A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS TABAGISTAS 

Danndara Prudencio Silva

Gabriela Freitas de Oliveira

Paola Cristina Cardoso Santos

Rhaiane Martins da Silva

Sebastião Moreira de Miranda Neto[1] 

RESUMO: O presente artigo tem como tema “A responsabilidade civil das empresas tabagistas” e como propósito a resolução da seguinte problemática: As empresas tabagistas podem ser responsabilizadas e obrigadas a reparar os danos causados aos fumantes pelo uso do cigarro? Para tanto, constituiu-se como objetivo geral da pesquisa, a investigação acerca da responsabilidade legal da empresa tabagista pelos danos causados aos consumidores, haja vista que a saúde é um dever constitucional do Estado Brasileiro. Especificamente, procura-se ressaltar os aspectos negativos do cigarro e como as empresas tabagistas devem se portar em relação ao consumidor e sua liberdade de escolha; pontuar como a publicidade do cigarro é vista diante da legislação constitucional vigente e do Código de Defesa do Consumidor; e demonstrar os fundamentos jurídicos para a constituição da responsabilidade civil das empresas tabagistas. Para a consecução do estudo foram analisadas, através de uma pesquisa teórica e qualitativa, diversas obras doutrinárias, entre elas livros, artigos e jurisprudências que apresentavam diferentes linhas de raciocínio sobre a matéria abordada e que foram contrapostas e ponderadas através do método hipotético-dedutivo. Em consonância aos objetivos corrobora-se a hipótese do dever das empresas tabagistas de reparar o dano à saúde dos consumidores de cigarro que não foram informados dos prejuízos que o consumo provoca a curto, médio e longo prazo, no entanto, concluiu-se que a responsabilidade da indústria tabagista limita-se ao controle da sua publicidade, por tratar-se de produto legítimo para a comercialização.

Palavras- Chave: Indústria do tabaco. Reparação do dano. Indenização.

  1. 1.      INTRODUÇÃO

 

 

A pesquisa tem por objeto de estudo a análise do instituto da “Responsabilidade Civil das empresas tabagistas” em face do atual ordenamento jurídico pátrio, através da qual pretende-se elucidar a questão, da responsabilização das empresas tabagistas em relação ao danos causados aos fumantes pelo uso do cigarro.

A análise do instituto da responsabilidade civil das empresas tabagistas permitiu uma melhor percepção quanto à relação de hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor de cigarros, dada a relação de consumo existente entre eles. A hipossuficiência fática do consumidor resulta da desproporção entre os contratantes, que implica na possibilidade do fornecedor impor ao consumidor todas as condições do negócio, resultando assim, na responsabilização objetiva imposta às empresas tabagistas.

Tal responsabilização, porém, será aplicada quando da ocorrência de algum defeito no produto, que é o ato ilícito previsto pelo Código de Defesa do Consumidor para as relações de consumo, e quando dessa conduta resultar, necessariamente, um dano.

O simples dano sofrido em virtude do consumo do cigarro, inerente à sua periculosidade, por si só não acarreta a obrigação de indenização, uma vez que, o livre arbítrio do fumante convalida a excludente de culpa exclusiva da vítima.

Para a realização desse artigo foram analisadas, através de uma pesquisa exploratória, diversas obras, como artigos, livros e entendimentos doutrinários que apresentavam diferentes linhas de pensamento acerca do tema, que foram contrapostas e ponderadas a partir do método hipotético dedutivo, buscando confirmar-se a hipótese proposta e embasar juridicamente as conclusões apresentadas.

O objeto de estudo mostra-se interdisciplinar, uma vez que, foram analisados os pressupostos das disciplinas de direito constitucional, direito civil, direito do consumidor e principalmente as legislações especiais que regulamentam a matéria.

