O presente trabalho fundamenta-se na apresentação de uma análise sociológica do filme Ponto de Mutação, do diretor Bernt Capra, de acordo com o embasamento teórico-metodológico de Ulrich Beck, visando correlacionar a sua teoria da Sociedade Global de Riscos com a análise da sociedade contemporânea discutida por Capra, assim como correlacionar as temáticas presentes no filme com a discussão teórica desenvolvida no decurso da disciplina Direito Ambiental ? ministrada aos alunos do 6º período do curso de Bacharelado em Direito da Faculdade Ideal/FACI ? pela professora Dra. Luzia dos Santos.

Ponto de Mutação (Mindwalk, 1990), dirigido por Bernt Capra, é baseado na obra do filósofo austríaco Fritjof Capra The Turning Point , editada e publicada pela primeira vez em 1983. No filme, a física Sonia Hoffman (Liv Ullmann), o poeta Thomas Harrimann (John Heard) e o político Jack Edwards (Sam Waterston) encontram-se ocasionalmente em um vilarejo ao sul da França da década de 90, onde desenvolvem extenso diálogo e profundas discussões acerca da humanidade, de sua essência, dos seus valores e das mudanças pelas quais vem passando e as consequências dos investimentos que têm sido feitos.

A intenção inicial de Sonia em explicar a Jack o porquê de não acreditar em política/políticos desencadeou na exposição de pensamentos das três personagens acerca da sociedade contemporânea como um todo, recorrendo, para tanto, às teorias clássicas e modernas de físicos, filósofos, religiosos e poetas.

Nessa linha de raciocínio, a física associou o âmago da crise atual contemporânea com a inadequação de ainda se utilizar do pensamento cartesiano de Descartes para compreender e buscar soluções para os problemas atuais. O físico, matemático e filósofo francês René Descartes, apesar de ter contribuído significativamente para a evolução da ciência, foi um homem de seu tempo e, como tal, elaborou suas teorias tendo por base a época que conhecia e estudou. Os tempos mudam e, de igual maneira, os entendimentos e percepções acerca dos acontecimentos e do mundo devem mudar, acompanhar as transformações, adaptando-se no que for necessário.

O pensamento cartesiano individualista e separatista não mais se encaixa na realidade contemporânea. Descartes via a humanidade como uma máquina perfeita, um relógio com um funcionamento simétrico e autômato. Em oposição a esse pensamento, Sonia Hoffmann defende o pensamento ecológico (ecological way of thinking), que, baseando-se na crise de percepções atualmente vivida, fundamenta-se na interdependência global de pessoas, atitudes, situações, entendimentos.

Todo o diálogo desenvolvido no filme converge para o entendimento do alemão Urich Beck, consubstanciado em sua teoria da Sociedade Global de Riscos (Risk Society), amplamente discutida pela professora Dra. Luzia dos Santos nas aulas de Direito Ambiental. É salutar mencionar, ademais, que as temáticas problematizadas no filme e nas aulas expositivas tendem a direcionar os acadêmicos do curso de graduação para a crise ecológica global da contemporaneidade.

Correlacionando a discussão desenrolada no filme com a teoria da Sociedade Global de Riscos de Beck, compreende-se que a grande crise pela qual passa a hoje a humanidade tem razão de ser no modo pelo qual os indivíduos tentam ou, conforme o caso, pensam em resolver as crises atuais, isto é, utilizando-se de instrumentos já obsoletos, defasados, de, conforme definição do teórico alemão, primeira modernidade ? isto é, mecanismos que outrora eram suficientes e eficazes para conter e controlar crises e problemas globais, mas que, no presente momento, não mais o são.

A necessidade, portanto, é, segundo muito bem coloca Sonia Hoffman, pensar de modo global, conexo com o sistema por inteiro, de modo a adotar comportamentos preventivos que tenham resultados a longo prazo e não posicionamentos imediatistas e individualizados para questões específicas que somente resolverão os problemas sob um viés e a curto prazo.

Diante disso, Beck classifica a sociedade contemporânea, caracterizada por constantes transformações e inúmeros riscos em face da ausência de controle da situação, como segunda modernidade ? ou modernidade reflexiva ?, correspondendo à fase de radicalização dos princípios da modernidade.

