A RELATIVIZAÇÃO DAS GARANTIAS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS: DA ADMISSIBILIDADE DE ESCUTAS TELEFÔNICAS NO PROCESSO

 

Danilo Raimundo Lisboa Mamede

Fernando Henrique Cunha Sousa[1]

 

Sumário: Introdução;2 A Constituição de 1988 e o Fortalecimento das Garantias Processuais; 3 Da Garantia da Inadmissibilidade das Provas Ilícitas no Processo; 4 O caso das escutas telefônicas (interceptações telefônicas ilícitas); Conclusão; Referências.

 

RESUMO

 Demonstra-se os avanços na seara do Direito Processual brasileiro com o advento da Constituição Federal de 1988, que levou a uma constitucionalização do processo e, com isso, a uma maior flexibilização na aplicação dos princípios e garantias deste ramo do Direito, no sentido de assegurar a tutela efetiva dos direitos materiais através do exercício da função jurisdicional do Estado. Nesse sentido, utilizamos a garantia da inadmissibilidade das provas ilícitas no processo para ilustrar tal mudança, mostrando como esse fato repercutiu no caso específico das interceptações e escutas telefônicas em face do interesse público, assim como, as suas consequências sociais.

 

PALAVRAS-CHAVES

Constituição Federal. Garantias processuais. Provas ilícitas. Interesse público. Escuta telefônica.

 

INTRODUÇÃO

 No primeiro momento, tecemos algumas considerações sobre o movimento de constitucionalização do Direito processual que se deu pela constitucionalização das garantias processuais. A análise do significado dessa mudança para o Direito e para a sociedade, para o exercício da jurisdição e para a realização da finalidade essencial do Direito que é realização do bem comum através da promoção da pacificação com Justiça dos conflitos vividos pela comunidade jurídica da qual emana. Para tanto, elegemos a garantia da inadmissibilidade das provas ilícitas no processo e mais especificamente ainda, sobre as interceptações telefônicas, acerca da possibilidade de admiti-las como meio probatório em ações que envolvam o interesse público, mesmo quando forem obtidas de forma ilícita.

Dessa forma procura-se explicitar os limites dessa relativização através de sua otimização junto a outros princípios e/ou garantias processuais e constitucionais no caso concreto.

 2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O FORTALECIMENTO DAS GARANTIAS PROCESSUAIS

 Ao elevar as garantias processuais ao texto constitucional, a Assembléia Constituinte de 1988 atribui a elas um caráter semelhante ao das normas-princípio constitucionais, pois, como sabemos, “não há hierarquia estática entre as normas constitucionais, mas, uma hierarquia dinâmica, que se configura em cada caso concreto” [2], não havendo o afastamento total nem de uma nem de outra, mas apenas a sua aplicação proporcional, otimizando-as.

O Direito Constitucional assume tal característica hermenêutica em razão de contemplar em seu corpo normativo, direitos e deveres acumulados historicamente ao longo dos vários movimentos constitucionalistas: O liberal (1ª geração), que afastou a interferência Estatal ao máximo, para permitir o avanço da burguesia; o social (2ª geração), que procurou reorganizar as classes sociais diante dos problemas causados pela liberdade exacerbada outrora concedida pela geração anterior; e o axiológico (3ª geração), que trouxe a necessidade de uma fundamentação axiológica às normas jurídicas, dando vida ao seu caráter formal.

Robert Alexy entende que, embora os princípios sejam normas jurídicas, eles se diferenciam das regras por atuarem como mandados de otimização, que ordenam que algo se realize da melhor forma possível (podem ser cumpridos em diferentes graus. A medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais, como também das jurídicas). [3]

Decorre, portanto, que a constitucionalização do Direito processual assegurou-lhe maior flexibilidade. Isto não significa, em hipótese alguma, que houve uma relativização banalizada das garantias processuais, mas, o fortalecimento de uma característica que se faz necessária em razão das próprias exigências sociais, pois, a sociedade não é estática e, para acompanhar suas mudanças o Direito precisa adquirir plasticidade, pois, do contrário, o que irá acontecer é que repetiremos os erros cometidos ao longo da história, quais sejam, provocar o “engessamento” do Poder Judiciário pelo fechamento das normas jurídicas em si mesmas, num formalismo que transforma as normas jurídicas num fim em si mesmo e não em um meio para a realização efetiva da Justiça, subtraindo-lhe a dialética e seu caráter social e humano, alinhando-as à tendência neoliberal que procura espaço cada vez maior em todo o mundo, pela redução do Estado social e maximização do Estado penal.