O estudo justifica-se pela alta relevância social e acadêmica, uma vez que traz à lume a questão da importância do Estado proteger o cidadão e garantir a saúde do indivíduo e da sociedade de forma geral, através da imposição do dever legal das empresas  tabagistas de informar aos consumidores quanto aos  riscos decorrentes do consumo de tabaco, para que este possa exercer o seu direito fundamental de liberdade ao escolher consumir ou não o produto ofertado por essas indústrias e, consequentemente, arcar com os prejuízos que da sua atitude possam advir.

  1. 2.      DA CONSTITUIÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INDÚSTRIAS TABAGISTAS

 

 

2.1.ANÁLISE DA COMPOSIÇÃO DA TRÍADE DOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

 

 

Para a consecução do estudo da Responsabilidade Civil das empresas tabagistas é imprescindível que se faça algumas considerações de ordem geral, para uma melhor acepção do tema, frente ao nosso ordenamento jurídico.

A noção de responsabilidade implica a idéia de retratação, reparação ou, simplesmente, de resposta, que é imposta ao responsável por determinado ato lesivo.

A responsabilidade resulta do dano material ou moral causado a outrem, em direta consequência da conduta por ação ou omissão voluntária ou por negligência, imprudência ou imperícia.

Para melhor compreensão, faz-se necessária a distinção da responsabilidade civil, da qual trata esse artigo, das demais formas de responsabilidade: administrativa e penal. Tal caracterização ocorrerá por meio do fato gerador da responsabilidade, que determinará a natureza jurídica desta, ou seja, o tipo de responsabilidade varia de acordo com a natureza da norma jurídica que regula a circunstância causadora da responsabilização.

Então, tem-se que se a conduta violar norma de natureza civil haverá a responsabilização civil, se a norma for de direito penal, a consumação do fato provocará responsabilidade penal, mas se for a norma violada de caráter administrativo, por conseguinte, a responsabilidade será administrativa. O mesmo ocorrerá com as sanções aplicáveis a cada modalidade de responsabilização, sendo que a sanção aplicável à responsabilidade civil é a indenização.

A responsabilidade civil encontra-se disciplinada em título próprio no atual Código Civil Brasileiro, Título IX, e conceituada no artigo 927 do mesmo código, com os seguintes dizeres: “Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Assim, percebe-se que para a ocorrência da obrigação de indenizar é necessário haver a efetiva caracterização da responsabilidade civil. Para tanto é indispensável estar, cumulativamente, presente os seus elementos constitutivos, quais sejam, o ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade.[2]

O ato ilícito é o primeiro dos elementos constitutivos da responsabilidade civil, embora, sua conceituação no atual Código Civil esteja desmembrada da disciplina pertinente à matéria, constando no caput do artigo 186 do mesmo código, que: “Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito, ou causar prejuízo a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

O dano, por sua vez, é o prejuízo ressarcível experimentado pelo ofendido, que poderá ser tanto patrimonial – aquele suscetível de avaliação pecuniária, quanto extra patrimonial ou moral – refere-se aos novos direitos da personalidade, como intimidade, imagem, bom nome, privacidade, integridade da esfera íntima, entre outros.

Enquanto que o nexo causal é o liame que une a conduta do agente ao dano produzido, através do qual é determinada a responsabilização do agente, seja em razão de contrato não cumprindo, seja em razão de ofensa à lei ou ato ilícito.

Ainda é importante considerar que a responsabilidade civil poderá ser objetiva ou subjetiva. A responsabilidade civil subjetiva considera, para efeitos de sua aplicação, um quarto elemento, qual seja a culpa do agente causador do dano, ou seja, a sua conduta deverá estar revestida de imprudência, negligência ou imperícia.

A responsabilidade sem culpa está prevista no parágrafo único do Art. 927 e determina que haverá a obrigação de reparação do dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor, implicar, por sua própria natureza, riscos aos direitos de outrem.

