A POSSIBILIDADE DE PERDA DOS DIAS REMIDOS POR COMETIMENTO DE FALTA GRAVE X DIREITOS ADQUIRIDOS

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo questionar a compatibilidade do artigo da Execução Penal que possibilita a perda dos dias remidos do condenado em caso de reconhecimento de falta disciplinar de natureza grave, com alguns princípios constitucionais basilares. Trata-se de pesquisa qualitativa, realizada por meio do método dedutivo e de procedimento técnico bibliográfico e documental. As reflexões irão discutir o funcionamento da execução penal, a fim de analisar a consequência do sancionamento. Discorre-se sobre os princípios constitucionais que regem tanto o direito penal e processual penal, quanto a execução penal, para, desta forma, entrar no foco principal do trabalho: a (in) constitucionalidade do artigo 127 da Lei de Execução Penal, que autoriza a perda dos dias remidos do preso em caso de cometimento de falta grave, por afrontar inúmeros princípios constitucionais, entre eles, o direito adquirido. Finalmente, conclui-se que o artigo 127 da Lei de Execução Penal, ao autorizar a perda dos dias remidos, ainda que de maneira proporcional, não é compatível com a Constituição Federal, por desrespeitar princípios de classificação fundamental.


Palavra-chave: Execução Penal. Falta Grave. Direito Adquirido

Introdução
A realidade prisional do Brasil é inquestionavelmente deprimente. O Poder Público, de uma maneira geral, não encontra solução para melhorar as condições básicas para o apenado cumprir a pena. Não bastasse isso, a legislação da execução penal, aparentemente, parece suprimir do preso um direito seu.


O presente artigo visa discutir a constitucionalidade do artigo 127 da Lei de Execução Penal, Lei 7.210/84, ao permitir que o condenado perca direitos legalmente adquiridos, ao possibilitar a perda dos dias remidos com o sancionamento, em caso de cometimento de falta grave.

O instituto da remição consiste na possibilidade de o preso abater, proporcionalmente, o tempo de cumprimento de pena através de estudo e/ou trabalho, conforme estabelece a lei de execução penal; contudo, uma das consequências/punições pelo cometimento de falta disciplinar de natureza grave é a perda desses dias remidos.

O artigo em comento objetiva investigar se tal punição interfere nos princípios constitucionais do apenado, com base no princípio do direito adquirido.

O estudo discute como problema a legalidade, a compatibilidade da lei de execução penal neste ponto em específico, com a Constituição Federal. Até que ponto é justa a retirada de um direito já adquirido pelo preso – remição – como punição administrativa?

A discussão parte da hipótese de que pode ser desproporcional o sancionamento adotado pela lei de Execução em caso de cometimento de falta grave. Questiona-se, então, a imposição da Execução Penal, uma norma que, de certa forma, fere princípios constitucionais e pode ser considerada uma afronta à Constituição Federal da República. Também se demonstra o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que permite questionar a constitucionalidade da possível perda dos dias remidos por afronta aos direitos adquiridos do apenado.

3 EXECUÇÃO PENAL


A partir da pena privativa de liberdade e implementação das prisões, surge o direito penitenciário, ou seja, o direito que vige dentro das penitenciárias durante o cumprimento da pena, (CARVALHO, 2003).

O direito penitenciário nasceu como direito autônomo distinto do direito penal e processual penal, direcionado para a determinação de regras disciplinares a serem seguidas pelo condenado durante o cumprimento da pena. Exercido pelos órgãos do Serviço Penitenciário, sua natureza é essencialmente administrativa; não está submetida ao juízo de execução e ao Ministério Público. Em face de tamanha discricionariedade, que interferia por deveras nos direitos do condenado, surge a Lei 7.210/84 para normatizar a execução da pena (CARVALHO, 2003).

Entendendo que o princípio da legalidade abrange também a execução penal, Lyra, desde a edição do Código de Processo Penal em 1941, defende que a execução penal não poderia ser tratada como matéria indiferente ao direito, (CARVALHO, 2003).

Em 1984, institucionaliza-se o modelo jurisdicional de execução:

O processo de jurisdicionalização, disposto pela LEP nos arts. 1º (que fixa o conteúdo jurídico da execução penal); 2º (que anuncia a jurisdição e o processo), 66 (que detalha a competência do juiz de execução penal) e 194 (que determina o procedimento judicial), objetiva tornar eficaz o princípio da legalidade, assegurando aos reclusos seus direitos fundamentais. É o que refere a exposição de motivos: o princípio da legalidade domina o corpo do projeto, de forma a impedir que o excesso ou o desvio da execução comprometam a dignidade e a humanidade do Direito Penal, (Carvalho, 2003, p. 170).

Nas palavras de Marcão (2009, p. 1), “Objetiva-se, por meio da execução, punir e humanizar”.

A Lei de Execuções Penais (LEP) foi criada especificadamente para o condenado sob a custódia/responsabilidade do Estado, a fim de, além de garantir seus direitos mais primordiais, serve, também, para buscar a reeducação, ressocialização do apenado, para que possa voltar readaptado à sociedade. Infelizmente, pelo que acompanhamos através da mídia, a realidade das prisões brasileiras é outra.

O direito penitenciário, inequivocamente administrativo, e o processo de execução, de natureza jurisdicional, seguem uma natureza mista e uniforme da execução penal (CARVALHO, 2003).

Atualmente, o direito de execução está previsto no artigo 24, inciso I, da CF, que estabelece a competência da União, concorrentemente com os Estados e o Distrito Federal, de legislar sobre o direito penitenciário e a já citada legislação específica, Lei 7.210 de 11.07.1984.

Considerando que o processo penal é o instrumento através do qual o Estado se apropria do conflito da vítima para dar uma resposta ao delito de maneira racional, de forma idêntica, deve interferir na execução, controlando os atos administrativos, interferindo na relação entre a administração dos estabelecimentos penais e os detentos, (CARVALHO, 2003).

Da assistência ao apenado

Consoante estabelece o artigo 10 da LEP, a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado.

A função de tratamento penitenciário é a conservação da vida e da saúde do apenado, bem como propiciar-lhe alimentação e assistência médica, além de meios de educação, com o intuito de influir positivamente na transformação da personalidade do indivíduo recolhido, (MIRABETE, 1997).

O artigo 11 da LEP classifica a assistência em: material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.

Contudo, o conhecimento empírico acerca do atual sistema prisional brasileiro demonstra que estamos longe da efetivação da assistência ao apenado, pois, o que se verifica é a não observância sequer dos princípios basilares, tais como a dignidade da pessoa humana, humanização da pena, entre outros. Apesar da ausência de contraprestação efetiva do Estado em disponibilizar ao reeducando o acesso aos seus direitos, a cobrança da falha do apenado em relação aos seus deveres é, até certo ponto, excessiva, o que é o foco principal do presente estudo.

Dos direitos e deveres do reeducando

O Código Penal, no artigo 38, dispõe que “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”. Já o artigo 40 declara que os deveres e direitos do preso devem ser definidos em lei específica.

Submetido à prisão, provisória ou definitiva, o apenado passa a ter uma série de direitos e deveres, (MARCÃO, 2009).

Os deveres, também conhecidos como código de postura do apenado perante o estabelecimento prisional, são de observância obrigatória dos condenados que não quiserem sofrer sanção disciplinar. Os deveres estão previstos no artigo 39 da LEP:

Art. 39. Constituem deveres do condenado:

I - comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença;
II - obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva
relacionar-se;
III - urbanidade e respeito no trato com os demais condenados;
IV - conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina;
V - execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas;
VI - submissão à sanção disciplinar imposta;
VII - indenização à vitima ou aos seus sucessores;
VIII - indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho;
IX - higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento;
X - conservação dos objetos de uso pessoal.
Parágrafo único. Aplica-se ao preso provisório, no que couber, o disposto neste artigo.

Em contraponto, existem os direitos do apenado que o Estado deve proporcionar-lhe durante o cumprimento da pena, direitos esses dispostos tanto na Constituição Federal, artigo 5º, III e XLIX: “Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; e que é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. A LEP, no artigo 41, traz um rol exemplificativo:

Art. 41 - Constituem direitos do preso:
I - alimentação suficiente e vestuário;
II - atribuição de trabalho e sua remuneração;
III - Previdência Social;
IV - constituição de pecúlio;
V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;
VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;
VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;
X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;
XI - chamamento nominal;
XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;
XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;
XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;
XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.
XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 2003)
Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.

Trata-se de rol exemplificativo, pois os direitos da pessoa humana não se esgotam; por isso, esse rol de direitos deve ser interpretado da maneira mais ampla possível (MARCÃO, 2009).
O trabalho penitenciário

Na origem da pena, o trabalho era visto como um gravame na reprimenda penal. No Brasil, o trabalho forçado foi abolido somente em 1890 com o Código Penal Republicano. Atualmente o trabalho é um direito do condenado, como forma de reduzir sua pena privativa de liberdade, (SHECAIRA; JUNIOR, 1995).

O trabalho do apenado tem finalidade tanto educativa quanto produtiva. Ressalta-se que a obrigatoriedade de trabalho definitivo ao condenado não pode ser confundida com pena de trabalho forçado, pois o trabalho penitenciário, além de estar sob a proteção de regime jurídico, com remuneração, respeita as particularidades de cada detento, (MARCÃO, 2009).

Mirabete (1996 p. 92) conceitua o trabalho penitenciário como sendo “a atividade dos presos e internados, no estabelecimento penal ou fora dele, com remuneração equitativa e equiparada ao das pessoas livres no concernente à segurança, higiene e direitos previdenciários e sociais”.

O trabalho prisional deve ser um mecanismo de complemento do processo de reinserção social para prover a readaptação do preso, prepará-lo para uma profissão, inculcar-lhe hábitos de trabalho e evitar a ociosidade (GOMES; SOUSA, 2011, texto digital).

O resguardo da dignidade do preso, com o oferecimento de trabalho e uma adequada remuneração, constitui dever do Estado no sentido de possibilitar a indistinção entre o cidadão livre e o cidadão preso, a fim de permitir seu retorno à sociedade de maneira mais digna e sadia, (SHECAIRA; JUNIOR, 1995).

O trabalho, acima de tudo, serve como instituto ‘redutor’ da pena, instituto este conhecido por remição, tema a ser tratado no tópico seguinte. Contudo, é importante mencionar que, recentemente, foi publicada a Lei 12.433/11, que traz alterações na Lei de Execução Penal, no que concerne à remição da pena em razão do trabalho ou do estudo.

A lei incluiu o estudo como forma de remição, confirmando a posição majoritária dos tribunais. Tanto assim o é, que a Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal prevê que “a frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob o regime fechado ou semiaberto”.

É verdade que o trabalho não é a solução de todos os males da prisão. A ressocialização pressupõe um processo de comunicação entre o indivíduo e a sociedade, isto é, para a reinserção social do preso, cabe, primordialmente, um diálogo entre o condenado e o Estado. Assim, apesar de não ser considerada uma solução mágica, o trabalho e/ou o estudo podem constituir uma condição facilitadora do condenado para a inserção nas atividades cotidianas a serem enfrentadas quando postos em liberdade, (SHECAIRA; JUNIOR, 1995).

