A RIGIDEZ NA INTERPRETAÇÃO DAS LEIS E A IMPOSSIBILIDADE DA CRIAÇÃO DE UM NOVO DIREITO ADOTADA PELO EXEGETISMO: Análise do Julgado de Reconhecimento das uniões homoafetivas.

 

Camilla de Sousa Viegas

Taysa de Oliveira Pires[1]

 

RESUMO

O presente paper consiste em explorar teoricamente a Escola do Exegetismo, expondo os principais aspectos teóricos e argumentativos dessa escola, e contrapondo-os a Escola da Jurisprudência dos Interesses. E posteriormente, analisar a ADI 4277 referente ao Julgado de Reconhecimento das Uniões Homoafetivas à luz da Escola do Exegetismo em contraposição à Escola da Jurisprudência dos Interesses. De forma, a justificar argumentativamente o reconhecimento ou não das Uniões Homoafetivas como uma nova entidade familiar, interpretando tal decisão com base no estudo das duas escolas.

Palavras-chave: Escola do Exegetismo. Escola Jurisprudência dos Interesses. ADI 4277. União Homoafetiva.

INTRODUÇÃO

Nesse Paper pretendemos analisar o importante caso do Reconhecimento da União Homoafetiva que foi assunto julgado pelo STF na ADI 4277 no final de 2011, bem como explorar teoricamente a Escolas Jurisprudência dos Interesses em contraposição a Escolas do Exegetismo, aplicando os argumentos fundamentadores de cada teoria na resolução do caso de reconhecimento ou não da união homoafetiva como uma nova entidade familiar, possuidora de direitos e garantias legitimados constitucionalmente.

O uso da hermenêutica jurídica tardou um pouco a aparecer já que os códigos legais modernos surgiram somente após a Revolução Francesa (final do séc. XVIII) e, mesmo assim, muitas vezes possuíam disposições expressas que proibiam a interpetação das leis. Durante muitos anos, as doutrinas liberais exigiram a separação absoluta entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Não podia haver influência de um sobre o outro, sendo a independência uma regra de ouro para o sistema. Somente mais tarde precebeu-se que a hermenêutica poderia auxiliar o Poder Judiciário, que já não era um poder isolado, mas trabalhava harmonicamente com o Legislativo. A lei não era mais um texto claro que expressava uma rígida vontade parlamentar, mas uma disposição normativa que deveria ser compreendida pelos juízes para melhor solucionar uma lide e concretizar os ideais de justiça da sociedade (MAZOTTI, 2010, p. 18).

O reconhecimento da união homoafetiva como uma nova entidade familiar, continua sendo assunto de diversas discussões no âmbito jurídico e social. Portanto, no paper será trabalhada a possível decisão de reconhecimento da união homoafetiva, que será defendida veementemente pela Escola Jurisprudência dos Interesses, contrapondo-se ao imobilismo dos Códigos idealizado pela Escola da Exegese. É dessa forma que o brilhante autor Marcelo Mazotti (2010, p. 18) afirma que “o uso da hermenêutica nas ciências jurídicas não só favoreceu o estudo das leis, como também revelou uma faceta importante e vivificante da hermenêutica antes pouco percebida: a aplicação. Sendo assim, na Era Moderna, as experiências hermenêuticas das diversas escolas passram a se influenciar constantemente, criando um ambiente multidisciplinar e permitindo enormes avanços em seus estudos”.

  1. 1.                  EXPLORAÇÃO TEÓRICA DA ESCOLA DO EXEGETISMO

Foi na França, entre os cultores do direito civil, logo após o advento do Código Civil de Napoleão, em 1804, que a Escola da Exegese teve o seu desenvolvimento inicial. A influência dessa Escola ultrapassou as fronteiras da França e se fez presente na maior parte dos países da Europa continental do século XIX, sendo que, ainda hoje, exerce uma influência significativa no ensino e prática do direito (LIMA, 2003, p. 106).

A escola da exegese francesa desenvolveu-se no século XIX principalmente a partir da edição do Código Civil Francês de 1804, o Código de Napoleão, tendo entre seus expoentes Jean Ch. F. Demolombe, Troplong, Alexandre Duranton, Proudhon, Charles Aubry, Frédéric Charles Rau e Pothier, entre outros juristas franceses [...] tendo por base a magnifica obra legislativa que foi o Código de Napoleão, pensavam os juristas franceses da é poca ser possível encontrar, no texto da lei, respostas para todas as controvérsias surgidas no âmbito do convívio social (ROCHA, 2009, p. 84).