Isso significa, em última análise, que o processo não é apenas instrumento técnico, mas, sobretudo ético. E, significa, ainda, que é profundamente influenciado por fatores históricos, sociológicos e políticos. Claro é que a história, a sociologia e a política hão de parar às portas do Direito processual, entendida como fenômeno jurídico. [4]

                 É importante fazer a distinção entre direitos e garantias, e dentre estas, deteremos nossa atenção no presente trabalho nas garantias constitucionais coletivas, sociais e políticas frente às especiais, “que são prescrições constitucionais que conferem, aos titulares dos direitos fundamentais, meios, técnicas, instrumentos ou procedimentos para imporem o respeito e a exigibilidade desses direitos.”. [5]

Ruy Barbosa já dizia que uma coisa são os direitos, outra as garantias, pois devemos separar, “no texto da lei fundamental, as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias: ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia, com a declaração do direito.”. [6] (grifos do autor)

Pois bem. Partindo do ponto de vista de que a norma jurídica existe para a sociedade e não o contrário, é que nos tornaremos aptos a encontrar a melhor resposta possível aos casos concretos à luz do ordenamento jurídico vigente. Cria-se um diálogo entre as fontes do Direito, a qual reduz o legalismo estrito para que se produza realmente alguma transformação social.

O curso da história colocou em nossas mãos suas experiências para que as administremos da melhor forma possível, mostrando que, enquanto não houver equilíbrio entre a razão e suas fórmulas apriorísticas e a prática, a vivência das experiências, o contato com a cultura local e as diferenças de cada qual, não poderá haver uma utilização do Direito para a realização da Justiça Social.

Nestas circunstâncias, ao criar o novo Estado brasileiro, a Constituição de 1988 redemocratizou o país e estabeleceu as condições necessárias para uma efetiva cidadania brasileira, daí Ulisses Guimarães chamá-la de “Constituição-cidadã”. Cabe agora ao governo, à sociedade civil e especialmente aos agentes do Direito realizarem essa tarefa, que levará muito tempo, mas, que já começa a mostrar seus frutos, visto que valores como: o patrimonialismo, o clientelismo, o apadrinhamento e o nepotismo começam a se dissolver, com a desprivatização do espaço público pela substituição de interesses particulares exclusivamente particulares por um ambiente de transparência e de livre discussão em todos os segmentos sociais e em todos os entes federativos.

Para assegurar o espaço público devemos sempre levar em consideração a apreciação de casos concretos com possibilidade de relativizar as garantias processuais, se necessário e, ao mesmo tempo, não prejudicar as liberdades individuais como um todo. Afinal de contas, não queremos atitudes políticas como as do “patriot act” nos Estados Unidos, que, sob o pretexto de dar mais segurança às pessoas, permitem ao governo ter livre acesso à vida pessoal de todos os estadunidenses. É preciso ter cautela na defesa do interesse público, uma vez que seu caráter abstrato muitas vezes pode revestir práticas abusivas e autoritárias e de manutenção do status quo, tal como a Religião fazia até a Idade média, em nome de Deus, da vontade dos deuses ou de Deus, enfim, da vontade divina.

Nesse sentido, o Estado deve garantir a liberdade de seus cidadãos e a sua própria, na medida em que ela não passe a ser abusiva, comprometendo a vida das pessoas e o equilíbrio social. Para isso, deve ele submeter-se, como qualquer cidadão, também ao domínio da lei, não entendida aqui em sentido estrito, mas, com toda a carga axiológica que emana das pretensões apresentadas pela sociedade, pois, do contrário, as leis poderão ser utilizadas para engendrar um ambiente de insatisfação social e não de pacificação.