Nesse sentido, o trabalho, e, atualmente, a frequência em curso de ensino formal, podem interferir diretamente no cumprimento da pena do condenado, instituto este reconhecido como remição, que abreviará o tempo de cumprimento da pena.

A remição

A remição da pena na execução penal consiste no instituto que permite o cumprimento de parte da pena por meio do trabalho/estudo do condenado, (MIRABETE, 2004).

A palavra remição vem de redimere, que significa, no latim, reparar, ressarcir, compensar. Diferente da remissão expressa no direito civil, ato de perdoar, a remição é uma forma de extinção da obrigação pela qual o credor perdoa a dívida do devedor, (MARCÃO, 2009).

Para Zaffaroni et Pierangeli (2002, p. 800), ‘Chama-se “remição, na Lei de Execução Penal, a possibilidade que tem o preso, em regime fechado ou semiaberto, de remir parte da execução da pena pelo trabalho, à razão de um dia de pena por três dias trabalhados’.

Atualmente, conforme artigo 126, §1º, remição é quando o condenado que cumpre pena em regime fechado ou semiaberto pode descontar um dia de pena a cada doze horas de estudo – frequência em atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou, ainda, de requalificação profissional – divididas em, no mínimo, três dias, ou um dia de pena para cada três dias trabalhados.

A remição ocorre se o preso trabalha e recebe como benefício um dia de abatimento da pena a cada três dias trabalhados, (MARCÃO, 2009).

Institutos dessa natureza (remição pelo trabalho, remição pelo estudo etc.) demonstram, de certa forma, uma evolução no modelo de prisão. De acordo com o artigo 126 da LEP, o condenado que cumpre pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir um dia da pena para cada doze horas de frequência escolar. Essas doze horas devem ser divididas, no mínimo, em três dias. É preciso combinar três dias, no mínimo com 12 horas, para ganhar um dia de pena, (GOMES; SOUSA, 2011, texto digital).

No antigo regramento da remição da pena, não havia disposição sobre a possibilidade de o condenado em cumprimento de pena em regime aberto ou mesmo aquele que estivesse em livramento condicional serem beneficiados. Antes, a remição era declarada pelo juiz da execução, ouvido o representante do Ministério Público. Agora, a defesa também deve ser ouvida, (art. 126, § 8º da LEP).

Nas palavras de Marcão (2009), a pena remida deve ser considerada pena cumprida. Sendo assim, o tempo de pena a ser descontado em função da remição há de ser somado à pena efetivamente cumprida. Além disso, deve ser entendida na mesma linha da detração penal, pois até mesmo o Superior Tribunal Federal já se manifestou no mesmo sentido.

Conforme lecionam Alexandre de Moraes e Smanio, apud Marcão (2009, p. 65):
“Não tem direito à remição o agente que está submetido à medida de segurança de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ainda que essa internação possa ser objeto de detração penal, pois o sentenciado não estará cumprindo a pena segundo as regras do regime fechado ou semiaberto, expostas no caput do artigo 126 da LEP”.

O instituto da remição, entre outros méritos como o de abreviar parte do tempo de condenação, permite flexibilizar a execução da pena, no sentido de individualizá-la para a readaptação do condenado. Nas palavras de Miguel Reale, apud Schecaira; Junior (1995, p. 143):

A remição é um mecanismo de contenção em vários aspectos. Procura oferecer condições para que o sofrimento da pena privativa de liberdade não seja opressivo e alienante pela falta de trabalho; pretende estimular a disciplina e o apego aos valores positivos do condenado; visa antecipar a liberdade pelo esforço e dedicação pessoais. É um instituto realista; não uma ficção jurídica.

Ressalta-se que, para a validação da remição, a atividade laborativa deve ser comprovada ao juiz da execução penal, por documento hábil emitido pela administração do estabelecimento prisional, tendo a remição eficácia após a declaração por sentença judicial, (MARCÃO, 2009).

O pedido de remição deve ser encaminhado ao juízo da execução, e, somente, excepcionalmente, requerido por meio de habeas corpus, pois tal apuração demanda análise de provas, sendo cabível somente em caso de constrangimento ilegal, decorrente do equívoco na forma de contabilizar os dias remidos, e tal desacerto impossibilitar o benefício por falta de requisito objetivo, quando, na verdade, já teria direito caso a contagem estivesse correta (Marcão, 2009).

Contudo, quanto ao instituto da remição, deve-se atentar para as possibilidades em que pode haver perda dos dias remidos, situação debatida nos tópicos subsequentes.

As faltas disciplinares na Execução Penal

Para melhor condução da execução da pena privativa de liberdade, os presos gozam, conforme já explicitado anteriormente, de direitos e deveres; por isso, o não cumprimento de seus deveres implica falta disciplinar, (CARVALHO, 2003).

As faltas disciplinares, regulamentadas no artigo 49 da Lei de Execução Penal, são classificadas em leves, médias e graves. Frisa-se que somente se considera falta disciplinar, infração que esteja anteriormente regulamentada por lei.

O cometimento de falta grave rompe a boa conduta imposta pela lei, o que, necessariamente, implica sanções (CARVALHO, 2003).

É função do legislador federal, prever as faltas graves e suas punições; e, ao legislador estadual, cabe a previsão das faltas médias e leves, subtraindo tal função da esfera administrativa, (MIRABETE, 2004).

Nas palavras de Marcão (2009, p. 35):

[...] a Lei de Execução Penal confia a enumeração das faltas leves e médias, bem como as respectivas sanções, ao poder discricionário do legislador local. As peculiaridades de cada região, o tipo de criminalidade, mutante quanto aos meios e modos de execução, a natureza do bem jurídico ofendido e outros aspectos sugerem tratamentos disciplinares que se harmonizem com as características do ambiente.

O isolamento, a suspensão ou a restrição de direitos, nos termos do artigo 53, III e IV combinado com artigo 57, parágrafo único, e a regressão de regime (artigo 118 da LEP) são as sanções administrativas cabíveis.

A LEP enumera, no artigo 50, em rol taxativo, o que corresponde à falta grave:

Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que: I - incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina; II - fugir; III - possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem; IV - provocar acidente de trabalho; V - descumprir, no regime aberto, as condições impostas; VI - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei. VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao preso provisório.

Como se pode observar, o artigo 50 da LEP relaciona as faltas graves que podem ser cometidas pelo condenado à pena privativa de liberdade. Na sequência, o artigo 51 da LEP refere a falta grave do condenado à pena restritiva de direito:

Art. 51. Comete falta grave o condenado à pena restritiva de direitos que: I - descumprir, injustificadamente, a restrição imposta; II - retardar, injustificadamente, o cumprimento da obrigação imposta; III - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.

O reconhecimento da falta grave enseja até mesmo a regressão de regime, sendo vedada a regressão por salto, ou seja, da mesma maneira que o condenado progride do regime fechado ao semiaberto e ao aberto, pode regredir do aberto ao semiaberto e somente em caso de novo fato justificador de regressão, ao regime fechado, (Marcão, 2009).

Ainda, no que diz respeito à falta grave, é necessário mencionar o artigo 52 da LEP, que expressa que, em caso de prática de crime doloso, devem ser instaurados dois processos (penal e administrativo), que resultarão em sanções de duas espécies. Para a apuração da falta disciplinar, instaura-se um PAD, procedimento administrativo disciplinar, (MIRABATE, 1997).

Ressalta-se que, à falta disciplinar tentada ou consumada, aplica-se a mesma sanção, isto é, não cabe analogia ao artigo 14 do Código Penal, conforme artigo 49, parágrafo único da LEP.

Nas palavras de Carvalho (2003, p. 227):

Muito embora sejam distintas as esferas de ilicitude, não esporadicamente as consequências da sanção administrativa são capacitadoras da sanção penal. A imposição de sanção disciplinar frequentemente é um aditivo à irrogação de pena privativa de liberdade, daí a imprescindível judicialização com a transferência dos critérios estabelecidos em matéria penal e processual penal ao campo do direito penitenciário. Os efeitos da sanção disciplinar extrapolam a órbita administrativa e invadem o processo de execução penal, pois a ‘boa conduta’ é requisito objetivo para o gozo dos direitos subjetivos. Assim, não obstante ser de natureza administrativa, a decisão sobre as faltas condiciona a avaliação judicial dos incidentes da execução.

Luiz Flávio Gomes (2010, texto digital) esclarece que não se pode confundir o devido processo administrativo (ou disciplinar) com o devido processo criminal. Naquele apura-se uma infração administrativa (que só possibilita sanções administrativas). Neste apura-se uma infração penal, que está sujeita às mais drásticas sanções estatais (pena ou medida de segurança). Ou seja: na infração penal está em jogo o ius libertatis. A apuração de uma falta grave cometida pelo condenado, da mesma forma, também traz consequências ao ius libertatis. Daí a natureza criminal do procedimento que apura essa falta grave.

Apurada a ocorrência da falta grave, o artigo 127 da LEP autoriza a perda dos dias remidos. Com o advento da Lei 12.433/2011, a possibilidade de perda dos dias remidos foi limitada em até 1/3 do total dos dias remidos.

Para Schecaira; Junior (1995), o artigo 127 da LEP, ao autorizar a perda dos dias remidos, é flagrantemente inconstitucional, pois tudo sofre a ação do tempo; as ações prescrevem, os direitos decaem, não sendo, portanto, admissível considerar que uma falta grave apague o tempo já remido.

Consoante bem preceitua Nucci (2005, p. 920):

O estudo da execução penal deve fazer-se sempre ligado aos princípios constitucionais penais e processuais penais, até por que, para realizar o direito punitivo do Estado, justifica-se, no Estado Democrático de Direito, um forte amparo dos direitos e garantias individuais. Não é viável a execução da pena dissociada da individualização, da humanidade, da legalidade, da anterioridade, da irretroatividade da lei prejudicial ao réu (princípios penais) e do devido processo legal, com todos seus corolários (ampla defesa, contraditório, oficialidade, publicidade, dentre outros)


DO CONFRONTO ENTRE A CONSTITUIÇÃO E A POSSIBILIDADE DE PERDA DOS DIAS REMIDOS

Após o processo a que é submetido o indivíduo, observando-se as normas contidas no Código Penal e no Processo Penal, é indispensável um processo que viabilize a execução, em que devem ser observados diversos princípios e garantias constitucionais, (MARCÃO, 2009).

O Estado, ao assumir o poder-dever de punir, através do processo, não deixa de proteger o cidadão de abusos. Dessa proteção resultam os princípios do processo penal, que se entrelaçam com as garantias constitucionais. Nas palavras de José Afonso da Silva, apud, Lima (2009, p. 15), o princípio trata de:

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e


inteligência... exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe refere a tônica e lhe dá sentido humano.

São muitos os princípios que regem o sistema penal como um todo, entre eles, os mais relevantes, fundamentais ao desenvolvimento desse trabalho, destacam-se os princípios da igualdade, da legalidade, da individualização da pena, da humanização da pena, da proporcionalidade, da dignidade da pessoa humana, do contraditório e da ampla defesa e do direito adquirido.

