A RELATIVIZAÇÃO DA SOBERANIA ESTATAL
Paulo Constantino Thomopoulos

A Soberania externa dos Estados

O conceito clássico de soberania dos Estados nacionais como postulado por Jean Bodin (1530-1596) encontra, nos dias atuais, barreiras que não existiam na época em que foi proposto. Hoje, o poder estatal é limitado devido à consagração dos direitos fundamentais dos cidadãos, como também pela existência de grupos políticos, sociais e econômicos e de entidades não-governamentais, tanto no âmbito interno quanto na órbita internacional. Assim, é colocado em xeque o conceito tradicional de soberania, conforme afirma o jurista Paulo Bonavides:

"Como todo conceito de ciência política, a doutrina da soberania passou por largo desdobramento e também por minuciosa revisão. Há juristas, sociólogos e pensadores políticos que entendem tratar-se de um conceito já em declínio. Hoje, por exemplo, conforme alguns publicistas, as ideologias pesam mais nas relações entre os Estados do que o sentimento nacional de soberania." (Bonavides,1993)

A globalização, que surgiu a partir da década de setenta do século passado, estabeleceu uma nova era concernente à soberania dos Estados. Manoel Gonçalves Ferreira Filho assim a define:

"Consiste a globalização no fato de que hoje todos os povos do mundo estão fortemente aproximados e vinculados uns dos outros. Todos dependem de todos, todos sofrem as conseqüências dos mesmos fenômenos, todos estão indissoluvelmente unidos para o melhor e para o pior.".(Ferreira Filho, 2003)

O caráter universal da globalização permite conjecturas como a elaboração de uma "constituição internacional" dos Estados globalizados tal como ocorre hoje na Europa por meio da União Européia, que, diga-se de passagem, possui ora característica de um Estado Federal, ora de uma confederação de Estados soberanos.
Porém, ainda segundo a lição de Ferreira Fillho (op. Cit.),

"o atual tipo de Estado, o Estado de base nacional, de poder soberano, ajusta-se mal ao fenômeno da globalização. É ele `pequeno` demais para controlar as conseqüências da mundialização das questões econômicas ou de segurança. Em vista disto, nota-se uma tendência ao seu reagrupamento em unidades maiores. Isto, entretanto, não deverá levar a um Estado mundial em vista da persistência e, mais, da oposição entre as civilizações existentes. E, concluindo, esta integração, contudo, não significará a extinção de tais Estados que continuarão a existir como integrantes do novo ente. Sem dúvida, isto tenderá a eliminar do quadro político o elemento `soberania`, no sentido preciso do termo, embora o uso desta possa sobreviver, sobretudo, por motivos de orgulho nacional".

Assim, a soberania e o Estado-nação, peças fundamentais do sistema de Westfália (1648), foram corroídos de fato e atacados em seus princípios.
Mister salientar que se, por um lado, a universalização da globalização traz desenvolvimento e sobrepõe a soberania e a legitimidade do poder dos Estados, por outro encontra uma verdadeira muralha no seu avanço pelo mundo, pois as civilizações orientais ainda não reconhecem a doutrina das civilizações ocidentais desde o mundo helênico, passando por Roma, Tomás de Aquino na Idade Média, pelo Renascimento, até a grande Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

A Soberania interna dos Estados

Com relação à soberania interna, temos a supremacia dos Estados em relação a outros poderes sociais que ficam a ele subordinados em nome da legitimidade deste poder incontrastável.
Porém, com a crise ou o colapso do Estado social e a consagração dos direitos fundamentais do homem nas Constituições do mundo moderno, o poder ilimitado dos Estados está menos presente face à impossibilidade de o poder central superar as dificuldades econômicas e sociais que cada caso suscita, o que redundou no surgimento de grupos e instituições de caráter não governamental, partidos políticos, sindicatos e demais órgãos que se colocam nos mesmos níveis de institucionalização do poder do próprio Estado.
Daí as limitações do poder estatal, que, embora detenha a soberania plena de suas ações, não pode ultrapassar os limites naturais dos fins pelos quais ele próprio tem o dever de zelar. Concomitantemente a esses fatos, o Poder Judiciário foi inegavelmente elevado a condição de grande destaque no mundo atual na função de verdadeiro guardião dos direitos fundamentais dos cidadãos, através de suas Cortes Constitucionais com fulcro na ascensão do neoconstitucionalismo como novo paradigma jurídico na evolução social do Estado.
Conclusão

A meu ver, a soberania está relativizada em dois blocos:
No âmbito externo, os Estados têm a necessidade política e econômica de se reagruparem em comunidades internacionais para que não sofram embargos de qualquer natureza e não fiquem à margem de uma política econômica de interesse mundial, sem, contudo, deixarem de ser soberanos na acepção da palavra, como ainda desejam alguns países como a França e o próprio Brasil, que consagraram este princípio em suas Constituições. Porém, devemos observar que cada caso é um caso peculiar a ser exaustivamente examinado pelos respectivos Estados nacionais soberanos, haja vista a existência de blocos intergoveramentais (Mercosul) e supranacionais (União Européia). No primeiro caso, não há interferência no direito positivo do Estado soberano participante e, no segundo, não só há a interferência no direito positivo interno do Estado participante como uma aniquilação da soberania dos Estados que o compõem em nome de uma autonomia maior no plano político e econômico.
Quanto à soberania interna, destacamos as limitações que o Estado encontra em relação à atuação de grupos organizados não governamentais, órgãos políticos e entidades de classes que agem em igualdade de condições com o poder central, objetivando a consecução dos fins sociais, civis e políticos do próprio Estado.
Enfim, tanto no âmbito da soberania externa quanto da interna, podemos concluir que, embora o conceito clássico de soberania esteja sendo revisto pelos fatos atuais e por um amplo debate entre os meios acadêmicos, a verdade é que, tendo ou não sua supremacia abalada, a soberania está sendo respeitada pela própria universalização da globalização no mundo ocidental. Não obstante, a fim de evitar sua completa desconsideração, como alguns publicistas já apontam, acreditamos que talvez seja mais prudente que os Estados nacionais mostrem que aprenderam a lição de que efetivamente devem melhor se organizar internamente, fortalecendo suas instituições no âmbito político, social e civil, priorizando políticas sociais nos âmbitos nacional e internacional e a proteção aos direitos fundamentais do cidadão, que tanta falta fez no paradigma do Estado liberal e ainda faz na concepção do Estado Social ou pós-moderno.

Bibliografia

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 9ª ed., São Paulo: Malheiros Editores. 1993.
FUKUYAMA, Francis. Construção de Estados. Rio de Janeiro: Rocco. 2004.
FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. Aspectos do Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva. 2003.
REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5ª ed., São Paulo: Livraria Martins. 2000.
STRECK, Lênio Luiz & DE MORAIS, José Luiz Bolzan. Ciência Política e Teoria Geral do Esatdo, 4ª Ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2006.