O princípio da legalidade é também um princípio basilar do Estado Democrático de Direito. É da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se como todo Estado de Direito, ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da Justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais. [7]

Nessa contínua relação dialética entre o Estado e o cidadão, mediada adequadamente pelo Direito, é que será encontrada a medida de justiça mais aplicável a cada caso concreto, devendo, o direito à vida e a liberdade em sentido amplo, serem preservados ao máximo, já que o Estado foi criado para o cidadão e não o cidadão para o Estado. Tanto é que o dever de obediência às leis do cidadão e do próprio Estado decorre da ideia de que tal obediência é necessária para que haja liberdade para todos, que era a perspectiva do contratualismo de Rousseau, inclusive.

 3 DA GARANTIA DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO              

 A garantia da inadmissibilidade das provas ilícitas no processo, consubstanciada no art. 5.º, inciso LVI da Constituição Federal, in verbis: “são inadmissíveis no processo, as provas obtidas por meio ilícitos”, visa assegurar o princípio da lealdade processual, como condição precípua para a realização do processo enquanto instrumento técnico e ético de pacificação social.

Sendo o processo, por sua índole, eminentemente dialético, é reprovável que as partes se sirvam deste faltando ao dever de verdade, agindo deslealmente e empregando artifícios fraudulentos. Já vimos que o processo é um instrumento posto à disposição das partes não somente para a eliminação de seus conflitos e para que possam obter resposta às suas pretensões, mas também para a pacificação geral na sociedade e para a atuação do direito. Diante dessas suas finalidades, que lhe outorgam uma profunda inserção sócio-política, deve ele revestir-se de uma dignidade que corresponda a seus fins. O princípio que impõe esses deveres de moralidade e probidade a todos aqueles que participam do processo (partes, juízes e auxiliares da justiça; advogados e membros do Ministério Público) denomina-se princípio da lealdade processual. (grifos do autor)  [8]

Nesse sentido, como decorrência da obrigatoriedade de observância desse dever legal, a legislação infraconstitucional estabelece sanções àqueles que de alguma forma faltam com o dever de lealdade que emerge deste princípio, como no caso da produção e apresentação de provas ilícitas para serem apreciadas no processo pelo juiz. Esse dever precisa ser preservado mesmo quando se vê confrontado com o princípio do contraditório e da ampla defesa, insculpido no art. 5.º, inciso LV, pois, por ampla defesa, não pode o legislador querer com isso a admissibilidade de quaisquer meios probatórios, o que iria de encontro ao princípio da legalidade, constante do art. 5.º, inciso II, ou seja, via de regra, as provas devem ser obtidas e apresentadas de forma lícita, sendo as exceções envolvendo provas ilícitas, admitidas apenas nos estritos limites da lei, para garantir justamente a sua efetividade. “O desrespeito ao dever de lealdade processual traduz-se em ilícito processual (compreendendo o dolo e a fraude processuais), ao qual correspondem sanções processuais.”. (grifos do autor)[9]

Parte da doutrina mais antiga manifesta-se contrariamente ao princípio da lealdade, principalmente no processo civil, por considerá-lo instituto inquisitivo e contrário à livre disponibilidade das partes e até mesmo “instrumento de tortura moral”. Hoje, porém, a doutrina tende a considerar essa concepção como um reflexo processual da ideologia individualista do laissez-faire, afirmando a oportunidade de um dever de veracidade das partes no processo civil, diante de todas as conotações publicistas agora reconhecidas no processo, e negando, assim, a contradição entre a exigência de lealdade e qualquer princípio ou garantia constitucional.  [10]

A garantia da inadmissibilidade das provas ilícitas faz-se mister para a composição do processo à luz de uma garantia maior: a do devido processo legal, que reúne em si todos os elementos indispensáveis para extrair das normas de direito materiais vigentes em nosso ordenamento jurídico, a melhor solução possível para os conflitos sociais, delimitando antes de qualquer apreciação, um campo de isonomia entre as partes, para as suas atuações a partir dos mesmos “pontos de partida” por assim dizer, lutando a partir daí, por suas pretensões, realizando assim o princípio da isonomia processual.

