A POSSIBILIDADE DA RELATIVIZAÇÃO DA IMPENHORABILIDADE ABSOLUTA DOS BENS ELENCADOS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

 

 

João Vitor Fogolin[1]

Douglas Alexandre Pinheiro Bezerra Pereira[2]

 

RESUMO

Trata-se da pesquisa crítica e conceitual que tem como objeto a possibilidade de relativização da impenhorabilidade absoluta dos bens do devedor elencados no Código de Processo Civil à luz princípios basilares do processo de execução, quais sejam, o princípio da efetividade, do melhor interesse do credor e da menor onerosidade. 

 

PALAVRAS-CHAVE

Execução. Impenhorabilidade Absoluta. Princípio da Razoabilidade.

 

INTRODUÇÃO

Abordaremos neste trabalho a análise crítica e conceitual das impenhorabilidades absolutas dos bens do executado, e da possibilidade de relativização desta regra em face dos princípios orientadores do processo de execução.

O primeiro tópico irá tratar acerca da tutela jurisdicional executiva como forma de fazer atuar a norma jurídica concreta, assim como conceituar alguns princípios que a orienta. No segundo ponto, apresentar-se-á os elementos que compõe a penhora no CPC e abordará a impenhorabilidade prevista neste diploma legal. Por fim, no ultimo tópico, será analisada a questão da relativização da impenhorabilidade absoluta dos bens do executado.

 

1  TUTELA JURISDICIONAL EXECUTIVA

 

Na clássica obra Teoria Geral do Processo, Antonio Carlos de Araujo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco conceituam jurisdição como “uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça” (CINTRA. et al. 2004, p. 139). É, pois a jurisdição, poder-dever estatal consistente na pacificação jurídica de conflitos, de forma imparcial, através da responsabilidade de “dizer” o direito material aplicável ao caso concreto (jus dicere). São desta feita, a noção de substitutividade e de justa pacificação, inerentes ao conceito de jurisdição.

A tutela jurisdicional, proveniente do exercício da função jurisdicional do Estado, é meio de proteção voltada ao sujeito que, afirmando possuir em face de outrem, uma relação jurídica de vantagem a deduz em juízo (CÂMARA, 2008. p. 81). Essa relação jurídica de vantagem é proveniente de uma relação jurídica substancial de direito material, aqui residindo à finalidade precípua da jurisdição. Busca-se a atuação concreta do direito objetivo esculpido na norma material.

A tutela jurisdicional executiva liga-se, sem dúvida, à necessidade de fazer acontecer no mundo material o preceito jurídico determinado no direito objetivo que não fora efetivado de forma espontânea pelo sujeito passivo da relação, em obediência do princípio da efetividade inerente a este procedimento. Afirma o mestre Barbosa Moreira que “enquanto o processo de conhecimento visa em substância à formulação, na sentença definitiva, da regra jurídica concreta que deve disciplinar a atuação litigiosa, outra é a finalidade do processo de execução, a saber, atuar praticamente aquela norma jurídica concreta” (MOREIRA, 2005. p. 185). No processo de conhecimento a tutela jurisdicional é eminentemente intelectual, enquanto na tutela executiva, eminentemente material.

Dessa forma, existe no processo de execução o princípio do melhor interesse do credor, positivado no art. 612 do CPC, o qual prevê que a execução se realizará no melhor interesse do credor, justamente para fazer atuar a norma jurídica concreta de forma plena. (NEGRÃO, 2011, p. 790).

Cabe frisar, ainda, que o princípio supracitado não deve ser aplicado de forma absoluta, tendo em vista, a aplicação, nas demandas executivas, do princípio da menor onerosidade da execução, presente no art. 620 do CPC, o qual aduz: “quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo meio menos gravoso para o devedor".

2 PENHORA EXECUTIVA: A IMPENHORABILIDADE RELATIVA E ABSOLUTA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Ao se fazer necessária a tutela executiva o Estado, utilizando-se dos meios necessários, invade o patrimônio do devedor, buscando o adimplemento forçado da obrigação, portanto a realização material do direito prestacional. Um desses meios consiste na apreensão de bens do devedor ou de terceiros quando este de alguma forma tiver também, responsabilidade patrimonial, para, de forma direta ou indireta, satisfazer o crédito pleiteado (MOREIRA, 2005. p. 225). Assim, é que, nas execuções de entrega de quantia certa e nas de entrega de coisa poderá o Estado, por suas forças, invadir o patrimônio alheio.