As consequências da perda dos dias remidos

Na origem da pena, o trabalho era visto como um gravame, uma reprimenda penal, sendo abolido no Brasil em 1890. No entanto, hoje trabalhar é um direito do apenado, isto é, uma oportunidade de comunicação do indivíduo com a sociedade, além da redução do tempo de pena do apenado, por meio do instituto que passou a ser conhecido como remição, (SHECAIRA; JUNIOR, 1995).

Para Carvalho (2003, p. 227), “A remição pelo trabalho transforma-se, assim, em importante mecanismo de redução do tempo da pessoa no cárcere”.

Cabe ao juízo da execução, a declaração da remição da pena pelo trabalho, sendo ouvido tanto Ministério Público, quanto a defesa. Contudo, em caso de cometimento de falta disciplinar grave, (elencadas no artigo 50 da LEP), rompidos os deveres de boa conduta, a lei implica sanções administrativas que são o isolamento, a suspensão ou restrição de direitos (artigo 53, III e IV da LEP) e a regressão de regime (artigo 118 da LEP).

Reconhecida a falta grave, o condenado perde até um terço do tempo remido, iniciando novo período a partir da data da homologação da infração disciplinar, nos termos do artigo 127 da LEP.

Para Nucci (2005), a Lei de Execução Penal é severa demais ao dispor que os dias já remidos devem ser retirados, em caso de cometimento de falta grave.

Com a possibilidade de perda dos dias remidos, face ao cometimento de uma falta disciplinar de natureza grave, a sanção administrativa nitidamente interfere diretamente na sanção penal. Nas palavras de Carvalho (2003, p. 227):

Muito embora sejam distintas as esferas de ilicitude, não esporadicamente as consequências da sanção administrativa são capacitadoras da sanção penal.

[...]

Os efeitos da sanção disciplinar extrapolam a órbita administrativa e invadem o processo de execução penal, pois a ‘boa conduta’ é requisito objetivo para o gozo dos direitos subjetivos.

Uma vez reconhecida a remição de parte da pena, cometida a falta grave, não se poderia perder o que já foi conquistado, (NUCCI, 2008, p. 511). Nesse contexto, o trabalho é considerado uma premissa para a recondução do preso para a vida em sociedade. Com a flexibilização da pena em função do trabalho, a remição passa a ter importância até mesmo na solução do problema penitenciário (SHECAIRA; JUNIOR, 1995).

A remição pelo trabalho é conquista da dignidade pessoal do reeducando; portanto o Estado, que não pode devolver seu esforço e dedicação em atividade lícita, não pode revogar o que o torna melhor. Punir a falta grave é justo, mas anular o trabalho e a conquista dos dias remidos é violência. Se ele trabalhou, ele merece o que conquistou. Tanto o trabalho como o direito que dele provém são irrevogáveis.

A quantidade de óbices aos direitos dos presos em decorrência das sanções administrativas leva a afirmar que o sistema de penalidades disciplinares, regulados inquisitoriamente pela LEP, constitui sistema sancionatório autônomo e adicional à pena imposta na sentença condenatória. Mais que um estatuto regulador do cotidiano do cárcere, o regime meritocrático cria regime de (i)legalidades que se impõe e sobrepõe à sanção, transformando o apenado em objeto passível de “benefícios” segundo sua (in)adaptabilidade à instituição total (CARVALHO, 2003, p. 229, grifos nossos).

O poder disciplinar é necessário para manutenção da ordem, porém deve sempre respeitar o princípio da dignidade humana e da legalidade (BITENCOURT, 2001).

A função do presídio era devolver à sociedade homens honrados e cidadãos trabalhadores. Não acreditava que devesse servir somente para modificar o recluso. Embora essa ideia pareça lógica e evidente, ainda hoje, em muitos setores sociais, encontra-se enraizado o conceito de que a prisão é um lugar onde se deve propiciar o sofrimento e a mortificação do delinquente, (BITENCOURT, 2001, p. 91).

Ainda, deve-se atentar para o fato de que, inegavelmente, a grande população carcerária é pobre, sendo o trabalho uma maneira de dignificar suas existências. Nas palavras de Zaffaroni, Pierangeli:

Em geral é bastante óbvio que quase todas as prisões do mundo estão povoadas de pobres. Isto indica que há um processo de seleção das pessoas às quais se qualifica como “delinquentes e não, como se pretende, um mero processo de seleção das condutas ou ações qualificadas como tais (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002, p.58)

Atualmente, a legislação prevê, além do trabalho, a possibilidade da realização de curso profissionalizante como requisito da remição, ou seja, a remição pode ser alcançada por meio do estudo e/ou trabalho, consoante entendimento jurisprudencial pacificado na Súmula 341 do Superior Tribunal de Justiça, bem como na Lei 12.433/2011, que alterou a redação do artigo 126 da LEP.

A partir do momento em que o condenado adquire o direito à remição, mérito de sua dedicação em algum trabalho, ou até mesmo de sua vontade de estudar, em busca de aperfeiçoamento para uma profissão, a remição passa a ser um direito adquirido do reeducando. Parece descabido o Estado retirar do condenado algo que este, por seu esforço, já conquistou como forma de sanção administrativa.

Seguindo esta linha de raciocínio, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já defendeu a inconstitucionalidade do artigo 127 da LEP, por considera-lo afronta ao direito adquirido, como se pode ver nas decisões a seguir colacionadas:

EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO. REMIÇÃO. FALTA GRAVE. ART. 127 DA LEP. VIOLAÇÃO DO DIREITO ADQUIRIDO. Tendo a remição a natureza de tempo cumprido de pena, acarretando sua extinção parcial, a decretação da perda pelo cometimento de falta grave viola o direito adquirido. Agravo provido. (Agravo em Execução Nº 70008440521, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Bandeira Scapini, Julgado em 03/06/2004, texto digital).

“REMIÇÃO. CONCESSÃO POSSIBILIDADE AINDA QUE TENHA O APENADO PRATICADO FALTA GRAVE.

Já decidira a Câmara que, se a remição foi reconhecida por decisão judicial transitada em julgado, não poderia ser desfeita, determinando-se sua perda, face ao cometimento de uma falta grave. A esta posição agregue-se outra. Mesmo que a falta grave seja anterior ao exame do beneficio, a remição será concedida. Acontece que ela é aceita para fins de progressão de regime e livramento condicional, vale dizer que o instituto vem sendo aplicado do inicio para o fim, como forma de cumprimento parcial da pena. Nesse passo a remição, além de ser a contraprestação pelo trabalho desenvolvido pelo preso, é causa extintiva de parte da pena, ainda que a declaração da extinção da punibilidade apenas se de ao final. Pena remida equivale, então, a pena cumprida. Possuindo a remição esse caráter material, sendo impossível ao preso cumprir a mesma pena duas vezes, o direito à remição deve ser acolhido independentemente de falta grave. Agravo improvido por maioria de votos.” (Agravo 70004035358, 6ª Câmara Criminal, TJ/RS, Rel. Des. Sylvio Baptista Neto, acórdão de 27/6/2.002, texto digital)”

As ementas acima referem que, ao retirar os dias já trabalhados, já conquistados pelo apenado, e até mesmo já descontados de seu tempo de pena, a Lei de Execução Penal está ferindo o princípio do direito adquirido.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve por um bom tempo essa postura acerca do artigo 127. Atualmente, com a modificação da legislação que limita em 1/3 os dias remidos, a jurisprudência tem entendido como razoável e proporcional à perda limitada dos dias remidos, conforme explicitado a seguir:

AGRAVO EM EXECUÇÃO. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FALTA GRAVE. FUGA. ALTERAÇÃO DA DATA-BASE. PERDA DA REMISSÃO. O reconhecimento da prática de falta grave - fuga - acarreta a aplicação de consectários legais, dentre eles a perda proporcional da remissão e a regressão do regime prisional, com alteração da data-base para a obtenção de futuros benefícios, salvo para a concessão de livramento condicional, nos ditames da Súmula nº 441 do Superior tribunal de Justiça. A decretação da perda dos dias remidos é medida expressamente prevista pelo art. 127 da LEP. No entanto, em 30-06-2011, entrou em vigor a Lei nº 12.433/11, que deu nova redação ao supracitado dispositivo legal, restringindo em até 1/3 (um terço) a perda do tempo remido pelo apenado. Assim, considerando os vetores oferecidos pelo art. 57 da LEP, a decretação da perda de 1/3 (um terço) dos dias remidos é justa e proporcional para o caso em tela. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo Nº 70044578359, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em 17/11/2011).

Apesar do atual entendimento dos tribunais superiores acerca do assunto, ainda é real a insegurança jurídica em relação a tal instituto. Nesse sentido, as palavras do Desembargador Marco Antonio Bandeira Scapini em seu voto proferido no Acórdão Nº 70008440521:

A sanção prevista no art. 127, da Lei de Execuções Penais – perda dos dias remidos pelo cometimento de falta grave – do meu ponto de vista – se traduz em mais uma irracionalidade e perversão do ordenamento jurídico, bem ilustradas pelo Juiz carioca Sérgio Mazina Martins:

‘Um mínimo de experiência jurisdicional com o tema basta para sensibilizar a dificuldade que representa, para a pessoa presa, alcançar a remição de pena pelo trabalho. Nossa sempre calamitosa realidade prisional hoje não enseja práticas laboterápicas tais como aquelas comumente cogitadas e, sequer, revestidas com a qualidade de trabalho minimamente remunerado e, muito menos, voltadas ao desenvolvimento de aptidões profissionalizantes idôneas. Antes, inicia-se para a pessoa presa a luta para conquistar um espaço nas vagas de trabalho do estabelecimento, nem sempre disponíveis para todos, pese embora o esforço verdadeiramente digno de muitas Diretorias para criar estes valiosos postos, com meios quase nulos. Não raramente nos deparamos com casos de pessoas presas que esperaram anos para obter uma vaga de trabalho no estabelecimento onde estão recolhidas, sem que se lhe possa imputar um centímetro de responsabilidade por essa abstinência. Finalmente obtida a almejada vaga, passa-se ao enfrentamento de uma rotina degradante: semanas, meses, anos na montagem de dezenas e dezenas de milhares de pregadores de roupas; no bordar de centenas de panos de prato, na costura de centenas e centenas de bolas de couro, repetidamente, maniqueistamente, na indeferenciada automação das mãos, da própria Vida, na mesmice do tempo. Ademais, a maratona de obter remição judicial de dias de pena, através de procedimentos burocráticos que se arrastam indefinidamente. Obtida afinal a remição, sobrevém então a falta: um fato, um momento, um instante mais grave (ou gravíssimo: a lei não diferencia) e perde-se tudo: semanas, meses, anos de espera, de paciência, de submissão a um mundo cristalizado. Perde-se às vezes uma dúzia de dias; quem sabe centenas; outras vezes, perde-se quantidades que raiam o milhar de dias, como tão comumente se viu em julgados de todo o País.’ (MARTINS, Sérgio Mazina, “Execução Penal, Jurisprudência Organizada e Comentada”, parte II, publicado pela Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 20, p. 482).’