A ausência de uma interpretação criativa pelo juiz e o mito da completude do ordenamento jurídico francês, são características da escola exegética, muito bem esculpidas no art. 4º do citado código – no qual disciplinava que os juízes não poderiam deixar de julgar o caso, fundamentando-se na obscuridade ou omissão da lei, essa imposição normativa reflete o mito da completude do ordenamento jurídico, ao pensarem que este guardaria as respostas para qualquer caso ou conflito, não sendo necessária a busca de respostas em outros ordenamentos – por analogia, pelos princípios gerais de direito, nem mesmo pelos costumes.

Sobre a hipótese de existência de lacunas no ordenamento jurídico francês, Chim Perelman (2004, p. 184) manifesta o pensamento exegético da seguinte forma: “Mesmo nos casos de obscuridade, silêncio ou insuficiência da lei, o juiz deveria, ainda assim, referir-se ao direito positivo para motivar suas decisões. Nessa perspectiva, o que é posto no primeiro plano é o valor concedido à segurança jurídica, à conformidade das decisões de justiça com as prescrições legais”. E acrescenta Perelman: “Esta submissão completa do juiz à letra, e eventualmente ao espírito da lei, orientou o esforço de sistematização do direito, empreendido pelos teóricos da escola da exegese”.

Segundo essa doutrina, o papel do juiz estava restrito a reconhecer na lei a vontade do legislador e aplicá-lo ao caso concreto. O juiz não elabora, não questiona, não investiga a lei, apenas a aplica, como em um sistema dedutivo. O brocardo romano dura lex, sed lex (“A lei é dura, mas é a lei”) retoma seu valor e denota a vontade de se estabelecer uma ordem jurídica desprovida de paixões e subjetividades, cujo único referencial permitido é a lei mesma. Essa ordem exige que o juiz admita sua tarefa como mero reconhecedor e aplicador da lei ao caso concreto, sem qualquer necessidade de interpretação ou investigação criativa (MAZOTTI, 2010, p. 49-50).

Sérgio Andre Rocha (2009, p. 86) ao discorrer sobre as principais características da escola da exegese em seu artigo, faz uma análise da obra “O Positivismo Jurídico” de Noberto Bobbio, afirmando:

 “Norberto Bobbio, partindo das lições de Bonnecase, sintetizou as principais características da escola da exegese nos seguintes termos: (a) inversão das relações tradicionais entre direito natural e direito positivo, reconhecendo-se a existência de princípios pré-positivos, mas sustentando-se que os mesmo são irrelevantes para o jurista enquanto não positivados; (b) defesa de uma concepção estatal do direito, de modo que somente seriam jurídicas as regras postas pela organização do Estado; (c) defesa de uma teoria subjetivista da interpretação, no sentido de que de deveria buscar a revelação da vontade do legislador contida no texto legal; (d) apego à literalidade do texto legal; e (e) apego ao princípio da autoridade, com o que se atribuía relevância não só ao texto do código, mas também às lições de seus primeiros comentadores”.

O autor Eduardo Bittar (2005, p. 330) afirma que “a Escola da Exegese advoga o princípio da completude do ordenamento jurídico, e não deixa espaço para o Direito natural. As lacunas da lei devem ser resolvidas pelo próprio sistema jurídico”.

Maria Helena Diniz (2009, p. 50) ao discorrer sobre o jusnaturalismo afirma que: “é preciso não olvidar que o exegetismo não negou o direito natural, pois chegou a admitir que os códigos elaborados de modo racional, eram expressão humana do direito natural, por isso o estudo do direito deveria reduzir-se a mera exegese dos códigos. Visavam os franceses a construção de um sistema normativo estruturado de acordo com as normas da natureza, com o escopo de assegurar os direitos subjetivos fundamentais do homem, que lhe eram inerentes. O estudo do Código Civil seria a concretização desse ideal jusnaturalista”.

Conclui Margarida Maria Lacombe Camargo (2003, p. 68) que “além do apego à literalidade do texto como característica, Bonnecase aponta, ainda, um outro aspecto da Escola da Exegese, que é o da ‘estatalidade’. O direito identifica-se com o Estado, nos seguintes termos: A Doutrina da Escola da Exegese se reduz, com efeito, a proclamar a onipotência jurídica do legislador, isto é, do Estado, pois, queiramos ou não, o culto do texto da lei e da intenção do legislador, levado ao extremo, coloca o direito de uma maneira absoluta nas mãos do Estado”.

Como afirma Agostinho Ramalho Marques Neto (2001, p. 101) “o positivismo da Escola da Exegese constituiu a expressão jurídica da burguesia ascendente, récem-instalada no poder, que precisava, para manter-se, estabelecer a crença na validade formal da lei, assim como precisou, para tomar o poder, da crença em valores ideais absolutos”.