Discute-se em doutrina a natureza jurídica da penhora. Uma primeira corrente alega que a natureza da penhora é essencialmente cautelar, visando esta a conservação do interesse em litígio. Humberto Theodoro Jr. rechaça tal corrente, afirmando que a penhora não é um instrumento eventual voltado à proteção de um processo principal, como as demais medidas cautelares, mas fase necessária no processo executivo de expropriação (THEODORO JR, 2009. p. 266).

Por força do até aqui exposto é fácil perceber que a penhora recaíra sobre os bens daquele, que por força da responsabilidade patrimonial, está sujeito aos atos de execução. Portanto, a penhora possui como objeto os bens do patrimônio do devedor ou de terceiro responsável. Entretanto, o nosso ordenamento jurídico, por diversos motivos, acaba por excluir da incidência da responsabilidade patrimonial, certos bens, fazendo nascer à impenhorabilidade.

A impenhorabilidade de certos bens é uma restrição ao direito fundamental à tutela executiva. É técnica processual que limita a atividade executiva e que se justifica como meio de proteção de alguns bens jurídicos relevantes, como a dignidade do executado, o direito ao patrimônio mínimo e a função social da empresa. São regras que compõem o devido processo legal, servindo como limitações políticas à execução forçada. (grifos do autor) (DIDIER JR. et al. 2011. p. 547.)

No Código de Processo Civil a impenhorabilidade será de duas ordens distintas: relativa e absoluta. Há ainda, conforme aponta a doutrina, um terceiro gênero de impenhorabilidade, a do bem de residência (CÂMARA, 2009. p. 272), entretanto, como a sua determinação legal encontra-se fora do Código de Processo Civil esta não será aqui tratada.

Os bens relativamente impenhoráveis são àqueles que serão passíveis de expropriação somente diante da ausência de outros bens penhoráveis (CÂMARA, 2009. p. 278). Por força do art. 650 do Código de Processo Civil, o nosso ordenamento jurídico prevê apenas uma hipótese de impenhorabilidade relativa, são relativamente impenhoráveis: “os frutos e os rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados à satisfação de prestação alimentícia”. Portanto, se não destinados a satisfação de crédito alimentar, serão relativamente impenhoráveis, os frutos e os rendimentos dos bens inalienáveis. Oportuna, entretanto, é a observação feita por Câmara de que se estes frutos e rendimentos forem gravados por cláusula de inalienabilidade, tornar-se-ão, absolutamente impenhoráveis (CÂMARA, 2009. p. 278).

Os bens absolutamente impenhoráveis são àqueles que, em nenhuma hipótese, serão passiveis de expropriação pelo Estado (CÂMARA, 2009. p. 272). Os bens absolutamente impenhoráveis estão elencados no art. 649 do Código de Processo Civil.

 

 

3   DA RELATIVIZAÇÃO DA IMPENHORABILIDADE ABSOLUTA DOS BENS INSCRITOS NO CPC COMO FORMA DE ATINGIR A FINALIDADE DO PROCESSO EXECUTIVO

                  Conforme fora abordado, o processo de execução busca a solução de uma crise de inadimplemento através de meios aptos a garantir uma maior efetividade da atividade jurisdicional na satisfação do crédito exequendo. Neste diapasão, deve-se sempre sopesar a efetividade da execução com a menor onerosidade possível ao executado, para que haja não haja abusos e desproporcionalidade na atuação do Poder Público.

Alcançar este ponto de equilíbrio, no entanto, se torna uma tarefa árdua de se realizar sob o prisma dogmático, posto que é impossível abarcar todas as hipóteses possíveis de execução dos bens do devedor de forma a prever qual a maneira mais adequada a ser utilizada no caso concreto.

Assim, no momento em que o legislador cria um rol de bens que não são passíveis de execução, a efetividade desta tutela jurisdicional encontra-se em xeque, pois não há margem para que o juiz sopese, em alguns casos, a urgência na satisfação de determinado crédito exequente. Caberia, pois, analisar tal norma sob o prisma da razoabilidade e proporcionalidade.

O princípio da razoabilidade, na definição da doutrina mais moderna, consiste em um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para estimar se estes atos estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: “a justiça”.

Segundo as lições de Humberto Ávila (2008, P.152), a razoabilidade pode ser definida "como  diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral".

                  Esta definição supramencionada apenas evidencia o prestígio de que desfruta o princípio da razoabilidade nos ordenamentos jurídicos modernos, sendo de basilar seriedade a sua aplicação para as situações em que existe manifesta discordância entre os fins almejados pelo Estado e os meios por ele empregados para tal.

