A TEORIA DA PROVA NO PROCESSO PENAL[1] 

Allynny Hetienne Feitoza da Silva[2] 

SINOPSE DO CASO 

O juiz determina busca domiciliar na residência de Caio, situada na sua fazenda em Tuntum, Município do Maranhão, constando expressamente do mandado, nos termos do art. 243 do CPP, ordem para apreensão de substância entorpecente, uma vez que existiam fundadas suspeitas do envolvimento de Caio com o tráfico de drogas. No domingo, às 17 horas, a polícia ingressa na casa principal de Caio. No curso da diligência, não foi encontrada a substância entorpecente. Ao ingressar na casa do caseiro, encontra a polícia 3 granadas e 2 fuzis. Ao retornar para a sede da fazenda, a polícia encontra substância entorpecente na posse de Mélvio, que estava na residência de Caio assistindo a um jogo de futebol. O advogado de Caio afirma que não existe mandado para a busca na casa do caseiro, bem como a polícia extrapolou ao apreender provas diversas das previstas no mandado.

DESCRIÇÃO DOS PERSONAGENS ENVOLVIDOS

 

Pelo cenário presente no caso em análise os personagens mais importantes apresentam-se como sendo: os policiais que cumpriram com a busca, Caio, o caseiro de Caio e Mélvio.

DESCRIÇÃO DAS DECISÕES POSSÍVEIS

 

A decisão acerca da polêmica engloba o fato de no mandado de busca, por este ter que ser especifico conforme regra do Art. 243 CPP, às armas apreendidas na casa do caseiro e não na casa (especificamente) de Caio e as substancias entorpecentes encontradas em pose de Mélvio, se às mesmas podem configurar como prova licita para indiciar Caio.

Nesse contexto, parece claro que em relação às armas encontradas na casa do caseiro, pela mesma se encontrar nas dependências da fazenda de Caio, parece ao certo que tanto o caseiro como o próprio Caio venham a ser indiciados, em relação às substancias entorpecentes, precisa de uma atenção maior, já que as mesmas foram encontradas em posse de Mélvio, e não de Caio. Restará verificar se estas decisões podem ser encaradas em um processo penal, ou seja, possam ser consideradas como provas para indiciar Caio.

QUESTÃO ATINENTE AO CASO

 

A prova obtida é licita?

À cerca da questão é necessário ser considerada a conceitual de provas, bem como suas teorias em âmbito do direito processual penal, primeiramente. Em segundo plano, saber a conceituação e o que propõe o mandado de busca domiciliar e nessa mesma esfera saber identificar se as provas encontradas pelos policias podem ser consideradas licitas.

A prova em âmbito de processo penal são os meios abtidos durante o curso do processo penal, do qual tem como finalidade revelar se houve ou não a existência de fato, e principalmente é através da mesma que irá convencer o juiz em suas decisões.

Conforme aduz Edilson Mougenot Bonfim (2008, p. 303 e 304),

“A prova é um instrumento usado pelos sujeitos processuais para comprovar os fatos da causa, isto é, aquelas alegações que são deduzidas pelas partes como fundamento para o exercício da tutela jurisdicional. Entende-se como sujeitos processuais o autor, o réu e o juiz. […] A prova tem como finalidade permitir que o julgador conheça o conjunto sobre os quais fará incidir o direito”.

É tal certo que Bonfim aduz, que o próprio Código de Processo Penal em seu art. 155 relata:

 

 

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Ou seja, fica claro que as provas obtidas em um processo penal são os instrumentos que serviram de convicção para qualquer decisão que o juiz venha a tomar.

Sobre os meios de provas, Bonfim aduz que pode ser qualquer fato, documento ou alegação que venha a servir de instrumento para analise das decisões que o juiz venha a ter.

“Meio de prova é todo fato, documento ou alegação que possa servir, direta ou indiretamente, à busca da verdade real dentro do processo. Em outras palavras, é instrumento utilizado pelo juiz para formar a sua convicção acerca dos fatos alegados pelas partes”. (BONFIM, 2008, p. 307-308)

Pode-se interpretar da citação de Bonfim que instrumento pode ser considerado como meio de prova, entretanto isso não quer dizer que qualquer prova será considerada como a mesma em um processo penal, pois deve-se analisar sua licitude.