(Devido processo legal) Entende-se, com essa fórmula, o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, do outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição. Garantias que não servem apenas aos interesses das partes, como direitos públicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais) destas, mas que configuram, antes de mais nada, a salvaguarda do próprio processo, objetivamente considerado, como fator legitimante do exercício da jurisdição. [11]

Cumpre ressaltar que entre o Direito Penal e os demais ramos do Direito existe uma diferença fundamental, que deve ser levada em consideração neste trabalho, na medida em que, a partir dela, concebemos a possibilidade da relativização da garantia processual objeto de nossa análise.  Essa diferença é a de que no processo penal deve haver a constatação da verdade real e não da verdade meramente formal, tipicamente presente na seara civil. Tal particularidade decorre da ideia já exposta anteriormente de que o Estado existe para o cidadão e não o contrário, devendo a sua vida e a sua liberdade serem preservadas ao máximo. Daí surgem os princípios do in dubio pro reu e da inversão do ônus da prova, por exemplo, na seara penal, que deve ser a ultima ratio utilizada para conter os conflitos sociais, tanto é que se admite constitucionalmente (art. 5º, inciso XL) que “a lei penal não retroagirá, salvo, para beneficiar o réu”. ”[...] só excepcionalmente o juiz penal se satisfaz com a verdade formal, quando não disponha de meios para assegurar a verdade real (CPP, art. 386, inciso VI).”. (grifo do autor) [12]

Portanto, é de nosso entendimento a discordância quanto ao caráter absoluto desta norma, logo, essa garantia deve ser ponderada em determinados casos em que haja o interesse público envolvido, devidamente delimitado. O que gira em torno desse confronto no presente trabalho é a dialética resultante da garantia constitucional da inadmissibilidade das provas ilícitas (com todas as suas repercussões expostas) e o direito à vida e à intimidade do cidadão que dá ensejo também, no que diz respeito à segurança jurídica, a que as provas produzidas no processo, quer do réu, quer da vítima, mesmo que de forma ilícita,  possam ser apresentadas para garantir o justo julgamento e o caráter de proteção a ambos, evitando assim, a condenação de um inocente ou a absolvição de um culpado. Nesse caso,

Frise-se, também, que a garantia da inadmissibilidade de provas ilícitas deriva do sistema protetivo da liberdade do cidadão, é resultado da consagração do princípio “standard” da dignidade da pessoa humana pelos sistemas garantistas. Assim sendo, busca a proteção do cidadão em face do Estado Punitivo não devendo servir de fundamento para privar um inocente de seu direito fundamental à liberdade. [13]

Sendo assim, acreditamos que, na seara penal, em alguns casos bem específicos que envolvam o interesse público, deve-se dar primazia à ideia de verdade real, admitindo-se provas ilícitas de forma a relativizar a garantia processual constitucional da inadmissibilidade das provas ilícitas nos casos relacionados ao desvio de verbas públicas e de flagrante ofensa a direitos fundamentais, por exemplo. Nesse diapasão é que trabalharemos o tópico seguinte, considerando uma pequena parte de todo esse contexto de discussão, a que diz respeito às interceptações telefônicas, evidenciando assim, desde já, o seu caráter excepcional, que subsiste apenas na seara penal.

As provas obtidas por meios ilícitos são consideradas inadmissíveis e, portanto, inutilizáveis no processo. [...] Também o sigilo das comunicações em geral e de dados é garantido como inviolável pela Constituição vigente (art. 5.º, XII, CF/88). Daquelas, somente as telefônicas podem ser interceptadas, sempre segundo a lei e por ordem judicial, mas apenas para efeito de prova penal. [14]

Feitas todas essas considerações, passemos ao núcleo de nosso trabalho.

 4 O CASO DAS ESCUTAS TELEFÔNICAS (INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS ILÍCITAS)

 Procuramos contemplar aqui os casos em que tais escutas podem ser admitidas como prova, como na gravação feita pela vítima de um crime e na identificação de outros crimes graves realizada durante uma interceptação lícita, por exemplo. Como o Brasil adotou o sistema jurídico romano-germânico da civil law, que tem como principal fonte do Direito as leis, iniciaremos a nossa análise a partir da Constituição e da legislação específica aplicável ao caso, ou seja, a partir da lei de interceptações telefônicas, a Lei nº 9.296/96.

