, notadamente porque sua instalação necessita muito tempo e porque é ela que tem a guarda na maior parte das vezes. Todavia pode se apresentar em ambientes de pais instáveis, ou em culturas onde tradicionalmente a mulher não tem nenhum direito concreto”. (Podevyn,2001)

 

 

Frisando que a alienação é o conjunto de ações realizado pelo pai ou mãe, que objetivam o afastamento do outro genitor, da vida dos filhos sem nenhuma justificativa plausível. Estas ações terão resultados, aos quais denominamos síndromes.

 

 

3.3 Síndrome de Alienação Parental

 

A Síndrome de Alienação Parental não se confunde com a mera alienação parental, assim destaca Priscila Maria:

 

A alienação parental é o afastamento do filho de uns dos genitores, provocado pelo outro, via de regra, o titular da custodia. A síndrome da alienação parental, por seu turno, diz respeito às seqüelas emocionais e comportamentais de quem padecer a criança vítima daquele alijamento. (FONSECA, 2006)

 

A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é um transtorno caracterizado pelo conjunto sintomas que resultam do processo pelo qual um genitor transforma a consciência de seus filhos, mediante a implantação de “falsas memórias”[26], com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor “, ou seja, a função é destruir a confiança da criança ou adolescente no genitor alienado, através da desqualificação do mesmo, levando-o a se afastar deste, através de atitudes de nojo, raiva ou medo. (FREITAS e PELLIZZARO, 2011, p.20)

O genitor alienado acabará se tornando alguém estranho para a vida de criança, podendo desenvolver diversos sintomas e transtornos psiquiátricos. Sem tratamento adequado, poderão aparecer seqüelas capazes de perdurar para o resto da vida, implicando em um comportamento abusivo para a criança.

Alguns outros efeitos comuns que podem ser provocados na criança poderão variar de acordo com a idade, sua personalidade e o tipo de vinculo que ela possuía com os pais. Normalmente os conflitos gerais que aparecem: ansiedade, medo e insegurança, isolamento, depressão, comportamento hostil, falta de organização dificuldades na escola, dupla personalidade, entre outros.

Pais que induzem a essa síndrome, normalmente deixam as crianças com familiares, vizinhos, babás e amigos. O objetivo na situação é anular a existência do pai, usando de estratégias ardilosas. A criança, além de quebrar o vinculo com o genitor alienado, terá seus pensamentos interrompidos e coagidos em direção a determinados padrões patológicos que não irão parar até os próprios pais agirem contra isso. Mas, caso não aconteça, esses abusos emocionais e psicológicos irão passar de geração a geração, ou seja, quando o menor chegar à fase adulta, poderá padecer de um grave complexo de culpa, por ter sido fruto de uma injustiça, e o genitor alienante, papel de principal e único modelo para a criança, que poderá repetir o mesmo padrão de comportamento com a prole que vier a constituir.

 

3.4 A LEI 12.308/2010 e o reflexo nas decisões de nossos tribunais

 

Em virtude dos inúmeros casos de alienação parental, e para não desamparar crianças, adolescentes e os pais alienados, foi sancionada a Lei 12.318/2010 que dispõe exclusivamente sobre a alienação parental.

A lei elenca os genitores, familiares mais próximos e aqueles que detêm a guarda como possíveis causadores da Alienação Parental, assim como descreve as penalidades. Amparando o direito que a criança e o adolescente possuem, quais sejam: o de conviver de forma saudável e digna com a família, independentemente do status.

O conceito legal de Alienação Parental está disposto no art. 2º e diz que:

 

“Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento o à manutenção de vínculos com este”.  (2010, Art. 2º).

 

O parágrafo único do art. 2º da Lei 12.318/2010 traz de forma exemplificativa as formas de alienação parental:

Parágrafo único.  São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;

II - dificultar o exercício da autoridade parental;

III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;

IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;

V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;

VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

(2010, parágrafo único do art. 2º) .

 

Aqui neste ponto, é valioso ressaltar a interdisciplinaridade entre os profissionais do direito, psicologia, pedagogia e os assistentes sociais. É através dos laudos elaborados por eles que o juiz se baseará para formar a sua decisão para aplicação de eventual penalidade com a finalidade de coibir a prática.

