A NOVA ORDEM PÓS EC Nº. 66/2010 E OS REFLEXOS NA EXTINÇÃO DO CASAMENTO

Mathias Thomas

As relações familiares, especialmente aquelas decorrentes do vínculo afetivo de um casal, estão cada vez mais frágeis, repercutindo nas relações humanas, em virtude do número crescente de relacionamentos superficiais e que vislumbram mais a sexualidade do que o affectio maritalis.
Tais circunstâncias levam à insegurança no casamento, facilitando a quebra do vínculo afetivo e da lealdade conjugal, o que torna cada vez mais provável a dissolução matrimonial.
Inclusive o IBGE, em pesquisa realizada em 2007, revela que para cada quatro casamentos é confirmado um divórcio. A pesquisa ainda revelou que, em relação a natureza das separações, em 2007 , 75,9% foram consensuais, enquanto 24,1% não-consensuais. Porém, no período de 1997 a 2007, houve uma queda de 5,9% nas separações consensuais. Em contrapartida, as dissoluções não-consensuais saltaram de 16.411 em 1997, para 24.960 em 2007. (Fonte: Disponível em http://www.nominuto.com/noticias/cidades/ibge-registra-aumento-no-numero-de-casamentos-e-de-divorcios/24833/. Acesso em 08/07/2011).
Neste sentido, Silva (2011) diz que o comportamento do ser humano destituído de vínculos fica submerso em ambientes que fazem desmembrar os pilares sociais, dentre eles a família, e explica:
A ilusória idéia de que está conectado de forma intensa a tantos outros seres igualmente ilhados permite que o impacto do isolamento em nível familiar seja amenizado, ou melhor, "não sentido", até que se perpetue a subversão do que outrora se convencionou constituir uma Família. (Silva, 2011, p. 11).

Para a autora deve o casal preservar uma vivência responsável, com deveres mútuos e responsabilidades, em um ambiente no qual ambos os cônjuges possam ser plenamente felizes.
Assim, antes da EC nº. 66/2010, haviam requisitos para que o casal pudesse buscar, na via judicial ou extrajudicial, o divórcio, dentre eles a condição do tempo de separação do casal.
Por mandamento constitucional, era obrigatória a existência da separação judicial para que houvesse a dissolução do casamento. Para Carvalho (2010), o objetivo era dificultar o divórcio da forma direta, permitindo uma reconciliação do casal ou um amadurecimento da decisão destes.
Todavia, a realidade fática demonstrava o inverso:
[...] as reconciliações entre separados judicialmente foram raras e o desgaste emocional e financeiro com duas ações judiciais era desnecessário, não existindo sentido algum a manutenção de um sistema binário para dissolver o vínculo conjugal. [...] ressaltam que não existe justificativa lógica em manter o caráter dualista para dissolver o casamento. (Carvalho, 2010, p. 13-14).