No entendimento da professora da Universidade Federal de Santa Catarina Julia Guivant (2001, p. 97):

Enquanto a primeira modernidade caracterizou-se pela confiança no progresso e controlabilidade do desenvolvimento científico-tecnológico, pela procura de pleno emprego e pelo controle da natureza, a modernidade reflexiva é uma fase na qual o desenvolvimento da ciência e da técnica não pode dar conta da predição e controle dos riscos que ele contribuíra para criar.

Desse modo, para que a humanidade como um todo possa, de fato, compreender e resolver as crises atuais, especialmente a crise ambiental, é imprescindível que se reflita e discuta acerca de possíveis soluções adequadas ao momento da contemporaneidade, em que predomina um alto grau de imprevisibilidade, uma incontrolabilidade de riscos e que reúne as consequências indesejadas da modernização radicalizada. Dentre esses riscos, Beck menciona os ecológicos, químicos, nucleares, genéticos e econômicos, os quais tiveram seu nível de importância durante o diálogo do filme, principalmente na confissão da física de que uma descoberta sua estaria sendo usada em um projeto norteamericano de fabricação de armamentos bélicos.

Sintetizando, pois, o que foi exposto no filme e nas aulas teóricas de Direito Ambiental com a teoria de Beck, é notório que não se pode continuar pensando alternativas com velhas categorias. Nesse sentido, a professora Guivant comenta que (2001, p. 96-97):

A sociologia, como disciplina, deveria transformar-se, procurando novas teorias, hipóteses e categorias, para evitar converter-se numa "loja de antigüidades especializada na sociedade industrial" e para poder orientar as transformações dos fundamentos das instituições da modernidade. O conceito de sociedade de risco permitiria a compreensão da modernização reflexiva e, por isto, permitiria, também, entender o caminho pelo qual as soluções devem ser formuladas.

Em meio a essa irresponsabilidade organizada da crise ecológica, se insere a Organização das Nações Unidas (ONU) no ensejo de regulamentar internacionalmente o manuseio do meio ambiente, de modo a elencar como o direito ao meio ambiental ao status de fundamental, devendo cada Estado normatizar internamente o trato com o ambiente, possibilitando um desenvolvimento sustentável, isto é, equilibrado entre o desenvolvimento (econômico, social e cultural) e o equilíbrio ambiental.

Conforme o Relatório Nosso Futuro Comum, editado pela ONU em 1987, o desenvolvimento sustentável é conceituado como aquele que "[...] satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades".

Para alcançar essa sustentabilidade, é mencionada no filme a Teoria dos Sistemas Vivos, que consiste em uma nova visão de mundo e em uma nova forma de fazer ciência, na qual se reconhece as relações e a interdependência de todos os seres do planeta como a própria essência da vida, da auto-organização e da auto-transcendência, passando a humanidade, como um todo, ser capaz de se manter e renovar-se constantemente, adaptando-se às transformações, necessidades e exigências axiológicas e ambientais cotidianas.

Por fim, faz-se mister a colocação do poeta Harrimann, ao afirmar que não evoluímos no planeta, mas evoluímos com o planeta. Daí a necessidade de pensar nas próximas e futuras gerações durante o hoje; existe uma necessidade de buscar atingir uma sociedade sustentável. E quem é responsável por isso? Todos nós.

Não é à toa que o artigo 225 da Lex Fundamentalis pátria (Constituição Federal, 1988) assim preceitua, deixando expresso que é direito de todos o ambiente ecologicamente equilibrado, cabendo a nós saber utilizá-lo, defendê-lo e preservá-lo.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.


Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado. 1988.

COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1991.

GUIVANT, Julia S. A teoria da sociedade de risco de Ulrich Beck: entre o diagnóstico e a profecia. In: Estudos de Sociedade e Agricultura. Nº. 16. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro: 2001, p. 95-112.

PONTO de mutação. Direção de Bernt Capra. Produção de Adrianna A. J. Cohen. Estados Unidos: 1991. 111 min. DVD, color. Legendado. Port.