UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI – URCA

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS – CESA

CURSO DE PÓS - GRADUAÇÃO EM DIREITO PENAL E CRIMINOLOGIA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ALGEMAS – SEU USO AFRONTA PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA  E DO ESTADO DE INOCÊNCIA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                                                      

 

 

 

 

 

 

 

DERINEIDE BARBOZA CORDEIRO

 

CRATO – CE

 2010

 

 

 

 

 

 

DERINEIDE BARBOZA CORDEIRO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ALGEMAS – SEU USO AFRONTA PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO ESTADO DE INOCÊNCIA

 

 

 

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Pós Graduação em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Regional do Cariri, sob a orientação do professor  mestre Luiz  Soares de Lima.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CRATO- CEARÁ

 2010

 

 

DERINEIDE BARBOZA CORDEIRO

 

 

 

 

 

 

ALGEMAS – SEU USO AFRONTA PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO ESTADO DE INOCÊNCIA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Banca Examinadora:

 

 

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Orientador(a)

 

 

 

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Examinador(a)

 

 

 

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Examinador(a)

 

 

 

 

 

 

 

                                     Monografia Aprovada em : ________________

 

                       

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                 DEDICATÓRIA

 

 

Ao meu amado e querido pai, que partiu tão inesperadamente e me deixou tão sozinha neste mundo insípido, sem amor, cheio de violência... que falta que você me faz!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

AGRADECIMENTOS

 

Agradeço a Deus, que é Senhor de todas as coisas e que me deu pessoas tão maravilhosas para fazer parte da minha jornada nesta Terra.

À Universidade Regional do Cariri – URCA.

Aos professores do Curso de Pós Graduação em Direito Penal e Criminologia.

Ao meu querido amigo e orientador, Luiz Soares Lima, que sempre dedicou tanto esforço e carinho para conclusão deste trabalho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                      ...” As algemas servem para desnudar o valor do homem”

 

                                                                               Francesco Carnelutti

 

 

 

            

 

SUMÁRIO

 

 

 

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................8

 

I - O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA..........................................10

1.1  – Inspirações filosóficas......................................................................................................15

1.2  – Evolução histórica............................................................................................................19

1.3  – Entendimento doutrinário e jurisprudencial.....................................................................23

 

 

 II -  O ESTADO DE INOCÊNCIA DO ACUSADO ..........................................................25

 

2.1– O Devido processo legal....................................................................................................25

2.2- A Ampla defesa e o contraditório.......................................................................................28

2.3- O princípio constitucional da presunção de inocência.......................................................31

 

 

III – O USO DE ALGEMAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.........37

 

3.1- Etimologia..........................................................................................................................37

3.2-  Breve histórico sobre o uso de algemas............................................................................37

3.2– Regulamentação do uso no Brasil.....................................................................................38

3.3– O uso de algemas afronta a dignidade da pessoa humana.................................................43

 

CONCLUSÃO.........................................................................................................................51

 

 

REFERENCIAL ....................................................................................................................52

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

seu pensamento humanista contribuíram de forma decisiva para a importância de se observar no processo o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e a importância de preservar o estado de inocência do acusado, devendo o indivíduo ser respeitado em seus direitos fundamentais.

A abordagem do tema conterá no capítulo primeiro uma análise do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, mostrando aspectos históricos, filosóficos e entendimento doutrinário e jurisprudencial.

No segundo capítulo abordaremos o estado de inocência do acusado, a ampla defesa e o contraditório e o princípio constitucional da presunção de inocência, dando destaque para temáticas como o respeito ao devido processo legal, onde o acusado terá direito a ampla defesa e ao contraditório, estando em estado de inocência até trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

No capítulo terceiro mostraremos que o uso de algemas afronta de morte princípios constitucionais da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana, fazendo um estudo breve sobre a regulamentação do uso através da Súmula Vinculante Nº 11 do Supremo Tribunal Federal, onde há muitas divergências quanto a sua eficácia.

Os objetivos perseguidos com a pesquisa realizada é mostrar o quanto é de suma e fundamental importância à observância do princípio supremo da dignidade da pessoa humana e do estado de inocência do acusado, preservando assim direitos humanos fundamentais que estão sendo todos os dias vilipendiados por agentes públicos e pela mídia que quer a todo custo denegrir a imagem do homem, tornando-o um animal.

            Precisamos da colaboração de todos para a eficácia e respeito do mesmo dentro da sociedade, mostrando a qualidade peculiar e insubstituível da pessoa humana porque conforme dizia Kant  (apud SARLET, 2007, p. 34) “no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade”.

A dignidade, consoante veremos,  é atributo exclusivo do homem, devendo estar acima de todo o ordenamento jurídico, pois se torna a fonte das fontes do Direito, devendo ser respeitada e concretizada na observância do princípio supremo dentro das sociedades e não podendo ser esquecido em momento algum pelos que operam o Direito.

Demonstraremos que se faz necessário um trabalho conjunto na valoração do princípio da dignidade da pessoa humana, pois é obrigação de todos respeita-la e criar mecanismos para que os direitos fundamentais já consagrados no ordenamento jurídico tenham sua efetivação baseado neste farol.

 

I - O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

 

 

Segundo Santos[1], “a dignidade é atributo humano, sentido e criado pelo homem, sendo, por ele também desenvolvido e estudado, existindo desde os primórdios da humanidade, mas somente  nos  últimos dois séculos percebidos plenamente”. Portanto, a dignidade vem da natureza humana, e sempre existiu entre os homens, mas ao longo dos anos, houve a necessidade de se fazer respeitar . 

Do ponto de vista etimológico, a palavra dignidade vem do latim dignitate e pode ser definida como qualidade de digno, amor-próprio, respeito a si mesmo, honradez pessoal, altivez, decência e honestidade (AULETE, 2004).

Fazendo uma comparação histórica, percebe-se que a idéia de dignidade humana evoluiu consideravelmente ao longo dos anos; porem ainda há bastante desrespeito com relação a mesma, talvez em decorrência das desigualdades sociais e do descontrole econômico. Conforme atestam os fatos, há, ainda, muitos seres humanos experimentando vidas desumanizadas, sobretudo agora com o advento da alta tecnologia.

Com efeito, muitas injustiças continuam sendo praticadas, pois são milhões de pessoas vivendo em absoluta miséria, outra centena de milhões de analfabetos, outros sem moradia, sem saneamento básico, sem atendimento de saúde, outros nas prisões tendo seus direitos básicos sendo desrespeitados, etc. São fatos. Mas há que se identificar uma evolução entre os homens no que tange a reivindicação e construção do principio da dignidade humana, pois

consoante Nunes (2007, p. 25)  “o iluminar da razão se faz aos trancos e barrancos, com lutas e solavancos. Porém, podemos ver por detrás dos fatos elementos normativos do progresso da razão humana”.

Com o passar dos séculos e com o crescimento desordenado das populações humanas e seus inventos, os quais originaram guerras de dominação, surgiram os povos dominantes e os dominados em grandes escalas: os livres e os escravos. O homem passou a dominar outros homens, sobrepujando-se reciprocamente. Então, a dignidade humana respeitada naturalmente pelas sociedades mais rudimentares passou a ser desrespeitada e aviltada, impondo-se aos oprimidos e escravizados as mais indignas situações de degradação de suas culturas e negação de sua liberdade, desnorteando-os para a vida, conforme os estudos de Santos, supra citado.

Segundo Rousseau (2005. p. 31), na espécie humana há dois tipos de desigualdade:

 

Uma, que chamo de natural ou física, porque é estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito, ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida ou, pelo menos autorizada pelo consentimento dos homens.  Consiste esta nos diferentes privilégios de que gozam alguns com prejuízo de outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros, ou mesmo fazerem-se obedecer por eles.