Em regra, serão consideradas provas licitas em âmbito de processo penal àquelas que não violem nenhum preceito constitucional ou legal, conforme aduz o art. 157, do CPP, “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”.

Ou seja, qualquer documentação, testemunha, objeto dentre outras podem servir como meio de provas, entretanto os mesmos não podem extrapolar nenhuma das normas constitucionais ou legais.

No caso em questão, o advogado de Caio alega que as ‘provas’ obtidas pelos policiais são ilícitas, uma vez que às armas foram encontradas na casa do caseiro e as drogas em posse de Mélvio.

Sobre tal assunto, por regra deve-se dispensar qualquer prova que seja ilícita, uma vez que à mesma vai contra algum preceito constitucional ou legal. Porém a chamada ‘Teoria dos frutos da árvore envenenada’ ou ‘Teorias das provas ilícitas’ aduz que provas ilícitas devem ser dispensadas do processo, assim como qualquer um dos atos que foram praticados através dela.

“Essa teoria consiste em afirmar que provas obtidas licitamente obtidas através de informações aproveitadas de outras provas que violem alguma direito constitucional acabam por serem contaminadas pelas últimas, fazendo com que não sejam aproveitadas no processo”. (SILVA, 2012).

Dentre sua classificação temos: 1) Admissibilidade processual da prova ilícita “poderia ser admitida desde que não fosse verdade pelo ordenamento processual. Não interessava a violação do direito material” (LOPES, 2011, P. 579); 2) Inadmissibilidade Absoluta “posição os que fazem uma leitura literal do art. 5º, LVI […] Partem, ainda, da premissa de que a vedação constitucional não admitiria exceção ou relativização” (LOPES, 2011, p. 579-580); 3) Admissibilidade da prova ilícita em nome do principio da proporcionalidade “tendo em vista a relevância do interesse publico a ser preservado e protegido, poderia ser admitida […] quando a obtenção e admissão for considerada a única forma possível e razoável para proteger outros valores fundamentais” (LOPES, 2011, p. 580); e por fim, 4) Admissibilidade da prova ilícita a partir da proporcionalidade pro reo “só poderia ser admitida e valorada apenas quando se revelasse a favor do réu” (LOPES, 2011, p. 582)

No Brasil tal teoria se aplica nas chamadas provas derivadas, ou seja, quando estas derivam de uma prova ilícita. Segundo o STF não há nenhuma “contaminação/envenenamento” nas provas derivadas, mesmo decorrendo de prova ilícita, sendo assim, podendo ser aceitas em processo penal.

Prova ilícita: escuta telefônica mediante autorização judicial: afirmação pela maioria da exigência de lei, até agora não editada, para que, ‘nas hipóteses e na forma’ por ela estabelecidas, possa o juiz, nos termos do art. 5º, XII, da Constituição, autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal; não obstante, indeferimento inicial do habeas corpus pela soma dos votos, no total de seis, que, ou recusaram a tese da contaminação das provas decorrentes da escuta telefônica, indevidamente autorizada, ou entenderam ser impossível, na via processual do habeas corpus, verificar a existência de provas livres da contaminação e suficientes a sustentar a condenação questionada; nulidade da primeira decisão, dada a participação decisiva, no julgamento, de Ministro impedido (MS nº 21.750, 24/11/93, Velloso); consequente renovação do julgamento, no qual se deferiu a ordem pela prevalência dos cinco votos vencidos no anterior, no sentido de que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta de lei que, nos termos constitucionais, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contaminou, no caso, as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta (fruits of the poisonous tree), nas quais se fundou a condenação do paciente.(STF, HC 69.912-RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, RTJ 155/508).

Se formos colocar o entendimento do STF ao caso relatado, poderia entender que Caio seria indiciado, uma vez que as provas mesmo sendo consideradas ilícitas, abriria brecha há um provável envolvimento de Caio ao tráfico de drogas, e as demais provas levantadas através daquelas seriam consideradas licitas.