Nesse contexto, Rui Stoco observa que:

O exercício de atividade profissional perigosa, por força da teoria do risco, conduz à obrigação de reparar, independentemente da sua qualificação jurídica no plano subjetivo, pois basta a ação ou omissão causadora do perigo e que conduza ao dano, ligada a esse resultado, para que surja o dever de reparar.[3]

Logo, compreende-se que a teoria do risco substitui o pressuposto da culpa, pela simples consideração do risco inerente à atividade desenvolvida pelo autor do dano. Torna-se, assim, a responsabilidade objetiva, sem a necessidade de aferição de culpa, bastando para a sua incidência a presença cumulativa da tríade dos elementos constitutivos da responsabilidade civil.

2.2.DA AUSÊNCIA DE DEFEITO NO PRODUTO

 

 

A relação existente entre o fabricante do cigarro e o fumante caracteriza-se como relação de consumo, por essa razão e em consonância com a teoria do risco, tem-se que a responsabilidade, nesse caso, será objetiva.

Isso por que o Código de Defesa do Consumidor adota essa forma de responsabilidade civil, onde a culpa não será levada em consideração, em face da hipossuficiência fática do consumidor em relação ao fornecedor. A hipossuficiência fática resulta da desproporção entre os contratantes, que implica na possibilidade do fornecedor impor ao consumidor todas as condições do negócio.

Assim sendo, a consideração de culpa será dispensável, de modo que analisar-se-á, a partir de agora, a presença dos elementos constitutivos da responsabilidade civil objetiva. O primeiro elemento para a configuração da responsabilidade civil, como já explicitado, é o ato ilícito, ou seja, a inobservância de um dever jurídico pré-existente.

O ato ilícito previsto pelo Código de Defesa do Consumidor para a configuração da responsabilidade do fornecedor é a colocação de um produto defeituoso no mercado, já que isso configura a inobservância de dever jurídico imposto pelo mesmo diploma legal.

A leitura do artigo 12 do supracitado código permite a identificação dessa premissa, ao dispor:

“Art. 12: O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro e o importador, respondem, independentemente, da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes do projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes e inadequadas sobre a sua utilização e riscos.

§1˚ - O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias, entre as quais:

I – sua apresentação;

II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi colocado em circulação.

§ 2˚ - (...);

§ 3˚ - (...); ” (negritou-se)

            Assim sendo, o defeito no produto estará configurado quando não houver a efetiva segurança que dele se espera, o que não é o caso do cigarro, uma vez que esse é um produto de periculosidade inerente.

            Percebe-se que o Código de Defesa do Consumidor dispõe “que o empresário individual ou empresa responderá por dano causado por defeito no produto e não pelo mero fato de ter lançado no mercado um produto perigoso”.[4] Os defeitos classificam-se em defeito de fabricação, defeito de concepção e defeito de informação.

            A ausência de defeito na concepção do produto está assegurada pelo fato de ser o cigarro um produto autorizado para a comercialização e consumo, valendo ressaltar que o cigarro não apresenta defeitos apenas porque seu consumo está associado a conhecidos riscos para a saúde.

            O cigarro é um produto registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária e severamente controlado por esta autarquia que estabelece a composição completa, definindo os teores máximos das substâncias, além de determinar quais as informações devem ser veiculadas aos consumidores instituindo, ainda, a redação e rotatividade das chamadas cláusulas de advertência, o que acaba por afastar o defeito de informação.

            Assim, a partir do momento que a empresa fabricante do cigarro observa as especificações aplicáveis a seu produto, é evidente que, abstratamente considerado, o cigarro não apresenta qualquer defeito.

O dano, por sua vez, como o segundo elemento constitutivo da responsabilidade civil objetiva é indissociável do risco para a saúde, inerente a esse produto. Porém, não basta apenas a ocorrência do dano, pois, a responsabilização objetiva, prevista no artigo acima citado, pressupõe a ocorrência de dano decorrente de defeito no produto.[5]

             De forma que, com o afastamento da possibilidade de ocorrência do defeito de concepção, assim como do defeito de informação, restará para aquele que pretender uma indenização por dano sofrido em função do consumo de cigarro, a comprovação de defeito de fabricação e a efetiva demonstração do nexo de causalidade entre a conduta e o dano sofrido.

