A NOVA LEI DE FALÊNCIAS E A IMPORTÂNCIA DE REGIMES ESPECIAIS DE RECUPERAÇÃO PARA INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS EM CRISE.

Marina Godinho  e  Larissa Reis[1]

Humberto Oliveira[2]

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. As Inovações da Nova Lei de Falência. 3. A Nova Lei de Falência e a Crise das Instituições Financeiras 4.Intervenção Federal na Instituições Financeiras. 5.Considerações finais. 

 

RESUMO

O presente trabalho aborda a importância da nova lei de falências e as particularidades do processo de falência das instituições financeiras. As mudanças na lei falimentar visam a facilitação dos credores na recuperação dos seus direitos e a efetividade no saneamento das empresas em crise. É evidente que o sistema financeiro tem importância estratégica para a economia de qualquer país e, apesar do caráter privado de algumas instituições financeiras, o bom andamento, a estabilidade e a confiabilidade do sistema financeiro, envolvem interesse público da maior relevância, visto que as atividades financeiras integram-se à economia do País de forma estrutural, sofrendo sua influência e, sobretudo, influenciando-a amplamente.

 

 

Palavras-chave: falência; bancos; instituições financeiras; RAET.

 

01. Introdução

O desenvolvimento do sistema financeiro tem sido considerado um instrumento relevante para o processo de desenvolvimento econômico dado seu papel de intermediador financeiro e alocador de recursos escassos. Neste sentido, a importância do sistema financeiro não consiste somente no conjunto de serviços oferecidos pelas instituições financeiras para agilizar as transações comerciais e as tomadas de decisão no mercado financeiro. Sua relevância concentra-se, principalmente, no fato de estar intrinsecamente relacionado com o nível de atividade econômica ao realocar recursos entre agentes superavitários e deficitários através da concessão de crédito.

Portanto, de forma sintética, o objetivo do presente estudo é verificar a importância do sistema financeiro para o desenvolvimento econômico e analisar as inovações trazidas pela Nova Lei de Falência enquanto instrumento de recuperação e manutenção destas instituições.

                        As instituições financeiras privadas e as públicas não federais, assim como as cooperativas de crédito, estão sujeitas, nos termos desta Lei, à intervenção ou à liquidação extrajudicial, em ambos os casos efetuada e decretada pelo Banco Central do Brasil. Entretanto, como veremos a seguir, as atenções estão voltadas para o instituto de recuperação das empresas em crise. O direito falimentar brasileiro passa a incorporar regras destinadas a preservação das instituições

 

02. As inovações da nova Lei de Falências

Anteriormente a vigência da Nova Lei de Falência, os credores, possuidores de títulos de crédito de qualquer quantia, poderiam distribuir pedidos de falência como ferramenta de cobrança baseando-se no art. 11 do Decreto Lei n.º 7.661/45 (antiga Lei de Falências), o qual exigia apenas o protesto do título para caracterizar a impontualidade do devedor. Dessa forma, o credor podia ingressar com pedido de falência para realizar a cobrança de qualquer quantia, bastava apenas possuir o título de crédito e o comprovante de impontualidade representado pelo protesto do título, acarretando ainda a exposição do devedor, em virtude da publicação do nome da empresa devedora em jornais de grande circulação e consequentemente, com o conhecimento de outros credores temerosos em não receber seus créditos, novos pedidos de falência.(ULHÔA, 2011)

 Com a Nova Lei de Falência, tais medidas coercitivas de cobrança perdem força, visto que para a distribuição de pedido de falência é necessário que o valor da dívida em atraso seja superior ao mínimo exigido em lei de 40 salários-mínimos na data do pedido de falência, conforme art. 94, I.  Ocorreu então uma redução dos pedidos de falência, o que não representa que as empresas não estejam inadimplentes e sim, que os credores adequaram-se rapidamente a Nova Lei. (ULHOA, 2011)

As principais inovações da nova Lei de Falências são os institutos da recuperação judicial e extrajudicial, que têm por objetivo, segundo o artigo 47 da lei, viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. 

Na recuperação judicial, que será processada sob o controle do Poder Judiciário, a empresa deverá, dentre outros requisitos previstos no artigo 51 da nova norma, expor as causas concretas da sua situação patrimonial e as razões da crise econômico-financeira, além de apresentar a relação nominal completa dos credores. Estando em termos a documentação exigida na lei, o Juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, por consequência, nomeará administrador judicial e ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor. Com o deferimento do processamento da recuperação judicial pelo Juiz, a empresa deverá apresentar o plano de recuperação, que terá seus efeitos submetidos a todos os credores. 

