A Usucapião Especial Urbana como Garantia da Função Social da Propriedade[1]

 

Jaiana Prazeres Alves e

Jamyller Dandara N. Lopes[2]

Viviane Gomes de Brito[3]

 

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Função Social da Propriedade; 2.1 Estatuto da Cidade; 3 Usucapião; 3.1 Requisitos da Usucapião Especial Urbana; 3.2 Modalidades de Usucapião Especial Urbana; 3.3 Usucapião Especial Urbana como Instrumento da Política Urbana;; 4 Usucapião Especial Urbana como Meio Idealizador à Função Social da Propriedade; 5 Conclusão; Referências.

 

 

RESUMO

O presente trabalho tem o objetivo de abordar a Usucapião Especial Urbana como instrumento garantidor da função social da propriedade, levando em consideração o que está disposto na Constituição Federal. Além disso, pretende-se abordar as inovações introduzidas pela Lei nº 10.257 de 2001, o Estatuto da Cidade, que disciplina sobre as regras da Política Urbana. A partir de uma visão geral, a usucapião pode ser entendida como maneira de aquisição e meio de perda do direito de propriedade, tendo em vista seus requisitos, entre os quais se destaca a posse pacífica do imóvel por um determinado tempo. Porém, dar-se-á uma abordagem maior à Usucapião Especial Urbana, nas modalidades individual e coletiva, visando uma efetividade da função social da propriedade.

Palavras-chave: Propriedade. Função Social. Usucapião. Estatuto da Cidade.

1 INTRODUÇÃO

 

 

O fenômeno da urbanização no Brasil ocasionou a inversão da distribuição populacional do país, pois a maior parte da população migrou do campo para morar em áreas urbanas, gerando assim uma desordem estrutural e social no país. Além disso, o crescimento econômico não acompanhou o crescimento populacional nas áreas urbanas, acarretando ainda mais os problemas sociais e econômicos, bem como os estruturais.

Diante disto, tentando diminuir os problemas da sociedade, principalmente daquela parcela que não tinha onde morar, o legislador instituiu os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, com o objetivo de disciplinar a política urbana do país, bem como organizar e facilitar o acesso a moradia dos mais necessitados.

Porém, a criação das regras de Política Urbana não supriu inteiramente todas as necessidades que o crescimento urbano ocasionou, e visando dar um cumprimento maior aos dispositivos constitucionais o legislador viu a necessidade da implantação de lei que regulamentasse tais dispositivos, devido a isto foi instituída a Lei nº 10.257 de 2001, o Estatuto da Cidade, e tem por objetivo dar mais efetividade à política urbana.

Vale lembrar, que o presente trabalho tem como base tratar da Usucapião Especial Urbana como garantia da função social da propriedade, sendo este um instituto disciplinado pela Constituição e inovado pelo Estatuto da Cidade. Ainda, é o instrumento pelo qual o Estado promove condições para que o cidadão tenha acesso a uma moradia digna, garantindo assim, o direito da dignidade da pessoa humana.

Além disso, pretende-se abordar a usucapião como meio de aquisição do direito de propriedade, bem como analisar os seus requisitos e as inovações que o Estatuto da Cidade instituiu, as quais são as modalidades de usucapião especial urbana, sendo a individual e a coletiva.

2 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

O direito à propriedade, no Brasil, pode ser considerado um direito fundamental, porém, este mesmo direito pode ser limitado por uma série de reservas voluntárias. Como explica Maria Helena Diniz (2002), essas restrições ao direito de propriedade podem ser feitas pelo próprio proprietário, a partir de servidões, usufruto, cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade ou incomunicabilidade. Além dessas restrições voluntarias, existem restrições presentes na própria natureza do direito, “com o escopo de coibir abusos e impedir que o exercício do direito de propriedade acarrete prejuízo ao bem-estar social, permitindo desse modo o desempenho da função social da propriedade” (DINIZ, 2002, p. 101).

