POLÊMICA FEIJOADA

A feijoada é o prato da preferência nacional, não importa a classe social, a origem, a cor, a idade. Todos apreciam uma feijoada. Bem quase todos. Eu mesmo não sou um fã ardoroso do cozido de feijão com paio, linguiça, carne, toucinho, pé, joelho e outras partes do suíno, um mamífero parente do javali europeu que o nosso herói gaulês, Asterix e seu inseparável companheiro Obelix, preferiam assado na brasa.

Para harmonizar uma feijoada os brasileiros preferem a indispensável cerveja bem gelada, mas há controvérsias. Um amigo somelier prova, com bons argumentos, que o melhor acompanhamento para a feijoada, um prato de sabores fortes, é um bom Cabernet Sauvignon. A cerveja fermenta no estômago e deixa o comensal estufado, segundo ele. Mas há também aqueles que não dispensam uma caipirinha antes e durante a orgia gastronômica.

A origem da feijoada gera muita discussão. Meu querido amigo, o maestro Orlando Marcus Mancini, teimoso como ele só, diz que foram os escravos africanos que inventaram a feijoada durante os trezentos anos de escravidão, pois os senhores de engenho jogavam fora as partes menos nobres dos suínos abatidos e os escravos jogavam em um caldeirão e cozinhavam com feijão.  Contra essa versão, a historiadora Mary Del Priori em seu belo livro Histórias da Gente Brasileira, diz que os senhores de engenho não gostavam de criar porcos porque ficavam muito selvagens. Gilberto Freyre, antropólogo e autor de Casa Grande e Senzala afirmava que os portugueses trouxeram o seu cozido de feijão com pedaços de carne de porco, paio, linguiça, pés etc e o adaptaram às condições dos trópicos. Logo se deduz que os senhores não deixavam nada para os escravos, que tinham que se contentar com a pouco nutritiva farinha de mandioca e algum calango ou outro bicho do mato que encontrassem.

Em verdade se comia muito mal no período colonial. Plantava-se muito pouco além da lucrativa cana de açúcar e, muitas vezes, faltava alimento para a subsistência dos próprios escravos. Em razão disso houve até um decreto de sua Majestade da metrópole portuguesa obrigando os fazendeiros a destinarem uma parte das terras e mão de obra para o plantio de alimentos para a subsistência , pois sem uma boa alimentação a produtividade dos engenhos caia, colocando em risco a economia colonial. Quem tinha dinheiro importava alimentos da metrópole, mas as condições de conservação eram péssimas e muitas vezes os suprimentos estragavam gerando problemas intestinais muito sérios.

Há também outra polêmica quanto ao estado natal da feijoada. Os cariocas afirmam que o Rio de Janeiro foi o berço dessa invenção da culinária, pois os escravos, depois da libertação em 1889, foram morar nos arredores da cidade maravilhosa trazendo essa iguaria a tira colo. Mas há aqueles que defendem que foi na Bahia que a feijoada ganhou as características atuais e depois levaram para o Rio de Janeiro.

Mas há um detalhe que muitos se esquecem. Há uma versão da feijoada em cada país com as suas peculiaridades. Na França, o cassolet é uma feijoada branca com carne de porco, frango, coelho, linguiça e outros adereços. Em Portugal, conforme já mencionei, é o cozido português muito parecido com a feijoada, mas com feijão branco. Enfim, em todos os lugares do mundo onde se consome feijão, alguém sempre vai lembrar-se de colocar alguma coisa junto para melhorar o poder nutriente e deixar o cozido mais saboroso. O historiador francês Le Pen, afirmou que o feijão salvou a Europa da fome. A leguminosa, descoberta nas Américas foi levada e cultivada em solo europeu gerando fartura e melhorando a qualidade nutritiva da alimentação das classes menos favorecidas.

Polêmicas a parte, o feijão cozido com pedaços de porco, sejam de onde for, linguiça, paio e toucinho, acompanhado com molho de pimenta, couve refogada, farofa e arroz branco agrada a grande maioria dos brasileiros, seja no almoço ou no jantar, com cerveja gelada, caipirinha e até com vinho é comida para ninguém botar defeito.