Robert Alexy (apud VASCONCELLOS, 2009, p.18) discorre que para a aferição da razoabilidade nos casos em que há um conflito de normas, deve-se utilizar da máxima da proporcionalidade, da qual dois dos critérios a serem observados são a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Aferir a necessidade de se impedir um ato de constrição dos bens do devedor é verificar se tal medida alcança a sua finalidade de forma integral.

Dessa forma, em sendo concebível que a impossibilidade de se penhorar determinado bem do executado poderá prejudicar a subsistência do exequente, como no caso dos créditos de natureza alimentar, a intenção do legislador em proteger o patrimônio do devedor de forma absoluta, em obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana, terminou por feri-lo, já que o exequente estaria desamparado diante desta situação.

O doutrinador leciona ainda que, superada análise desta requisito, deverá o operador do direito verificar a ocorrência do segundo requisito, qual seja, a proporcionalidade em sentido estrito, que é a justificativa do ato, de maneira especial quando se abordar uma norma restritiva de direitos, que no presente caso é a restrição do direito do credor de satisfazer o crédito que lhe é devido. (Idem, p. 20)

Nesta senda, afirma Maurício Maidame (apud MATOS, 2010):

Por isso, propõe-se que o juiz possa, em certos casos, ultrapassar as barreiras rígidas da impenhorabilidade, desde que respeite o núcleo essencial dos direitos do devedor. A proteção dos interesses do credor encontra fundamentação no catálogo de direitos fundamentais(fundamentação forte) e, por isso, mantendo-se a dignidade do devedor, propõe-se a penhorabilidade de parcela da remuneração, de parcela da residência e, em casos muito restritos, a penhora de bens públicos – o que não viola em absoluto a segurança jurídica, posto que também estão no sistema a garantia de tutela jurisdicional efetiva, a propriedade do credor e os deveres fundamentais da pessoa para com as outras da comunidade. O sistema de garantias fundamentais é “via de mão dupla”, e o legislador, ao contemplar soluções que protegem somente o devedor, viola a igualdade, atraindo a “pretensão de consideração”, o que permite, no caso concreto, o ajuste da ordem jurídica pelo magistrado

                   Portanto, é possível que haja uma relativização da impenhorabilidade absoluta dos bens do devedor, para que, no caso concreto, seja aferida a urgência na satisfação de determinado crédito que excepcione a previsão legal da impenhorabilidade.

    

CONCLUSÃO

A tutela jurisdicional executiva liga-se à necessidade de fazer acontecer no mundo material o preceito jurídico determinado no direito objetivo que não fora efetivado de forma espontânea pelo sujeito passivo da relação, em obediência do princípio da efetividade inerente a este procedimento.

Dessa forma, em sendo concebível que a impossibilidade de se penhorar determinado bem do executado poderá prejudicar a subsistência do exequente, como no caso dos créditos de natureza alimentar, a intenção do legislador em proteger o patrimônio do devedor de forma absoluta, em obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana, terminou por feri-lo, já que o exequente estaria desamparado diante desta situação.

Por isso, verifica-se a possibilidade da relativização da impenhorabilidade absoluta dos bens do devedor nos casos em que a constrição do patrimônio do executado se mostrar razoável ante a necessidade existente, como na satisfação dos créditos de natureza alimentar.

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

VASCONCELLOS, Helio Gualberto. A colisão de direitos fundamentais e a máxima da proporcionalidade. Disponível em: < http://www.fdv.br/mestrado/dissertacoes/Helio%20Gualberto%20Vasconcelos.pdf> Acesso em: 23 de julho de 2013.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 7.ed. Malheiros Editores. São Paulo. 2007

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. vol. I. 18 ed. rev. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

________________________. Lições de Direito Processual Civil. vol. II. 17 ed. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. et al. Teoria Geral do Processo. 21 ed. rev. atual.  São Paulo: Malheiros, 2004.

DIDIER JR., Fredie, CUNHA, Leonardo Carneiro da. et. al. Curso de Direito Processual Civil. vol. V. 3 ed. Salvador: JusPODIVM, 2011.

MATTOS, Marcelo Menezes. Bens impenhoráveis e melhor interesse do credor. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9341> Acesso em 24 de julho de 2013.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro (exposição sistemática do procedimento). 23 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação em vigor. 43 ed. atual e reform. São Paulo, 2011.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. vol. II. 44 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.



[1]Acadêmico do 10º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[2] Acadêmico do 10º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco. [email protected].