O Novo Regime Jurídico das Medidas Cautelares no Processo Penal. Lei 12403 de 2011.

Introdução

A recente aprovação, em 7 de abril de 2011, pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei número 4208 de 2001, posteriormente transformado na Lei 12403, com vigência em 4 de julho de 2011, trouxe enorme repercussão no universo jurídico e acadêmico.

A principal inovação trazida pela Lei foi a possibilidade de se aplicar medidas cautelares diversas da prisão para assegurar o pleno exercício da prestação jurisdicional, ou seja, garantir um processo escorreito, com instrução criminal plena e ao final, a garantia de aplicação da Lei Penal. Sobre a tutela cautelar no Processo Penal, dispõe com propriedade o Professor Renato Brasileiro de Lima[1]:

Apesar de não ser possível se admitir a existência de um processo penal cautelar autônomo, certo é que, no âmbito processual penal, a tutela jurisdicional cautelar é exercida através de uma série de medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal e na legislação especial, para istrumentalizar, quando necessário, o exercício da jurisdição. Afinal, em sede processual penal, é extremamente comum a ocorrência de situações em que essas providências urgentes se tornam imperiosas, seja para assegurar a correta apuração do fato delituoso, a futura e possível execução da sanção, a proteção da própria coletividade, ameaçada pelo risco de reiteração da conduta delituosa, ou, ainda, o ressarcimento do dano causado pelo delito.

A verve do legislador, porém, não foi apenas criar novas medidas assecuratórias do processo, mas evitar que a principal delas, e a mais utilizada até então, a prisão cautelar, continue sendo a única forma de se garantir a realização da prestação jurisdicional.

A custódia cautelar preventiva, como amplamente reconhecido pelos Tribunais Superiores, é medida excepcional que só deve ser aplicada nos casos expressamente previstos no artigo 312 do Código de Processso Penal. Essa excepcionalidade, com certa frequência, tornava-se a regra, ante a inexistência de outros meios de se garantir um processo livre de interferências. Nesse sentido, as novas medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP – algumas já previstas em legislações penais esparsas – constituem a partir de agora uma nova e prioritária forma de se garantir o processo, restringindo-se a decretação da prisão preventiva para os casos em que a mesma for absolutamente indispensçavel.

Esse é o viés jurídico. Por outro lado, a vigência da Lei 12403 de 2011 traz o reconhecimento por parte do Estado de que o mesmo não pode mais suportar um sistema carecerário tão inchado. Construir presídios é dispendioso demais. Contratar funcionários para geri-los também o é. A medida mais simples, assim, é tirar os presos das cadeias, ao menos aqueles cujos delitos e as circunstâncias em que foram praticados são, às vistas da nova Lei, passíveis de uma solução alternativa ao cárcere. Esse é o viés político da alteração legislativa trazida à baila pela Lei 12403.

Como toda Lei recentemente editada, traz mais dúvidas que soluções. As questões suscitadas pelos operadores do direito logo chegarão aos Tribunais e logo serão pacificadas. Enquanto isso, discussões, as mais acirradas, ajudarão a esmiuçar e a compreender a verdadeira mens legis do legislador, tornando-se importante instrumento para a correta interpretação dos dispositivos da nova Lei das medidas cautelares.

A seguir veremos algumas questões interessantes referentes a casos concretos que já suscitaram dúvidas nos operadores do Direito.

Do prazo para o juiz manifestar-se na forma do artigo 310 do CPP

Questão que se mostrou intrigante logo aos primeiros dias de vigência da nova lei é o prazo que o magistrado tem para apreciar a questão prevista no artigo 310 do CPP, ou seja, decidir sobre o relaxamento da prisão em flagrante, se for ilegal, sua conversão em preventiva, se presentes os requisitos do artigo 312 do Diploma Processual Penal e se revelarem insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão (daí o entendimento de grande parte da doutrina de que a prisão preventiva tem, hoje, natureza subsidiária), ou, por fim, conceder a liberdade provisória com ou sem fiança.