          

A dignidade foi bastante desrespeitada e ainda continua sendo por todo o nosso mundo civilizado, apesar de homens de visão humanista como Rousseau, dentre outros, terem levantando suas vozes contra esta condição humilhante. Por seus escritos filosóficos levaram e levam a sociedade humana a raciocinar sobre este grande problema social.

 

 

Assim, não é possível falar em um sistema jurídico legítimo que não esteja fundado na garantia da intangibilidade da dignidade da pessoa humana, pois houve uma evolução construtiva, que impôs esta conduta. De fato foram vários os pensadores que no transcurso da história humana foram deixando seus rastros capazes de permitir esta evolução, bem como as lutas sociais e de grupos, como as reivindicações das classes trabalhadoras por melhores salários, moradia, direito de greve, trabalho manifestamente indigno, enfim, todas as lutas enfrentadas pelos povos contribuíram de forma decisiva para garantir uma vida com dignidade, com pelos menos um mínimo apenas vital.  

Segundo estudos de Nunes (2007, p. 25) o ponto crucial para alertar a humanidade sobre a dignidade da pessoa humana foi a Segunda Guerra Mundial com o genocídio nazista. Não obstante, sempre tenha existido atrocidades na história humana como escravidão, tortura, mortes na Inquisição e matanças a todo momento em todos os lugares. Porém,  muitas eram legitimadas, e foi,   portanto, lento o aprendizado do Direito para evoluir até se chegar a concepção atual de dignidade.

È bem verdade que houve uma costura histórica na construção deste conceito. Muitos pensadores foram deixando seus rastros, tais como Sócrates, Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Descartes, Hobbes, Rousseau, dentre outros até chegar aos pensadores contemporâneos.

Foi a partir da segunda metade do século XX que o princípio se  funda na garantia da intangibilidade da dignidade da pessoa humana, na aquisição da igualdade entre as pessoas, na busca da efetiva liberdade, na realização da justiça e na construção de uma consciência que preserve integralmente esses princípios. O conceito de dignidade foi sendo elaborado no decorrer da história e chega ao início do século XXI repleto de si mesmo como um valor supremo, construído pela razão jurídica.

Häberle, citado por Sarlet (2005, p. 99) afirma que a dignidade humana apresenta-se, de tal sorte, como “valor jurídico mais elevado dentro do ordenamento constitucional, figurando como valor jurídico supremo”. O caráter pré-positivo da dignidade humana é, neste sentido, implicitamente evocado.  Portanto é notório que a dignidade humana é o fim supremo de todo direito, é a fonte das fontes, e está na base de todos os direitos fundamentais.

A dignidade da pessoa humana é posta como um dos princípios da República Federativa do Brasil e de todo o sistema constitucional e dá guarida aos direitos individuais. Na nossa Constituição Federal encontramos importantes artigos que protegem a dignidade da pessoa humana, como no art. 1º., inciso III, onde a mesma é  colocada como fundamento da República[2] e no art. 5º. Caput, que coloca todos iguais perante a lei.[3]

O princípio da dignidade da pessoa humana deve estar acima de qualquer figura jurídica, pois é preciso respeitar o homem como um todo, uma vez  que sua dignidade nasce com o mesmo, sendo-lhe, portanto,  inata, inerente à sua essência.   A pessoa humana, por sua inteligência e possibilidade de exercer sua liberdade, destaca-se dos demais seres irracionais, por todas estas características que expressam um valor e fazem do homem, não mais um mero existir, pois tem domínio sobre a própria vida, supera-se e é a raiz da dignidade humana. Portanto, toda pessoa humana, pelo simples fato de existir , independente de condição social, traz consigo a superioridade racional a dignidade de todo ser  (NUNES, 2007, p. 49).

O estudo da dignidade leva, desse modo, necessariamente, a considerar o homem em sua globalidade, dessa forma o respeito à dignidade deve ser reconhecido como um direito absoluto do homem e a luta pela justiça é fundamental, é a busca da consagração da dignidade da pessoa humana, que se opõe ao formalismo jurídico.

O fato é que a dignidade da pessoa humana  continua, talvez mais do que nunca, a ocupar um lugar central no pensamento filosófico, político e jurídico, do que dá conta a sua já referida qualificação como valor fundamental da ordem jurídica, para expressivo número de ordens constitucionais, pelo menos para as que nutrem a pretensão de constituírem um Estado Democrático de Direito.

Ainda é válido lembrar que a dignidade não existe apenas onde é reconhecida pelo Direito e na medida que este a reconhece, já que se cuida do valor próprio da natureza  do ser humano como tal, e é justamente neste sentido que a dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais, e ao nosso sentir, da comunidade em geral , portanto, não podendo ser a dignidade perdida ou alienada, devendo o Estado guiar as ações que preservem a dignidade existente e criar condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da mesma.

Conforme Sarlet ( 2007, p. 53),   clarificando o que seja dignidade da pessoa humana:

 

 É importante considerar que só a dignidade de determinada pessoa poderá ser desrespeitada, pois inexiste atentados contra a dignidade da pessoaem abstrato. Comojá era transparente no pensamento Kantiano, que a dignidade era atributo da pessoa humana individualmente considerada, razão pela qual não se poderá confundir as noções de dignidade da pessoa e de dignidade humana, quando esta se referir à humanidade como um todo. No contexto da Constituição de 1988, ao referir-se à dignidade da pessoa humana como fundamento da República e do nosso Estado democrático de Direito, neste sentido, a concepção de dignidade tem por escopo o indivíduo, pessoa humana, e não a dignidade de toda a humanidade.

 

Segundo afirma Nunes (2007, p.26), não se pode permitir textos constitucionais que violem o princípio da dignidade da pessoa humana, sob pena de repúdio, pois é trata se de principio universal presente na luta de todos os estudiosos do Direito e de todos os que com o Direito lidam.

 

1.1– Inspirações filosóficas

            Leciona Sarlet (2007, p. 30), que no pensamento filosófico e político da antiguidade clássica, verifica-se que a dignidade da pessoa humana dependia, em regra, da posição social ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade, daí poder falar-se em uma quantificação e modulação da dignidade, no sentido de se admitir a existência de pessoas mais dignas ou menos dignas. Por outro lado, já no pensamento estóico, a dignidade era tida como a qualidade que, por ser inerente ao ser humano, o distinguia das demais criaturas, no sentido de que todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade.

Os filósofos que mais se destacaram em discutir  sobre a dignidade da pessoa humana foram Immanuel  Kant e Hegel. Para Kant o homem possui uma dignidade, isto é, um valor supremo absoluto, que lhe permite comparar-se com cada ser humano e considerar-se em pé de igualdade. A igual dignidade de todos os homens se funda na  igualdade de todos. Por isso, todos os homens são iguaisem dignidade. Assim, negar-lhe a dignidade significa considera-lo inferior e, portanto, não mais como ser humano, segundo Maurer, citado por Sarlet (2005).

Ainda em Sarlet (2005, p. 81) encontramos de modo muito significativo o pensamento de Kant, em cuja concepção a dignidade parte da autonomia ética do ser humano, sendo fundamento o fundamento de suas ações e não podendo tratar ou ser tratado como objeto.  Assim, diz Kant (apud SARLET, 2005, p.80) “o respeito é aplicado sempre unicamente às pessoas, nunca às coisas.”  Para ele a palavra respeito é muito forte, e a exigência de respeito para Kant é dupla, traduzindo o direito de que sua dignidade seja respeitada pelo outro e o dever de respeitar sua própria dignidade e a do outro.

Para Sarlet (2007, p.33) Kant construiu sua concepção a partir da natureza racional do ser humano,entendendo a autonomia da vontade como faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas leis. Para Kant, conforme Sarlet

 

                                    O Homem, e, duma maneira  geral, todo o ser racional existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para  o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em  todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre  se ser considerado simultaneamente como um fim... Portanto, o valor de todos os objetos que possamos adquirir pelas nossas ações é sempre condicional. Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio ( e é um objeto de respeito).