Porém alguns doutrinadores não admitem a implementação da prova ilícita, dentre estes, temos como referencial Pacelli. Num exemplo que este alude (e até em alguns aspectos muito parecido com o caso analisado), em resumo ele afirma que em um mandado de busca e apreensão referente a animais silvestres, que ao chegar ao local e começam a checar documentos que estavam em gavetas, estas achadas não podem fazer parte do crime referente à captura de animais silvestres, uma vez que estás não estariam relacionadas com o mandado, “fugiria do controle judicial, configurando verdadeira ilegalidade, por violação do domicilio, no ponto em que para aquela finalidade, o ingresso na residência não estaria autorizado”. (OLIVEIRA, 2004, p. 363).

No caso em questão, é claro quando o mesmo aborda que o mandado continua expressamente a busca e apreensão de substancias entorpecentes, diante disso, faz-se necessário entender o conceito de busca, apreensão e mandado domiciliar.

A busca “é meio de obtenção da prova – que visa encontrar pessoas ou coisas” (PITOMBO, 2005, p. 102), apreensão “é uma medida cautelar, pois se destina à garantia da prova” (PITOMBO, 2005, p. 102). “Tanto a busca como a apreensão, podem ocorrem no curso do inquérito policial ou durante o processo”. (LOPES, 2011, p. 698). A busca domiciliar está tipificado no art. 240, § 1°, CPP.

 

 

Art. 240 - A busca será domiciliar ou pessoal.

§ 1º - Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:

a) prender criminosos;

b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;

d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;

e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

g) apreender pessoas vítimas de crimes;

h) colher qualquer elemento de convicção.

O mandado de busca é o instrumento pelo qual será realiza a busca, e provavelmente a apreensão. O mesmo está tipificado no art. 243, e seus incisos no CPP.

 

 

Art. 243 - O mandado de busca deverá:

I - indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem;

II - mencionar o motivo e os fins da diligência;

III - ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir.

Conforme leitura do art. 243 e seus incisos do CPP, percebe-se que o mandado de busca tem que conter indícios da materialidade do fato, quando expedido deve ser especifico e sua autorização deve ser feita somente pelo juiz[3].

Em relação à questão domiciliar, compreende-se que o mandado se restringe a área da residência que vai até os limites da cerca, diante deste fato, pode-se deduzir que não houve nenhuma ilegalidade quando os policiais adentraram na casa do caseiro, uma vez que a mesma pertence à sede da fazenda, ressaltando-se que o art. 240, § 1, alínea d, do CPP aduz que armas e munições devem ser apreendidas,, entretanto assim como as substâncias entorpecentes, as armas não foram encontradas em posse de Caio.

Por fim, ao analisar o caso especifico e analisar a posição de alguns doutrinadores, como citado Pacelli, pelo ensinamento do mesmo Caio não seria indiciado, uma vez que mesmo o mandado ter cumprido as exigências do art. 243, CPP, o mesmo continha como especifico que fosse apreendidas as substâncias em posse de Caio – o que não ocorreu -, o mesmo ocorrido com as armas. Mesmo estas sendo encontradas na área domiciliar de Caio, mas não em sua pose, as mesmas seriam consideradas ilícitas, vez que estaria desfigurando uma das principais premissas do mandado, como já citado, sua especificidade.

 

 

 

REFERÊNCIAS

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 3.ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.

BRASIL. Código de Processo Penal, 1941.

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 7. ed. vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

PITOMBO, Cleunice Bastos. Da busca e da apreensão no processo penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

SILVA, Giselle Cristina Lopes da. A Teoria da Prova no Processo Penal brasileiro. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=2450. Acessado em: 23 de Abril de 2013.



[1] Trabalho apresentado à disciplina de Direito Processual Penal I, ministrada pelo Prof.º Me. Cleopas Isaías Santos, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, para a obtenção da segunda nota 2013.1, bem como demonstrar seu posicionamento em relação ao caso apresentado.

[2] Acadêmica do Curso de Direito.

[3] “Salvo no casos de crime permanente, em que a situação de flagrância é igualmente permanente (art. 303 do CPP)” (LOPES, 2011 p. 699).