O referido julgador julga com base na incompatibilidade da Lei de Execução Penal, com os preceitos racionais e humanizantes orientadores da pena privativa de liberdade e do Direito Penal. A LEP, em seus comandos específicos, choca-se com os princípios da proporcionalidade e da individualização da pena.

Embora se fale na missão ressocializadora da pena, a própria sociedade pressiona para que a realidade penitenciária seja somente um meio de isolamento, onde as possibilidades de conseguir uma autêntica reintegração social são praticamente inexistentes (BITENCOURT, 2001, p 93).

Scapini (texto digital, Acórdão nº 7000844052, 2004) critica a maneira como o artigo 127 da LEP afronta a proporcionalidade, pois a perda da remição atinge o sujeito que mais trabalhou e ostenta um histórico carcerário enriquecido de dias remidos. Trata-se, pois, de uma completa inversão de valores, uma vez que o apenado que mais trabalhou tem a punição exacerbada; independentemente de ter cometido falta junto com outro, sofre maior prejuízo por ter trabalhado mais.

O desembargador ora mencionado entende que o artigo 127 da LEP, apesar de vigente, é inválido, tendo em vista a incompatibilidade da norma com os princípios e valores éticos orientadores do ordenamento infraconstitucional. A remição tem o caráter de tempo cumprido de pena. Decretar a perda ou impedir que se efetive implica revogar a pena extinta pelo cumprimento.

Nas palavras de Zimmermann (2002, p. 159):

[...] Sob o ponto de vista normativo, a Constituição representa o escalão mais elevado do sistema piramidal de hierarquização das normas jurídicas estatais. Em outras palavras, a Constituição seria um conjunto de normas superiores, que determina a criação de todas as demais regras que fazem parte do ordenamento jurídico estatal. Conforme postula Kelsen, a ordem jurídica estatal não é um sistema de normas coordenadas entre si, que se acham num mesmo nível, mas sob uma hierarquia onde a unidade dessas normas é constituída pelo fato de que a criação de uma norma é determinada por outra.

A perda dos dias remidos face ao reconhecimento de uma falta grave desestimula o condenado, pois não se faz justiça ao esforço já empregado. Melhor seria se fosse aplicada somente uma sanção disciplinar, compatível com o ato da falta disciplinar de natureza administrativa, evitando punir de maneira injusta e desproporcional, incompatível com a Constituição Federal.

Por mais que se pretenda que a pena privativa de liberdade deva preparar o sujeito para a vida livre, o certo é que propicia a formação de uma sociedade antinatural, na qual o sujeito carece das motivações da sociedade livre, surgindo outras, rudes e primitivas, que costumam persistir após a recuperação da liberdade, e, que ao entrar em conflito com a sociedade livre, têm a oportunidade de manifestar-se, (ZAFFARONI; PIERENGELI, 2002, p. 790).

Apesar de a pena ser um mal necessário, o Estado, ao fazer valer seu poder de punir, deve propiciar condições mínimas de dignidade à pessoa humana. O erro do ora apenado ao praticar a conduta delituosa não faculta ao Estado cometer outro erro. A função da pena é a ressocialização do condenado (GRECO, 2013).

No sentido etimológico da palavra, constituição diz respeito ao modo como se constitui um ser humano, um agrupamento de pessoas ou mesmo uma organização, passando pelo ato de constituir e pelo conjunto de normas que regulam uma instituição qualquer, vindo a atingir Lei Maior do Estado. A palavra princípios, também no sentido etimológico, tem vários significados, relacionados ao que tem origem, preceito, regra ou lei. São valores eleitos pelo constituinte, inseridos na Carta Magna, a fim de configurar os alicerces e a unidade do sistema normativo, para que as interpretações dos preceitos jurídicos se façam de modo coerente (GRECO, 2013).

Nas palavras de Greco (2013, p. 58):

De tudo o que foi dito, extrai-se a importante missão que os princípios constitucionais possuem: dar uniformidade ao sistema jurídico, cuja norma máxima é a Constituição, permitindo que a interpretação e a integração dos preceitos jurídicos sejam feitas de modo a dar coerência ao sistema normativo. Não se poderia, portanto, conceber que uma lei infraconstitucional ofendesse diretamente o princípio constitucional [...].

Não bastasse o direito adquirido estar expressamente protegido dentro da Constituição Federal, ele está inserido no rol dos direitos fundamentais.

Os direitos e garantias fundamentais necessitam de respeito eficaz, por serem responsáveis pela regerência da sociedade, (GRECO, 2013).

A partir do momento em que a Lei de Execução relativiza demasiadamente tal princípio em prol de uma sanção administrativa ao condenado, está ferindo bruscamente um direito fundamental protegido pela Constituição Federal.

O presente estudo não se ocupou em discutir a falta cometida pelo preso, nem as circunstâncias do delito, ou seja, não se entra no mérito da conduta específica do apenado. Visa-se a questionar a atitude do Estado como ente maior,ao valer-se de uma norma infraconstituicional, que demasia a punição ao preso infrator, estabelecendo uma linha de direito penal máximo, apesar de, na hora da contraprestação, apresentar um sistema que, por si só, lamentavelmente, já fere inúmeros outros direitos fundamentais.

Frente aos inúmeros motivos ora analisados, é possível concluir que há incompatibilidade entre o artigo 127 da LEP, que autoriza a perda dos dias remidos, com inúmeros princípios constitucionais basilares de nosso sistema jurídico. Neste caso, pode-se destacar o princípio do direito adquirido: ele trabalhou, ele conquistou; o que acontece posteriormente jamais poderia interferir em algo que já se materializou, já produziu efeitos.


Ou seja, a perda dos dias remidos, trabalhados, como sanção administrativa, fere vários princípios constitucionais. Nota-se que a pena é privativa de liberdade, e não de dignidade, respeito, entre outros direitos inerentes à pessoa humana, como o direito adquirido, a individualização e humanização da pena, (SHECAIRA; JUNIOR, 1995).

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo surge da problematização, do questionamento de um direito constitucional não cumprido em favor de uma classe invisível e esquecida pela sociedade e, principalmente, pelo Poder Público. Trata-se do direito do apenado de ter o tempo da pena reduzido em função do trabalho e/ou do estudo.

A sociedade brasileira, do lado de cá das grades, de um modo geral, é omissa e alienada em relação à vida dentro das prisões, às condições em que se encontra a maioria dos presídios brasileiros, o que, por si só, justifica a importância da discussão do tema, que trata de pessoas, de seres humanos que vivem à margem de outros seres humanos, que, talvez, pelas mesmas razões, também poderiam estar no lugar destes marginalizados, que inspiraram este artigo.

O enfoque dado ao trabalho é o instituto da remição da pena, que consiste no reconhecimento do trabalho e/ou estudo do apenado como fonte de diminuição do tempo de pena por ele a ser cumprido.

Tal instituto, apesar da relevância para a ressocialização do apenado, que pode sair da prisão inclusive com uma profissão, gera grande polêmica, à medida que a Lei de Execução Penal autoriza a subtração deste direito em caso de cometimento de falta disciplinar de natureza grave.

Com efeito, o artigo 126 da LEP, ao prever o instituto da remição, a ser reconhecido e homologado pelo juízo da execução, ouvido o Ministério Público e a defesa, passa a falsa percepção de que este direito é uma conquista do preso, devendo a remição ser descontada da pena total.

Contudo, o artigo 127 possibilita a perda dos dias já remidos, ou seja, já trabalhados e/ou estudados, em caso de cometimento de uma falta disciplinar de natureza grave.

Assim, o presente estudo buscou analisar até que ponto a Lei de Execução Penal interfere nos princípios constitucionais garantidos ao apenado, destacando-se o direito adquirido.

Inúmeras são as desvantagens do apenado em relação à aplicação do instituto em comento. É fato comum nas prisões brasileiras o condenado ter direito ao livramento condicional, antes de progredir o regime prisional, porque a Súmula 441, do Superior Tribunal de Justiça, reconhece que a falta grave não interrompe o prazo para a obtenção do livramento condicional.

Na prática, ocorre que o condenado está cumprindo a pena e trabalhando como forma de diminuição do tempo carcerário, quando comete falta grave; se estiver no regime fechado, perde até um 1/3 dos dias que já contava como pena cumprida; contudo, o prazo para o livramento condicional corre livremente. Nesse sentido, pode obter prazo para o livramento condicional antes mesmo de ter progredido de regime, ou seja, do presídio, diretamente para a rua.

Injustiça maior ocorre quando dois apenados cometem juntos, uma falta grave. Nestes casos, é flagrante a desigualdade, pois aquele que trabalhava, além de outras implicações geradas pelo reconhecimento da falta grave, sente-se mais atingido por perder os dias que já havia trabalhado e conquistado, enquanto o condenado que cumpriu pena na ociosidade tem o mesmo tratamento.

Além das probabilidades ora mencionadas, a retirada dos dias remidos desrespeita frontalmente os direitos adquiridos do condenado; se ele trabalhou, merece a conquista. Trata-se de afronta a um princípio constitucional de status fundamental; a relativização, conforme demonstrado, desestrutura os pilares da legislação atual por afrontar à Constituição Federal. A remição é direito do preso antes do cometimento da falta grave; portanto, o artigo 127 da LEP não merece recepção constitucional.

A Lei de Execução Penal estabelece os direitos e deveres do preso, bem como assistência ao condenado, além da necessidade de observância dos princípios básicos inerentes à pessoa humana: contudo, a contraprestação do Estado deixa a desejar e muito no que diz respeito aos presídios brasileiros, muitos deles superlotados, sem condições mínimas de higiene. Com total afronta à dignidade da pessoa humana, e, apesar de toda ausência do Estado, este soube impor regras que ultrapassam os limites carcerários.

Diante de todo exposto, a perda dos dias remidos, de forma inconsequente, gera perdas ao apenado. Assim, apesar de tratar-se de legislação vigente no país, o artigo 127 da Lei de Execução Penal não atinge o fim proposto de observação à Constituição Federal, por ferir um direito adquirido do apenado.

Conclui-se, então, que há claras evidências de inconstitucionalidade da norma que possibilita a perda dos dias remidos em caso de cometimento de falta grave, o que afronta o direito adquirido do reeducando, direito este, garantido constitucionalmente. Além do mais, a maneira como a sanção administrativa ultrapassa sua esfera e atinge diretamente a sanção penal do apenado, obrigando-o a cumprir novamente o período por ele anteriormente adquirido não merece guarida no ordenamento jurídico vigente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 4. ed. São Paulo, Saraiva, 2007.

BRASIL. Vade Mecum compacto. 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011.

CARVALHO, Salo de. Penas e Garantias. 2ª edição. Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2003.

GOMES, Luiz Flávio. Falta grave. Procedimento administrativo. Contraditório e ampla defesa. Publicado por Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (extraído pelo JusBrasil) - 3 anos atrás. Disponível em <http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2084556/falta-grave-procedimento-administrativo-contraditorio-e-ampla-defesa> Acesso em 10 set. 2013.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 15. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2013.