            O cerne da questão, portanto, não está na comercialização de um produto perigoso e sim na ciência que os consumidores devem ter da periculosidade do produto, para que possam decidir entre adquiri-lo ou não, trata-se da necessária correspondência entre o que se anuncia e o que efetivamente se produz e oferece.  

           

  1. 3.      DO DEVER DE INFORMAR DAS INDÚSTRIAS TABAGISTAS

 

 

3.1. DO SURGIMENTO DO DEVER DE INFORMAR

 

 

Os riscos inerentes ao consumo do tabaco, em todas as suas formas, são amplamente conhecidos pela sociedade, uma vez que seus malefícios são difundidos pela mídia há centenas de anos. Entretanto, o direito brasileiro, em determinado momento considerou, por bem, estabelecer que as próprias empresas fabricantes tivessem a obrigação legal de veiculação dessas informações.

A primeira regulamentação sobre as informações que deveriam ser prestadas aos consumidores surgiu em 25 de agosto de 1988, com a edição da Portaria n˚ 490 do Ministério da Saúde que impôs a inclusão de uma cláusula de advertência com o seguinte teor: “O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE: Fumar é prejudicial à saúde”

Em seguida, foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que, em seu artigo 22 estabeleceu a competência privativa da União para legislar sobre propaganda comercial, enquanto o artigo 220, § 3˚ previu que compete à lei federal “estabelecer os meios legais que garantem à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no artigo 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente”.

O § 4˚ do mesmo artigo consignou que “a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso

Após a promulgação da Carta Magna, o Ministério da Saúde disciplinou a publicidade do tabaco por meio de uma série de portarias, até que foi editada a Lei n˚9.294/96 que dispõe “sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas”.

O artigo 3˚, § 2˚ da citada Lei determina que “a propaganda conterá, nos meios de comunicação e em função de suas características, advertência, sempre que possível falada e escrita, sobre os malefícios do fumo, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, segundo frases estabelecidas pelo Ministério da Saúde, usadas sequencialmente, de forma simultânea ou rotativa.

A Lei Federal n˚ 10. 167, publicada no ano 2000 probiu a publicidade de cigarro em meios eletrônicos, que ficou limitada basicamente aos pôsteres, painéis e cartazes, na parte interna dos locais de venda.

            Deste modo, como se vê, desde 1988 há uma severa regulamentação a respeito das informações que as empresas do tabaco devem veicular nos maços e na publicidade do seu produto, constituindo o dever de informar.

            Além desse dever de informar, existem ainda as restrições quanto a publicidade e propaganda do cigarro. Como as que Rizzato Nunes destaca:

A propaganda comercial deverá ajustar-se aos seguintes princípios: a) não sugerir o consumo exagerado ou irresponsável, nem a indução ao bem-estar ou saúde, ou fazer associação a celebrações cívicas ou religiosas; b) não induzir as pessoas ao consumo, atribuindo aos produtos propriedades calmantes ou estimulantes, que reduzam a fadiga ou a tensão, ou qualquer efeito similar; c) não associar idéias ou imagens de maior êxito na sexualidade das pessoas, insinuando o aumento de virilidade ou feminilidade de pessoas fumantes; d) não associar o uso do produto à prática de atividades esportivas, olímpicas ou não, nem sugerir ou induzir seu consumo em locais ou situações perigosas, abusivas ou ilegais; e) não empregar imperativos que induzam diretamente o consumo; f) não incluir a participação de crianças ou adolescentes;[6]

Pode-se constatar, deste modo, que a publicidade e a propaganda dos produtos derivados do tabaco não podem, em hipótese alguma, influenciar o seu consumo, tornando-se, muitas vezes, sem utilidade prática para as empresas fabricantes, uma vez que a própria finalidade da propaganda, que seria estimular as vendas, fica comprometida.

