UM CONFLITO ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO E O EXECUTIVO

 

 

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado

 

 

 

Noticia-se que o Procurador-geral da República impetrou, recentemente, mandado de segurança com pedido de liminar contra ato da Presidente da Republica pelos cortes efetuados nas propostas orçamentárias do  Conselho Nacional do Ministério Publico e do  Ministério Público da União.

O Procurador considera que a mensagem da Presidência que encaminhou as propostas orçamentárias ao Legislativo – 251/2014 – deve ser declarada nula. Segundo ele, deve ser determinado prazo para envio de novas propostas conforme encaminhadas pelo Judiciário e pelo Ministério Público da União.

Em verdade, o ato governamental em discussão é inconstitucional, com o devido respeito.

O Ministério Público é instituição permanente, essencial á função jurisdicional do Estado, a que se incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, como dita o artigo 127 da Constituição, que dispõe, em seu § 1º, que são princípios constitucionais norteadores de sua atuação: a independência funcional, a unidade e a indivisibilidade.

Por sua vez, o § 2º do artigo 127 da Constituição de 1988 dispõe que ao Ministério Público é assegurada a autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no artigo 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas e de provas e de títulos, registrando-se que a lei disporá sobre sua organização e funcionamento.

Com isso se diz que o Ministério Público é órgão constitucional independente.

Disse, aliás, Francisco Campos(Justitia, 123:155) que toda vez que um serviço, por conveniência pública, é erigido em instituição autônoma, com capacidade própria de decisão, ou com capacidade de decidir mediante juízos e critérios de sua própria escolha, exclui-lhe a obrigação de observar ordens, instruções, injunções ou avisos de autoridades estranhas ao seu quadro institucional. Ora, como se pode falar em autonomia institucional, sem autonomia financeira, que é a capacidade de elaboração de proposta orçamentária e de gestão e aplicação dos recursos destinados a prover as atividades e serviços do órgão titular da dotação?

Se não bastasse tem-se que os projetos de lei relativos ao orçamento anual serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional na forma do regimento comum(artigo 166 da Constituição Federal).

Aliás, pretendeu-se, com isso, que o projeto orçamentário fosse analisado por deputados e senadores para conferir disciplina especial à matéria que, por vezes, logra a natureza legislativa . Com isso se quer dizer que não cabe aos órgãos de planejamento do Poder Executivo tomar a iniciativa de promover um corte unilateral. Tal iniciativa é inconstitucional, pois o único órgão constitucionalmente qualificado para tal apreciação é o Poder Legislativo, através do Congresso Nacional.

Sendo assim o Ministério Público encaminha a proposta nos termos da Constituição e essa proposta deve ser analisada de forma integral, intacta, pelas duas Casas do Congresso, não se admitindo cortes unilaterais por órgãos do Executivo.

Recentemente, no julgamento do MS 31.618, o Ministro Joaquim Barbosa entendeu, em sede de liminar,  que a proposta orçamentária original do Ministério Público deve ser examinada pelo Congresso Nacional. Naquela ação se questionou ato da Presidente da República que, ao consolidar as propostas orçamentárias para o exercício de 2013 e encaminhá-las ao Poder Legislativo, deixou de incluir valores referentes aos gastos de pessoal na proposta orçamentária apresentada pelo Ministério Público da União.

A Constituição assegura que a proposta orçamentária original do Ministério Público seja conhecida e examinada pelo Legislativo. Ademais se garante que o encaminhamento do texto original da proposta orçamentária elaborada pelo Procurador-geral da República seja acompanhado por todas, quaisquer e cada uma das observações pertinentes à conveniência, à oportunidade, à legalidade, à constitucionalidade da pretensão, que a Presidência da República entender cabível à análise pelo Congresso Nacional.

Destacou o Ministro Joaquim Barbosa que o sistema de controles recíprocos assegura aos Poderes a elaboração desembaraçada de suas previsões de dispêndio, ao passo que a aprovação desses dispêndios compete, inicialmente, ao Poder Legislativo. Desta forma, o Poder Executivo deve assegurar ao Congresso Nacional o conhecimento amplo e irrestrito das expectativas do Ministério Público da União como com a do Congresso Nacional da ampla cognição das necessidades de custeio vislumbradas pelo Procurador-geral da República.

A autonomia que é concedida ao Ministério Público de ordem financeira e administrativa que é imposta pela Constituição para a elaboração de sua proposta orçamentária está na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Sendo assim a única hipótese que a Constituição permite ao Poder Executivo interferir nas propostas orçamentárias apresentadas pelo Ministério Público ou pelo Supremo Tribunal Federal é quando a proposta orçamentária é encaminhada em desacordo com esses limites.

Lembre-se que esse “corte” efetuado pelo Executivo fere ao princípio da separação de poderes, uma vez que a autonomia orçamentária e financeira dos três Poderes e do Ministério Público é arranjo constitucional que concretiza e expressa o modelo existente de separação de poderes, não se admitindo interpretação do Executivo que a relativize.Veda-se assim o retrocesso na estrutura do Estado imposta pela Constituição, permitindo voltar ao passado  quando, nos modelos constitucionais anteriores, a instituição era considerada uma simples repartição do Executivo e dependia do juízo discricionário dele para a inclusão no orçamento das verbas de seu interesse.