O art. 6º da Lei 12.318 descreve as medidas que poderão ser aplicadas pelo juiz no processo:

Art. 6º  Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:

I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;

II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;

III - estipular multa ao alienador;

IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;

V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;

VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;

VII - declarar a suspensão da autoridade parental. 

Parágrafo único.  Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar. 

 

Para ratificar as argumentações acima expostas, exporão casos julgados por nossos tribunais.

 P. A. de P. interpôs recurso de apelação contra sentença do Juízo a quo, na qual consta a improcedência de suas postulações na Ação de modificação de guarda de menor que moveu em face da avó M. C. R. de seu filho I. K. de P. Na apelação aduz que a avó do menor não tem condições para proporcionar um desenvolvimento saudável do menino, argumentando que além dela maltratá-lo, ingere bebida alcoólica na presença da criança. Declara que o único interesse da guardião do infante é auferir  os benefícios financeiros, e, por fim salienta que a convivência como filho é prejudicada pela avó do menino, postulando ao final, pela reforma da decisão para ter o direito sob a guarda do filho.

Os desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, votaram:

 

 Apelação Cível nº. 70043037902 – 8ª câmara cível. Apelante: P.A.P./Apelado: M.C.K. APELAÇÃO CÍVEL. ALTERAÇÃO DE GUARDA. GUARDA inicialmente CONCEDIDA À AVÓ MATERNA. Alienação parental. Perda da guarda de outra neta em razão de maus-tratos. Genitor QUE DETÉM PLENAS CONDIÇÕES DE DESEMPENHÁ-LA. Inexistindo nos autos qualquer evidência de que o genitor não esteja habilitado a exercer satisfatoriamente a guarda de seu filho, e tendo a prova técnica evidenciado que o infante estaria sendo vítima de alienação parental por parte da avó-guardiã, que, inclusive, perdeu a guarda de outra neta em razão de maus-tratos, imperiosa a alteração da guarda do menino.

PRELIMINAR rejeitada. APELAÇÃO PROVIDA. [27]

 

 

N. W. M. G, menor – representada por sua mãe – ajuizou ação de oferta de alimentos c/c regulamentação de visitas contra seu pai A. G. J. Homologou-se acordo em audiência. Ocorre que a mãe da infante descumpriu as cláusulas do acordo. Indignado com a situação o pai moveu ação de revisão de guarda, sob o fundamento de alienação parental. O magistrado deferiu o pleito, conferindo a guarda da criança ao pai.  A mãe apelou sustentando cerceamento de defesa porque não houve audiência de instrução e julgamento e nem estudo social. No que tange a guarda alegou que o pai não tem condições de criar a filha, pois é violento (ressalta que já agrediu a criança verbal e fisicamente). Realizou-se estudo social onde se constatou: "[...] que a situação de conflito não é recente e que Natalia vem sendo a maior vítima da mesma, pois está com evidente prejuízo psicológico. Quanto ao desejo do requerente constata-se que mesmo com determinação judicial em mãos para visita à filha não está conseguindo efetivá-la. [...]" (fls. 127/134). O Procurador de Justiça, Dr. P. R. de C. R. salientou: "a alteração da guarda sobreveio como a melhor solução possível no caso concreto para fazer cessar os atos característicos da síndrome, presentes no caso concreto, tais como: a campanha de desqualificação do genitor e da família paterna, a implementação de falsas memórias, a falta de vontade em liberar a filha à visitação paterna e a recusa injustificada em entregar a menina aos cuidados do pai." (fl. 380).