Conforme sabemos, o ordenamento jurídico não é algo concebido de qualquer forma, ele se realiza enquanto um complexo integrado de normas jurídicas que criam uma lógica interna que lhes confere relativa autonomia em relação ao meio social em que são produzidas.  Desse modo, a aplicação de uma norma jurídica não pode estar alheia a essa lógica, especialmente no caso em tela, em que analisamos normas-princípio constitucionais, não se pode avaliar a possibilidade da utilização de interceptações telefônicas sem considerá-la em relação a outras normas presentes no ordenamento jurídico e, nesse diapasão, temos principalmente o art. 5º, CF/88, incisos XII, in verbis: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.”, e o inciso LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”.

De imediato, cumpre ressaltar que o legislador constituinte estabeleceu a possibilidade de realização de interceptações telefônicas de forma cuidadosamente bem delimitada em alguns casos e, ao fazer isso, deixou a clara ideia de que o interesse público pode ser invocado para afastar temporariamente ou relativizar um direito ou uma garantia constitucional. E, para o nosso trabalho, as garantias processuais, mas, somente em situações de extrema relevância, já que como expusemos alhures, o cidadão deve ser tutelado pelo Estado e não vigiado por ele.

Ao declarar que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas, a Constituição está proibindo que se abram cartas e outras formas de correspondência escrita, se interrompa o seu curso e se escutem e interceptem telefonemas. Abriu-se excepcional possibilidade de interceptar comunicações telefônicas, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual. Vê-se que, mesmo na exceção, a Constituição preordenou regras estritas de garantias, para que não se a use para abusos. O “objeto da tutela é dúplice: de um lado, a liberdade de manifestação de pensamento; de outro lado, o segredo, como expressão do direito à intimidade.”. [15]

Como já foi frisado anteriormente o sigilo telefônico é protegido pela Constituição no art. 5º, XII. Para demonstrar ainda maior relevância da proteção desse artigo, o legislador através da Lei 9.296/ 96 especifica como deve ser o procedimento legal dentro do processo, a qual esse recurso seja utilizado em última circunstância, sendo caracterizado como inadmissível qualquer meio que esteja em desacordo com a norma constitucional e o procedimento legal.

E é nesse ponto que a interceptação telefônica e o direito constitucional à inadmissibilidade de prova ilícita se entrecruzam. Para que a quebra do sigilo constitucional das comunicações telefônicas seja válida para o processo penal é necessária a obediência aos diversos comandos constitucionais e legais que regem tal procedimento. [16]

Dentro do espaço jurídico brasileiro já encontramos também jurisprudências em que o Estado-juiz aceita as provas ilícitas de escuta telefônica como meio probatório do processo. O exemplo da aceitação da denúncia por meio de gravação telefônica de forma ilícita pode ser visto no HC 5292/RJ, a qual o Min. Anselmo Santiago aceita como elemento probatório do processo por este se tratar de um crime de extorsão mediante sequestro em que há mais interesse na proteção da vítima e, consequentemente, a garantia fundamental, mesmo os meios de prova sendo utilizados de forma ilícita, qual seja, a escuta telefônica da conversa com o criminoso. Por isso, o Ministro ao negar Habeas Corpus ao réu entende como válida a conversa gravada, ou seja, aceita uma prova ilícita para defender um direito fundamental, não obstante o seu caráter secundário para o desfecho da lide em meio a outros elementos de prova.

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL - EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO - DENUNCIA -PRISÃO PREVENTIVA - "HABEAS-CORPUS" - PROVA ILICITA NA FASE DO INQUERITO - ESCUTA TELEFONICA - ORDEM DENEGADA - RECURSO ORDINARIO - LIAME INDEMONSTRADO - ACERVO PROBATORIO ROBUSTO E SUFICIENTE [...]

2. NÃO HA DE SE FALAR EM NULIDADE QUANDO A DENUNCIA MANEJADA PELO MINISTERIO PUBLICO NÃO ELEGEU A ESCUTA TELEFONICA COMO SEU ALICERCE, EIS QUE BASEADA EM CONJUNTO PROBATORIO VARIADO E SUFICIENTE PARA SUSTENTA-LA. [...] [17]
 

            Portanto, dentro do espaço jurídico brasileiro já encontramos doutrinas com um viés mais sensível sobre a aplicação do direito ao caso concreto e jurisprudências em que o Estado-juiz aceita as provas ilícitas de escuta telefônica como meio probatório do processo.