 

 

Segundo Seelman, (apud SARLET, 2005, p. 46) na filosofia prática kantiana, o respeito a dignidade do outro  não é,  na “Metafísica dos Costumes” , um dever jurídico eventualmente imposto pela violência, e sim um dever de virtude. E que no meio caminho entre os dois o dever jurídico e o dever de virtude, está o amor ao próximo.

Ainda segundo Kant (apud SARLET, 2007, p. 34) há que se destacar a qualidade insubstituível do ser humano, pois

 No reino dos fins tudo tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra coisa equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade... Esta apreciação dá pois a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo o preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ferir a sua santidade.

 

 

Para Kant a dignidade da pessoa humana poderia ser atingida sempre que o indivíduo fosse rebaixado a objeto, a mero instrumento, tratado como coisa, em outras palavras, sempre que o ser humano venha ser descaracterizado e desconsiderado como sujeito de direitos.

Já no século XVII, Blaise Pascal (apud SARLET, 2007, p. 33) chegou a afirmar  que “não é do espaço que devo procurar minha dignidade, mas da ordenação do meu pensamento”.

Para Hegel (apud SARLET, 2007, 37) alguns contrapontos destacam-se na sua concepção desenvolvida na filosofia do Direito, sustentando, de certo modo, a partir de uma perspectiva escolástica – encontrada em Tomás de Aquino – que a dignidade também é uma qualidade a ser conquistada. Hegel foi um dos grandes expoentes do idealismo filosófico alemão do século XIX, sua noção de dignidade sintetiza o concreto,  o universal, assim como o individual e o comunitário. Para ele o ser humano não nasce digno, mas torna-se digno a partir do momento que assume sua condição de cidadão.

Hegel não foi um filósofo preocupado com a eminente dignidade da pessoa humana,  para ele há três planos nos quais o tema dignidade da pessoa humana é tratado. As pessoas têm dignidade no reconhecimento como pessoas iguais para a titularidade de direitos, no reconhecimento recíproco, como sujeitos dotados de necessidades distintas, e o reconhecimento recíproco que perdoa mutuamente, de um infinito valor do outro que é idêntico. Os dois primeiros planos são, para Hegel, imperativos jurídicos, o respeito da pessoa como um todo e o respeito da necessidade em certa medida. 

O terceiro plano, o da dignidade no sentido enfático, é, para Hegel, um assunto da Filosofia da Religião. O respectivo plano mais elevado resulta, para Hegel, de deficiências dos anteriores. Portanto, só se consegue enquadrar Hegel com dificuldade na tríade da “teoria da prestação”, “teoria da dádiva” e “teoria do reconhecimento” da dignidade da pessoa humana. Sua concepção de dignidade da pessoa humana deixa-se compreender, mais provavelmente, como uma diretriz no sentido da proteção da possibilidade de realizar prestações – e não como uma compensação de tais prestações. O problema da proteção, e com isso, a dimensão jurídica no terceiro plano, o da dignidade no sentido enfático, não chegou a ter um significado em Hegel.

Mesmo com alguns pontos em comum, já percebidos a partir destas premissas, Hegel afasta-se de Kant e, com isso,  da maioria dos autores que o acompanham – notadamente ao não se fundar a sua concepção de pessoa e dignidade em qualidades inerentes a todo e qualquer ser humano, além de não condicionar a condição de pessoa, sujeito e dignidade à racionalidade.

Para Maurer (apud SARLET, 2005, p. 59),  há diferentes harmonias filosóficas, construindo assim uma tipologia dos sentidos filosóficos da dignidade – mesmo sendo, discutível e limitada. Considerando três grupos: os que estabelecem a dignidade como um absoluto transcendental e prévio a tudo, os imanentistas, que as inscrevem numa progressão histórica, e, finalmente, os que a negam.

Temos pensadores bem diferentes como Cícero, Pascal, Kant, Levinas, Mounier ou ainda, Gabriel Marcel, para quem a dignidade é um absoluto e inalienável. Para eles, a dignidade é aquilo que faz com que um ser humano seja uma pessoa humana, e isso não pode ser questionado. Para Kant ela se revela na grandeza do homem, e ao mesmo tempo, para Pascal, Levinas ou Gabriel Marcel, a dignidade do homem se manifesta no fato de ele se saber mortal. (Maurer apud SARLET, 2005, p. 68).

Do outro lado, temos aqueles para os quais a dignidade da pessoa humana, cujo fundamento é tão imanente, desenvolve-se, fortalece-se  e está por vir. Assim o é para Hegel:

 

 

O homem não tem nenhum valor próprio, apenas oferece sua contribuição na Razão, encontrando também sua dignidade no seu desenvolvimento a serviço do Estado. Assim pensa Marx, que concebe a dignidade apenas como uma conquista histórica do homem, finalmente desalienado, sempre em evolução, segundo Maurer. ( apud SARLET, 2005, p. 68 )

 

Finalmente, reunimos no terceiro grupo os pensadores que negam a dignidade da pessoa. O mais resoluto é Lévi Strauss. Para ele, cujo pessimismo foi nutrido pelos horrores da Segunda Guerra Mundial, é preciso suprimir a idéia da superioridade do homem em relação ao animal. Sua pretensa dignidade é um mito. O psicólogo americano Skinner, afirma que as noções de liberdade e de dignidade são ilusões.

 

1.1    -  Evolução histórica

Segundo Bernardo (1997) atribui-se ao pensamento estóico e ao cristianismo os primeiros registros do tema. Inspirando-se em Heráclito, Platão e Aristóteles, os estóicos e outros filósofos desenvolveram a noção de lei natural. Esta lei governa o Cosmos e definia a natureza dos homens e o seu lugar na hierarquia cósmica.

Os estóicos, a partir do século III a.C., desenvolveram uma ampla concepção de lei natural deduzido da ordem que governa o mundo. Esta é de natureza racional e pode ser conhecida pela razão humana. Os homens são livres e iguais, cabendo-lhes escolher entre harmonizarem as suas ações com a lei eterna, obtendo a felicidade; ou irem contra ela e serem infelizes.  Para os estóicos, a dignidade seria uma qualidade inerente ao ser humano e o distinguiria dos demais.

                        Havia uma preocupação com a obediência às leis do universo, isto é a lei eterna, ou lei divina. Cumpri-las e encontrar a felicidade ou infringi-las é ser infeliz.

                        O Cristianismo, seguindo a tradição judaica, afirma que existe apenas um único Deus, criador de todas as coisas. Deus criou não apenas o mundo, mas definiu a lei que o governa. A lei natural subordina-se a lei divina. Os homens são filhos de Deus e possuem apenas uma única natureza, tendo sido criados à sua imagem e semelhança.[4]

Violar a dignidade da criatura seria, em última análise, a violação da vontade do próprio Criador. Esta mensagem do Cristianismo foi deturpada desde o momento que o poder político passa a influenciar a igreja e vai criando crises, abusos e violações a dignidade do homem mesmo dentro da igreja, ignorando assim a dignidade defendida por Cristo.

No período da Idade Média, Tomás de Aquino, foi o principal pensador e dedicou-se ao estudo e desenvolvimento do tema. Mais tarde,  outros grandes pensadores da Idade Moderna  defenderam a idéia da existência de dignidade em todos os seres humanos.

Immanuel Kant, aquele que mais influenciou e ainda influencia nos dias atuais nos delineamentos do conceito, propôs o seu imperativo categórico, segundo o qual o homem é um fim em si mesmo, não podendo nunca ser tratado como coisa, ou utilizado como meio de obtenção de qualquer objetivo. As coisas têm um preço. As pessoas, dignidade.