O referido plano de recuperação deverá conter a discriminação dos meios de recuperação a ser empregado, a demonstração de sua viabilidade econômica e laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada. Contudo, se o plano de recuperação for rejeitado pela assembléia geral de credores, o juiz poderá decretar a falência do devedor. Cumpridas as obrigações vencidas no prazo de 2 (dois) anos da data da concessão, o juiz decretará por sentença o encerramento da recuperação judicial. (ULHÔA, 2011)

O devedor também poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial que, diferentemente do judicial, onde todos os credores são convocados e submetidos ao programa, o devedor poderá selecionar os credores que pretende incluir no plano de recuperação e somente estes ficarão sujeitos aos seus efeitos Este plano, todavia, não se aplica a titulares de créditos de natureza tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho. O pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial não acarretará suspensão de direitos, ações ou execuções, nem a impossibilidade do pedido de decretação de falência pelos credores não sujeitos ao plano de recuperação extrajudicial. O plano de recuperação extrajudicial será apresentado ao Juiz que, recebendo o pedido de homologação, ordenará a publicação de edital convocando todos os credores do devedor para apresentação de suas impugnações ao programa. Na hipótese de não homologação do plano o devedor poderá, cumpridas as formalidades, apresentar novo pedido de homologação de plano de recuperação extrajudicial.

Com relação às normas da falência, algumas alterações foram introduzidas pela nova lei. Uma das principais inovações é o fim da sucessão trabalhista e tributária pelo comprador da massa falida. Outra medida inovadora é a inversão da ordem de preferência no recebimento dos créditos: os créditos com garantia real passam a ter preferência em relação aos créditos tributários.

O prazo para a apresentação de defesa também foi alterado: de 24 horas, como era previsto anteriormente, para 10 dias. Durante esse período o empresário pode requerer a sua recuperação judicial. Por fim, destaca-se que a falência somente poderá ser requerida quando a dívida for superior a 40 (quarenta) salários mínimos. Entretanto, os credores poderão se reunir em litisconsórcio para perfazer esse limite.

 

3. A Nova Lei de Falência e a crise das Instituições Financeiras

A publicação da Lei nº 11.101/05 alterou completamente o sistema falimentar brasileiro. A nova lei trouxe a expectativa de recuperação da empresa e, portanto, da plenitude do exercício de sua função social, já consagrada pela Constituição Federal. Por outro lado, a nova norma, no seu artigo 2º, excetuou as instituições financeiras públicas ou privadas de sua aplicação, deixando para que a lei específica tratasse do tema.

Por sua vez, a Constituição dedicou um conjunto de dispositivos ao tema, vinculando, em seu art.192, o sistema financeiro nacional, a uma atuação capaz de promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, atribuindo à União um conjunto de competências legislativas, voltada para a atividade financeira, como se vê nos incisos VI, VII e XIX,do seu art. 22. Também cuidou a Constituição da própria atividade administrativa de controle , atribuindo à União a competência geral de fiscalizar e regular o sistema financeiro, como instrumento necessário para a implementação de políticas públicas mais gerais, como, e.g., monetárias, de crédito e de câmbio, tendo como seu maior agente nesse mister o Banco Central do Brasil – Bacen, como se observa dos arts. 21, VII, e 164, § 2º.

Celso Antonio Bandeira de Mello afirmou que:

“A própria Constituição entendeu de atribuir um regime especial para determinadas e específicas atividades econômicas, que, destarte, foram isoladas do regime pertinente à generalidade delas, porque a Lei Magna considerou-as merecedoras de tratamento peculiar, excepcional. É o que foi especificamente feito para as atividades financeira, de seguro e capitalização, como resulta do art. 192, I e II.” (Bandeira de Mello, p636 e 637, 2003)

 

O controle do sistema financeiro já se inicia com a necessidade de autorização para o funcionamento das instituições financeiras e com as permanentes medidas controladoras que permite ao Banco Central monitorar o andamento das operações de maneira geral.

Segundo SALOMÃO NETO:

“A crise bancária não é matéria que afete apenas os sócios, correntista, empregados e demais credores de uma instituição financeira. Na verdade, o impacto de um sistema financeiro pouco saudável na economia de um país é enorme. As instituições financeiras servem como intermediárias entre o capital externo e o interno, ou seja, recebem recursos de instituições financeiras estrangeiras e emprestam internamente em cada mercado nacional onde atuam.” (SALOMÃO NETO, p.507 e 508, 2005)

A insolvência de uma instituição financeira, em função do alto nível de integração em que opera o sistema financeiro, resulta em prejuízos não apenas para seus credores, mas para o mercado financeiro e, consequentemente, para a economia como um todo, podendo repercutir em restrições de crédito, aumento de juros, corrida aos bancos e insolvência generalizada.(ULHOA, 2011)

O processo de insolvência destas instituições é a intervenção e a liquidação extrajudicial reguladas pela Lei 6.024/74, que trata da quebra das instituições financeiras. Tanto à intervenção como a liquidação extrajudicial, se necessária, será decretada pelo Banco Central do Brasil, ou mesmo a falência nos termos da legislação vigente.( SA

 