LIMA, Marcellus Polastri. Manual de Processo Penal. 2ª edição. Ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2009.

MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 7ª edição, Ed. Saraiva, 2009.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 11ª edição. São Paulo, Ed. Atlas, 2004.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei 7.210, de 11-07-1984. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1997.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

Shecaira, Sérgio Salomão; JUNIOR. Alceu Corrêa. Pena e Constituição Aspectos Relevantes para sua Aplicação e Execução. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 1995.

SOUZA E SILVA, Marisya. Crimes hediondos & progressão de regime prisional. Curitiba: Juruá, 2007.

A POSSIBILIDADE DE PERDA DOS DIAS REMIDOS POR COMETIMENTO DE FALTA GRAVE X DIREITOS ADQUIRIDOS RESUMO
O presente artigo tem como objetivo questionar a compatibilidade do artigo da Execução Penal que possibilita a perda dos dias remidos do condenado em caso de reconhecimento de falta disciplinar de natureza grave, com alguns princípios constitucionais basilares. Trata-se de pesquisa qualitativa, realizada por meio do método dedutivo e de procedimento técnico bibliográfico e documental. As reflexões irão discutir o funcionamento da execução penal, a fim de analisar a consequência do sancionamento. Discorre-se sobre os princípios constitucionais que regem tanto o direito penal e processual penal, quanto a execução penal, para, desta forma, entrar no foco principal do trabalho: a (in) constitucionalidade do artigo 127 da Lei de Execução Penal, que autoriza a perda dos dias remidos do preso em caso de cometimento de falta grave, por afrontar inúmeros princípios constitucionais, entre eles, o direito adquirido. Finalmente, conclui-se que o artigo 127 da Lei de Execução Penal, ao autorizar a perda dos dias remidos, ainda que de maneira proporcional, não é compatível com a Constituição Federal, por desrespeitar princípios de classificação fundamental.


Palavra-chave: Execução Penal. Falta Grave. Direito Adquirido

Introdução
A realidade prisional do Brasil é inquestionavelmente deprimente. O Poder Público, de uma maneira geral, não encontra solução para melhorar as condições básicas para o apenado cumprir a pena. Não bastasse isso, a legislação da execução penal, aparentemente, parece suprimir do preso um direito seu.


O presente artigo visa discutir a constitucionalidade do artigo 127 da Lei de Execução Penal, Lei 7.210/84, ao permitir que o condenado perca direitos legalmente adquiridos, ao possibilitar a perda dos dias remidos com o sancionamento, em caso de cometimento de falta grave.

O instituto da remição consiste na possibilidade de o preso abater, proporcionalmente, o tempo de cumprimento de pena através de estudo e/ou trabalho, conforme estabelece a lei de execução penal; contudo, uma das consequências/punições pelo cometimento de falta disciplinar de natureza grave é a perda desses dias remidos.

O artigo em comento objetiva investigar se tal punição interfere nos princípios constitucionais do apenado, com base no princípio do direito adquirido.

O estudo discute como problema a legalidade, a compatibilidade da lei de execução penal neste ponto em específico, com a Constituição Federal. Até que ponto é justa a retirada de um direito já adquirido pelo preso – remição – como punição administrativa?

A discussão parte da hipótese de que pode ser desproporcional o sancionamento adotado pela lei de Execução em caso de cometimento de falta grave. Questiona-se, então, a imposição da Execução Penal, uma norma que, de certa forma, fere princípios constitucionais e pode ser considerada uma afronta à Constituição Federal da República. Também se demonstra o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que permite questionar a constitucionalidade da possível perda dos dias remidos por afronta aos direitos adquiridos do apenado.

3 EXECUÇÃO PENAL


A partir da pena privativa de liberdade e implementação das prisões, surge o direito penitenciário, ou seja, o direito que vige dentro das penitenciárias durante o cumprimento da pena, (CARVALHO, 2003).

O direito penitenciário nasceu como direito autônomo distinto do direito penal e processual penal, direcionado para a determinação de regras disciplinares a serem seguidas pelo condenado durante o cumprimento da pena. Exercido pelos órgãos do Serviço Penitenciário, sua natureza é essencialmente administrativa; não está submetida ao juízo de execução e ao Ministério Público. Em face de tamanha discricionariedade, que interferia por deveras nos direitos do condenado, surge a Lei 7.210/84 para normatizar a execução da pena (CARVALHO, 2003).

Entendendo que o princípio da legalidade abrange também a execução penal, Lyra, desde a edição do Código de Processo Penal em 1941, defende que a execução penal não poderia ser tratada como matéria indiferente ao direito, (CARVALHO, 2003).

Em 1984, institucionaliza-se o modelo jurisdicional de execução:

O processo de jurisdicionalização, disposto pela LEP nos arts. 1º (que fixa o conteúdo jurídico da execução penal); 2º (que anuncia a jurisdição e o processo), 66 (que detalha a competência do juiz de execução penal) e 194 (que determina o procedimento judicial), objetiva tornar eficaz o princípio da legalidade, assegurando aos reclusos seus direitos fundamentais. É o que refere a exposição de motivos: o princípio da legalidade domina o corpo do projeto, de forma a impedir que o excesso ou o desvio da execução comprometam a dignidade e a humanidade do Direito Penal, (Carvalho, 2003, p. 170).

Nas palavras de Marcão (2009, p. 1), “Objetiva-se, por meio da execução, punir e humanizar”.

A Lei de Execuções Penais (LEP) foi criada especificadamente para o condenado sob a custódia/responsabilidade do Estado, a fim de, além de garantir seus direitos mais primordiais, serve, também, para buscar a reeducação, ressocialização do apenado, para que possa voltar readaptado à sociedade. Infelizmente, pelo que acompanhamos através da mídia, a realidade das prisões brasileiras é outra.

O direito penitenciário, inequivocamente administrativo, e o processo de execução, de natureza jurisdicional, seguem uma natureza mista e uniforme da execução penal (CARVALHO, 2003).

Atualmente, o direito de execução está previsto no artigo 24, inciso I, da CF, que estabelece a competência da União, concorrentemente com os Estados e o Distrito Federal, de legislar sobre o direito penitenciário e a já citada legislação específica, Lei 7.210 de 11.07.1984.

Considerando que o processo penal é o instrumento através do qual o Estado se apropria do conflito da vítima para dar uma resposta ao delito de maneira racional, de forma idêntica, deve interferir na execução, controlando os atos administrativos, interferindo na relação entre a administração dos estabelecimentos penais e os detentos, (CARVALHO, 2003).

Da assistência ao apenado

Consoante estabelece o artigo 10 da LEP, a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado.

A função de tratamento penitenciário é a conservação da vida e da saúde do apenado, bem como propiciar-lhe alimentação e assistência médica, além de meios de educação, com o intuito de influir positivamente na transformação da personalidade do indivíduo recolhido, (MIRABETE, 1997).

O artigo 11 da LEP classifica a assistência em: material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.

Contudo, o conhecimento empírico acerca do atual sistema prisional brasileiro demonstra que estamos longe da efetivação da assistência ao apenado, pois, o que se verifica é a não observância sequer dos princípios basilares, tais como a dignidade da pessoa humana, humanização da pena, entre outros. Apesar da ausência de contraprestação efetiva do Estado em disponibilizar ao reeducando o acesso aos seus direitos, a cobrança da falha do apenado em relação aos seus deveres é, até certo ponto, excessiva, o que é o foco principal do presente estudo.

Dos direitos e deveres do reeducando

O Código Penal, no artigo 38, dispõe que “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”. Já o artigo 40 declara que os deveres e direitos do preso devem ser definidos em lei específica.

Submetido à prisão, provisória ou definitiva, o apenado passa a ter uma série de direitos e deveres, (MARCÃO, 2009).

Os deveres, também conhecidos como código de postura do apenado perante o estabelecimento prisional, são de observância obrigatória dos condenados que não quiserem sofrer sanção disciplinar. Os deveres estão previstos no artigo 39 da LEP:

Art. 39. Constituem deveres do condenado:

I - comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença;
II - obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva
relacionar-se;
III - urbanidade e respeito no trato com os demais condenados;
IV - conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina;
V - execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas;
VI - submissão à sanção disciplinar imposta;
VII - indenização à vitima ou aos seus sucessores;
VIII - indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho;
IX - higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento;
X - conservação dos objetos de uso pessoal.
Parágrafo único. Aplica-se ao preso provisório, no que couber, o disposto neste artigo.

Em contraponto, existem os direitos do apenado que o Estado deve proporcionar-lhe durante o cumprimento da pena, direitos esses dispostos tanto na Constituição Federal, artigo 5º, III e XLIX: “Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; e que é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. A LEP, no artigo 41, traz um rol exemplificativo:

Art. 41 - Constituem direitos do preso:
I - alimentação suficiente e vestuário;
II - atribuição de trabalho e sua remuneração;
III - Previdência Social;
IV - constituição de pecúlio;
V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;
VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;
VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;
X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;
XI - chamamento nominal;
XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;
XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;
XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;
XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.
XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 2003)
Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.

Trata-se de rol exemplificativo, pois os direitos da pessoa humana não se esgotam; por isso, esse rol de direitos deve ser interpretado da maneira mais ampla possível (MARCÃO, 2009).
O trabalho penitenciário

Na origem da pena, o trabalho era visto como um gravame na reprimenda penal. No Brasil, o trabalho forçado foi abolido somente em 1890 com o Código Penal Republicano. Atualmente o trabalho é um direito do condenado, como forma de reduzir sua pena privativa de liberdade, (SHECAIRA; JUNIOR, 1995).

O trabalho do apenado tem finalidade tanto educativa quanto produtiva. Ressalta-se que a obrigatoriedade de trabalho definitivo ao condenado não pode ser confundida com pena de trabalho forçado, pois o trabalho penitenciário, além de estar sob a proteção de regime jurídico, com remuneração, respeita as particularidades de cada detento, (MARCÃO, 2009).

Mirabete (1996 p. 92) conceitua o trabalho penitenciário como sendo “a atividade dos presos e internados, no estabelecimento penal ou fora dele, com remuneração equitativa e equiparada ao das pessoas livres no concernente à segurança, higiene e direitos previdenciários e sociais”.

O trabalho prisional deve ser um mecanismo de complemento do processo de reinserção social para prover a readaptação do preso, prepará-lo para uma profissão, inculcar-lhe hábitos de trabalho e evitar a ociosidade (GOMES; SOUSA, 2011, texto digital).

O resguardo da dignidade do preso, com o oferecimento de trabalho e uma adequada remuneração, constitui dever do Estado no sentido de possibilitar a indistinção entre o cidadão livre e o cidadão preso, a fim de permitir seu retorno à sociedade de maneira mais digna e sadia, (SHECAIRA; JUNIOR, 1995).

O trabalho, acima de tudo, serve como instituto ‘redutor’ da pena, instituto este conhecido por remição, tema a ser tratado no tópico seguinte. Contudo, é importante mencionar que, recentemente, foi publicada a Lei 12.433/11, que traz alterações na Lei de Execução Penal, no que concerne à remição da pena em razão do trabalho ou do estudo.