Com a Segunda Guerra Mundial e os horrores perpetrados contra a dignidade do homem, o pensamento kantiano ressurge com grande vitalidade. Desta forma, o princípio da dignidade da pessoa humana foi positivado na maioria das Constituições do pós-guerra, bem como na Carta das Nações Unidas, de 26 de junho de 1945, onde consta fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano.

Toda evolução encontrou o seu coroamento na Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada pela Assembléia Geral da organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948. De um lado se inscrevem os direitos fundamentais, ditos da primeira geração – as liberdades -, e os da segunda geração – os direitos sociais.

Nela estão a liberdade pessoal, a igualdade, com a proibição de discriminações, os direitos à vida e à segurança, a proibição de prisões arbitrária, o direito ao julgamento pelo juiz natural, a presunção de inocência, a liberdade de ir e vir, o direito de propriedade, a liberdade de pensamento e crença, inclusive religiosa, a liberdade de opinião, de reunião, de associação, mas também direitos “novos” como o direito de asilo, o direito a uma nacionalidade, a liberdade de casar, bem como direitos políticos – direito de participar da direção do país -, de um lado, e, de outro, os direitos sociais – direito à seguridade, ao trabalho, à associação sindical, ao repouso, aos lazeres, à saúde, à educação, à vida cultural -, enfim, numa síntese de todos estes, o direito a um nível de vida digno, que compreende o direito à alimentação, a moradia, ao vestuário, ou seja, os meios de subsistência, conforme estudos de (FILHO, 2005, p. 53).

Na Declaração Universal das Nações Unidas (1948), no seu artigo 1º, está incurso que todos os seres humanos nascem livres em dignidade e direitos. [5]

Segundo Härbele (apud SARLET, 2005, p. 91 ) [6] a dignidade humana como reação aos horrores e violações na Segunda Guerra Mundial, é nesses textos, digna de nota, mas também importa destacar a dimensão da prospectiva da dignidade, apontando para a configuração de um futuro compatível com a dignidade da pessoa.

A partir dos referenciais fornecidos pela Carta das Nações Unidas, pela Declaração Universal de Direitos Humanos  e pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, também o preâmbulo da Convenção das Nações Unidas sobre Tortura, de 1948, refere-se ao reconhecimento de que esses direitos derivam da dignidade do homem.  Já no âmbito constitucional europeu, o art. 1º. a Carta de Direitos Fundamentais da União Européia (2000) normatiza a cláusula da dignidade humana pela primeira vez.

Na Alemanha, já na Constituição de Weimar (1919) havia uma disposição textual sobre a dignidade humana. O art. 151, inciso III, assim dispunha: “a disciplina da atividade econômica deve corresponder aos princípios da justiça, com vista a assegurar uma existência humana digna para todos.”

Segundo Peter Häberle (apud SARLET, 2005, p. 92 ), nas Constituições estaduais da Alemanha após 1945 e 1989, foram generosas em matéria de dignidade humana. Cláusulas a respeito da dignidade humana encontram-se, em parte nos seus preâmbulos, mas também em seus catálogos de direitos fundamentais. Preâmbulos como essência de uma Constituição, conferem um significado singular à dignidade humana como ponto de partida.

Em nosso ordenamento jurídico, foi positivado pela Constituição da República de 1988, que o elencou no seu art. 1º., inciso  III, como fundamento da República Federativa do Brasil, criando, uma verdadeira cláusula geral de tutela da pessoa humana.

Encontramos importantes artigos nesse sentido que põe como objetivos fundamentais entre outros, art.3º, inciso III, a erradicação da pobreza e da marginalização a fim de reduzir a desigualdade social e regional; art. 5º, caput, que coloca todos iguais perante a lei, e seu inciso III, que proíbe a tortura, o tratamento desumano ou degradante; art.6º, que determina a assistência aos desamparados; o art. 193 que dá como base da ordem social o bem estar e a justiça social, o art. 231 que reconhece aos índios sua organização social como um todo, protegendo-os.

Portanto, temosem nossa MagnaCartaamplos dispositivos legais de proteção à dignidade humana, faltando tão somente colocá-los em prática. 

 

1.3 – Entendimento doutrinário e jurisprudencial

Segundo Häberle (apud SARLET, 2005, p. 116), o Estado constitucional, bem como a cláusula da dignidade humana, foi preparado por meio de um longo desenvolvimento científico e constitui o resultado - provisório -  de muitos processos: a dignidade humana cristalizou-se em textos jurídicos depois de ter sido culturalmente trazida à tona por meios de clássicos como Kant. A “dignidade humana” situa-se no contexto dos fenômenos a serem manejados de forma interdisciplinar e científico – cultural. 

Ainda conforme Häberle, (apud SARLET, 2005, p. 90) no direito internacional, as referências à dignidade humana encontram-se sobretudo nos preâmbulos. Na Carta das Nações Unidas, de 26 de junho de 1945, consta:

 

 Nós, os povos das Nações Unidas – afirmamos com firmeza, [...] nossa crença nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor da personalidade humana [...] e no compromisso de renovadamente fortalece-los [...].

 

 

Na programática Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948 consta também no preâmbulo: “ [...] o reconhecimento da dignidade inerente a todos os componentes da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis [...]”.  O art. 1º., por sua vez, dispõe que: “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Eles são portadores de razão e de consciência e devem tratar uns aos outros com espírito de fraternidade”.

Portanto, a cláusula da dignidade humana prevista em muitos textos em muitos dos Estados Constitucionais integrantes da “Família das Nações”, conforme comparativos dos respectivos textos constitucionais.

A discussão pré – constitucional a respeito da dignidade humana preparou apenas culturalmente os textos jurídicos do tema. Cada manifestação científica, especialmente filosófica ou sociológica, a respeito da problemática da dignidade humana é potencialmente recepcionada no plano jurídico como elemento produtivo para um texto consagrador da dignidade humana “no sentido da Constituição”

Hoje inúmeros autores estudiosos do princípio da dignidade da pessoa humana  reconhecem na Constituição Federal a existência do dispositivo dotado de força normativa capaz de reclamar eficácia. Estes autores, dentre eles Sarlet, defendem o status jurídico – normativo do principio da dignidade humana no âmbito de nosso ordenamento constitucional. Afirmam que em outras ordens constitucionais, onde igualmente a dignidade da pessoa humana foi objeto de expressa previsão, nem sempre houve clareza quanto ao seu correto enquadramento, tal fato não ocorre, ao menos aparentemente entre nós. Inspirando-se, neste particular, especialmente no constitucionalismo lusitano e hispânico, o Constituinte de 1988 preferiu não incluir a dignidade da pessoa humana no rol dos direitos e garantias fundamentais, guindando-a, pela primeira vez à condição de princípio (e valor) fundamental, no art. 1º., inciso III.

Embora ainda não assimilada pela totalidade dos doutrinadores e operadores jurídicos de que o dispositivo não se confunde com a norma nele contida, nem com as posições jurídicas por estas outorgadas, já que cada direito fundamental pressupõe necessariamente uma norma jusfundamental que o reconheça. Verifica-se que o dispositivo constitucional no qual se encontra enunciada a dignidade da pessoa humana, no caso do art. 1º., inciso III, da Constituição de 1988, contém não apenas mais de uma norma, mas que esta, para além de seu enquadramento na condição de princípio (e valor) fundamental, é também fundamento de posições jurídico-subjetivas, isto é, normas definidoras de direitos e garantias, mas também de deveres fundamentais(SARLET, 2007) 

Bernardo[7] em artigo publicado em meio eletrônico fala sobre a resistência às mudanças do ser humano, principalmente no universo jurídico no sentido da aplicabilidade direta dos princípios constitucionais nas relações jurídicas privadas, e opina sobre a necessidade da edição de regras jurídicas para a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana, entendendo o mesmo que seja fundamental se editar normas infraconstitucionais que procurem adaptar a legislação existente a tábua axiológica da Constituição Federal.