Os desembargadores da Segunda Câmara de Direito Civil, por unanimidade decidiram:

 

“AÇÃO DE REVISÃO DE GUARDA. SENTENÇA QUE INVERTEU A GUARDA DA MENINA EM FAVOR DO PAI SOB FUNDAMENTO DE ALIENAÇÃO PARENTAL POR PARTE DA GENITORA. PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE PROVA DIANTE DA NÃO REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO E DE AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DAS PARTES QUANTO AO ESTUDO SOCIAL E AO LAUDO PSICOLÓGICO PRODUZIDOS AFASTADA. JUIZ DESTINATÁRIO DAS PROVAS. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ART. 130. ACERVO PROBATÓRIO QUE INDICA A PRÁTICA DE ALIENAÇÃO PARENTAL PELA MÃE. ESTUDOS SOCIAIS E LAUDOS PSICOLÓGICOS QUE DEMONSTRAM A POSSIBILIDADE DO GENITOR DE EXERCER A GUARDA DA FILHA. PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DO MENOR. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, ART. 227. MANUTENÇÃO DA GUARDA DEFERIDA EM FAVOR DO PAI. DETERMINAÇÃO, DE OFÍCIO, PARA QUE OS GENITORES SEJAM SUBMETIDOS A ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ART. 129, III. RECURSO DESPROVIDO.[28]

 

 

Do exposto, conclui-se que os magistrados e profissionais do setor social estão concatenados a justa aplicação das leis, principalmente, a que é objeto do presente trabalho assim como na efetivação dos princípios inerentes ao direito de família, assegurando ás crianças e adolescentes juntamente aos pais alienados, a oportunidade de recomeçar uma nova história.

 

CONCLUSÃO

 

No primeiro capitulo conceituamos família, observando o que dispõe a Carta da República, Código Civil e a visão de nossos doutrinadores e magistrados. Constatamos que a família é um instituto complexo, dadas as transformações ocorridas nas suas estruturas, aliás, na “velha” estrutura – homem, mulher e filhos -  e tudo isso se deve as mudanças ocorridas no seio de nossa sociedade – a inserção da mulher no mercado de trabalho, Lei do Divórcio em 1977, o amparo as uniões estáveis, a igualdade entre os filhos, mesmo que estes provenientes de uma relação que não o casamento – é importante ressaltar, ainda, o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo pelo Supremo Tribunal Federal. A familia jamais deve perder a sua essência, independentemente de como seja constituída. A família é “a base da sociedade”.

Em seguida, falamos dos princípios correlatos ao direito de família, estes muito importantes para resguardar e efetivar os direitos e garantias fundamentais das crianças e adolescentes e do núcleo familiar – igualdade entre os cônjuges, companheiros, conviventes, inclusive, estendendo-se ao Poder Familiar; igualdade entre os filhos; função social da família; a autonomia da familia em dirimir os conflitos e estabelecer as regras sem a intervenção do Estado.  Verificamos que diante de uma lide na esfera familiar, os magistrados são de um modo geral, comprometidos com os princípios constitucionais e os dispostos no Código Civil, visando estabelecer os melhores caminhos para que o núcleo familiar “não vire pó”.

No terceiro abordamos a alienação parental, com os mais diversos conceitos doutrinários e legal, os protagonistas e as consequências da alienação parental. Ademais, colacionaram-se de nossos tribunais, decisões proferidas pelos magistrados.

Por fim, concluímos que os nossos magistrados e os outros profissionais - advogados, promotores, assistentes sociais, psicólogos, educadores - que atuam em uma lide com a incidência da alienação parental, estão concatenados com os princípios retromencionados, estabelecendo o direito igualitário entre os pais e resguardando os dos infantes. A Lei 12.318 de 2010 é o porto seguro de pais e crianças que venham a sofrer com a alienação parental, e, é uma resposta de nossos legisladores aos pais e crianças que já se encontravam nesta situação.


BIBLIOGRAFIA

 

 

BRANDÃO apud Valente, 2007. Por uma ética e política da convivência: uma breve  exame da
"Síndrome de Alienação Parental" à luz da genealogia de Foucault
. Disponível em < http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=555> acesso em 25 de fevereiro de 2012.

 

 

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[1] Psicólogos, psiquiatras, pedagogos, assistentes sociais.

 

[2] Cf.BRASIL. Constituição (1998).  Constituição da República Federativa do Brasil, DF: Senado, 1988.

 

[3] Cf. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 2011. Disponível em http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20466418/apelacao-civel-ac-298159-sc-2008029815-9-tjsc/inteiro-teor>. Acesso em 14 de abril de 2012.

 

[4] Cf. BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>Acesso em 14 de abril de 2012.

 

[5] Relato cedido pela depoente em conversa informal.

