1. INTRODUÇÃO


A falência, como instituto do direito comercial, reveste-se de um conjunto de características para que possa ser devidamente identificada. Entretanto, conforme se depreende da leitura do art. 94 da Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, (Nova Lei de Falências), alguns sintomas manifestados na atividade empresarial podem bastar para que a falência seja decretada.

Especificando mais estes referidos sintomas, as alíneas do inciso III do dispositivo há pouco aludido, trazem condutas as quais, se não fizerem parte de plano de recuperação judicial, poderão dar ensejo à decretação da falência.

Em momento posterior deste mesmo diploma legal, mais precisamente em seu art. 168, têm-se os crimes falimentares, os quais constituem atos semelhantes a condutas já listadas no art. 94 da lei em comento.

O presente trabalho destina-se a analisar, por via de uma abordagem comparativa as similaridades e diferenças entre as condutas e tipos supra mencionados, uma vez que o tema tem notória relevância, já que os crimes falimentares afetam não só os credores e demais relacionados com a empresa, assim como a ordem econômica, gerando insegurança e instabilidade nas relações de crédito.


2. PROCEDIMENTO PARA A DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA.


Ab initio, a fim de melhor ilustrar o presente trabalho, vejamos como dispõe um dos dispositivos em análise. Vejamos:

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:
(...)
III ? pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:
a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos;
b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;
c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;
d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;
e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;
f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;
g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.

Em suma, todas as condutas apresentada nas alíneas transcritas possuem uma característica comum que sobressai a qualquer outra que possa ser encontrada. Tal ponto compartilhado por estas condutas é o dolo ? ou culpa, flexibilizando a interpretação dada ? para prejudicar o credor, impondo dificuldades na obrigação assumida.

O caput do dispositivo, inobstante a sua objetividade em afirmar que "será decretada a falência do devedor" que realizar algum daqueles atos, pode também ser entendido um mandamento que traz situações em que se presumirá a falência. Tal raciocínio tem suporte no fato de que o instituto da falência é inevitavelmente contrário à continuidade da função social da empresa, sendo imprescindível a instauração do devido processo legal, no qual, por via do contraditório, o devedor poderá apresentar sua justificativa para os atos praticados. Em se demonstrando razoabilidade nas motivações que o levaram a tais condutas, além do seu interesse em pagar, não há de se entender que a imperatividade absoluta do artigo analisado.

Ainda no que diz respeito às alíneas apresentadas, é razoável se entender que se trata de rol exemplificativo, uma vez que não se tratam de crimes, podendo ser dispensada a estrita legalidade. Logo, qualquer conduta similar, mas não diretamente elencada junto às demais apresentadas, poderá dar ensejo à decretação de falência.


3. FRAUDE A CREDORES.


Seguindo a lógica de apresentação temática iniciada no tópico anterior, comecemos também transcrevendo o dispositivo em análise:

Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem.

Pena ? reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Em um primeiro momento, aqui se visualiza a consolidação de um tipo penal para as condutas já discutidas no tópico antecedente, referentes ao art. 94, III da Nova Lei de Falências.

O questionamento que se dá pela aparente repetição de normas é facilmente resolvido pela observação de um pequeno detalhe. O momento em que se dará a conduta suspeita do devedor.

O art. 168 faz referência à prática de atos que possam resultar em prejuízo para o credor, sejam aqueles praticados antes ou depois da sentença que decretar a falência. A referência a tal decisão evidencia de maneira hialina a necessidade da existência de uma situação processual em curso. Em outros termos, para que os atos que prejudiquem o credor ou configurem vantagem para o devedor ou outrem serem enquadrados como um crime, há a necessidade de já haver iniciado ação judicial com pedido de falência. Caso contrário, voltamos para as hipóteses previstas no art. 94, III, da lei em comento, as quais não configurarão um tipo criminal, mas tão somente darão ensejo a um processo de falência.

Por fim, comentados as entrelinhas apresentadas pelo legislador, há de se comentar também a condição expressa no caput em tela da hipótese da recuperação judicial, também presente no caso do art. 94, III, a qual dá margem de liberdade ao devedor para realizar determinados atos.


4. CONCLUSÕES.


Diante do apresentado, percebe-se a possibilidade de determinados dispositivos legais serem entendidos como um só, haja vista a sutil distinção entre eles, o que não deve impedir, mas motivar o esclarecimento das diferenciações.

No caso em comento, observaram-se condutas que tanto davam ensejo a um processo de falência, como poderiam ser consideradas crimes falimentares, condutas que seriam evidenciadas como fraude contra o credor. A distinção para que se torne crime ou causa de pedir em ação devida se dá no momento em que o ato acontece.

Ainda, discorreu-se sobre as situações previstas expressamente na lei, nas quais o devedor estaria permitido a realizar certas condutas, uma vez que a recuperação judicial entraria como uma ressalva.


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


PAES DE ALMEIDA, Amador. Curso de Falência e Recuperação de Empresa. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

MAMEDE, Gladston, Falência e Recuperação de Empresas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008

ABRÃO, NELSON. Curso de Direito Falimentar. 5. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Editora Universitária de Direito Ltda, 1997.

BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências Comentada. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.