ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA E CONSULTORIA

JURÍDICA DR. JOÃO JOSÉ DA SILVA JÚNIOR

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EMENTA:

LAUDÊMIO. FORO. DIREITO DE PROPRIEDADE. POSSE. ENFITEUSE PRIVADA E PÚBLICA. TERRENOS DE MARINHA E SEUS ACRESCIDOS. NOVO CÓDIGO CIVIL.   IGREJA CATÓLICA QUALIFICADA COMO SENHORIO DIRETO. INVENTÁRIO. FOREIRO FALECIDO. TRANSAÇÃO. NEGÓCIO JURÍDICO ONEROSO. FALTA DE REGISTRO NO CARTÓRIO IMOBILIÁRIO COMPETENTE. NATUREZA JURÍDICA DO AFORAMENTO. DOMÍNIO ÚTIL. POSSE MEDIATA E IMEDIATA. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. VIA PROCESSUAL INCORRETA. AÇÃO JUDICIAL DE INVERGADURA MAIOR. ANULATÓRIA DE REGISTRO. OBRIGAÇÃO DE FAZER.

 

Trata-se de consulta formulada pelo Sr. Jailson M. de Figueiredo, Acadêmico de Direito – UFCG, de Sousa – PB, telespectador/internauta da TV Justiça, programa Saber Direito Aula, proveniente do acompanhamento do curso “O LAUDÊMIO E SUA JURIDICIDADE”, objetivando sanar dúvida acerca das seguintes indagações: Moro numa cidade de 154 anos de emancipação que tem terrenos de enfiteuse onde o senhorio direto é a Igreja Católica, não sei se este fato é único ou se há algo parecido noutras regiões do Brasil. Bom! Tenho um terreno onde o documento é o Laudêmio e como disse a Igreja é o senhorio direto do imóvel. Pago o foro anual do mesmo e a pouco mais de dois anos procurei escritura-lo para fins de obter empréstimo junto a Caixa Econômica Federal, quando da ocasião em que estive no Cartório de Registro de Imóveis da cidade, tive a triste notícia de que não poderia registrá-lo em meu nome, tendo em vista que o proprietário que tem a escritura pública do mesmo falecera e que sua esposa de 94 anos de idade não tem mais condições de assinar procuração, aliado ao fato de que o terreno não entrara em processo de inventário. Com isto ingressei, ainda quando aluno do curso de direito, com Ação de Adjudicação Compulsória que se arrasta com a lerdeza do nosso Judiciário. Diante disto indago ao Douto professor. Há alguma possibilidade de escriturar o referido imóvel somente fazendo o resgate da enfiteuse na Igreja local? Sou a quarta pessoa que detém a posse deste terreno conforme certidão de origem fornecida pela própria igreja, por que através da cadeia de possuidores de boa fé, o cartório se nega a registrar o imóvel em meu nome, tendo em vista que a compra e venda particular é feita na Igreja e há documento idôneo afirmando isto? Afinal de contas que documento é válido: a enfiteuse da igreja sobre os imóveis da cidade ou a escritura pública lavrada em cartório, por favor, esclareça esta confusão, pois há dois proprietários com dois documentos distintos é isso?

 Verifico que são vários os pontos a destrinchar, então vejamos:

1ºPonto:

Esclareço inicialmente que esta região onde o Senhor reside não é a única em que a igreja católica ostenta a qualificação de senhorio direto, porquanto muitas são as terras que a coroa portuguesa, à época da colonização, delegou à igreja católica como forma de estabelecer uma ingerência maior em relação às atividades e costumes religiosos, como ocorreu com os padres jesuítas quando receberam a incumbência de catequizar os primeiros povos da nossa terra, que foram os índios. Desta forma, a coroa portuguesa concebia como conveniente e oportuno delegar porções de glebas, a fim de, além de mantê-las produtivas e cultivadas, estabelecer a religião católica. Isso também deve-se ao fato de Portugal ser um país eminentemente católico, fazendo deixar a sua marca onde colonizava.

Portanto, eis as razões de haver ainda essa espécie de enfiteuse, pela qual o senhorio direito é a igreja católica.