Reconhece-se, então, que o direito à propriedade possui restrições quanto a sua natureza para que objetivamente a função social da propriedade seja protegida. A função social da propriedade é inicialmente citada no artigo 5º, XXIII da Constituição Federal Brasileira, fica disposto neste que “a propriedade atenderá a sua função social” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88). A partir deste artigo surge a necessidade de interpretar o que seria esta função social da propriedade no Brasil e quais as situações em que essa função social não estaria sendo cumprida.

Orlando Gomes (2002) tenta conceituar a função social da propriedade a partir do próprio termo, colocando que quando surgiu este, a propriedade parou de servir apenas para a satisfação do proprietário, mas passou a abranger um círculo maior de incidência na esfera social. O proprietário já não mais deveria utilizar seus poderes apenas para atender interesse próprio, agora ele deveria abdicar de suas faculdades para que não possa ferir o bem comum e o interesse público.

Segundo Maria Helena Diniz (2002), pode se dizer que o direito à propriedade passa a ser também um direito-dever, quando posto frente à função social da propriedade:

A propriedade está, portanto, impregnada de sociabilidade e limitada pelo interesse público. Por tal razão prescreve, por exemplo, o art. 1.228, § 1º, do Código Civil que ‘o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas’, acrescentando no § 2º que ‘são defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem” (DINIZ, 2002, p. 101-102).

De acordo com a autora, o próprio Código Civil já limita expressamente o direito de propriedade em conformidade com a função social que é estabelecida a este. Sendo assim, as características de direito real que a propriedade possui como sendo um direito: pleno, perpétuo e exclusivo; ainda iram existir, porém, nota-se que são características não ilimitadas, devendo se restringir quando tratar-se de uma questão de interesse coletivo.

A função social da propriedade abrange tudo aquilo que desrespeito ao bem comum da população, porém, vinculado à propriedade. Como colocado por Arlete Moysés Rodrigues, esse termo (função social da propriedade) já foi utilizado por várias Constituições Brasileiras, porém, seu conceito somente foi trabalhado em 2001, quando o Estatuto da Cidade foi criado, já que este Estatuto preza pela reforma urbana.

Procurando atender a função social da propriedade, o legislador recorreu a alguns instrumentos para o controle deste princípio. Tentando promover um uso adequado ao solo urbano, foi criada a Política Urbana, porém, surgiu desta uma necessidade de complementação para que fossem regulados os artigos que tratavam sobre este instrumento, então, uma nova lei foi criada, a lei que dispõe do Estatuto da Cidade. Em seu artigo 39, a Lei 10.257/01 (que dispõe do Estatuto da Cidade) também reafirma a função social da propriedade, mas com um direcionamento ao solo urbano:

A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas (Lei 10.257/01).

Além das formas de organização adequada do solo urbano, o Estatuto da Cidade irá tratar sobre uma forma de aquisição de propriedade, a usucapião urbana. Essa forma de aquisição de propriedade tem relação próxima com a função social da propriedade, já que surge decorrente deste princípio.

 

 

2.1 Estatuto da Cidade

O fenômeno da urbanização no Brasil ocasionou a inversão da distribuição populacional do país, a maior parte da população veio a sair do campo para morar em áreas urbanas e isso veio a causar uma desordem estrutural e social no país. A distribuição de renda não acompanhou o crescimento populacional nas áreas urbanas do país, então, o legislador procurou tentar diminuir o problema da população que não tinha onde morar, instituindo os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estes tratam sobre a Política Urbana, que tem por objetivo organizar e facilitar a moradia no país.

A criação das regras de Política Urbana não chegou a suprir inteiramente as necessidades que o grande crescimento urbano, ocasionado no Brasil, precisava para que tivesse uma maior organização, sendo assim, foi necessária a criação de uma legislação especial para regular a Política Urbana, foi então instituída a Lei 10.257, que dispõe sobre o Estatuto da Cidade, é ele quem vai tratar de usucapião especial urbano, além de inúmeros outros instrumentos para a organização do solo urbano.