3.2. A PROBLEMÁTICA SOB O PRISMA DOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, IRRETROATIVIDADE E SEGURANÇA JURÍDICA

 

 

A partir das considerações acerca do surgimento da obrigação legal das empresas tabagistas de informar os consumidores sobre os riscos do produto comercializado, que efetivamente aconteceu, apenas no ano de 1988, torna-se evidente a conclusão de que não há que se falar no período anterior à existência dessa exigência.

Tal entendimento pode ser retirado da interpretação do artigo 5˚ da Constituição Federal , quando em seu inciso II, determina que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer nada, se não em virtude de lei”.

Trata-se do princípio da legalidade, constitucionalmente, consagrado e que define que sem lei anterior não se pode falar em descumprimento de dever jurídico preexistente e, portanto, não há que se pensar em responsabilidade civil.

Em função dessa premissa que várias demandas impetradas no âmbito judiciário estão sendo veementemente refutadas, diante da total impossibilidade da condenação de uma empresa pela não-veiculação de alertas sobre as características do seu produto, anteriormente, à exigência legal.

Pode-se constatar esse entendimento jurisprudencial através da ilustre decisão do Superior Tribunal de Justiça, ao afastar a responsabilidade civil de uma empresa tabagista, onde ressaltou:

Antes da Constituição Federal de 1988 – raiz normativa das limitações impostas às propagandas do tabaco – sobretudo antes da vasta legislação restritiva do consumo e publicidade de cigarros, aí incluindo-se notadamente o Código de Defesa do Consumidor e a Lei n˚ 9.294/96, não havia dever legal de informação que impusesse às indústrias do fumo uma conduta diversa daquela por elas praticada em décadas pretéritas. (STJ. 4ª Turma. Resp. 720930- RS. Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julg. em 20/10/09, pub. Em 09/11/09, g.n.) (grifamos)

Ademais, se as empresas tabagistas sempre exerceram a sua atividade em consonância com a legislação, recebendo o beneplácito do Poder Público, surge para elas a legítima expectativa de não ser penalizada pela suposta inobservância de exigências que só viriam a ser instituídas muito tempo depois.

Nesse aspecto, Carlos Alexandre Moraes defende a conservação da segurança jurídica dessas empresas, ao dispor que:

Não se pode tolerar que o mesmo Estado que autorizou, fiscalizou e tributou a atividade econômica, posteriormente, por meio do Poder Judiciário, condene a contestante pela não veiculação de alertas que esse mesmo Estado deixou de exigir. Inadimissível comportamento contraditório que configura venire contra factum proprium do Poder Público, violador do princípio constitucional da segurança jurídica.[7]

            Por outro lado, há também a impossibilidade de aplicação da legislação especial aplicável, qual seja o Código de Defesa do Consumidor que entrou em vigor em 31 de março de 1991, sob pena de violação ao artigo 5˚, inciso XXXVI da Constituição Federal, que positiva o princípio da irretroatividade, conforme corroborado pelo Ministro Ruy Rosado:

Para período anterior a 1988, quando inexistia a obrigação regulamentar de inserir no invólucro e em anúncios a advertência que hoje neles devem constar, não se pode imputar à companhia omissão culposa por descumprimento de determinação legal. Em primeiro porque tal fato era de conhecimento comum da época. Em segundo, porque não seria exigível da companhia comportamento diferente daquele adotado, que estava de acordo com os padrões de conduta então vigentes.[8]

Assim sendo, jamais se poderia condenar uma empresa tabagista ao pagamento de indenização por danos morais e materiais causados pelo uso do cigarro, com fundamento na falta de veiculação de alertas sobre as características de seus produtos, anteriormente, à exigência legal sob pena de violação frontal aos princípios da legalidade e da irretroatividade, além da destruição da segurança jurídica e uma conseqüente desordem sócio-econômica.

