A NATUREZA JURÍDICA DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL NA VISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

Pontos controvertidos acerca dos conselhos de classes no âmbito do direito administrativo. 

Cynara Tavares Farah

Kassandra Suellen Sousa Silva [1]

Leonardo Valles Bent.[2] 

Sumário: Introdução. 1 A OAB e os conselhos fiscalizadores de classe. 2 A natureza jurídica da OAB na visão do Supremo Tribunal federal. 3 Pontos controvertidos da decisão do STF pela natureza jurídica da OAB. 4 Considerações finais. Referências.

RESUMO

O presente se propõe a uma breve análise sobre a natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil e seus reflexos no direito administrativo brasileiro, tendo como parâmetro o posicionamento do Supremo Tribunal Federal e o regime jurídico dos Conselhos de Classe, no âmbito de direito administrativo.

PALAVRAS-CHAVE

Conselhos de Classes. OAB. Natureza jurídica. STF.

Introdução

No âmbito do direito administrativo, algumas entidades compõem o que se convencionou chamar de Administração Indireta. Nesse sentido, a atuação estatal brasileira é pautada na descentralização da máquina administrativa, que consiste na prestação de serviços públicos de forma indireta, através de outras entidades, com o objetivo de alcançar maior eficiência e celeridade na prestação de serviços públicos. Assim, surgem as autarquias.

Para Celso Antonio Bandeira de Mello, as autarquias são espécies de pessoas jurídicas de Direito Público de capacidade exclusivamente administrativa, e exatamente por isso são titulares de interesses públicos. Por isso, o simples fato de sua criação já implica por si só que a atividade a qual lhe seja cometida passe, ipso facto, a ser qualificada como atividade típica da Administração Pública.[3]

Nesse sentido, a natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil tem sido objeto de calorosas discussões ao longo dos anos, incitando controvérsias das mais diversas, que estão longe de ser elucidadas em âmbito de direito administrativo. Isso porque a OAB não está vinculada a nenhum dos Poderes estatais ou a qualquer outro órgão do Estado, tais como o Ministério Público ou o Tribunal de Contas da União.

Nesse sentido, a OAB é definida pelo Supremo Tribunal Federal como pessoa jurídica sui generis, que presta serviço público e é dotada de personalidade jurídica e forma federativa e se destina a fins específicos como a defesa da própria CF/88, da ordem jurídica do Estado democrático de direito, dos direitos humanos e da justiça social.

Nesse sentido, o presente se propõe a breves esclarecimentos quanto alguns pontos controvertidos acerca da decisão do STF pela natureza sui generis da OAB e respectivos influxos no âmbito do direito administrativo, uma vez que em decorrência desta, uma entidade de classe, que deveria ser entendida e enquadrada como uma autarquia, ganha lugar de pessoa jurídica ímpar no ordenamento jurídico.

1 A OAB e os Conselhos fiscalizadores de Classe.

Os Conselhos fiscalizadores de profissões regulamentadas, a princípio, surgiram com a natureza jurídica de autarquia, pessoa jurídica de direito público. No entanto, pela edição da Lei federal n.9649/98, que inovou a organização da administração federal, a natureza jurídico-administrativa dos conselhos de classe sofreu alterações, passando a ser considerados pessoas jurídicas de direito privado, sem vínculo hierárquico com os órgãos da Administração Pública.

A mudança ocasionada pela referida lei trouxe conseqüências em razão da atividade desempenhada pelas entidades ou Conselhos de Classe, cujo desempenho envolvia, inclusive, o uso de prerrogativas de direito público, tais como o exercício do poder de polícia por estas entidades. Diante dessa situação, o STF declarou na ADIn 1717, que o exercício do poder de polícia, realizado por entidade privada, comprometia a segurança jurídica, e a partir desta decisão, os Conselhos de Classe voltaram a assumir a natureza jurídica de autarquia.

Enquanto autarquias, os Conselhos de Classe possuem todas as prerrogativas e deveres inerentes às entidades que integram a Administração Pública descentralizada. Assim, estão sujeitos às regras da contabilidade pública e controle efetivo do Tribunal de Contas, de modo que as anuidades pagas pelos membros ao seu respectivo Conselho de Classe assumem natureza de contribuição tributária e devem ser cobradas por meio de Execução Fiscal. Igualmente possuem privilégios processuais da Fazenda Pública, imunidade tributária e impenhorabilidade de bens e se sujeitam à norma constitucional impositiva da realização de concurso público.

Ocorre que, nem todos os Conselhos de Classe estão sujeitos a tal regime. A OAB é a exceção regra. Note-se que, a princípio, a OAB é uma espécie de Conselho de Classe, responsável por regulamentar e fiscalizar o exercício da advocacia. Desta feita, como pode uma entidade entendida como Conselho de Classe, como é o caso da OAB, não assumir natureza jurídica de autarquia, razão pela qual possui privilégios e obrigações inerentes à pessoa jurídica de direito público?