Alega ainda o supra mencionado autor que no cotidiano verificamos a resistência dos julgadores à utilização de técnicas como a ponderação é enorme, prevalecendo soberana a subsunção, o que gera situações que se afastam de forma abissal da efetiva realização do princípio da dignidade da pessoa humana.

 

II -  O ESTADO DE INOCÊNCIA DO ACUSADO

 

2. 1 - o devido processo legal

 

 

            Jurisdição é poder que pertence ao Estado para este resolver as contendas, delegar às autoridades judiciárias, é o poder de dizer o direito, de resolver os litígios. O processo, por seu turno, é a operação pela qual o Estado, através do Poder Judiciário presta a tutela jurisdicional.      Portanto, jurisdição e processo são dois institutos indissoluvelmente vinculados. O direito à jurisdição, é também, o direito ao processo, como meio indispensável à realização da Justiça.

            O devido processo legal consiste na garantia de um processo regular para que haja um julgamento justo.

            Com efeito, o princípio fundamental do devido processo legal, pertinente ao processo em geral, ou Due Process Of Law, expressão originária do Direito inglês é considerado o alicerce, à base de todos os outros princípios.

                        Registram que a primeira ordenação jurídica que teria feito menção ao referido princípio foi Magna Charta de João Sem Terra, no ano de 1215, quando se reportou à Law of the land, sem, entretanto, se referir diretamente ao devido processo legal. O termo, entretanto, foi utilizado por uma lei inglesa em 1354, durante o reinado de Eduardo III, lei essa de autoria de um legislador desconhecido, quando vaticionou: “ None shall be condemned without trial. Also, that no man, of what state or condition that he be, shall be put out of land or tenement, nor taken or imprisoned, nor disinherited, nor put to death, without being brougth to answer by due process of law’’.

            Posteriormente, nos Estados Unidos da América do Norte, o princípio foi inserido na Lex Mater daquele país através da Emenda Nº V, de 1789, e posteriormente, a Emenda Nº XV exigiu que os Estados- membros concedessem a seguinte garantia: “Nenhum Estado privará qualquer pessoa de sua vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal, nem denegará dentro de sua jurisdição, a qualquer pessoa, a igual proteção das leis”.

            Na atualidade, quase todos os estados democráticos contemporâneos incorporaram em seu ordenamento constitucional o devido processo legal.( DINIZ, 1998, p. 133)[8]

            No nosso ordenamento jurídico, o direito ao devido processo legal vem consagrado na Constituição Federal no art. 5º., incisos LVI e LV, ao estabelecer que ninguém será privado da sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal e ao garantir a qualquer acusado em processo judicial o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes. Além destes dois incisos há outros que também fazem parte  das garantias judiciais estabelecidas na Carta Magna, a saber: “ ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, inviolabilidade da intimidade, da vida privada da honra, da casa, da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas e da imagem das pessoas”, não haverá juízo ou tribunal de exceção”, não crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”, “nenhuma pena passará da pessoa do acusado”, individualização da pena”, “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”, “inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meios ilícitos”, “não

culpabilidade até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, publicidade dos atos processual”, “direito ao silêncio”, etc.

            Diante de todas estas garantias estabelecidas no texto constitucional, o devido processo legal pressupõe o contraditório, ou seja, a paridade de armas, a defesa se pronunciar sempre após a acusação, a garantia da ampla defesa, o duplo grau de jurisdição, a proibição das provas ilícitas.

            O devido processo legal é atualmente atribuído a grande responsabilidade de ser um princípio fundamental, ou seja, sobre ele repousam muitos outros  princípios constitucionais, ou seja, é ele um super princípio.

            A garantia constitucional do devido processo legal exige que se dê às partes a tutela jurisdicional adequada. Além disso, aos sujeitos do processo devem ser conferidas amplas e iguais oportunidades para alegar e provar fatos inerentes à consecução daquela tutela.

            Segundo Lucon (apud SANTOS), em artigo publicado por meio eletrônico, “o princípio – garantia, do devido processo legal não pretende apenas a observância do procedimento estatuído na lei, com a realização de todos os atos inerentes a ele: pretende também a efetividade da tutela jurisdicional, concedendo proteção àqueles que merecem e necessitam dela”[9]

            É preciso que se diga que o princípio do devido processo legal inicialmente tutelava especialmente o direito processual penal, mas já se expandiu para outros ramos do direito, como o processual civil e até o administrativo.

            Conforme as palavras de Grinover e dinamarco ( apud SANTOS), “o devido processo legal como princípio constitucional, significa o conjunto de garantias de ordem constitucional, que de um lado asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes de natureza processual e, de outro, legitimam a própria função jurisdicional.”

            Na verdade, o devido processo legal material não apresenta limites e, pode abranger quaisquer direitos que a imaginação permita conceber.

                       

 

2. 2 – A ampla defesa e o contraditório

 

 

            Nossa Lei Maior consagrou os dois princípios em seu inciso LV, art 5º: “ Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

O Princípio do Contraditório contém o enunciado de que todos os atos e termos processuais devem primar pela ciência bilateral das partes, e pela possibilidade de tais atos serem contrariados com alegações e provas.

O contraditório se efetiva assegurando-se os seguintes elementos: a) o conhecimento da demanda por meio de ato formal de citação; b) a oportunidade, em prazo razoável, de se contrariar o pedido inicial; c) a oportunidade de produzir prova e se manifestar sobre a prova produzida pelo adversário; d) a oportunidade de estar presente a todos os atos processuais orais, fazendo consignar as observações que desejar; e) a oportunidade de recorrer da decisão desfavorável.

O Contraditório é tido mesmo como o princípio norteador do próprio conceito da função jurisdicional. No entanto, o texto constitucional foi claro ao expressar o alcance do princípio para fora do âmbito processual civil. Assim é que a bilateralidade passa a ser necessária não apenas para os procedimentos judiciais, mas também para os administrativos.

Nesse mesmo delineamento, insurge-se o Princípio da Ampla Defesa, que traduz a liberdade inerente ao indivíduo no âmbito do Estado Democrático de Direito, em defesa de seus interesses, alegar fatos e propor provas. Neste aspecto, mostra-se evidente a correlação entre a Ampla Defesa e o Amplo Debate (Princípio do Contraditório), não sendo concebível falar-se em um sem pressupor a existência do outro – daí a inteligência do inciso LV, do artigo 5.º Constitucional, em agrupá-los em um dispositivo. A Ampla Defesa abre espaço para que o litigante exerça, sem qualquer restrição, seu direito de defesa.

O Princípio da Ampla Defesa é aplicável em qualquer tipo de processo que envolva o poder sancionatório do Estado sobre as pessoas físicas e jurídicas.  Nessa linha, já restando claro o íntimo relacionamento entre o Contraditório e a Ampla Defesa, resta explicar como conceber a aplicação de tais preceitos perante o Direito Penal Brasileiro.      

O contraditório, assegurado em sede constitucional no mesmo dispositivo normativo que garante a plenitude de defesa, é tido como instrumento técnico por meio do qual se torna possível efetivar a ampla defesa no processo penal. Não ocorre, entretanto, primazia entre a defesa e o contraditório, visto que ambos são manifestações da garantia genérica do devido processo legal.

O princípio do contraditório compreende, em suma, o direito de acusação e defesa, é fundamental que o contraditório seja pleno e efetivo, assegurando às partes – Ministério Público e acusado – um tratamento igualitário, garantindo-se paridade de armas no processo penal. Daí decorre o princípio da igualdade das partes, segundo o qual exigi-se o mesmo tratamento aos que se encontrem na mesma posição jurídica no processo.