A nova ordem fundada nos ideais da classe burguesa depositou no sistema rígido dos códigos toda a sua necessidade de certeza e segurança jurídica. Os códigos eram, então, considerados a transcrição humana das leis que se encontram na natureza – o repositório do direito natural –, sendo, por isso mesmo, tidos como perfeitos e a única fonte do direito. Tudo, acreditava-se, havia sido colocado nos códigos. Não era, portanto, necessário, e muito menos permitido, que se buscassem as soluções em outra fonte que não fosse a lei escrita (LIMA, 2003, p. 109).

Acrescenta NÓBREGA (1965, p. 206) sobre a restrição da atividade dos juízes, que isso acaba por gerar o “grave inconveniente de esvaziar a lei de todo o conteúdo humano, de tratá-la em termos de precisão matemática, como se fôsse um teorema de geometria”.

Todo esse conjunto de procedimentos adotado pela Escola da Exegese está centrado em um único objetivo: fornecer condições ao intérprete para desvendar a vontade do legislador. Disso tudo resta uma certeza: a de que a Escola da Exegese reduz a atuação do intérprete e, em especial, a do julgador a uma mera função mecânica de lógica dedutiva. Assim, toda e qualquer decisão jurídica não pode ser mais do que a conclusão de um silogismo, em que a premissa maior é a lei e a menor, o enunciado de um fato concreto. (LIMA, 2003, p. 116).

Crédulos nas inúmeras virtudes daquele corpo sistemático de normas, os componentes da Escola da Exegese propugnam uma atuação restrita do Poder Judiciário, mediante o apego excessivo às palavras da lei. A atividade dos juízes, na França, então comprometidos com o Antigo Regime, seria controlada pelo atendimento severo e restrito aos termos da lei, [..] privilegia-se, então, os métodos de interpretação gramatical, e sistemático. Qualquer poder, além daquele que verifica o conteúdo expresso da lei, transforma-se em arbítrio. E assim, o juiz passa a ser visto como um funcionário do Estado e mero aplicador do texto legal (CAMARGO, 2003, p.66).

  1. 2.                  EXPLORAÇÃO TEÓRICA DA ESCOLA DA JURISPRUDÊNCIA DOS INTERESSES EM CONTRAPOSIÇÃO A ESCOLA DO EXEGESTIMO

Como reação aos movimentos descritos anteriormente, dos primórdios do positivismo jurídico que concentraram seu estudo na análise minuciosa do texto da lei, surgiram diversos movimentos, dos quais um dos principais e de maior influência foi a jurisprudência dos interesses (BITTAR, 2005, p. 331-332). Explicita Margarida M. Lacombe Camargo (2003, p. 92) que “como antítese da Jurisprudência dos Conceitos, a chamada Jurisprudência dos Interesses procura suplantar a lógica formal pelo estudo e pela avaliação da vida, ou seja, pela pragmática”. Tendo como principal representante o professor Philipp Heck, que incorpora de Ihering a atribuição da ideia de direito não só como prática, mas também a ideia de direito como fim, como um interesse.

Heck acredita que a atividade do juiz é criadora, à proporção que procura conjugar os interesses postos na lei, pelo legislador, com interesse da ocasião em que a mesma é chamada a ser aplicada. [...] Com isso, o direito resumir-se-ia na coordenação da garantia dos interesses das partes em conflito, de acordo com o comando normativo. De tal forma, a Jurisprudência dos Interesses nega-se a confiar ao juiz a mera função do conhecimento e subsunção entre a lei e o fato, propugnando a adequação da decisão às necessidades práticas da vida, mediante os interesses em pauta (CAMARGO, 2003, p. 93).

Durante a análise da obra “O fim do direito” de Ihering, a saudosa Maria Helena Diniz (2009, p. 60) cita que “Ihering afirma categoricamente que ‘o fim é o criador de todo direito; não há norma jurídica que não deva a sua criação a um fim, a um propósito, isto é, a um motivo prático’”.

Para ressaltar esta ideia Ihering lança mão do argumento desenvolvido pelo Pe. Francisco Suárez, em seu tratado De legibus, de que ‘assim como o médico não prescreve a mesma medicação a todos os enfermos, dando uma receita de acordo com a condição concreta de cada paciente, assim também o direito não pode apresentar sempre e em todos os lugares a mesma regulação, deve adaptar-se às condições do povo, atendendo seu grau de civilização e as necessidades da época (DINIZ, 2009, p. 60).