  1. 4.      O LIVRE ARBÍTRIO DO FUMANTE COMO EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE: A CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR

 

 

O cumprimento da obrigação legal de informar sobre os riscos do consumo do tabaco convalida a impossibilidade de se imputar às empresas qualquer responsabilidade pelo fato de um consumidor tomar a decisão de fumar e, nem tampouco, por insistir nessa conduta durante anos.

A assunção de risco por parte do fumante integra o seu livre arbítrio[9] e configura a culpa exclusiva do consumidor, que caracteriza-se como excludente da responsabilidade civil prevista expressamente no artigo 12, § 3˚, III do Código de Defesa do Consumidor, que prescreve:

O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

I – que não colocou o produto no mercado;

II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Assim, se o consumidor está consciente do perigo e apesar disso age deliberadamente sob a sua conta e risco, deve suportar as consequências. A hipótese da culpa exclusiva do consumidor rompe o nexo de causalidade, pois a causa do dano está no comportamento consciente e voluntário do lesado.[10]

Não obstante, existem os doutrinadores que refutam a teoria do livre arbítrio do fumante, como causa de excludente de responsabilidade por parte do fabricante do cigarro, como é o caso do Doutor Flávio Tartuce, ao constatar, em recente obra sobre o tema, que:

(...) o argumento principal a ser rebatido é o da culpa exclusiva da vítima. Esse parece ser o maior sofisma jurídico pregado por parte da doutrina e da jurisprudência, que concluem pela inexistência de dever de indenizar os fumantes ou seus familiares, ferindo a lógica do razoável. Não se pode admitir que a carga de culpa fique somente concentrada no consumidor, sobretudo se as empresas de cigarro assumem um risco-proveito, altamente lucrativo.[11]

            Tal entendimento também pode ser extraído dos dizeres de Rodrigo Perez Pucci, que ao considerar os efeitos de dependência química causados pela nicotina, coloca:

Os julgados que seguem o rumo da improcedência de pedidos indenizatórios, pleiteados pelos fumantes contra a indústria do fumo, cujo argumento central cinge-se à afirmativa de que a vontade do fumante seria suficiente para que ele abdicasse do consumo de cigarros, apenas evidencia a pouca intimidade com o tema nicotina.

            A jurisprudência, no entanto, tem reconhecido com tranqüilidade a configuração da culpa exclusiva do consumidor em demandas que pretendem a reparação civil, é o que se pode abstrair da seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:

Penso que atos como fumar, beber, consumir produtos altamente calóricos com altas doses de açúcar, sódio ou gorduras, ou ainda, praticar esportes radicais é escolha individual, se dá no exercício da liberdade protegida constitucionalmente. O homem médio não ignora os riscos que cada um desses exemplos possui, mas se optar por fazê-los por sua livre e espontânea vontade, devendo arcar com os riscos inerentes às suas opções. Nesse caso concreto, afastar a excludente de responsabilidade, em razão do exercício do livre arbítrio, equivale, data vênia, a responsabilizar uma restaurante especializado na comercialização de fast food, na hipótese de um cliente que seja portador de obesidade mórbida e/ou diabete, simplesmente porque aquela pessoa tem o hábito de fazer suas refeições naquele estabelecimento, mesmo sabendo dos riscos atrelados ao tipo de comida ali servida. (STJ. 4ª Turma. Resp. 703.575 – RS. Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro, julg. 25/05/10, pub. 08/06/10, g.n.)

A alegação daqueles que defendem o afastamento da aplicabilidade do livre arbítrio do consumidor como causa de excludente de responsabilidade, fundamentam a sua opção, com base em dois fatores: a influência da publicidade e a dependência causada pela substância nicotina.

Acontece que, conforme, apresentado acima, em relação ao dever de informar e em função das restrições que a publicidade e propaganda dos produtos tabagistas, sofrem, a publicidade acaba por desestimular, ao invés de influenciar o consumo do cigarro.