Sendo a acusação exercida por uma instituição forte e oficial do Estado, tendo o acusado, via de regra, somente o auxílio de seu advogado.  Ademais, no processo penal, a garantia individual da liberdade de ir e vir do indivíduo encontra-se ameaçada. Assim sendo, entendem os doutrinadores Scarance e Tourinho Filho (apud GARCIA)[10], em monografia publicada por meio eletrônico:

Que no conflito entre o ius puniendi estatal e ius libertatis do réu, este deve ser favorecido, não havendo, no particular, ofensa ao princípio constitucional da isonomia. Aliás, o tratamento diferenciado no processo penal em favor da defesa encontra respaldo nos consagrados princípios do in dúbio pro reo e favor rei.

 

 

 

 

            Sobre o tema, ainda merece transcrever as palavras do mestre Scarance, que esclarece:

 

Mas quando se afirma  que as duas partes devem ter tratamento paritário, isso não exclui a possibilidade de, em determinadas situações, dar-se uma delas tratamento especial para compensar eventuais desigualdades, suprindo-se o desnível da parte inferiorizada a fim de, justamente, resguardar a paridade de armas.

 

            Portanto, a ampla defesa e o contraditório no processo legal são alguns dos muitos direitos e garantias individuais assegurados pela Constituição, todos eles visando o reconhecimento de princípios de um verdadeiro “Estado de Direito”, que nasceu de movimentos revolucionários, quando se estabeleceu o princípio da legalidade, como dupla garantia, a de que o cidadão poderia fazer tudo o que a lei expressamente não lhe proibisse e a de que o Estado só poderia fazer o que a lei expressamente o autorizasse.

 

2. 3 – O princípio constitucional da presunção de inocência

 

           

            O princípio da presunção de inocência se encontra em muitos dos dispositivos legais do mundo civilizado, parecendo-nos indispensável algumas citações, para que possamos compreender a sua amplitude e seu significado.

 

            Após a Revolução Francesa, se espalhou pelo mundo o pensamento jurídico liberal, sendo este postulado enraizado no contexto do Princípio do Devido Processo Legal.

            Sua origem remonta à Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão de 1791, depois o princípio repercutiu universalmente, tendo sido reproduzido, mais recentemente na Declaração dos Direitos Humanos, da ONU, de 1948, que consagrou em seu art. 11: “Toda pessoa acusada de delito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa”.

            Todavia, mesmo o Brasil tendo participado com presença e voto na Assembléia Geral das Nações Unidas de 1948, que deu origem a Declaração dos Direitos Humanos, o mesmo só veio positivar o princípio da presunção de inocência em nosso Ordenamento Jurídico, com o advento da Constituição Federal de 1988, portanto, permanecendo uma lacuna de 40(quarenta) anos.

         O princípio da presunção de inocência ou do estado de inocência do acusado, é um desdobramento do princípio do devido processo legal, estando previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que assim dispõe: “ ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Sendo um dos princípios consagrados como garantia processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal.

            Para o jurista italiano Fracesco Carrara (apud SCHEREIBER)[11], o qual partia da premissa de que o processo penal tinha finalidade própria e específica à proteção dos inocentes frente à atuação punitiva do Estado. Sua concepção de processo penal era construída em torno da idéia da presunção de inocência. Carrara vê tal presunção como "un principio estructurador que extiende su eficacia sobre el proceso penal en su conjunto. Todo el proceso penal se pone al servicio de la presunción de inocencia".

            Com efeito, a consagração do princípio da presunção da inocência na Declaração de 1789 reflete uma nova concepção do processo penal defendida por pensadores iluministas em reação ao sistema persecutório que marcara o antigo regime, no qual a prova dos fatos era produzida através da sujeição do acusado à prisão e tormento, com o fim de extrair dele a confissão. É nessa mudança de foco, em que o processo penal deixa de ser um mero instrumento de realização da pretensão punitiva do Estado, para se transformar em instrumento de tutela da liberdade, que está a chave para se compreender o conteúdo e alcance do princípio da presunção de inocência.

            A partir dessa premissa, tornam-se irrelevantes as críticas calcadas unicamente na impropriedade terminológica de se presumir inocente aquele que está sendo processado criminalmente. E, como se verá a seguir, acaba por ser irrelevante a diferença que se pretende acentuar entre o texto contido na Declaração de 1789 e o dispositivo constitucional brasileiro.

            De fato, ainda que o dispositivo adotado pela Constituição de 1988 tenha sido engendrada na Itália pós-fascista, a partir das críticas capitaneadas pelas escolas positiva e técnico jurídica à presunção de inocência, o certo é que na prática judiciária brasileira não se estabeleceu diferença entre os princípios da presunção de inocência e da desconsideração prévia de culpabilidade. O exame da jurisprudência de nossos tribunais superiores demonstra que nunca se pôs tal diferença como fundamento para restringir o campo de aplicação do princípio da presunção de inocência. Mais do que isso: as expressões presunção de inocência e presunção de não culpabilidade são utilizadas como se fossem sinônimos.

            A aplicação mais comumente defendida pela doutrina da norma sob exame dá-se no campo probatório. Nessa primeira formulação, o réu ser presumido inocente significa, por um lado, que o ônus de provar a veracidade dos fatos que lhe são imputados é da parte autora na ação penal (em regra, o Ministério Público) e, por outro lado, que se permanecer no espírito do juiz alguma dúvida, após a apreciação das provas produzidas, deve a querela ser decidida a favor do réu. (SCHEREIBER, 2005).

            O Jurista Luiz Flávio Gomes (apud SHEREIBER)[12]registra que a acusação tem o ônus de provar cada um dos fatos que integram o tipo penal e a participação nos mesmos do acusado. Provados os fatos e a atribuição da culpa ao acusado, presumem-se contra o réu a ilicitude e a culpabilidade. Caberá então à defesa provar eventuais causas excludentes de ilicitude e de culpabilidade.  

            Vê-se, pois, que há no processo penal, assim como no processo civil, regras de distribuição dos ônus da prova, sendo incorreto afirmar que toda a prova a ser produzida cabe ao Ministério Público.

            Alguns autores, entretanto, afirmam que o ônus da prova no processo recai integralmente sobre o Ministério Público. Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró (apud SCHEREIBER)[13] sustenta que o Ministério Público tem o ônus de provar não só a tipicidade, mas também a antijuridicidade e a culpabilidade, pois estas são partes integrantes do fato constitutivo do direito de punir e não, como normalmente se alega, fato impeditivo do direito de punir a ser provado pelo réu. Para o autor, se o réu alega que agiu em legítima defesa está na verdade negando o cometimento do delito, cabendo ao Ministério Público produzir a prova de que a legítima defesa não ocorreu. Parece-me, contudo, que o debate a respeito do ônus da prova subjetivo – se compete ao autor ou ao réu provar a ocorrência da dirimente – deixa de ser relevante diante da afirmação de que no direito processo penal não importa a quem competia produzir a prova de determinado fato, a dúvida será sempre dirimida a favor do réu. Em outras palavras, não importa qual das partes tinha originariamente o ônus de provar. A questão é saber se o juiz decidirá, em caso de dúvida, distribuindo o ônus da prova  e julgando a lide contra a parte que não se desincumbiu satisfatoriamente de seu ônus ou adotando o in dubio pro reo, regra de julgamento que se extrai da presunção de inocência.

            O impacto da adoção do princípio da presunção da inocência pela Constituição Federal sobre o instituto da prisão cautelar ensejou alguns debates doutrinários que vale a pena registrar. De início sustentou-se que o art. 5º, LVII, da Constituição de 1988, revogara o instituto da prisão cautelar. No entanto tal tese foi logo rechaçada pelo Poder Judiciário, inclusive sob o fundamento de que a própria Constituição Federal referiu-se à prisão em flagrante, esta modalidade de prisão processual, à liberdade provisória e à fiança, sendo os mesmos institutos correlatos, respectivamente nos incisos LXI, LXVI, XLIII, XLIV, de seu artigo 5º. Ademais a compatibilidade entre a presunção de inocência e a prisão processual decorre da própria enunciação original do princípio na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que se refere à possibilidade, ainda que excepcional, de detenção do imputado.