Segundo dispõe o parágrafo 6º. do artigo 306 do CPP, a autoridade policial tem o prazo de até 24h para encaminhar ao juiz competente o auto de prisão em flagrante. Ao receber o APF, na forma do artigo 310, o magistrado, então, manifestar-se-á na forma acima referida.   A dúvida refere-se, assim, ao prazo que o juiz tem para decidir a partir do instante em que recebe o APF.

Algumas vozes, nos primeiros momentos de vigência da Lei, entenderam que, se à autoridade policial incumbia encaminhar os autos do APF em 24h, também o juiz, ao recebê-los, deveria decidir em igual prazo. Isso, porque a intenção do legislador seria evitar que a prisão em flagrante durasse mais do que 48h, 24h para encaminhar os autos ao juiz e mais 24h para que este decidisse sobre sua convolação em preventiva, liberdade provisória ou seu relaxamento. Afinal, sob a égide do modelo anterior, o juiz deveria avaliar a legalidade da prisão em flagrante ao receber a comunicação da prisão, que também era encaminhada pela autoridade policial no prazo de 24h.

Há, numa corrente menos rigorosa, a necessidade de se observar o prazo estipulado no artigo 800, II, do CPP, ou seja, recebidos os autos do APF o magistrado teria cinco dias para decidir, uma vez que as decisões previstas nos incisos do artigo 310 são interlocutórias simples. A crítica ao primeiro entendimento decorre do fato de que o juiz teria um prazo muito exíguo para decidir sobre questão importante, com natureza de decisão interlocutória simples, uma vez que o próprio Código de Processo Penal estipula o prazo de 1 dia para os despachos de mero expediente, na forma do artigo 800, III, do CPP. Assim, prazos tão curtos seriam para atos judiciais mais simples, sob pena de que a pressão para que se decida em 24h enseje decisões mal fundamentadas, ou mesmo equivocadas, ante a quantidade de APFs lavrados pelas delegacias policiais diariamente.

Parece, contudo, mais apropriado, que o juiz aprecie a prisão flagrancial num prazo intermediário de 48h. Um prazo não tão curto a ponto de gerar equívocos ou decisões mal fundamentadas, e não tão longo, uma vez que a intenção do legislador é que a situação prisional do indiciado seja apreciada o mais rapidamente possível. Nesse contexto, considerando-se a necessidade de se dar uma pronta resposta àquele que, inclusive, pode estar preso ilegalmente, ou tem o direito de responder ao processo em liberdade, deve-se aplicar analogicamente o artigo 322, parágrafo único do CPP, que trata do prazo para o juiz decidir sobre a fiança requerida. Decidir sobre fiança é, ainda que de forma indireta, decidir sobre liberdade, e assim, se o legislador conferiu o prazo de 48h para que se decidisse sobre liberdade, esse deverá ser o prazo para que o magistrado aprecie a situação flagrancial do indiciado conferindo-lhe a liberdade provisória com ou sem fiança, relaxe sua prisão ilegal ou convole sua prisão em preventiva.

Do termo de comparecimento aos atos processuais

  O já inexistente parágrafo único do artigo 310 do CPP previa que a liberdade provisória sem fiança era condicionada ao compromisso de comparecimento a todos os atos do processo, a chamada liberdade provisória vinculada. Para renomados autores, o descumprimento desse compromisso poderia ter como consequência a decretação da prisão preventiva do indiciado ou acusado. Nesse sentido leciona o mestre Eugênio Pacelli de Oliveira para quem “o descumprimento da exigência de comparecimento a todos os atos do processo poderá ter como consequência a decretação da prisão do indiciado ou do acusado, porquanto passível de enquadramento nas hipóteses do artigo 312 do CPP.”.[2]

Ocorre que a Lei 12403 aboliu tal medida em relação aos casos em que pode ser concedida a liberdade provisória sem fiança. O novo dispositivo legal simplesmente, no inciso III do artigo 310, indicou que o juiz poderá conceder a liberdade provisória com ou sem fiança. É claro que, fixada a fiança, e quebrada esta, há a possibilidade concreta de ser decretada a prisão preventiva do descumpridor. Essa garantia, porém, não existe quando se trata da liberdade provisória sem fiança, uma vez que o termo de compromisso, após a vigência da nova Lei, restringe-se aos casos previstos no parágrafo único do citado artigo, ou seja, nas hipóteses dos incisos I a III do artigo 23 do Código Penal.