A lei incluiu o estudo como forma de remição, confirmando a posição majoritária dos tribunais. Tanto assim o é, que a Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal prevê que “a frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob o regime fechado ou semiaberto”.

É verdade que o trabalho não é a solução de todos os males da prisão. A ressocialização pressupõe um processo de comunicação entre o indivíduo e a sociedade, isto é, para a reinserção social do preso, cabe, primordialmente, um diálogo entre o condenado e o Estado. Assim, apesar de não ser considerada uma solução mágica, o trabalho e/ou o estudo podem constituir uma condição facilitadora do condenado para a inserção nas atividades cotidianas a serem enfrentadas quando postos em liberdade, (SHECAIRA; JUNIOR, 1995).

Nesse sentido, o trabalho, e, atualmente, a frequência em curso de ensino formal, podem interferir diretamente no cumprimento da pena do condenado, instituto este reconhecido como remição, que abreviará o tempo de cumprimento da pena.

A remição

A remição da pena na execução penal consiste no instituto que permite o cumprimento de parte da pena por meio do trabalho/estudo do condenado, (MIRABETE, 2004).

A palavra remição vem de redimere, que significa, no latim, reparar, ressarcir, compensar. Diferente da remissão expressa no direito civil, ato de perdoar, a remição é uma forma de extinção da obrigação pela qual o credor perdoa a dívida do devedor, (MARCÃO, 2009).

Para Zaffaroni et Pierangeli (2002, p. 800), ‘Chama-se “remição, na Lei de Execução Penal, a possibilidade que tem o preso, em regime fechado ou semiaberto, de remir parte da execução da pena pelo trabalho, à razão de um dia de pena por três dias trabalhados’.

Atualmente, conforme artigo 126, §1º, remição é quando o condenado que cumpre pena em regime fechado ou semiaberto pode descontar um dia de pena a cada doze horas de estudo – frequência em atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou, ainda, de requalificação profissional – divididas em, no mínimo, três dias, ou um dia de pena para cada três dias trabalhados.

A remição ocorre se o preso trabalha e recebe como benefício um dia de abatimento da pena a cada três dias trabalhados, (MARCÃO, 2009).

Institutos dessa natureza (remição pelo trabalho, remição pelo estudo etc.) demonstram, de certa forma, uma evolução no modelo de prisão. De acordo com o artigo 126 da LEP, o condenado que cumpre pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir um dia da pena para cada doze horas de frequência escolar. Essas doze horas devem ser divididas, no mínimo, em três dias. É preciso combinar três dias, no mínimo com 12 horas, para ganhar um dia de pena, (GOMES; SOUSA, 2011, texto digital).

No antigo regramento da remição da pena, não havia disposição sobre a possibilidade de o condenado em cumprimento de pena em regime aberto ou mesmo aquele que estivesse em livramento condicional serem beneficiados. Antes, a remição era declarada pelo juiz da execução, ouvido o representante do Ministério Público. Agora, a defesa também deve ser ouvida, (art. 126, § 8º da LEP).

Nas palavras de Marcão (2009), a pena remida deve ser considerada pena cumprida. Sendo assim, o tempo de pena a ser descontado em função da remição há de ser somado à pena efetivamente cumprida. Além disso, deve ser entendida na mesma linha da detração penal, pois até mesmo o Superior Tribunal Federal já se manifestou no mesmo sentido.

Conforme lecionam Alexandre de Moraes e Smanio, apud Marcão (2009, p. 65):
“Não tem direito à remição o agente que está submetido à medida de segurança de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ainda que essa internação possa ser objeto de detração penal, pois o sentenciado não estará cumprindo a pena segundo as regras do regime fechado ou semiaberto, expostas no caput do artigo 126 da LEP”.

O instituto da remição, entre outros méritos como o de abreviar parte do tempo de condenação, permite flexibilizar a execução da pena, no sentido de individualizá-la para a readaptação do condenado. Nas palavras de Miguel Reale, apud Schecaira; Junior (1995, p. 143):

A remição é um mecanismo de contenção em vários aspectos. Procura oferecer condições para que o sofrimento da pena privativa de liberdade não seja opressivo e alienante pela falta de trabalho; pretende estimular a disciplina e o apego aos valores positivos do condenado; visa antecipar a liberdade pelo esforço e dedicação pessoais. É um instituto realista; não uma ficção jurídica.

Ressalta-se que, para a validação da remição, a atividade laborativa deve ser comprovada ao juiz da execução penal, por documento hábil emitido pela administração do estabelecimento prisional, tendo a remição eficácia após a declaração por sentença judicial, (MARCÃO, 2009).

O pedido de remição deve ser encaminhado ao juízo da execução, e, somente, excepcionalmente, requerido por meio de habeas corpus, pois tal apuração demanda análise de provas, sendo cabível somente em caso de constrangimento ilegal, decorrente do equívoco na forma de contabilizar os dias remidos, e tal desacerto impossibilitar o benefício por falta de requisito objetivo, quando, na verdade, já teria direito caso a contagem estivesse correta (Marcão, 2009).

Contudo, quanto ao instituto da remição, deve-se atentar para as possibilidades em que pode haver perda dos dias remidos, situação debatida nos tópicos subsequentes.

As faltas disciplinares na Execução Penal

Para melhor condução da execução da pena privativa de liberdade, os presos gozam, conforme já explicitado anteriormente, de direitos e deveres; por isso, o não cumprimento de seus deveres implica falta disciplinar, (CARVALHO, 2003).

As faltas disciplinares, regulamentadas no artigo 49 da Lei de Execução Penal, são classificadas em leves, médias e graves. Frisa-se que somente se considera falta disciplinar, infração que esteja anteriormente regulamentada por lei.

O cometimento de falta grave rompe a boa conduta imposta pela lei, o que, necessariamente, implica sanções (CARVALHO, 2003).

É função do legislador federal, prever as faltas graves e suas punições; e, ao legislador estadual, cabe a previsão das faltas médias e leves, subtraindo tal função da esfera administrativa, (MIRABETE, 2004).

Nas palavras de Marcão (2009, p. 35):

[...] a Lei de Execução Penal confia a enumeração das faltas leves e médias, bem como as respectivas sanções, ao poder discricionário do legislador local. As peculiaridades de cada região, o tipo de criminalidade, mutante quanto aos meios e modos de execução, a natureza do bem jurídico ofendido e outros aspectos sugerem tratamentos disciplinares que se harmonizem com as características do ambiente.

O isolamento, a suspensão ou a restrição de direitos, nos termos do artigo 53, III e IV combinado com artigo 57, parágrafo único, e a regressão de regime (artigo 118 da LEP) são as sanções administrativas cabíveis.

A LEP enumera, no artigo 50, em rol taxativo, o que corresponde à falta grave:

Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que: I - incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina; II - fugir; III - possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem; IV - provocar acidente de trabalho; V - descumprir, no regime aberto, as condições impostas; VI - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei. VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao preso provisório.

Como se pode observar, o artigo 50 da LEP relaciona as faltas graves que podem ser cometidas pelo condenado à pena privativa de liberdade. Na sequência, o artigo 51 da LEP refere a falta grave do condenado à pena restritiva de direito:

Art. 51. Comete falta grave o condenado à pena restritiva de direitos que: I - descumprir, injustificadamente, a restrição imposta; II - retardar, injustificadamente, o cumprimento da obrigação imposta; III - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.

O reconhecimento da falta grave enseja até mesmo a regressão de regime, sendo vedada a regressão por salto, ou seja, da mesma maneira que o condenado progride do regime fechado ao semiaberto e ao aberto, pode regredir do aberto ao semiaberto e somente em caso de novo fato justificador de regressão, ao regime fechado, (Marcão, 2009).

Ainda, no que diz respeito à falta grave, é necessário mencionar o artigo 52 da LEP, que expressa que, em caso de prática de crime doloso, devem ser instaurados dois processos (penal e administrativo), que resultarão em sanções de duas espécies. Para a apuração da falta disciplinar, instaura-se um PAD, procedimento administrativo disciplinar, (MIRABATE, 1997).

Ressalta-se que, à falta disciplinar tentada ou consumada, aplica-se a mesma sanção, isto é, não cabe analogia ao artigo 14 do Código Penal, conforme artigo 49, parágrafo único da LEP.

Nas palavras de Carvalho (2003, p. 227):

Muito embora sejam distintas as esferas de ilicitude, não esporadicamente as consequências da sanção administrativa são capacitadoras da sanção penal. A imposição de sanção disciplinar frequentemente é um aditivo à irrogação de pena privativa de liberdade, daí a imprescindível judicialização com a transferência dos critérios estabelecidos em matéria penal e processual penal ao campo do direito penitenciário. Os efeitos da sanção disciplinar extrapolam a órbita administrativa e invadem o processo de execução penal, pois a ‘boa conduta’ é requisito objetivo para o gozo dos direitos subjetivos. Assim, não obstante ser de natureza administrativa, a decisão sobre as faltas condiciona a avaliação judicial dos incidentes da execução.

Luiz Flávio Gomes (2010, texto digital) esclarece que não se pode confundir o devido processo administrativo (ou disciplinar) com o devido processo criminal. Naquele apura-se uma infração administrativa (que só possibilita sanções administrativas). Neste apura-se uma infração penal, que está sujeita às mais drásticas sanções estatais (pena ou medida de segurança). Ou seja: na infração penal está em jogo o ius libertatis. A apuração de uma falta grave cometida pelo condenado, da mesma forma, também traz consequências ao ius libertatis. Daí a natureza criminal do procedimento que apura essa falta grave.

Apurada a ocorrência da falta grave, o artigo 127 da LEP autoriza a perda dos dias remidos. Com o advento da Lei 12.433/2011, a possibilidade de perda dos dias remidos foi limitada em até 1/3 do total dos dias remidos.

Para Schecaira; Junior (1995), o artigo 127 da LEP, ao autorizar a perda dos dias remidos, é flagrantemente inconstitucional, pois tudo sofre a ação do tempo; as ações prescrevem, os direitos decaem, não sendo, portanto, admissível considerar que uma falta grave apague o tempo já remido.

Consoante bem preceitua Nucci (2005, p. 920):

O estudo da execução penal deve fazer-se sempre ligado aos princípios constitucionais penais e processuais penais, até por que, para realizar o direito punitivo do Estado, justifica-se, no Estado Democrático de Direito, um forte amparo dos direitos e garantias individuais. Não é viável a execução da pena dissociada da individualização, da humanidade, da legalidade, da anterioridade, da irretroatividade da lei prejudicial ao réu (princípios penais) e do devido processo legal, com todos seus corolários (ampla defesa, contraditório, oficialidade, publicidade, dentre outros)


DO CONFRONTO ENTRE A CONSTITUIÇÃO E A POSSIBILIDADE DE PERDA DOS DIAS REMIDOS

Após o processo a que é submetido o indivíduo, observando-se as normas contidas no Código Penal e no Processo Penal, é indispensável um processo que viabilize a execução, em que devem ser observados diversos princípios e garantias constitucionais, (MARCÃO, 2009).