Sonia Nahas de Carvalho (2001) descreve que quando foi criado o Estatuto da Cidade, o poder governamental foi dividido em três níveis, colocando que a organização, legislação e execução de qualquer política urbana que seja de interesse direto do munícipio deva ser proposta e colocada em execução pelo próprio município. O plano diretor entra como instrumento básico e central para a organização do território urbano municipal, porém, agora com uma legislação mais especifica do que a simples generalização da Constituição Federal a partir da Política Urbana.

O plano diretor é instituído pelo Estatuto da Cidade e é uma obrigação para as cidades que possuem mais de vinte mil habitantes, este instituto irá tratar da administração territorial da cidade, “administrando situações de conflito, pode-se regular conflitos, distribuindo benefícios que atendam a demandas específicas ou pontuais e agudizar conflitos, através de ações de redistribuição de recursos, com a clara determinação de diminuir distâncias sociais” (CARVALHO, 2001). O plano diretor deve tratar de três instrumentos: a apropriação do solo, o parcelamento do solo e zoneamento:

Apropriação do solo, referente à ocupações de terra, usucapião, desapropriação de áreas que garantam a apropriação do solo para moradia de classes de renda mais baixa; parcelamento do solo, referente à integração na malha urbana, previsão de diretrizes viárias, reserva de áreas para uso público e garantia de preservação e do meio ambiente da identidade cultural e histórica da cidade; zoneamento, referente às normas e padrões de ocupação e utilização do solo urbano, em conformidade com atividades desenvolvidas, e previstas, controlando usos nocivos ou efeitos prejudiciais ao bem-estar da população (CARVALHO, 2001, grifou-se).

A partir desses três instrumentos o plano diretor irá organizar a área urbana municipal, é a partir destes que ele também irá promover a facilitação de apropriação de solo pela população como foi descrito, a usucapião irá entrar na apropriação do solo, podendo o plano diretor discorrer sobre ele. Podemos reconhecer quatro propósitos no Estatuto da Cidade “promover a gestão democrática das cidades, oferecer mecanismos para a regularização fundiária, combater a especulação imobiliária e assegurar a sustentabilidade ambiental, social e econômica dos núcleos urbanos” (BASSUL, 2002).

Rodrigues (2004) destaca que o Estatuto da Cidade possui princípios que podem fazer com que os conflitos urbanos venham a aparecer com mais clareza, conflitos estes referentes ao planejamento, apropriação, propriedade, gestão e ao uso do território urbano. O Estatuto não é a saída para todos estes conflitos, porém é um passo inicial para o tratamento destes. O Estatuto coloca restrições à especulação de propriedades e propõe que a cidade é de produção coletiva, portanto, este institui novos instrumentos para que o governo possa cumprir com função social da cidade e da propriedade, para que seja garantido o bem-estar dos moradores de território urbano.

Como descrito anteriormente, o artigo 39 do Estatuto da Cidade propõe que a propriedade irá atender a sua função social, porém, nessa lei específica a função social é vinculada ao plano diretor do município. O plano diretor do munícipio poderá descrever que tipo de propriedade irá atender a função social e como, já que o artigo propõe que a propriedade irá atender a função social quando primeiramente atender as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. Essas exigências irão assegurar a qualidade de vida, a justiça social e o desenvolvimento de atividades econômicas, portanto, é possível associar a função social da propriedade também a estas premissas.

José Roberto Bassul (2002) fala sobre o direito da propriedade imobiliária urbana, ele coloca que esse direito é protegido apenas se for assegurado o cumprimento da função social, esta é determinada a partir de legislação urbanística, preferencialmente a legislação que discorrer sobre o contexto municipal (plano diretor). O governo municipal é o órgão que tem o dever de promover o desenvolvimento urbano e promover as políticas que iram proteger os interesses da cidade, a partir dessas políticas, o governo municipal tem de tratar as propriedades individualmente para que estas possam permanecer em harmonia com o todo.