Por isso, a alteração constitucional efetivada pela promulgação da EC n. 66/2010, que alterou o § 6º do artigo 226 da CF/88, consolidou um entendimento de que, a partir de sua promulgação, não há mais requisito temporal para o divórcio e a extinção do vínculo conjugal.
Sant?Anna (2010, p. 49) diz que com a a promulgação da EC n. 66/2010, extinguiu-se o requisito temporal exigido para a realização do divórcio e também a existência da separação judicial ou de fato, ou seja, "os cônjuges podem requerer o divórcio, a qualquer tempo, até mesmo um dia após o casamento, basta que expressem esse ato de vontade".
Registre-se que, embora a EC n. 66/2010 tenha suprimido alguns requisitos para o divórcio, tal como os prazos de separações, judicial ou de fato, alguns doutrinadores defendem que isto não significa que tenha revogado as demais leis infraconstitucionais, tais como a Lei 6.515/77 e os próprios artigos do Código Civil sobre o tema.
Rodrigues (2011) entende que a EC n. 66/2010 prescreveu que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio não mais havendo necessidade da separação prévia e nem decurso de tempo algum e, com isso, o instituto da separação, judicial ou extrajudicial, deixa de existir, por ser irrazoável ou não receptivo a sua constitucional manutenção.
Dias (2010, p. 52) entende que "o aspecto mais significativo da mudança de paradigmas gerada pelo fim da separação foi acabar com a injustificável interferência do Estado na vida dos cidadãos". E complementa dizendo que "advogar a tese da permanência da separação no direito brasileiro é também querer fomentar discussão acerca de quem é o culpado pela desunião".Para Dias (2010), a questão da culpa, prevista no artigo 1.573 do CC, passa a ser infundada, diante do novo divórcio.
Destaca a autora que "o fim da separação judicial não justifica o temor que tem assustado alguns. Não vai acabar com a família, não a fragiliza nem banaliza o seu fim" (Dias, 2010, p. 119).Para Dias (2010), a EC nº. 66/2010 não traz prejuízo a família; do contrário, permite que seus membros possam ser felizes, independentemente de culpa.
Sant?Anna (2010), cita em sua obra o artigo da Ex Desembargadora e atual vice presidente do IBDFAM (Instituto Brasileiro do Direito de Família), Maria Berenice Dias, para quem a redação anterior do § 6º do art. 226 da CF/88 dizia que o casamento civil poderia ser dissolvido pelo divórcio, com restrições impostas pelo Estado, quais sejam: ter ocorrido a separação judicial há mais de um ano, e/ou estarem os cônjuges separados de fato há pelo menos dois anos.
Logo, ao ser excluída a parte final do trecho do parágrafo 6º do art. 226 da CF/88, desapareceram as restrições antes exigidas e, portanto, com a promulgação da EC nº 66/2010, a única ação dissolutória do casamento é o divórcio.
De acordo com a ex desembargadora "como foi mantido o verbo "pode" há quem sustente que não desapareceu o instituto da separação, persistindo a possibilidade de os cônjuges buscarem sua concessão pelo só fato de continuar na lei civil dispositivos regulando a separação" (Dias, in Sant?Anna, 2010, p. 28). Pereira (2010) ao refletir sobre o divórcio previsto na forma constitucional pela emenda em estudo traduz a expansão da liberdade do ser humano e a prioridade da escolha amorosa da pessoa e discorre sobre a história do divórcio no Brasil:
Na primeira década seguinte, a lei do divórcio sofreu várias modificações "liberalizantes", diminuindo prazos e facilitando a dissolução do casamento. Trinta e três anos depois a Emenda Constitucional nº 66/2010 tirou as amarras do divórcio, demonstrando o amadurecimento da sociedade brasileira e reafirmando a opção republicana laica. A vitória do princípio da liberdade sobre o princípio da indissolubilidade do casamento em 1977, e a Emenda Constitucional nº 66/2010, que, dá nova redação ao artigo 226, § 6º, da Constituição da República de 1988, significam a implementação do princípio da menor intervenção estatal, que traz consigo o importante reconhecimento de que as pessoas são responsáveis e devem se responsabilizar por suas escolhas amorosas. (Pereira, 2010, p. 24).

Silva (2011) discorda quanto às questões da eliminação da culpa no divórcio e da interferência do estado nas relações familiares. Sobre este segundo ponto, o autor entende que:
Ainda que se possa ver hoje uma tendência à diminuição da tutela do Estado, como resposta aos regimes intervencionistas, não se pode abandonar a conquista que foi a tutela especial do Estado para com a instituição da família, merecedora de maior cuidado e proteção.
[...] Ou seja, a diminuição da tutela estatal, apontada no relatório da PEC n. 28/2009, não pode atingir os direitos fundamentais ou direitos da personalidade dos membros de uma família, que devem ser protegidos de forma especial pelo Estado. (Silva, 2011, p. 72-73).