O Estado, ao assumir o poder-dever de punir, através do processo, não deixa de proteger o cidadão de abusos. Dessa proteção resultam os princípios do processo penal, que se entrelaçam com as garantias constitucionais. Nas palavras de José Afonso da Silva, apud, Lima (2009, p. 15), o princípio trata de:

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e


inteligência... exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe refere a tônica e lhe dá sentido humano.

São muitos os princípios que regem o sistema penal como um todo, entre eles, os mais relevantes, fundamentais ao desenvolvimento desse trabalho, destacam-se os princípios da igualdade, da legalidade, da individualização da pena, da humanização da pena, da proporcionalidade, da dignidade da pessoa humana, do contraditório e da ampla defesa e do direito adquirido.

As consequências da perda dos dias remidos

Na origem da pena, o trabalho era visto como um gravame, uma reprimenda penal, sendo abolido no Brasil em 1890. No entanto, hoje trabalhar é um direito do apenado, isto é, uma oportunidade de comunicação do indivíduo com a sociedade, além da redução do tempo de pena do apenado, por meio do instituto que passou a ser conhecido como remição, (SHECAIRA; JUNIOR, 1995).

Para Carvalho (2003, p. 227), “A remição pelo trabalho transforma-se, assim, em importante mecanismo de redução do tempo da pessoa no cárcere”.

Cabe ao juízo da execução, a declaração da remição da pena pelo trabalho, sendo ouvido tanto Ministério Público, quanto a defesa. Contudo, em caso de cometimento de falta disciplinar grave, (elencadas no artigo 50 da LEP), rompidos os deveres de boa conduta, a lei implica sanções administrativas que são o isolamento, a suspensão ou restrição de direitos (artigo 53, III e IV da LEP) e a regressão de regime (artigo 118 da LEP).

Reconhecida a falta grave, o condenado perde até um terço do tempo remido, iniciando novo período a partir da data da homologação da infração disciplinar, nos termos do artigo 127 da LEP.

Para Nucci (2005), a Lei de Execução Penal é severa demais ao dispor que os dias já remidos devem ser retirados, em caso de cometimento de falta grave.

Com a possibilidade de perda dos dias remidos, face ao cometimento de uma falta disciplinar de natureza grave, a sanção administrativa nitidamente interfere diretamente na sanção penal. Nas palavras de Carvalho (2003, p. 227):

Muito embora sejam distintas as esferas de ilicitude, não esporadicamente as consequências da sanção administrativa são capacitadoras da sanção penal.

[...]

Os efeitos da sanção disciplinar extrapolam a órbita administrativa e invadem o processo de execução penal, pois a ‘boa conduta’ é requisito objetivo para o gozo dos direitos subjetivos.

Uma vez reconhecida a remição de parte da pena, cometida a falta grave, não se poderia perder o que já foi conquistado, (NUCCI, 2008, p. 511). Nesse contexto, o trabalho é considerado uma premissa para a recondução do preso para a vida em sociedade. Com a flexibilização da pena em função do trabalho, a remição passa a ter importância até mesmo na solução do problema penitenciário (SHECAIRA; JUNIOR, 1995).

A remição pelo trabalho é conquista da dignidade pessoal do reeducando; portanto o Estado, que não pode devolver seu esforço e dedicação em atividade lícita, não pode revogar o que o torna melhor. Punir a falta grave é justo, mas anular o trabalho e a conquista dos dias remidos é violência. Se ele trabalhou, ele merece o que conquistou. Tanto o trabalho como o direito que dele provém são irrevogáveis.

A quantidade de óbices aos direitos dos presos em decorrência das sanções administrativas leva a afirmar que o sistema de penalidades disciplinares, regulados inquisitoriamente pela LEP, constitui sistema sancionatório autônomo e adicional à pena imposta na sentença condenatória. Mais que um estatuto regulador do cotidiano do cárcere, o regime meritocrático cria regime de (i)legalidades que se impõe e sobrepõe à sanção, transformando o apenado em objeto passível de “benefícios” segundo sua (in)adaptabilidade à instituição total (CARVALHO, 2003, p. 229, grifos nossos).

O poder disciplinar é necessário para manutenção da ordem, porém deve sempre respeitar o princípio da dignidade humana e da legalidade (BITENCOURT, 2001).

A função do presídio era devolver à sociedade homens honrados e cidadãos trabalhadores. Não acreditava que devesse servir somente para modificar o recluso. Embora essa ideia pareça lógica e evidente, ainda hoje, em muitos setores sociais, encontra-se enraizado o conceito de que a prisão é um lugar onde se deve propiciar o sofrimento e a mortificação do delinquente, (BITENCOURT, 2001, p. 91).

Ainda, deve-se atentar para o fato de que, inegavelmente, a grande população carcerária é pobre, sendo o trabalho uma maneira de dignificar suas existências. Nas palavras de Zaffaroni, Pierangeli:

Em geral é bastante óbvio que quase todas as prisões do mundo estão povoadas de pobres. Isto indica que há um processo de seleção das pessoas às quais se qualifica como “delinquentes e não, como se pretende, um mero processo de seleção das condutas ou ações qualificadas como tais (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002, p.58)

Atualmente, a legislação prevê, além do trabalho, a possibilidade da realização de curso profissionalizante como requisito da remição, ou seja, a remição pode ser alcançada por meio do estudo e/ou trabalho, consoante entendimento jurisprudencial pacificado na Súmula 341 do Superior Tribunal de Justiça, bem como na Lei 12.433/2011, que alterou a redação do artigo 126 da LEP.

A partir do momento em que o condenado adquire o direito à remição, mérito de sua dedicação em algum trabalho, ou até mesmo de sua vontade de estudar, em busca de aperfeiçoamento para uma profissão, a remição passa a ser um direito adquirido do reeducando. Parece descabido o Estado retirar do condenado algo que este, por seu esforço, já conquistou como forma de sanção administrativa.

Seguindo esta linha de raciocínio, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já defendeu a inconstitucionalidade do artigo 127 da LEP, por considera-lo afronta ao direito adquirido, como se pode ver nas decisões a seguir colacionadas:

EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO. REMIÇÃO. FALTA GRAVE. ART. 127 DA LEP. VIOLAÇÃO DO DIREITO ADQUIRIDO. Tendo a remição a natureza de tempo cumprido de pena, acarretando sua extinção parcial, a decretação da perda pelo cometimento de falta grave viola o direito adquirido. Agravo provido. (Agravo em Execução Nº 70008440521, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Bandeira Scapini, Julgado em 03/06/2004, texto digital).

“REMIÇÃO. CONCESSÃO POSSIBILIDADE AINDA QUE TENHA O APENADO PRATICADO FALTA GRAVE.

Já decidira a Câmara que, se a remição foi reconhecida por decisão judicial transitada em julgado, não poderia ser desfeita, determinando-se sua perda, face ao cometimento de uma falta grave. A esta posição agregue-se outra. Mesmo que a falta grave seja anterior ao exame do beneficio, a remição será concedida. Acontece que ela é aceita para fins de progressão de regime e livramento condicional, vale dizer que o instituto vem sendo aplicado do inicio para o fim, como forma de cumprimento parcial da pena. Nesse passo a remição, além de ser a contraprestação pelo trabalho desenvolvido pelo preso, é causa extintiva de parte da pena, ainda que a declaração da extinção da punibilidade apenas se de ao final. Pena remida equivale, então, a pena cumprida. Possuindo a remição esse caráter material, sendo impossível ao preso cumprir a mesma pena duas vezes, o direito à remição deve ser acolhido independentemente de falta grave. Agravo improvido por maioria de votos.” (Agravo 70004035358, 6ª Câmara Criminal, TJ/RS, Rel. Des. Sylvio Baptista Neto, acórdão de 27/6/2.002, texto digital)”

As ementas acima referem que, ao retirar os dias já trabalhados, já conquistados pelo apenado, e até mesmo já descontados de seu tempo de pena, a Lei de Execução Penal está ferindo o princípio do direito adquirido.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve por um bom tempo essa postura acerca do artigo 127. Atualmente, com a modificação da legislação que limita em 1/3 os dias remidos, a jurisprudência tem entendido como razoável e proporcional à perda limitada dos dias remidos, conforme explicitado a seguir:

AGRAVO EM EXECUÇÃO. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FALTA GRAVE. FUGA. ALTERAÇÃO DA DATA-BASE. PERDA DA REMISSÃO. O reconhecimento da prática de falta grave - fuga - acarreta a aplicação de consectários legais, dentre eles a perda proporcional da remissão e a regressão do regime prisional, com alteração da data-base para a obtenção de futuros benefícios, salvo para a concessão de livramento condicional, nos ditames da Súmula nº 441 do Superior tribunal de Justiça. A decretação da perda dos dias remidos é medida expressamente prevista pelo art. 127 da LEP. No entanto, em 30-06-2011, entrou em vigor a Lei nº 12.433/11, que deu nova redação ao supracitado dispositivo legal, restringindo em até 1/3 (um terço) a perda do tempo remido pelo apenado. Assim, considerando os vetores oferecidos pelo art. 57 da LEP, a decretação da perda de 1/3 (um terço) dos dias remidos é justa e proporcional para o caso em tela. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo Nº 70044578359, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em 17/11/2011).

Apesar do atual entendimento dos tribunais superiores acerca do assunto, ainda é real a insegurança jurídica em relação a tal instituto. Nesse sentido, as palavras do Desembargador Marco Antonio Bandeira Scapini em seu voto proferido no Acórdão Nº 70008440521:

A sanção prevista no art. 127, da Lei de Execuções Penais – perda dos dias remidos pelo cometimento de falta grave – do meu ponto de vista – se traduz em mais uma irracionalidade e perversão do ordenamento jurídico, bem ilustradas pelo Juiz carioca Sérgio Mazina Martins:

‘Um mínimo de experiência jurisdicional com o tema basta para sensibilizar a dificuldade que representa, para a pessoa presa, alcançar a remição de pena pelo trabalho. Nossa sempre calamitosa realidade prisional hoje não enseja práticas laboterápicas tais como aquelas comumente cogitadas e, sequer, revestidas com a qualidade de trabalho minimamente remunerado e, muito menos, voltadas ao desenvolvimento de aptidões profissionalizantes idôneas. Antes, inicia-se para a pessoa presa a luta para conquistar um espaço nas vagas de trabalho do estabelecimento, nem sempre disponíveis para todos, pese embora o esforço verdadeiramente digno de muitas Diretorias para criar estes valiosos postos, com meios quase nulos. Não raramente nos deparamos com casos de pessoas presas que esperaram anos para obter uma vaga de trabalho no estabelecimento onde estão recolhidas, sem que se lhe possa imputar um centímetro de responsabilidade por essa abstinência. Finalmente obtida a almejada vaga, passa-se ao enfrentamento de uma rotina degradante: semanas, meses, anos na montagem de dezenas e dezenas de milhares de pregadores de roupas; no bordar de centenas de panos de prato, na costura de centenas e centenas de bolas de couro, repetidamente, maniqueistamente, na indeferenciada automação das mãos, da própria Vida, na mesmice do tempo. Ademais, a maratona de obter remição judicial de dias de pena, através de procedimentos burocráticos que se arrastam indefinidamente. Obtida afinal a remição, sobrevém então a falta: um fato, um momento, um instante mais grave (ou gravíssimo: a lei não diferencia) e perde-se tudo: semanas, meses, anos de espera, de paciência, de submissão a um mundo cristalizado. Perde-se às vezes uma dúzia de dias; quem sabe centenas; outras vezes, perde-se quantidades que raiam o milhar de dias, como tão comumente se viu em julgados de todo o País.’ (MARTINS, Sérgio Mazina, “Execução Penal, Jurisprudência Organizada e Comentada”, parte II, publicado pela Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 20, p. 482).’