            Como fruto do questionamento a respeito da constitucionalidade das prisões provisórias foi editada a súmula 09 pelo Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos: "a exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência". O exame dos julgados que deram origem à súmula demonstra que o debate que se travou naquele momento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça referiu-se apenas à compatibilidade do princípio da presunção de inocência com as prisões processuais. Não se chegou a discutir a necessidade de se demonstrar em cada caso a presença do periculum libertatis.  O fato é que o próprio STJ temperou posteriormente o entendimento expressado na súmula 9, passando a exigir fundamentação específica sobre a necessidade da decretação da prisão do réu condenado em primeira instância ou pronunciado, especialmente se até ali respondera ao processo em liberdade.

 

 

            Já no que se refere ao Supremo Tribunal Federal, apesar do longo tempo decorrido desde a promulgação da Carta de 1988, seus julgados a respeito da presunção de inocência versus prisões cautelares ainda se apresentam oscilantes. Há acórdãos que procuram dar aos dispositivos legais que prevêem a prisão em decorrência da sentença de 1º grau e da pronúncia interpretação conforme a Constituição Federal, afirmando que a necessidade da custódia cautelar deve estar demonstrada em cada caso. Outros precedentes dispensam tal motivação, partindo da compatibilidade em tese dos dispositivos estudados com o princípio da inocência.

            Decorre ainda da aplicação do princípio a vedação de que o investigado ou acusado seja submetido a tratamento humilhante ou exposição indevida, especialmente pelos meios de comunicação. A cobertura jornalística de casos sob julgamento pode produzir efeitos danosos para o réu, especialmente se este já é apresentado inapelavelmente como culpado. A atuação da mídia pode inclusive influenciar de forma decisiva o resultado do julgamento, ferindo ainda, um princípio basilar de todos os outros o da dignidade da pessoa humana.

            O que ora se sustenta é que, dependendo da forma como são veiculados os fatos pela imprensa, pode estar sendo dispensado ao réu tratamento incompatível e ferindo de morte o estado de inocente do indiciado ou acusado.

            Necessário se faz que os operadores do Direito observem e respeitem tais princípios constitucionais para que não traga tantos prejuízos ao indivíduo que ainda não teve sentença transitada em julgado, não podemos permitir que a nossa Magna Carta seja rasgada pelo próprio Poder Judiciário que deveria cumpri-la e respeitá-la, principalmente no que tange a qualquer dispositivo que fira a dignidade da pessoa humana.

 

III – O USO DE ALGEMAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

3. 1 – Etimologia

 

            A etimologia da palavra algema e de suas variantes, da qual é possível se despreender o verdadeiro uso do instrumento tão –só pelo seu significado literal.

            Demonstrando, ainda, a origem daquele instrumento, a razão de sua criação e sua evolução e uso, deixando de ter significados anteriores.

            Conforme estudos de HERBELLA (2008, p. 1), a etimologia assim varia:

            Manietar deriva do latim manus, atar ou prender as mãos.

            O nome grilhões vem do espanhol grillos. Grilhetas é um diminutivo de grilhões.

            Já algema vem do árabe al-jemme ou al-jemma, que significa pulseira, sendo um herança da ocupação árabe da Península Ibérica.

            O termo tornou-se comum a partir do século XVI, embora grilhões, ou simplesmente ferros, fossem também frequentemente usados.

 

3.2 -  Breve histórico sobre o uso de algemas

 

            A prática de limitar os movimentos de alguém através da contenção de mãos ou dos pés perde-se nas brumas do tempo. Na Mesopotâmia já mostravam, 4.000 anos atrás, prisioneiros com mãos atadas. A própria história trazida pela mitologia grega, nos mostra o uso de algemas. Conta a lenda mitológica que Sísifo comentava muito sobre a vida das pessoas. Certa vez proferiu injúrias contra a pessoa de Zeus, dizendo que ele havia se apaixonado e fugido com a filha de Asopus. Zeus, por sua vez, pediu a Hades que punisse severamente Sísifo e o levasse para o inferno. Quando Hades chegou para cumprir o pedido de Zeus, Sísifo viu que Hades carregava um par de algemas. Sísifo, então pediu a Hades que lhe mostrasse como as algemas funcionavam. Enquanto Hades inocentemente colocava as algemas no punho para demonstrar, Sísifo as fechou o manteve algemado em sua própria casa, assim, enquanto Hades permanecesse preso ninguém morreria, pois ele era o Deus do inferno. (HERBELLA, 2008, p. 23)[14]

           

3. 2- Regulamentação do uso no Brasil

            O uso de algemas no nosso país, para muitos, ainda seria um assunto tormentoso por falta de disciplina jurídica específica sobre o assunto. O art. 199 da Lei de Execução Penal sinalizou com seu regramento (art. 199: O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal"). Mas até hoje não temos esse decreto federal que cuide da matéria.

            A Lei de Execução Penal era a única, no âmbito nacional, que previa expressamente o uso de algemas. Ocorre que seu dispositivo em questão nunca recebeu um decreto regulamentador.

            No Estado de São Paulo, o Decreto Nº 19.903, de 30 de outubro de 1950, regulou de certa forma, o uso de algemas.

            Porém, com a recente alteração do Código de Processo Penal, foi disciplinado o uso de algemas, especificamente quando da presença do custodiado no Plenário do Júri.[15]

            Num país que tem como tradição o sistema da civil law onde todo Direito é exteriorizado na forma escrita, não há dúvida que, em princípio, traz uma certa insegurança a falta desse decreto específico. De qualquer modo, quando examinamos atentamente todo o Direito vigente vemos que já contamos com um produto legislativo mais do que suficiente para se concluir que podemos fazer o uso moderado das algemas.

            Desde logo cabe recordar que o uso de força física está excepcionalmente autorizado em alguns dispositivos legais:  art. 284. "Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso” art. 292: "Se houve, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas".[16]

            Já pelo que se depreende do texto vigente do CPP nota-se que a força é possível e quando indispensável no caso de resistência ou tentativa de fuga e os meios devem ser os necessários para a defesa ou para vencer a resistência.

            Indispensabilidade da medida, necessidade do meio e justificação teleológica ("para" a defesa, "para" vencer a resistência) são os três requisitos essenciais que devem estar presentes concomitantemente para justificar o uso da força física e também, quando o caso (e com muito mais razão), de algemas.

            Tudo se resume, conseqüentemente, no princípio da proporcionalidade, que exige adequação, necessidade e ponderação na medida e vale no Direito Processual Penal por força do art. 3º do CPP: “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais do direito.”[17]

            Todas as vezes que o uso de algemas exorbitar desse limite constitui abuso de autoridade e atentado contra a incolumidade do indivíduo, cabendo reparação de danos e representação criminal.

            Também por meio da analogia pode-se inferir o correto regramento do uso de algemas no nosso país. A Lei 9.537/97, que cuida da segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional, dispõe em seu art. 10 o seguinte: "O Comandante, no exercício de suas funções e para garantia da segurança das pessoas, da embarcação e da carga transportada, pode: I - impor sanções disciplinares previstas na legislação pertinente; II - ordenar o desembarque de qualquer pessoa; III - ordenar a detenção de pessoa em camarote ou alojamento, se necessário com algemas, quando imprescindível para a manutenção da integridade física de terceiros, da embarcação ou da carga". Necessidade, imprescindibilidade e justificação teleológica: outra vez os três requisitos estão presentes.