3 USUCAPIÃO

Etimologicamente, usucapião é uma palavra do latim (usu +capere), que significa adquirir pelo uso, pela posse prolongada[4]. Segundo Caio Mario da Silva Pereira (1978, p. 128-9, apud DINIZ, Maria Helena, 2007, p.154), a usucapião consiste “na aquisição da propriedade ou outro direito real pelo decurso do tempo estabelecido e com a observância dos requisitos estabelecidos em lei.”

Já para Clóvis Beviláqua (1956, p. [?], apud DINIZ, 2007, p.154), a usucapião “é uma aquisição de domínio pela posse prolongada”. Diante do exposto, a usucapião é o meio de aquisição da propriedade em relação à posse de um bem imóvel ou móvel em virtude do uso destes por um determinado lapso temporal.

Vale lembrar, que a usucapião teve origem no Direito Romano, onde já era considerada um meio de aquisição da propriedade, e possuía como elemento essencial o tempo. No entanto, sua primeira fonte legislativa foi a Lei das XII Tábuas, instituindo o tempo de posse prolongada por dois anos para que o imóvel fosse usucapido, e de um ano para bens móveis e as mulheres, pois a usucapião também era uma forma de matrimônio na época. Depois, o prazo para usucapir o bem imóvel passou para dez anos entre presentes e vinte anos entre ausentes.

Posteriormente, passou-se a exigir além do uso e do tempo mais dois requisitos, o justo título e a boa-fé. O primeiro corresponde ao documento que comprovasse o uso, e o segundo seria uma atitude de acordo com os bons costumes. Estes preceitos tinham como objetivo proteger as propriedades do cidadão romano e da província. Porém, com a expansão de Roma, vários territórios foram conquistados, devido a isto foi estendido aos peregrinos o direito de usucapir, tal fato ficou conhecido como praescriptio longi temporis aceito pelo Imperador Justiniano, e mais tarde inovado pelo Imperador Teodósio.

No Brasil, a usucapião foi primeiramente regulamentada pela Lei nº 610 de 1850, cujo teor era de que o Posseiro adquiriria o domínio da terra, desde que a sua ocupação fosse destinada à produção e moradia, fatores bastante assemelhados aos atuais (SOUSA Junior, 2010, p. [?] apud RAMOS, Lucas Cunha, 2012).

Posteriormente, passou por diversas inovações, bem como outras regulamentações, as quais destacamos as Constituições de 1934 e 1946, ainda o Estatuto da Terra (Lei nº 4504/64). Contudo, é notório que as primeiras legislações a tratar sobre o tema tinham um cunho mais rural, devido à tentativa do Estado de fortalecer o interior diante da grande migração, e usucapião de terras estatais. Atualmente, a usucapião é regulamentada pela Constituição de 1988, juntamente com o Código Civil de 2002 e o Estatuto da Cidade, regulamentado pela Lei nº 10.257/01.

Vale ressaltar, que a legislação brasileira prevê a possibilidade de quatros espécies de Usucapião, a saber: a Usucapião Ordinária, a Usucapião Extraordinária, Usucapião Rural Especial e a Usucapião Especial Urbana, sendo esta última o objeto do presente trabalho.

A Usucapião Especial Urbana é disciplinada pela Constituição Federal, Código Civil e o Estatuto da cidade. Esta modalidade de usucapião serve como instrumento da política urbana, bem como de justiça social, devido ter como objetivo beneficiar o possuidor que utilize o imóvel como sua moradia e de sua família.

3.1 Requisitos da Usucapião Especial Urbana

 

 

A Usucapião Especial Urbana é disciplina pelo artigo 183 da Carta Magna, o artigo 1.240 do Código Civil, bem como nos artigos 9º e seguintes da Lei nº 10.257/01, o Estatuto da Cidade.

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (Constituição Federal de 1988).

Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (Código Civil de 2002).

Art. 9o Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (Lei 10.257/01 - Estatuto da Cidade).