Tal entendimento doutrinário e jurisprudencial tem por base o princípio da proporcionalidade, vale dizer, em eventual confronto entre o direito de liberdade do cidadão e a inadmissibilidade de provas ilícitas, deverá prevalecer o jus libertatis, direito fundamental do indivíduo. [18]

Dessa forma, o Direito se amoldará perfeitamente aos conflitos sociais que objetiva tutelar, abandonando o seu caráter meramente positivista, preservando o equilíbrio social pela otimização do espaço público. O que exige também, como se pode perceber, uma formação ética sólida por parte de seus agentes.

 CONCLUSÃO

      O presente trabalho traz à tona a questão do equilíbrio constitucional dentro das demandas sociais. Os garantismos jurídicos são estes remédios jurídico-sociais que trazem no seu bojo toda luta de interesse público dentro do processo, aos quais esta constitucionalização trouxe mais segurança ao absolutizar garantias e relativizá-las quando preciso.

     Nesse momento, a quebra dos mecanismos fechados do direito, mais precisamente das normas como um fim em si mesmo, estabelecido através de técnicas de codificação que mantêm os diversos ramos do Direito abertos ao diálogo entre as fontes e o aperfeiçoamento da lógica interna do ordenamento jurídico, demonstram o quanto as garantias atendem à dinâmica social de trazer dentro do Estado Democrático de Direito, a preocupação maior que é a promoção da cidadania. Nesse contexto, o exemplo de garantia constitucional tratado em nosso artigo, qual seja, o da admissibilidade da escuta telefônica de forma ilícita, traz a preocupação maior da defesa da verdade real no processo penal em detrimento do legalismo formalista do cumprimento estrito das leis às cegas, sem enxergar os valores fundamentais do indivíduo.

     Por esta razão, constrói-se um verdadeiro espírito democrático e justo quando as leis atendem aos interesses reais da cidadania. Sem isto, o direito será mero instrumento de dizer verdades sem levar em consideração a questão que o fundamenta, que é o papel de ser meio para alcançar os fins de pacificação social e o bem comum.

 REFERÊNCIAS

 ALVES, Heline. Provas Ilícitas no Processo Penal versus Interceptação de Comunicações Telefônicas.  Disponível em: <www.juspodivm.com.br/.../%7BADDAC640-F21F-4510-BAAF-FF6572C00DF6%7D_1.pdf>. Acesso em: 09 de maio 2010; 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2007; 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n.º 5292/RJ. Disponível em: http://<www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=escuta+telef%F4nica&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=112>. Acesso em: 09 de maio 2010;

 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2010; 

GUIMARÃES JÚNIOR. Juracy.  Teoria do Direito Constitucional. Aula proferida no dia 22 out. 2009;

 NAVES, Bruno Torquato de Oliveira; SÁ, Maria de Fátima Freire de. Manual de Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2009;

 SILVA, José Afonso Da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2005.


[1]Acadêmicos do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB. e-mails: [email protected] e [email protected].

[2]GUIMARÃES JÚNIOR. Juracy.  Teoria do Direito Constitucional.  Aula proferida no dia 22 out. 2009.

[3]NAVES, Bruno Torquato de Oliveira; SÁ, Maria de Fátima Freire de. Manual de Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 42.

[4]CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 85.

[5]SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 413.

[6]Ibidem. p. 186.

[7]Ibidem. p. 121.

[8]Op. cit. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. pp. 77-78.

[9]Ibidem. p. 78.

[10]Ibidem. pp. 78-79.

[11]Ibidem. p. 88.

[12]Ibidem. p. 71.

[13]ALVES, Heline. Provas Ilícitas no Processo Penal versus Interceptação de Comunicações Telefônicas.  Disponível em: <www.juspodivm.com.br/.../%7BADDAC640-F21F-4510-BAAF-FF6572C00DF6%7D_1.pdf>. Acesso em: 09 maio 2010.

[14]CINTRA. Op. cit. p. 89.

[15]SILVA. Op. cit. p. 438.

[16]ALVES. Op. cit.

[17]BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n.º 5292/RJ. Disponível em: http:// <www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=escuta+telef%F4nica&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=112>. Acesso em: 09 maio 2010.

 [18]ALVES. Op. cit.