O referido julgador julga com base na incompatibilidade da Lei de Execução Penal, com os preceitos racionais e humanizantes orientadores da pena privativa de liberdade e do Direito Penal. A LEP, em seus comandos específicos, choca-se com os princípios da proporcionalidade e da individualização da pena.

Embora se fale na missão ressocializadora da pena, a própria sociedade pressiona para que a realidade penitenciária seja somente um meio de isolamento, onde as possibilidades de conseguir uma autêntica reintegração social são praticamente inexistentes (BITENCOURT, 2001, p 93).

Scapini (texto digital, Acórdão nº 7000844052, 2004) critica a maneira como o artigo 127 da LEP afronta a proporcionalidade, pois a perda da remição atinge o sujeito que mais trabalhou e ostenta um histórico carcerário enriquecido de dias remidos. Trata-se, pois, de uma completa inversão de valores, uma vez que o apenado que mais trabalhou tem a punição exacerbada; independentemente de ter cometido falta junto com outro, sofre maior prejuízo por ter trabalhado mais.

O desembargador ora mencionado entende que o artigo 127 da LEP, apesar de vigente, é inválido, tendo em vista a incompatibilidade da norma com os princípios e valores éticos orientadores do ordenamento infraconstitucional. A remição tem o caráter de tempo cumprido de pena. Decretar a perda ou impedir que se efetive implica revogar a pena extinta pelo cumprimento.

Nas palavras de Zimmermann (2002, p. 159):

[...] Sob o ponto de vista normativo, a Constituição representa o escalão mais elevado do sistema piramidal de hierarquização das normas jurídicas estatais. Em outras palavras, a Constituição seria um conjunto de normas superiores, que determina a criação de todas as demais regras que fazem parte do ordenamento jurídico estatal. Conforme postula Kelsen, a ordem jurídica estatal não é um sistema de normas coordenadas entre si, que se acham num mesmo nível, mas sob uma hierarquia onde a unidade dessas normas é constituída pelo fato de que a criação de uma norma é determinada por outra.

A perda dos dias remidos face ao reconhecimento de uma falta grave desestimula o condenado, pois não se faz justiça ao esforço já empregado. Melhor seria se fosse aplicada somente uma sanção disciplinar, compatível com o ato da falta disciplinar de natureza administrativa, evitando punir de maneira injusta e desproporcional, incompatível com a Constituição Federal.

Por mais que se pretenda que a pena privativa de liberdade deva preparar o sujeito para a vida livre, o certo é que propicia a formação de uma sociedade antinatural, na qual o sujeito carece das motivações da sociedade livre, surgindo outras, rudes e primitivas, que costumam persistir após a recuperação da liberdade, e, que ao entrar em conflito com a sociedade livre, têm a oportunidade de manifestar-se, (ZAFFARONI; PIERENGELI, 2002, p. 790).

Apesar de a pena ser um mal necessário, o Estado, ao fazer valer seu poder de punir, deve propiciar condições mínimas de dignidade à pessoa humana. O erro do ora apenado ao praticar a conduta delituosa não faculta ao Estado cometer outro erro. A função da pena é a ressocialização do condenado (GRECO, 2013).

No sentido etimológico da palavra, constituição diz respeito ao modo como se constitui um ser humano, um agrupamento de pessoas ou mesmo uma organização, passando pelo ato de constituir e pelo conjunto de normas que regulam uma instituição qualquer, vindo a atingir Lei Maior do Estado. A palavra princípios, também no sentido etimológico, tem vários significados, relacionados ao que tem origem, preceito, regra ou lei. São valores eleitos pelo constituinte, inseridos na Carta Magna, a fim de configurar os alicerces e a unidade do sistema normativo, para que as interpretações dos preceitos jurídicos se façam de modo coerente (GRECO, 2013).

Nas palavras de Greco (2013, p. 58):

De tudo o que foi dito, extrai-se a importante missão que os princípios constitucionais possuem: dar uniformidade ao sistema jurídico, cuja norma máxima é a Constituição, permitindo que a interpretação e a integração dos preceitos jurídicos sejam feitas de modo a dar coerência ao sistema normativo. Não se poderia, portanto, conceber que uma lei infraconstitucional ofendesse diretamente o princípio constitucional [...].

Não bastasse o direito adquirido estar expressamente protegido dentro da Constituição Federal, ele está inserido no rol dos direitos fundamentais.

Os direitos e garantias fundamentais necessitam de respeito eficaz, por serem responsáveis pela regerência da sociedade, (GRECO, 2013).

A partir do momento em que a Lei de Execução relativiza demasiadamente tal princípio em prol de uma sanção administrativa ao condenado, está ferindo bruscamente um direito fundamental protegido pela Constituição Federal.

O presente estudo não se ocupou em discutir a falta cometida pelo preso, nem as circunstâncias do delito, ou seja, não se entra no mérito da conduta específica do apenado. Visa-se a questionar a atitude do Estado como ente maior,ao valer-se de uma norma infraconstituicional, que demasia a punição ao preso infrator, estabelecendo uma linha de direito penal máximo, apesar de, na hora da contraprestação, apresentar um sistema que, por si só, lamentavelmente, já fere inúmeros outros direitos fundamentais.

Frente aos inúmeros motivos ora analisados, é possível concluir que há incompatibilidade entre o artigo 127 da LEP, que autoriza a perda dos dias remidos, com inúmeros princípios constitucionais basilares de nosso sistema jurídico. Neste caso, pode-se destacar o princípio do direito adquirido: ele trabalhou, ele conquistou; o que acontece posteriormente jamais poderia interferir em algo que já se materializou, já produziu efeitos.


Ou seja, a perda dos dias remidos, trabalhados, como sanção administrativa, fere vários princípios constitucionais. Nota-se que a pena é privativa de liberdade, e não de dignidade, respeito, entre outros direitos inerentes à pessoa humana, como o direito adquirido, a individualização e humanização da pena, (SHECAIRA; JUNIOR, 1995).

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo surge da problematização, do questionamento de um direito constitucional não cumprido em favor de uma classe invisível e esquecida pela sociedade e, principalmente, pelo Poder Público. Trata-se do direito do apenado de ter o tempo da pena reduzido em função do trabalho e/ou do estudo.

A sociedade brasileira, do lado de cá das grades, de um modo geral, é omissa e alienada em relação à vida dentro das prisões, às condições em que se encontra a maioria dos presídios brasileiros, o que, por si só, justifica a importância da discussão do tema, que trata de pessoas, de seres humanos que vivem à margem de outros seres humanos, que, talvez, pelas mesmas razões, também poderiam estar no lugar destes marginalizados, que inspiraram este artigo.

O enfoque dado ao trabalho é o instituto da remição da pena, que consiste no reconhecimento do trabalho e/ou estudo do apenado como fonte de diminuição do tempo de pena por ele a ser cumprido.

Tal instituto, apesar da relevância para a ressocialização do apenado, que pode sair da prisão inclusive com uma profissão, gera grande polêmica, à medida que a Lei de Execução Penal autoriza a subtração deste direito em caso de cometimento de falta disciplinar de natureza grave.

Com efeito, o artigo 126 da LEP, ao prever o instituto da remição, a ser reconhecido e homologado pelo juízo da execução, ouvido o Ministério Público e a defesa, passa a falsa percepção de que este direito é uma conquista do preso, devendo a remição ser descontada da pena total.

Contudo, o artigo 127 possibilita a perda dos dias já remidos, ou seja, já trabalhados e/ou estudados, em caso de cometimento de uma falta disciplinar de natureza grave.

Assim, o presente estudo buscou analisar até que ponto a Lei de Execução Penal interfere nos princípios constitucionais garantidos ao apenado, destacando-se o direito adquirido.

Inúmeras são as desvantagens do apenado em relação à aplicação do instituto em comento. É fato comum nas prisões brasileiras o condenado ter direito ao livramento condicional, antes de progredir o regime prisional, porque a Súmula 441, do Superior Tribunal de Justiça, reconhece que a falta grave não interrompe o prazo para a obtenção do livramento condicional.

Na prática, ocorre que o condenado está cumprindo a pena e trabalhando como forma de diminuição do tempo carcerário, quando comete falta grave; se estiver no regime fechado, perde até um 1/3 dos dias que já contava como pena cumprida; contudo, o prazo para o livramento condicional corre livremente. Nesse sentido, pode obter prazo para o livramento condicional antes mesmo de ter progredido de regime, ou seja, do presídio, diretamente para a rua.

Injustiça maior ocorre quando dois apenados cometem juntos, uma falta grave. Nestes casos, é flagrante a desigualdade, pois aquele que trabalhava, além de outras implicações geradas pelo reconhecimento da falta grave, sente-se mais atingido por perder os dias que já havia trabalhado e conquistado, enquanto o condenado que cumpriu pena na ociosidade tem o mesmo tratamento.

Além das probabilidades ora mencionadas, a retirada dos dias remidos desrespeita frontalmente os direitos adquiridos do condenado; se ele trabalhou, merece a conquista. Trata-se de afronta a um princípio constitucional de status fundamental; a relativização, conforme demonstrado, desestrutura os pilares da legislação atual por afrontar à Constituição Federal. A remição é direito do preso antes do cometimento da falta grave; portanto, o artigo 127 da LEP não merece recepção constitucional.

A Lei de Execução Penal estabelece os direitos e deveres do preso, bem como assistência ao condenado, além da necessidade de observância dos princípios básicos inerentes à pessoa humana: contudo, a contraprestação do Estado deixa a desejar e muito no que diz respeito aos presídios brasileiros, muitos deles superlotados, sem condições mínimas de higiene. Com total afronta à dignidade da pessoa humana, e, apesar de toda ausência do Estado, este soube impor regras que ultrapassam os limites carcerários.

Diante de todo exposto, a perda dos dias remidos, de forma inconsequente, gera perdas ao apenado. Assim, apesar de tratar-se de legislação vigente no país, o artigo 127 da Lei de Execução Penal não atinge o fim proposto de observação à Constituição Federal, por ferir um direito adquirido do apenado.

Conclui-se, então, que há claras evidências de inconstitucionalidade da norma que possibilita a perda dos dias remidos em caso de cometimento de falta grave, o que afronta o direito adquirido do reeducando, direito este, garantido constitucionalmente. Além do mais, a maneira como a sanção administrativa ultrapassa sua esfera e atinge diretamente a sanção penal do apenado, obrigando-o a cumprir novamente o período por ele anteriormente adquirido não merece guarida no ordenamento jurídico vigente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

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