Diante dos artigos expostos destacamos os requisitos desta modalidade de usucapião, que além da posse mansa e pacifica, exige-se o prazo de cinco anos para aquisição da propriedade. Além disso, limita a área que se pode usucapir em duzentos e cinqüenta metros quadrados, desde que o proprietário não possua outro imóvel urbano ou rural e que tenha como objetivo a sua moradia ou de sua família.

Sendo assim, esta modalidade de usucapião se reveste de instrumento para a promoção da justiça social, promovendo a urbanização racional, bem como proporcionando à população o acesso à moradia digna e de qualidade.

3.2 Modalidades de Usucapião Especial Urbana

 

 

                   A usucapião especial urbana possui duas modalidades, sendo a individual e a urbana. A primeira é disciplinada pela Carta Magna, o Estatuto da Cidade e o Código Civil. Já o segundo foi uma inovação introduzida pela Lei nº 10.257/01, o Estatuto da Cidade.

A usucapião especial urbana na modalidade individual corresponde à aquisição do imóvel com área de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, para moradia do indivíduo ou de sua família. Além disso, exigi-se que o mesmo não possua outro imóvel, e ainda apresentar os outros requisitos inerentes a usucapião, como posse mansa e pacífica, ter ocupado o imóvel por um prazo mínimo de cinco anos. No entanto, para esta modalidade não existe exigência de justo título e presume-se a boa-fé.

Desta maneira, assinala Maria Helena Diniz (2007, p.167):

Somente será preciso comprovar para a configuração da usucapião especial individual em imóvel urbano a posse ininterrupta e pacífica, exercida com animus domini; o decurso do prazo de 5 anos; a dimensão da área (igual ou superior a 250 m²) edificada (Lei n. 10.257/2001, art. 9º) ou não; a moradia e o fato de não ser proprietário de nenhum imóvel urbano ou rural.

Vale destacar, que a modalidade individual da usucapião especial urbana se subdivide em usucapião individual por abandono de lar, que se refere ao imóvel utilizado como lar de um casal de cônjuges ou companheiros, com ou sem filhos, que depois seja abandonado por um dos cônjuges e o outro permaneça no imóvel. Tal modalidade foi introduzida no Código Civil pela Lei n.12.424 de 2011[5], e para que a aquisição ocorra é necessário que a posse ocorra de maneira mansa e pacífica, por um prazo mínimo de dois anos, sem oposição do ex-cônjuge e de forma exclusiva pelo companheiro que permaneceu no lugar.

A usucapião especial urbana na modalidade coletiva, prevista no artigo 183 da Carta Magna e no art.10 do Estatuto da Cidade, refere-se a imóveis urbanos com área de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, sendo que este deve ter sido ocupado por uma população de baixa renda, e que sirva para sua moradia ou de sua família. Assim como a modalidade individual não há exigência de justo título e presume-se a boa-fé, bem como os possuidores não sejam proprietários de outros imóveis, que a posse seja feita de maneira mansa e pacífica, sem oposição do proprietário e que tenha sido ocupada por um prazo mínimo de cinco anos.

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (Constituição Federal de 1988).

Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. (Lei n. 10.257/01 – Estatuto da Cidade).

3.3 Usucapião Especial Urbana Como Instrumento da Política Urbana

 

 

A Política Urbana é disciplinada pela Constituição Federal no artigo 182 e seguinte, conta também com o Estatuto da Cidade para uma maior efetividade e aplicabilidade. Além disso, a mesma deve ser promovida pelo Poder Público, visando promover o bem-estar social.

          Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. (Constituição Federal de 1988)

A Usucapião Especial Urbana serve como instrumento da política urbana, pois tem como objetivo servir ao desenvolvimento das funções sociais da cidade, ao bem-estar de seus habitantes e do meio ambiente. Sendo assim, a usucapião especial urbana, em todas as suas modalidades (individual e coletiva), contribui para a política urbana à medida que promove a função social da propriedade, através da aquisição da propriedade pelo uso em um determinado tempo, visando assim promover o acesso à moradia digna de boa parte da população.