Eduardo Bittar (2005, p. 333) afirma que “Ihering deixa claro que a luta, que brota do seio da sociedade, é o fator propiciador da criação do Direito”:

Todas as grandes conquistas que a história do direito revela – a abolição da escravatura, a servidão pessoal, a liberdade de aquisição da propriedade imóvel, a liberdade de profissão e de culto, só foram conseguidas após lutas renhidas e contínuas, que duraram séculos (IHERING, 1999, p. 39).

O final do século XVIII e século XIX são marcados pela proposta de uma jurisprudência pragmática voltada à compreensão do valor da vida e a transposição para o direito. A partir de apurada revisão das concepções conceituais, Jhering concebe, finalmente, a doutrina finalista do direito, quando sentencia (FERREIRA; LIMA, 2007, p. 282-283):

“A vida não é conceito; os conceitos é que existem por causa da vida. Não é o que a lógica postula que tem de acontecer; o que a vida, o comércio, o sentimento jurídico postulam é que tem de acontecer, seja isso logicamente necessário ou logicamente impossível”. (JHERING apud LARENZ, 1997, p. 58).

 

Estava iniciada a nova fase de compreensão do direito em busca de um movimento libertário que viria para permitir novos métodos de interpretação, importando em dizer da necessidade do direito se adequar à sociedade, à vida; enfim, ao trânsito jurídico. Era preciso libertar a criatividade e, na busca desta realização, passa-se do meio ao fim (FERREIRA; LIMA, 2007, p. 283).

 

Hoje estamos acostumados a pensar no direito em termos de codificação, como se ele devesse necessariamente estar encerrado num código. Isto é uma atitude mental particularmente enraizada no homem comum e da qual os jovens que iniciam os estudos jurídicos devem procurar se livrar. Com efeito, a ideia da codificação surgiu, por obra do pensamento iluminista, na segunda metade do século XVIII e atuou no século passado: portanto, há apenas dois séculos o direito se tornou direito codificado. Por outro lado, não se trata de uma condição comum a todo o mundo e a todos os países civilizados. Basta pensar que a codificação não existe nos países anglo-saxônicos. Na realidade, a codificação representa uma experiência jurídica dos últimos dois séculos típica da Europa continental (BOBBIO, 2006, p. 63).

 

O autor Karl Larenz (1997, p. 69-70) explicita que “a Jurisprudência dos interesses – embora não quebrasse verdadeiramente os limites do positivismo – teve uma actuação libertadora e fecunda sobre uma geração de juristas educada num pensamento formalista e no estrito positivismo legalista. E isto em medida tanto maior quanto aconselhou idêntico processo para o preenchimento das lacunas das leis, abrindo desta sorte ao juiz a possibilidade de desenvolver o Direito não apenas na fidelidade à lei, mas de harmonia com as exigências da vida”.

  1. 3.                  ANÁLISE DO JULGADO DE RECONHECIMENTO DAS UNIÕES HOMOAFETIVAS À LUZ DA ESCOLA DO EXEGETISMO EM CONTRAPOSIÇÃO À ESCOLA DA JURISPRUDÊNCIA DOS INTERESSES

 

A aplicação do Direito é um terreno fértil e complexo, muitas vezes associado metaforicamente a um lamaçal, o que, apesar da conotação negativista e pouco honrosa, reflete corretamente como é difícil se mover e se adensar no mesmo até encontrar uma base sólida. Isso se faz mais presente na jurisprudência dos Tribunais Superiores. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm a competência constitucional de avaliar, respectivamente, a constitucionalidade e a legalidade das leis, tanto sob uma ótica pragmática do caso concreto quanto abstrata da lei em tese (MAZOTTI, 2010, p. 99).

Historicamente, a união estável foi reconhecida pela Constituição Federal de 1988 no seguinte dispositivo: art. 226, § 3º “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Em seguida, a lei n. 9.278/96 regulamentou a relação prevista no supracitado artigo: art. 1º “É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”. Por fim, o Código Civil recepcionou a norma constitucional nos seguintes termos: art. 1.723. “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” (MAZOTTI, 2010, p. 100-101).

 

Com base nessa legislação, durante muitos anos, diversos juízes e desembargadores não conheciam dos pedidos de reconhecimento de união estável homoafetiva por entenderem que tal pedido era juridicamente impossível, dado o teor da legislação que expressamente determina a união estável entre “o homem e a mulher”. Essa decisão de cunho processual era acampada por uma interpretação literal da norma que afastava de seu âmbito de aplicação os casais que não se configuravam como “homem e mulher”, aferição esta que se dava apenas a partir da análise do gênero (masculino/feminino). Uma vez que a lei utilizava a expressão “homem e mulher”, estariam afastadas as demais possibilidades como “homem e homem” e “mulher e mulher” (MAZOTTI, 2010, p. 101).