Como, então, garantir que o indiciado ou o réu, postos em liberdade provisória sem fiança não frustrem a instrução criminal deixando de comparecer aos atos do processo. A resposta poderia ser a fixação da fiança, fato, contudo, que tornaria inócua a possibilidade da liberdade provisória sem aquela garantia e, provavelmente, acarretaria grave violação do princípio da isonomia constitucional na medida em que a fixação da fiança como condição para a liberdade provisória de todos os indiciados ou réus aptos a recebê-la muito provavelmente beneficiaria apenas aqueles que possuíssem melhor condição financeira. Esta não deve ser a solução.

É claro que a doutrina e a jurisprudência ainda não se manifestaram suficientemente sobre o tema, mas parece bem claro que uma forma de se garantir a presença do réu aos atos processuais e, com isso, a própria instrução criminal, é utilizar-se do novel expediente da fixação das medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP, principalmente as estampadas nos seus incisos I e IV, quais sejam, “comparecimento periódico em juízo, no prazo e condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar suas atividades” e a “proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução”. Não há óbice para que sejam fixadas medidas cautelares quando concedida a liberdade provisória, muito ao contrário, elas servem para garantir a efetividade do processo criminal e devem ser estipuladas quando o juiz perceber que a instrução corre risco, mas que tal risco não é tão relevante a ponto de impedir a concessão da liberdade e a convolação do flagrante em prisão preventiva.

A garantia que decorre da fixação das referidas medidas cautelares, quando da concessão da liberdade provisória, ainda é maior na medida em que seu descumprimento enseja a decretação da prisão preventiva, nos moldes do parágrafo 4º. do artigo 282 do CPP. Nessa toada, a efetividade da prestação jurisdicional pode ser garantida independetemente da decretação da prisão preventiva, e mesmo sem a previsão legal do termo de compromisso de comparecimento aos atos do processo, bastando, para tal, que o juiz da causa decrete, quando for necessário e suficiente, uma ou mais das medidas previstas no artigo 319 do CPP.

Conclusão

 Muito ainda será debatido, muito ainda será decidido. A pacificação de alguns temas relacionados ao novel dispositivo legal ainda levará algum tempo, outras questões talvez nem mesmo sejam pacificadas. Há que se reconhecer, porém, que o implemento das medidas cautelares de uma forma generalizada, passíveis de serem utilizadas em todos os procedimentos penais, é um grande avanço para a consecução da prestação jurisdicional, uma vez que torna subsidiária a decretação da medida cautelar da prisão preventiva como forma de assegurar a efetivação do processo penal em detrimento de medidas menos gravosas para o réu, mas nem por isso menos eficientes para a garantia de aplicação da Lei Penal.

Bibliografia:

(1) Lima, Renato Brasileiro de. Nova Prisão Cautelar: doutrina, jurisprudência e prática; Niterói, RJ, Editora Impetus, 2011, p. 01.

                               

 (2) Oliveira, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, 8ª. edição, Editora Lumen Iuris, Rio de Janeiro, 2007, p. 449.


[1] Lima, Renato Brasileiro de. Nova Prisão Cautelar: doutrina, jurisprudência e prática; Niterói, RJ, Editora Impetus, 2011, p. 01.

[2] Oliveira, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, 8ª. edição, Editora Lumen Iuris, Rio de Janeiro, 2007, p. 449.