As empresas são obrigadas a veicularem no próprio rótulo, determinadas frases, como por exemplo: “fumar causa mau hálito, perda de dentes e câncer de boca”; “fumar causa câncer do pulmão”; “a nicotina é droga e causa dependência”; “fumar causa impotência sexual”,[12] que aliadas a imagens que são igualmente desestimulantes, não podem ser consideradas influenciáveis.

Além disso, ainda que a publicidade do cigarro fosse positiva, esta não tem o condão de afastar o conhecimento notório das pessoas em relação aos malefícios do cigarro, pois, como Judith Martins- Costa bem coloca:

É notório o fato, e antigo o conhecimento de que o uso do cigarro oferece riscos à saúde, não sendo a publicidade capaz de eliminar esses dados do conhecimento da pessoa que decide começar ou continuar a fumar. Portanto, cabe à pessoa, consumidor ou não, aceitar as conseqüências das escolhas que livre e conscientemente

Vale ainda, ressaltar que a questão da publicidade abusiva, alegada por alguns consumidores, que iniciaram o hábito de fumar, anteriormente, a 1988 também encontra-se superada pela impossibilidade de se exigir das empresas tabagistas que cumprissem requisitos que ainda não haviam sido fixados em lei.

A dependência, por sua vez, também não afasta o livre arbítrio do fumante, uma vez que, começar a fumar, permanecer fazendo uso do cigarro ou decidir parar são decisões pessoais e conscientes que todos os fumantes estão aptos a tomar na esfera da sua liberdade de escolha.

A dependência causada pela nicotina, substância da qual o cigarro é composto, não pode ser alegada como fator determinante para a impossibilidade de uma pessoa para parar de fumar, pois, pode ser vencida com força de vontade e determinação, como prova disso, as milhares de pessoas que já pararam de fumar.

A exímia doutrinadora Teresa Ancona Lopez, assim entende, quando leciona “quando o fumante diz que não consegue largar o alegado vício não está sendo sincero”. A professora ainda destaca que “quando alega que é difícil deixá-lo é porque no fundo sabe que esse hábito lhe dá prazer e satisfação, o que ele tem medo de abandonar.” [13]

O autor Álvaro Villaça Azevedo corrobora, informando que “a dificuldade em abandonar o fumo parece ser muito mais uma questão de falta de motivação e de falta de auto sinceridade na tentativa do que propriamente de impossibilidade do abandono do produto.”[14]

Verifica-se, assim, que não há a possibilidade da responsabilização da empresa tabagista pelo simples fato do consumo do cigarro, que uma pessoa, embora consciente dos malefícios, optou por fazer uso.

  1. 5.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do instituto da responsabilidade civil em face da relação de consumo existente entre o fabricante e o consumidor de tabaco, permitiu a constatação de que aplica-se nessa hipótese  a responsabilidade sem culpa, ou responsabilidade objetiva, em face da hipossuficiência do consumidor.

A constituição da responsabilidade civil objetiva das empresas tabagistas, porém, perpassa, necessariamente, pela composição da tríade dos seus elementos constitutivos, que são: o ato ilícito, que na legislação consumerista caracteriza-se pelo defeito no produto, o dano e o nexo causal.

Os prejuízos do uso do cigarro, contudo, são inerentes e notórios, os quais presumem-se conhecidos pela sociedade, de forma que a simples alegação de desconhecimento dos males causados pelo cigarro não são suficientes para o ensejo de reparação dos danos sofridos.

Assim, percebe-se que a responsabilidade das empresas tabagistas está limitada ao dever de informar os danos causados pelo consumo do cigarro e o controle de sua publicidade, uma vez que, o cigarro é um produto lícito em nosso país.

  1. 6.      REFERÊNCIAS

 

 

AGUIAR JUNIOR. Ruy Rosado de. Os pressupostos da responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor e as ações de indenização por danos associados ao consumo de cigarro, in Estudos e Pareceres sobre o Livre-Arbítrio, Responsabilidade e Produto de Risco Inerente – o Paradigma do tabaco. Teresa Ancona Lopez (coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

 

 

AZEVEDO, Álvaro Villaça. A dependência ao tabaco e sua influência na capacidade jurídica do indivíduo. A caracterização de defeito no produto sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, in Estudos e Pareceres sobre o Livre-Arbítrio, Responsabilidade e Produto de Risco Inerente – o Paradigma do tabaco. Teresa Ancona Lopez (coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

 

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011.