 

2ºPonto:

Através dos fatos narrados, verifica-se que o Senhor informa que o proprietário do terreno faleceu, razão pela qual o Senhor não conseguiu escriturar o imóvel em seu nome, não logrando, consequentemente, êxito na obtenção do empréstimo junto à Caixa Econômica Federal...

Desse modo, tenho como relevante esclarecer o seguinte:

O proprietário do terreno ora sob exame é a igreja católica, a qual tem a qualifica jurídica de Senhorio Direto, ao passo que o detentor do domínio útil já faleceu, que, por sua vez, ostenta o status jurídico de Enfiteuta ou Foreiro.

Assim, conforme o Senhor mesmo confirma, o enfiteuta do terreno já faleceu e, portanto, o Senhor ostenta apenas o direito de posse, o qual revela-se insuficiente para obter o registro do imóvel, salvo se houver a reunião de todos os requisitos do instituto da Usucapião.

Todavia, o Senhor informa na parte final do seu e-mail, que há documento idôneo comprovando que houve um contrato de compra e venda, e que tal documento foi feito na igreja católica...

Diante disso, percebe-se que as informações trazidas pelo Senhor são despidas de alguns detalhes relevantes, segundo os quais podem vir a modular os efeitos jurídicos do caso. Então, eu indagaria: Quais as partes envolvidas neste contrato de compra e venda feito na igreja católica? O senhor firmou tal instrumento como o novo foreiro do terreno? Por força de qual título o Senhor é possuidor do terreno?

A princípio, observa-se que, de acordo com os poucos detalhes que o Senhor fez constar dos fatos trazidos, percebo que pelo fato do cartório de imóveis ter negado o registro em seu nome, sob o fundamento de que o “proprietário” (na verdade seria o enfiteuta/foreiro) já ter falecido, e que deveria o referido terreno ser incluído em processo de inventário..., isso só pode ter havido porque o Senhor não procedeu ao registro do título da compra e venda que por ventura tenha feito do aludido terreno, passando com tal ato notarial (registro) a obter o status jurídico de novo enfiteuta/foreiro. Isso porque a enfiteuse ou aforamento é um direito real, e, por isso, deve haver o registro, caso contrário, tal direito não será constituído. Pois, o registro é pressuposto para a constituição do direito real.

Volto a ressaltar que os fatos são “carentes” em detalhes, então eu estou cogitando que o Senhor tenha comprado o terreno e, por isso, estou respondendo com os efeitos da compra e venda.

 

3º)Ponto:

Mais adiante o Senhor pergunta: “que documento é válido, a enfiteuse da igreja sobre os imóveis da cidade ou a escritura pública lavrada em cartório? Há dois proprietários com dois documentos distintos, é isso?”

Esclareço que o documento válido para o direito é aquele que foi registrado em cartório de registro de imóveis, independentemente de este documento ter sido lavrado em cartório (escritura pública) ou fora dele (escritura particular).

Assim, tudo dá a entender que o Senhor ao adquirir o terreno não procedeu com o registro do título da aquisição (compra e venda) no cartório de registro de imóveis da circunscrição respectiva.

O senhor pergunta se há dois proprietários... Esclareço que não há dois proprietários, isto porque o direito de propriedade tem como característica a exclusividade, ou seja, somente pode haver um proprietário para cada bem, quer seja bem móvel, quer seja bem imóvel, esta é a regra geral, e, como exceção, temos o condomínio ou compropriedade, mas essa hipótese de exceção não é o seu caso.

Em assim sendo, o proprietário, neste caso, é a igreja católica e o enfiteuta é a pessoa que o senhor informa que já faleceu, mas que deveria ser o Senhor, de modo que, o Senhor é o enfiteuta de fato, mas não de direito, pelo simples motivo, repito, da falta do registro do título de aquisição do bem no cartório de registro de imóveis, onde o terreno está matriculado.

 

4º)Ponto:

Verifica-se, deste modo, a importância de tecer alguns comentários sobre o contrato de enfiteuse ou aforamento, senão vejamos:

O contrato de Enfiteuse ou Aforamento é o gênero de duas espécies, isto é, existe a enfiteuse da espécie privada e a da espécie pública.

No curso ministrado na TV Justiça - “O Laudêmio e Sua Juridicidade” – mais precisamente na aula 4, quando falei sobre o contrato de enfiteuse, foram abordadas as peculiaridades deste instituto.