 

[6] Cf.BRASIL. Lei 12.010 de 03 de agosto de 2009. Lei Nacional da Adoção. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12010.htm>. Acesso em 14 de abril de 2012.

 

[7] Cf. BRASIL. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 14 de abril de 2012.

 

[8] Cf.BRASIL. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 14 de abril de 2012.

 

 

[9] Cf. Ibidem.

 

[10] Cf. Ibidem.

 

[11] Cf. Ibidem.

 

[12] Cf. Ibidem.

 

[13] Cf. BRASIL. Constituição (1998).  Constituição da República Federativa do Brasil, DF: Senado, 1988.

 

[14] Cf. BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>Acesso em 14 de abril de 2012.

 

[15] Cf. BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>Acesso em 14 de abril de 2012.

 

[16]  Cf. Notas de Aula. Características gerais do Direito de Família e um pouco de história. Disponível em <http://notasdeaula.org/dir7/direito_civil6_24-02-11.html>. Acesso em 15 de abril de 2012.

 

[17] Cf. BRASIL. Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1916. Código Civil. (Revogada pela Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002). Disponível em< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm> Acesso em 14 de abril de 2012.

 

[18] Cf.Idem

 

[19] Cf.http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8400

 

[20] Cf. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 2011. Disponível em < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20590570/apelacao-civel-ac-70043941103-rs-tjrs>. Acesso em 14 de abril de 2012. (grifo nosso)

 

[21] Cf. “Conexão é uma relação de semelhança entre demandas, que é considerada pelo direito positivo como apta para a produção de determinados efeitos processuais. A conexão pressupõe demandas distintas, mas que mantêm entre si nível de vínculo. (...) de modo a que um único juízo tenha competência para processar e julgar todas as causas conexas. A conexão tem por objetivo promover a economia processual. A reunião das causas em um mesmo juízo é o efeito principal e desejado, exatamente porque ele atende muito bem às funções da conexão. O legislador brasileiro optou por conceituar conexão no artigo 103, do CPC, in verbis : Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando Ihes for comum o objeto ou a causa de pedir.“  Brandão, Simone. Qual o conceito e o objetivo da conexão. 2009. Disponível em < http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1957588/qual-o-conceito-e-o-objetivo-da-conexao-simone-brandao>.Acesso em 09 de abril de 2012. 

 

 

[22]Cf. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 2010. Disponível em < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8882188/agravo-de-instrumento-ag-531478-sc-2009053147-8-tjsc>. Acesso em 14 de abril de 2012. (grifo nosso)

 

[23]Cf. Portal da Saúde. Planejamento Familiar. Disponível em <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=152>. Acesso em 15 de abril de 2012.

 

[24] Cf. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. 2004. Disponível em < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7333491/apelacao-civel-ac-874406520008070001-df-0087440-6520008070001-tjdf>. Acesso em

 

[25] Cf. LEMES, NERES, OLIVEIRA, ROSA, SILVA & TEIXEIRA. A Função Social da Família. Disponível em <http://www.lfg.com.br/artigos/Blog/Funcao_Social_da_Familia.pdf >. Acesso em 23 de março de 2012.

 

[26] Cf. “falsas memórias” são segundo PERISSINI DA SILVA, umas das formas mais sórdidas de alienação parental – e que caracteriza o nível grave da SAP – vai além das habituais estratégias para bloquear o contato da criança com o genitor, como não dar recados deixados pelo telefone ou “esquecer” de avisar sobre a festa no colégio. As falsas acusações de abuso sexual têm sido identificadas cada vez mais nas delegacias de policia (...) objetivo esse que interessa exclusivamente ao alienador, não à criança. A banalização das acusações de abuso demonstram a leviandade de sua conduta, estimulada pela cultura da impunidade.(págs. 90-91)

 

[27] Cf. Tribunal de Justiça de Santa Catarina . 2011. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20264474/apelacao-civel-ac-534117-sc-2010053411-7-tjsc>. Acesso em 16 de abril de 2012

 

[28] Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 2011. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20264474/apelacao-civel-ac-534117-sc-2010053411-7-tjsc> . Acesso em 16 de abril de 2012.