4. A Intervenção Federal nas Instituições Financeiras

A regulação do sistema financeiro exige um complexo sistema de controles permanentes, que permitem ao Banco Central monitorar o andamento das operações e do mercado de maneira geral. Existem três instrumentos de intervenção que a lei atribuiu ao Banco Central, que funcionam como mecanismos típicos do poder de polícia do Estado. São eles o Regime de Administração Especial Temporária – RAET( Decreto-Lei nº 2.321, de 25.2.1987); a Intervenção propriamente dita(Lei nº 6.024, de 13.3.1974) e a Liquidação extrajudicial (Lei nº 6.024, de 13.3.1974). A aplicação de qualquer dessas três modalidades de intervenção orienta-se por duas idéias: a da prevenção,isto é, a intervenção deve ocorrer o mais cedo possível, de modo a evitar uma crise sistêmica; e a da preservação do interesse público, consistente, em última análise, na manutenção do equilíbrio do sistema financeiro. 

O RAET - Regime de Administração Especial Temporária – consiste em um regime excepcional alternativo ao da intervenção, que deve ser decretado pelo Banco Central, segundo Decreto-lei nº 2.221/87, art. 1º, quando se verifiquem a prática reiterada de operações contrárias às diretrizes de política econômica traçadas em lei federal, existência de passivo a descoberto, gestão temerária ou fraudulenta por parte dos administradores, a fim de normalizar a situação da instituição financeira.

Assim como a intervenção e a liquidação extrajudicial, o RAET também consubstancia manifestação típica do poder de polícia na ordem econômico-financeira. O que realmente o diferencia é a possibilidade, conquanto já se tenha decretado o regime excepcional, de continuação regular dos negócios da instituição financeira, de modo a afastar o risco de crise sistêmica do mercado.

Nos termos do art. 2º do Decreto-Lei nº 2.321/87, a decretação do RAET implica, de imediato, a perda do mandato dos administradores e membros do Conselho Fiscal da instituição, substituídos por um Conselho Diretor nomeado pelo Banco Central. Esse Conselho tem plenos poderes de gestão, sendo que, para dispor ou onerar o patrimônio da instituição financeira sob RAET, isto é, para praticar quaisquer atos que desbordem de mera administração, dependerá de prévia e expressa autorização do Banco Central.

A intervenção, por sua vez, tem por objetivo tentar preservar a instituição financeira e a estabilidade do mercado, corrigindo as anomalias existentes. A intervenção cessará, dentre outros motivos, se decretada a falência ou a liquidação extrajudicial da entidade, cabendo ao Banco Central, neste caso, praticar os atos necessários à liquidação da instituição, por meio de um liquidante.

A liquidação extrajudicial é o instrumento mais drástico e que ser empregado quando verificada alguma das hipóteses do art. 15, I, da Lei nº 6.024/74, que descreve situações de comprometimento financeiro irremediável da instituição ou de violação de norma que vise a garantir a segurança dos investidores e do mercado financeiroem geral. Aliquidação extrajudicial tendo o mesmo objetivo final da falência, ou seja, a alienação do ativo para satisfação do passivo, com o conseqüente fim da atividade comercial, e, a própria Lei nº 6.024/74 determina, em seu art.34, aaplicação subsidiária da legislação falimentar ao procedimento da liquidação extrajudicial. Nada obstante, embora as formas se aproximem, a liquidação de instituição financeira preocupa-se basicamente com o interesse público envolvido no caso, tendo em vista a peculiaridade do mercado financeiro e sua importância estrutural para a economia.

REFERÊNCIAS:

BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas: limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 3ª ed. São Paulo: Renovar, 1996.

BEZERRA Filho, Manoel Justino: Lei de Falências comentada. São Paulo, RT.

COELHO, Fábio Ulhoa: Curso de Direito Comercial. São Paulo, Saraiva, vol. 3.

_______: Manual de Direito Comercial. São Paulo, Saraiva.

_______: Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. São Paulo,

Saraiva, 2005,

FERREIRA, Waldemar: Tratado de direito comercial. São Paulo, Saraiva.

LACERDA, J. C. Sampaio de: Manual de direito falimentar. Freitas Bastos.

LOBO, Jorge: Direito Concursal. Forense.

MENDONÇA, J. X. Carvalho de: Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Freitas Bastos.

MODESTO DE PAULA, Luiz Gonzaga. Lei de Falências Anotada. Lúmen Júris.

PERIN Jr., Ecio: Curso de Direito Falimentar. Método.

REQUIÃO, Rubens: Curso de Direito Falimentar. São Paulo, Saraiva.

SANTOS, Joaquim Antonio Penalva: Obrigações e contratos na falência. Renovar.

TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha: Recursos em matéria falimentar. Livraria do Advogado

Editora.

VALVERDE, Trajano de Miranda: Comentários à Lei de Falências. Revista Forense.



[1] Alunas do Curso de Direito, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[2] Professor Mestre, orientador.