O contrato de enfiteuse da espécie privada foi revogado pelo novo Código Civil, todavia, aquelas enfiteuses desta espécie que foram constituídas na vigência do Código Civil de 1916, permanecem até a sua regular extinção. (Art. 2.038 caput,do C.C/02)

Já a enfiteuse da espécie pública (§ 2º do Art. 2.038, do C.C/02) corresponde justamente aos Terrenos de Marinha e Seus Acrescidos, sendo disciplinada pelo Decreto Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. Durante o curso ministrado na TV Justiça – “O Laudêmio e Sua Juridicidade” – foi dispensada a esta espécie de enfiteuse uma maior ênfase, pois, consideramos que esta espécie é que vem “pegando” o cidadão de surpresa, encarecendo o seu bolso e, o que é pior, tirando a sua propriedade, pois, não são raras as vezes em que o particular nem sequer sabe que o seu imóvel está inserido neste âmbito de atuação da União-Federal, e, por via de consequência, não conseguirá defender a sua propriedade.

Portanto, o que vai definir a espécie de enfiteuse/aforamento é justamente o regime jurídico aplicável em sua disciplina contratual, ou seja, se se aplica o Código Civil de 1916 é porque a espécie é privada, a contrário senso, se se aplica o Decreto Lei de nº 9.760/46, então cuida-se de hipótese da espécie pública, a qual corresponde aos terrenos de marinha e seus acrescidos.

Desta forma, no caso das enfiteuses em que a igreja católica é o ente qualificado como senhorio direito, é justamente a enfiteuse da espécie privada, regida pelo Código Civil de 1916.


5º)Ponto:

Por fim, para a solução do seu caso, temos três caminhos jurídico-legais:

a) o Senhor conseguindo registrar o título (pelos fatos trazidos concluo que a aquisição se deu por meio da compra e venda) de aquisição do terreno, no cartório de registro de imóveis onde está matriculado, então o Senhor passará a ser o novo enfiteuta e, daí poderá obter empréstimo e dispor do imóvel, como vender, alugar, emprestar, doar, etc.;

b) O senhor pode requerer o resgate do aforamento junto à igreja católica, se o Senhor preenche os requisitos do art. 693 do Código Civil de 1916.

O resgate do aforamento consiste, simplesmente, em comprar o domínio direto do bem. Explicando melhor: O proprietário do bem é a igreja católica, então, ela tem o domínio direto e a posse indireta, enquanto que o enfiteuta (que é o Senhor de fato) tem o domínio útil e posse direta, com isto, vê-se que o direito de propriedade foi parcelado. O resgate da enfiteuse significa justamente o fato de unificar o domínio que foi parcelado, pois, o domínio útil já é do enfiteuta, resgataria o domínio direto que é do senhorio. Portanto, com o resgate do aforamento, o Senhor terá a propriedade plena do bem. Para tanto, todavia, primeiro o Senhor terá que registrar o título de aquisição do bem no cartório, como antes dito, para depois solicitar o resgate da enfiteuse.

c) O senhor tem a seu favor o instituto da Usucapião, pois, se o senhor reunir os requisitos de tal instituto, poderá ajuizar uma ação de usucapião, ter o domínio útil do bem e não a propriedade plena, mas tão somente ser havido como enfiteuta de direito por força da usucapião. Para isto, o Senhor pode requerer a abertura do inventário da pessoa que faleceu, o qual o cartório informara que era o “proprietário” do imóvel para, logo em seguida a abertura do inventário, ingressar com a Ação de Usucapião. Se o Senhor tem mais de vinte anos na posse do imóvel, será a Usucapião Extraordinária; no entanto, se o Senhor tiver menos de vinte, porém, mais de cinco anos na posse do imóvel, e que este terreno não ultrapassa a metragem de 250 m², então será Usucapião Especial.

À luz dessas brevíssimas considerações, e na esperança de ter logrado o objetivo primacial com o presente parecer, que é o de auxiliar todos os que buscam uma solução para o seu caso, mantenho-me no aguardo de boas notícias.

 

Esse é o meu parecer.

 

Rio de Janeiro, 04 de abril de 2012.

 

Dr. João José da Silva Júnior