 

 

LOPEZ, Teresa Ancona. Das conseqüências jurídicas da dependência de tabaco: conceito jurídico e aptidão para constituir dano indenizável, in Estudos e Pareceres sobre o Livre-Arbítrio, Responsabilidade e Produto de Risco Inerente – o Paradigma do tabaco. Teresa Ancona Lopez (coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

 

 

MARTINS, Ives Gandra da Silva, et al. “Tratado de Direito Constitucional”. São Paulo: Saraiva, 2010.

 

 

MORAES, Carlos Alexandre. Responsabilidade Civil das Empresas Tabagistas. São Paulo: Juruá Editora, 2008.

 

 

NUNES, Luis Antônio Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011.

 

 

SILVA, Regiane Roberta Da. Responsabilidade civil das empresas tabagistas sobre a ótica do Código da Defesa do Consumidor. Marília, 2007. Disponível em: http://www.univem.edu.br/cursos/tc_direito/regiane_roberta.pdf>. Acesso em: 19 out. 2012

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência. 8 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

TARTUCE, Flávio. A teoria do risco concorrente e o cigarro. São Paulo, 2010. Disponível em: <http://actbr.org.br/uploads/conteudo/751_FTartuce_TeoriaRiscoConcorrenteCigarro.pdf. > Acesso em 15 de set de 2012.



[1] Alunos do 5˚ período do Curso de Direito do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara-GO, orientados pelos professores Cristiane Martins Cotrim, Jaquiel Robimson Hammes da Fonseca, Jean Carlos Barcelos Martins, Mário Lúcio Tavares Fonseca e Raphaela Arminda Borges.

[2] STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência. 8 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 150.

[3] Ibidem, p. 153.

[4] NUNES, Luis Antônio Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 319.

[5] Ibidem, às 14:37 hrs.

[6] NUNES, op. cit., p. 497.

[7] MORAES, Carlos Alexandre. Responsabilidade Civil das Empresas Tabagista. São Paulo: Juruá Editora, 2008, p. 85.

[8] AGUIAR JUNIOR. Ruy Rosado de. Os pressupostos da responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor e as ações de indenização por danos associados ao consumo de cigarro, in Estudos e Pareceres sobre o Livre-Arbítrio, Responsabilidade e Produto de Risco Inerente – o Paradigma do tabaco. Teresa Ancona Lopez (coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 474.

[9] MORAES, op. cit., p. 94.

[10] AGUIAR JUNIOR, op. cit. p. 477.

[11] TARTUCE, Flávio. A teoria do risco concorrente e o cigarro. São Paulo, 2010. Disponível em: <http://actbr.org.br/uploads/conteudo/751_FTartuce_TeoriaRiscoConcorrenteCigarro.pdf. > Acesso em 15 de set de 2012 às 15:22 hrs.

[12] NUNES, op. cit. p. 499.

[13] LOPEZ, Teresa Ancona. Das conseqüências jurídicas da dependência de tabaco: conceito jurídico e aptidão para constituir dano indenizável, in Estudos e Pareceres sobre o Livre-Arbítrio, Responsabilidade e Produto de Risco Inerente – o Paradigma do tabaco. Teresa Ancona Lopez (coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 521.

[14] AZEVEDO, Álvaro Villaça. A dependência ao tabaco e sua influência na capacidade jurídica do indivíduo. A caracterização de defeito no produto sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, in Estudos e Pareceres sobre o Livre-Arbítrio, Responsabilidade e Produto de Risco Inerente – o Paradigma do tabaco. Teresa Ancona Lopez (coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 82.