Diante disto, o Estado deve promover políticas públicas que visem organizar e facilitar a moradia no país, por meio da usucapião especial urbana, satisfazendo assim a função social da propriedade e contribuindo para transformar a cidade em um espaço mais agradável e sadio. Pois, desta maneira o Poder Público estará promovendo a política urbana, tendo em vista a melhoria das condições de vida da população.

4 USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA COMO MEIO IDEALIZADOR À FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

A função social da propriedade segue um caráter de promover uma maior igualdade no Brasil, fornecendo maior acesso a propriedade, matéria de interesse público. A Usucapião Urbana surgiu para atender a necessidade de gerar moradia para parte da população que vivia nas ruas, assim entende-se que essa modalidade de Usucapião tem grande importância para a função social da propriedade.

Para que se atenda a função da propriedade, necessita-se que haja uma relativização desta, essa relativização é necessária já que, como foi dito anteriormente, no decorrer da historia do Brasil ocorreu o êxodo rural, com a mudança da população do campo para a cidade, muitas pessoas sofreram com péssimas condições de vida e falta de oportunidades, sendo assim, muitas pessoas passaram a viver nas ruas, em território urbano. “Essa relativização é expressa no Estatuto, em especial nos artigos que reconhecem o direito de usucapião urbano e, assim, indicam limites à especulação imobiliária” (RODRIGUES, 2004, p. 11), ou seja, a partir da usucapião especial urbana pode se haver uma relativização da propriedade, é a partir dessa relativização que a população irá ter acesso à moradia em territórios urbanos.

Orlando Gomes (2002) divide o fundamento da usucapião em duas correntes teóricas distintas, as teorias objetivas e as subjetivas. De acordo com as teorias objetivas, a fundamentação presente na criação da usucapião se prende no caráter de utilidade social que esta possui, “é socialmente conveniente dar segurança e estabilidade à propriedade, bem como consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio” (GOMES, 2002, p. 164). Ele coloca ainda que a falta de uso pelo proprietário e a posse de outrem por grande período de tempo pode gerar incertezas quanto à propriedade, por isso, a usucapião também pode sanar os vícios e incertezas quanto ao direito de propriedade.

Ao falar sobre a usucapião especial, Caio Mário da Silva Pereira (2006) destaca que esta modalidade específica de usucapião surgiu quando houve uma integralização do conceito de propriedade na ideia da função social, sendo assim, a usucapião especial foi idealizada inicialmente já na intenção de promover a função social da propriedade. Ele propõe que “as características fundamentais desta categoria especial de usucapião baseiam-se no seu caráter social [...] concorrendo para o progresso social e econômico” (PEREIRA, 2006, p. 152).

5 CONCLUSÃO

 

 

O conceito de função social da propriedade tem relação com a promoção do bem-comum e cumprimento do interesse público, portanto, não é estranho dizer que a usucapião especial urbana foi criada a partir da ideologia de função social da propriedade, sendo esta, o principio inicial da usucapião, já que é uma forma de aquisição de propriedade que tem grande relação com o interesse público e bem-comum. A usucapião urbana assegura uma maior qualidade de vida, justiça social e desenvolvimento de atividades econômicas urbanas, bem como o exigido pelo Estatuto da Cidade em seu artigo 39, que trata sobre a função social da propriedade.

Além disso, a usucapião especial urbana foi criada em uma época em que a população dos centros urbanos tinha grande dificuldade de obter moradia devido à superlotação das cidades, uma das saídas encontrada pelo legislador para que esse problema fosse diminuído foi esta modalidade de usucapião, tendo relação próxima com o progresso social e econômico das áreas urbanas e de grande utilidade social.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Presidência da República. Casa Civil, Brasília, DF, 10 jan. 2002.

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[4] ACQUAVIVA, Marcus Claúdio. Dicionário Jurídico Acquaviva. 5. ed. atual e ampl. São Paulo: Rideel, 2011.

[5] Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.