Para Sant?Anna (2010) é importante lembrar que as normas processuais preveem o procedimento para a separação judicial e deve-se entender que não houve expressa revogação destes artigos. Para ela, no lugar de ?separação consensual?, por exemplo, deve-se ler ?divórcio consensual?, razão pela qual os artigos 1.120 a 1.124-A do Código de Processo Civil permanecem vigentes.
Continua explicando que o legislador impunha um pressuposto temporal que não existe mais e, portanto, as leis ainda vigem, enquanto outra lei não as revogá-las expressamente. É interessante destacar o esquema de Sant?Anna (2010) quanto aos artigos das leis que permanecem em vigor ou não, para a autora:
Se atentarmos para a intenção do legislador quando da redação dessas leis, qual seja, a existência do requisito temporal para a efetivação do divórcio, e a sua inexistência para o ordenamento atual, verificar-se-á que, por equidade, para vários artigos que mencionam a expressão "separação judicial" essa expressão pode ser substituída pelo termo "divórcio". (Sant?Anna, 2010, p. 59).

Finalmente, para Sant?Anna (2010), os artigos do CC que foram revogados ou parcialmente revogados pela EC nº. 66/2010 são: 27, inciso I, 1.571, inciso III e 1.580, valendo a transcrição dos mesmos:
Art. 27. Para o efeito previsto no artigo anterior, somente se consideram interessados:
I - o cônjuge não separado judicialmente;

Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:
[...]
III - pela separação judicial;

Art. 1.580. Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio.
§ 1o A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou.
§ 2o O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de dois anos. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm. Acesso em 23/05/2011).

Há ainda aqueles artigos que devem permanecer em vigor, alterando-se a expressão "separação judicial" para "divórcio": 1.578, 1.572, 1.573, 1.702 e 1.704, de acordo com a lição de Sant?Anna (2010).
Para Dias (2010), a Carta Magna oferece uma saída muito simples e fácil para quando o casal estiver na dúvida dobre divorciar ou não, eles podem ver-se livre dos vínculos do casamento e constituir uma nova união estável:
Tanto a mera separação de fato como a separação de corpos têm os mesmos efeitos da antiga separação judicial. Ambas rompem a sociedade conjugal, fazendo cessar os deveres de coabitação e fidelidade recíproca, bem como acabam o regime de bens, ensejando incomunicabilidade patrimonial. (Dias, 2010, p. 119).

Para Dias (2010), ambas as situações os cônjuges mantém o estado de casados e podem retomar ao casamento sem haver a necessidade de formalizar o restabelecimento da sociedade conjugal.
Considerando-se a exposição acima, conclui-se que permanece hígido o instituto da separação de fato e de corpos, extinguindo-se apenas a separação judicial ou a conversão desta em divórcio. Portanto, com a promulgação da EC nº 66/2010, as novas formas de dissolução da sociedade conjugal passam a ser: separação de fato ou de corpos e o divórcio.
Desta forma, atendem-se aos anseios do casal, quanto á dissolução do vínculo conjugal, pondo fim às discussões quanto aos motivos da falência do casamento que só tornavam o procedimento mais oneroso e irrazoável. Não há mais motivos para o conservadorismo histórico e às resistências religiosas ou morais, eis que prevalece o respeito à liberdade e à dignidade da pessoa humana, na busca da sua plena felicidade.

Referências:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm >. Acesso em: 18 out. 2010.
______. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 26 out. 2010.
CARVALHO, Dimas Messias de. Divórcio Judicial e Administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
CARVALHO NETO, Inácio de. Separação e divórcio: teoria e prática. 11. ed. Curitiba: Juruá, 2010.
DIAS, Maria Berenice. Divórcio já: comentários à Emenda Constitucional 66 de 13 de julho de 2010. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
PEREIRA, Rodrigo Cunha. Divórcio: teoria e prática. 2. ed. Rio de Janeiro: GZ, 2010.
RODRIGUES, Décio Luiz Jose. O novo divórcio conforme a recente Emenda Constitucional 66/10. Leme/SP: Imperium Editora e Distribuidora de Livros, 2011.
SANT?ANNA, Valéria Maria. Divórcio: teoria e prática: após a Emenda Constitucional nº. 66/2010 ? Bauru, SP: Edipro, 2010.
SCHAFER, Gilberto. A Emenda Constitucional n. 66 e o divórcio no Brasil. Disponível em: <www.colegionotarialrs.org.br>. Acesso em: 8 ago. 2010.
SILVA, Regina Beatriz Tavares. A emenda constitucional do divórcio. São Paulo: Saraiva: 2011.