A ÚLTIMA SAÍDA...

 

                            Formavam uma família feliz. A coisa que mais gostavam era de sair juntos. Andar de carro, fazer feira, comprar roupas, sapatos, principalmente em final de ano, almoçar fora aos domingos, realizar passeios em municípios próximos. Sonhavam e até planejavam fazer passeios mais longos, conhecer novos lugares e desfrutar juntinhos das coisas boas e prazerosas da vida. Casal ainda jovem, a mulher tinha 43 anos, dois filhos, dois netos. Dia 10 de março de 2010, a mulher sentiu um mal estar e o casal saiu em busca de atendimento médico em um pronto atendimento de uma cooperativa de saúde. Dengue! Diagnosticou o médico plantonista, prescrevendo tratamento imediato a base de soro e paracetamol. Findada a segunda bolsa de soro de 500 ml, a mulher foi liberada. Foram cinco vezes seguidas de idas e vindas à unidade de pronto atendimento. Médicos plantonistas diferentes a atenderam, mesmo diagnóstico, mais soro, mais parecetamol, alterado de 400 para 750mg, nenhuma melhora, a mulher cada vez mais debilitada, mesmo assim era liberada para continuar tomando paracetamol, em casa!

                            15 de março de 2010, início de tarde, o casal retorna mais uma vez à unidade de pronto atendimento, com uma requisição de exame de raios-X conseguida com médico particular. A mulher, para se deslocar do carro à sala do médico, pediu ao marido que providenciasse uma cadeira de rodas, pois já não aguentava mais caminhar. O médico plantonista, assistindo impassível o sofrimento da mulher e o desespero do marido dela, ignora a requisição de exame de r-x a ele apresentada, mantendo o diagnostico e admitindo, depois de olhar para alguns exames, que o caso não era de internação. O homem então se desespera e discute agressivamente com o médico plantonista, afirmando que iria lutar com todas as suas forças para que a mulher dele fosse internada e submetida a um tratamento mais especializado!

                            Ao sair da sala do médico, o homem, muito nervoso, falou do problema para as enfermeiras de plantão, ocasião em que uma técnica de r-x, sensibilizada com o drama vivido pelo casal, se dispôs a realizar o exame, já que para isso existia uma requisição de r-x solicitada por médico credenciado. Minutos depois, já de posse do resultado do exame, o homem retornou à sala do médico plantonista que, ao ver numa tela iluminada o resultado do exame saiu rapidamente da sala, falou com as enfermeiras, ordenou para transferir de imediato a mulher da sala de repouso para a sala de atendimento semi-intensivo, passando então a paciente a respirar com o auxilio do balão de oxigênio.  Mais tarde, o marido ficou sabendo que a doença da esposa não era dengue, era pneumonia, já em estágio grave, diagnosticada através de um simples exame de r-x, cujos médicos plantonistas, mesmo sabendo e contando com a existência de aparelho de r-x instalado na própria unidade de pronto atendimento, não se dispuseram a requisitá-lo.

                            15 de março de 2010, já de tardezinha entrando pela noite, o médico plantonista entra na sala de atendimento semi-intensivo, e explica ao homem que estava transferindo a mulher para uma unidade de terapia intensiva (UTI) do hospital Santa Giovanna, apenas por precaução. Então o marido, acariciando os cabelos da esposa, falou carinhosamente: meu amor, o médico vai transferir você para uma UTI do hospital Santa Giovanna, mas é apenas por precaução, tá? No que então a esposa, abrindo os olhos e olhando para ele, respondeu: tá meu amor, eu ouvi o médico falando... Minutos depois dois homens entraram na sala arrastando uma maca e, com a ajuda do marido, transferiram a mulher para a ambulância que a levaria para a UTI do hospital Santa Giovanna. Submetida a um estado de coma induzido, a mulher não conseguia mais se comunicar com o marido, mas ele orava e pedia para ela baixinho: luta meu amor, luta, não desista da vida, você é valente, você sempre foi forte!

                            Era 18 de março de 2010, início de tarde. O marido teve que sair do hospital para comprar almoço e levar para os filhos. Já em casa, colocou o telefone celular em cima da mesa e foi rápido ao banheiro, de onde pode ouvir o toque do seu celular e logo em seguida o grito desesperado da filha...  Saiu rapidamente do banheiro a tempo de ouvir a filha exclamar: pai, a mãe morreu!

                            O sonho havia acabado! Estavam órfãos! Pai e filhos choraram abraçados!

                            No carro, a caminho do hospital para a funerária, o homem leu mais uma vez a causa morte no atestado de óbito: pneumonia grave, falência múltipla dos órgãos. Essa era a versão oficial, difícil de ser contestada. No entanto, para ele e para os filhos, a causa da morte era outra: erro médico!

                             Tomado momentaneamente por um avassalador sentimento de indignação e por uma dilacerante sensação de impotência, o homem vislumbrou a esposa viva e negou-se a acreditar que aquele início de tarde do dia 15 de março de 2010 tinha sido o momento da sua última saída...