Nota-se que há um mau hábito, de alguns juízes, de indeferir requerimentos feitos pelas partes dizendo que o fazem “por falta de amparo legal”. Ao se interpretar ta expressão como querendo significar que o indeferimento se deu por não haver previsão legal daquilo que se requereu, a decisão obviamente estará a contrariar o disposto no art. 126 do CPC, pois, em tal caso, o juiz deixará de decidir por haver lacuna na lei. A lacuna da lei não pode jamais ser usada como escusa para que o juiz deixe de decidir, cabendo-lhe supri-la pelos meios de integração da lei (CÂMARA, 2007, p. 33).

 

A falta de disciplina normativa das relações homoafetivas deixou de ser tomada como um óbice ao conhecimento da prestação jurisdicional para ser vista como uma lacuna da lei que deveria ser sanada. (MAZOTTI, p. 101). “Tratou-se da utilização do argumento a contrario sensu, ou seja, arealização da interpretação inversa. Dito argumento se fundamenta na máxima de que ‘aquilo que a lei não proíbe, é permitido’. Sendo assim, toda vez que uma norma diz alguma coisa, aquilo que ela não diz pode ser considerado como uma pretensão legítima, ainda que haja uma incompatibilidade lógica (MAZOTTI, 2010, p. 102).

 

No caso da união homoafetiva, deveríamos nos perguntar se o constituinte, ao prever a união entre heterossexuais, simplesmente deixou uma lacuna no ordenamento em relação aos homossexuais ou optou por não prevê-la por acreditar que ali havia uma proibição lógica. Como bem se pode ver, a resposta à pergunta deve inevitavelmente investigar o espírito do legislador, fazendo remissão à interpretação da Escola Exegética (pesquisa da mens legislatoris). (MAZOTTI, 2010, p. 102-103).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Restou evidenciado que a interpretação é uma necessidade natural do ser humano, independente daquilo que está em exame, em razão de seu próprio caráter discursivo. Encontrar sentidos e atribuir significados é uma atitude realizada a cada momento, juntamente com o nosso pensar.

Afirma MAZOTTI (2010, p. 17) que “foi só preciso que os exegetas bíblicos construíssem técnicas com tal finalidade, para que os estudiosos das demais áreas as transformassem em instrumentos aplicáveis a sua própria disciplina”.

E o fato de essa Escola ter reduzido a atuação do intérprete e, em especial, a do julgador a uma mera função mecânica de lógica dedutiva, não nos autoriza relegá-la ao esquecimento e muito menos promover sua execração. Mesmo porque muito se deve à Escola da Exegese e aos seus métodos clássicos de interpretação, os quais obviamente submetidos a uma releitura condizente com os tempos atuais, ainda hoje estão presentes no dia-a-dia da prática dos tribunais (LIMA, p. 120).

REFERÊNCIAS

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BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 2006.

 

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DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

 

FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser; LIMA, Maria Beatriz Gomes de. História do pensamento jurídico: Hermenêutica e modernidade. Umuarama: Rev. Ciên. Jur. e Soc. Da Unipar. v. 10, n. 2, 2007. Disponível em: http://revistas.unipar.br/juridica/article/viewFile/2025/1767. Acesso em 22 de maio de 2012.

 

IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. Tradução de José Cretella Júnior e Agnes Cretella. São Paulo: revista dos Tribunais, 1998.

 

KARL, Larenz. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1997.

 

LIMA, Iara Menezes. Escola da Exegese. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Estudos Políticos, 2003. Disponível em: www.pos.direito.ufmg.br/rbep/097105122.pdf. Acesso em 22 de maio de 2012.

 

MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. A ciência do direito: conceito, objeto, método. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

 

MAZOTTI, Marcelo. As escolas hermenêuticas e os métodos de interpretação da lei. São Paulo: Editora Manole, 2010.

 

NÓBREGA, J. Flóscolo da. Introdução ao direito. 3. ed. Rio de Janeiro: José Konfino, 1965.

 

PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica: nova retórica. Tradução de Vergínia K. Pupi. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

 

ROCHA, Sergio Andre. Evolução histórica da teoria hermenêutica: do formalismo do século XVIII ao pós-positivismo. Petrópolis: Lex Humana, n. 1, 2009. Disponível em:

 


[1] Acadêmicas do 4º período, do curso de Direito, da UNDB. Paper apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina de Hermenêutica, Lógica e Argumentação jurídicas, lecionada pelo Prof. Thiago Vieira Mathias de Oliveira.