                        Inclusive o Direito Processual Penal, após a  reforma  em seu art. 474, § 3º preceitua:

                                   Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em                                              que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário                                           à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da                                           integridade física dos presentes".

            E por que toda essa preocupação em não haver abuso no uso de algemas: (a) em primeiro lugar porque esse abuso constitui crime, como vimos; (b) em segundo lugar porque tudo isso decorre de uma das regras do princípio constitucional da presunção de inocência (regra de tratamento), contemplada no art. 5º, inc. LVII, da CF (ninguém pode ser tratado como culpado, senão depois do trânsito em julgado da sentença condenatória); (c) em terceiro lugar porque a dignidade humana é princípio cardeal do nosso Estado Constitucional e Democrático de Direito.

            Recentemente o Supremo Tribunal Federal regulamentou o uso de algemas no ordenamento jurídico através da Súmula Vinculante Nº 11:

 

                                   Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de                         fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou                            de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de                                        responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente  ou da autoridade e de                         nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da                                        responsabilidade civil do Estado.

 

            A nossa Legislação Pátria, não havia legislação que regulamentasse a matéria de modo esclarecedora, é bom frisar que após algumas operações da Polícia Federal envolvendo pessoas de alto escalão, onde as prisões foram feitas de forma espetaculosas ferindo princípios fundamentais como o da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência.

            O uso de algemas deve ser considerado um assunto de grande relevância, haja vista que pela decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, se não for justificada a excepcionalidade fundamentada da medida, por escrito, ocasionará a responsabilidade civil e criminal do agente ou da autoridade, e nulidade da prisão ou ato processual a que se refere, bem como a responsabilidade civil do Estado.

            O assunto é discutido pelos mais diversos setores. Inclusive a Ordem dos Advogados do Brasil já vinha debatendo o tema, protestando que o uso abusivo de algemas deve ser considerado crime.

            Dessa maneira, a OAB – Ordem dos Advogados do Brasil, através do grande jurista e advogado  Dr. Luiz Flávio Borges D'Urso, se posicionou a favor da súmula proferida pelo Supremo Tribunal Federal, que regulamenta o uso de algemas, argumentando que o uso indiscriminado, enseja procedimento vexatório e incompatível com o princípio da dignidade humana. (SALVADOR, 2008)[18]

            Segundo o jurista Luiz Flávio Gomes, afirma que o uso de algemas é reflexo do direito penal do inimigo, pois intitula o sujeito como não-pessoa, pois o priva de direitos e garantias constitucionais.[19]

             Todas as regras do ordenamento jurídico interno ou internacional só possuem validade na medida em que se compatibilizam com a Constituição Federal.

 

 

3. 3- O uso de algemas afronta a dignidade da pessoa humana

 

            O princípio da presunção de inocência está previsto na Constituição Federal sendo base ao Estado Democrático de Direito, preservando a tutela da liberdade pessoal.

            Diante das arbitrariedades perpetradas contra cidadãos, onde tiveram em suas prisões, sido algemados e expostos de forma constrangedora na mídia, trazendo prejuízos de ordem moral e social para si e suas famílias, não podendo acusados ser considerados (não pessoas), ou não humanos), isso é a forma equivocada do direito penal do inimigo, ofendendo assim, princípios basilares e fundamentais como o da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana.

            Quando os direitos dos indivíduos são deturpados pela mídia, certamente o princípio da presunção de inocência resta ultrajado, isso implica efeitos negativos tanto para o indiciado ou acusado, bem como para sua família.

            Todo tipo de desrespeito ao acusado é uma violação de direitos constitucionais e fere de morte a presunção de inocência e a dignidade da pessoa humana, princípios estes que devem ser respeitados, não se podendo rasgar as normas constitucionais pela Instituição Policial e pelo próprio Poder Judiciário, cabendo a estes agentes públicos quando afrontarem os princípios responderem criminalmente e ainda responsabilizar o Estado pelos danos causados ao indivíduo, para que tais atos sejam coibidos.

            As discussões continuam frente a Súmula Vinculante Nº 11, quando ao uso das algemas em casos excepcionais e devidamente fundamentada, cabendo nulidade do ato e indenização por danos, os posicionamentos não são unânimes, havendo adeptos e não adeptos da mesma.

           

Considerações Finais

            No trabalho realizado, estudamos o princípio da dignidade da pessoa humana, evolução histórica, inspirações filosóficas e entendimento doutrinário e jurisprudencial, onde mostramos o valor do princípio constitucional frente as garantias individuais do cidadão, principalmente o que concerne a sua liberdade de ir e vir.

            Mostramos que os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência, não podem ser violados por agentes públicos quando investidos em suas funções deturpam a lei e agridem e violam direitos humanos elencados na Magna Carta, que é vilipendiada e rasgada por homens que representam o Estado.

            Precisamos resgatar o humanismo e buscar meios de mudar esse quadro de miséria no processo penal que vemos, onde o homem que comete um ilícito é considerado um inimigo do Estado e seus direitos violados, assim por dizer, também comete crime o mesmo Estado, dono do “direito de punir.”

            Quando o homem é algemado, ele é desnudado como afirma o grande jurista italiano CARNELUTTI, portanto, as algemas afronta a dignidade da pessoa humana e também o   estado de inocência do acusado, que é um desdobramento do princípio do devido processo legal, estando previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que assim dispõe: “ ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

            Sendo um dos princípios consagrados como garantia processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal e devendo os direitos do indiciado ou acusado ser respeitados acima de qualquer norma que afronte tais princípios.

 

REFERENCIAL 

 

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[1] [1] SANTOS, Antônio Silveira Ribeiro, Dignidade humana e reorganização social. A última arca de Noé.     Disponível em: www.aultimaarcadenoe.com/artigo3.htm. Acesso em: 19 jan.2008.

 

[2] CF. Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-seem Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana.

[3] CF. Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade, nos termos seguintes...

[4] “Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar,sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda à terra e sobre todos os répteis que rastejam sobre a terra.”  (Gênesis 2: 26).

“ Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. (Gênesis 2:27)

 

 

 

[5] “Art. 1. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para os outros em espírito e fraternidade.”

[6] SARLET, Ingo Wolfgang, DIMENSÕES DA DIGNIDADE, Editora Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2005, p.91.

[7] BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada, O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O NOVO DIREITO CIVIL, Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, No. 8, Junho de 2006. Disponível em: < http: // www. fde.br/arquivos/mestrado/revistas/revista08/artigos/WesleyLousada.pdf.> Acesso em 19 mar.2008.

[8] DINIZ, José Janguiê Bezerra, Princípios Constitucionais do Processo, DIREITO CONSTITUCIONAL.

[9] SANTOS, Fernando dos, A GARANTIA CONSTITUCIONAL DE DEVIDO PROCESSO LEGAL, Disponível em: < http://jusvi.com/artigos/29833> Acesso em: 15 Nov. 2010.

[10] GARCIA,  Fluvio Cardinelle Oliveira, A defesa como garantia constitucional. Monografias.com. Disponível em: HTTP: //BR.monografia.com/trabalhos908/a-defesa-garantia/ Acesso em: 14 Nov. 2010.

[11] SCHEREIBER, Simone. O princípio da Presunção de Inocência. Disponível em : < http://www.jus.uol.com.br/revista/texto/7198/ > Acesso em : 15 nov.2010.

[12] Idem

[13] Idem

[14] HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana. São Paulo. 2008.

[15] Art. 474, § 3º do Código de Processo Penal. “Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.”

[16] JESUS, Damásio de. Código de Processo Penal Anotado. Ed. Saraiva. 2010.

[17] idem

[18] SALVADOR, Juliana. Uso de algemas e o Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.webartigosos.com/articles/10844/1/Uso-de-Algemas-e-o-Supremo-Tribunal-Federal/pagina1.html#ixzz18JS4aNoK>

 

[19] idem