A decisão foi dada pelo Supremo Tribunal Federal, na ADIn - Ação Direta 3026/DF, que teve como Relator o Ministro Eros Grau, conferiu à OAB o status entidade ‘ímpar’, ‘sui generis’, um serviço público independente, que não se enquadra nas categorias existentes no ordenamento brasileiro, tampouco integra a Administração Pública indireta ou descentralizada.

Fato é que a OAB é uma espécie de conselho de classe, responsável por regulamentar e fiscalizar o exercício da advocacia. E tal entidade, no âmbito do direito administrativo, assume natureza jurídica de autarquia, razão pela qual possui todos os privilégios e obrigações inerentes às pessoas jurídicas de direito público.

2 A natureza jurídica da OAB na visão do Supremo Tribunal Federal.

A OAB tem natureza jurídica diferente dos órgãos de classe comuns, por isso é sui generis. Não presta contas para o Tribunal de Contas do Estado, não realiza licitação e não precisa contratar funcionários mediante concurso público. Trata-se de uma legítima representante da sociedade, e tem a competência dada diretamente pela CF/88 para interpor ADIn. Além disso, a OAB conta com um sistema de controle, realizado anualmente mediante auditorias externas da comissão de contas de seu Conselho Federal.

Segundo Eros Grau, em decisão do STF proferida em 2006, a OAB é uma entidade de Classe que não se sujeita aos ditames impostos pela Administração Pública direta ou indireta da União. Antes, deve ser tratada como um serviço público independente, uma categoria ímpar no rol das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro.

Para o STF, a OAB não se inclui na categoria em que se inserem as autarquias especiais ou agências. É exatamente porque a OAB não figura como entidade da Administração Indireta, que também não se sujeita ao controle da Administração Pública, tampouco está vinculada a qualquer de suas partes. Sua não vinculação é necessária, tanto formal como materialmente.

Em vista disso, a OAB se ocupa de atividades relacionadas aos advogados, que exercem função privilegiada auferida constitucionalmente, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça, por força da norma do art. 133 da CF/88. É, pois, uma entidade cuja finalidade é habituada a atribuições, interesses e seleção de advogados. Portanto, não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público.

A Ordem dos Advogados do Brasil possui como características a autonomia e a independência, assim não pode ser entendida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional, uma vez que não se volta exclusivamente a finalidades corporativas. Sua finalidade institucional. Também por isso, muito embora decorra de determinação legal, o regime estatutário imposto aos integrantes da OAB não é compatível com a entidade, que é autônoma e independente.

 

3 Pontos controvertidos da decisão do STF pela natureza jurídica sui generis da OAB.

 

 

Há quem entenda pela inconstitucionalidade da decisão do STF sobre a natureza jurídica a OAB. Nesse aspecto, alguns controvertidos relevantes são expostos. Parte da doutrina entende que os argumentos que diferenciam a OAB dos demais Conselhos de Classe, em consideração à forma como foram controvertidos pelo STF, contrariam o sistema jurídico e violam preceitos constitucionais próprios, como o dever de licitar, cujo objetivo é a obtenção da melhor proposta possível para a Administração Pública.

A esse respeito não se duvida que o serviço prestado pela OAB é público e que, enquanto Conselho de Classe, a mesma está obrigada a observância dos preceitos da Administração Pública. Nesse sentido, a classificação sui generis conferida à OAB gera contradições e sérios questionamentos quanto a fiscalização de suas ações, uma vez que não estão submetidas ao controle finalístico.

E é exatamente por se encontrar imersa nesta zona nebulosa, que a OAB recebe benefícios próprios de autarquias, sem que para isso esteja sujeita às obrigações típicas destes entes, de modo que não se justifica o caráter ímpar do serviço prestado por esta entidade de classe, para tal condição, já que tal serviço prestado é antes de qualquer coisa um serviço público.

A OAB foi privilegiada pelo posicionamento do STF, uma vez que foi dispensada de realizar certame público para contratação de pessoal, não realiza licitação e tampouco tem suas contas sujeitas à análise por um órgão público. Ora, se a OAB é um serviço público então deve obedecer as regras próprias do sistema.

Outra controvérsia se insurge pelas verbas arrecadadas pela OAB, que são gastas de forma não fiscalizada pelo Tribunal de Contas e sua anuidade é de caráter não tributário.

Outro fato confrontado é que as autarquias federais possuem foro especial da Justiça Federal, competente para julgar as ações em que as autarquias e demais Conselhos de classes forem partes, terceiras interessadas ou intervenientes.  Nesse sentido, a decisão do STF, gerou uma crise de incerteza quanto ao foro competente para analisar as causas em que a OAB seja parte, terceira interessada ou interveniente, já que a competência da Justiça Federal é prevista em rol taxativo e não inclui a modalidade de natureza jurídica impar.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, com a decisão do STF, a OAB passa a ser considerada pessoa jurídica de direito público, com relação às vantagens e todos os privilégios da Fazenda Pública, como a imunidade tributária, os prazos em dobro, a prescrição qüinqüenal, mas no que diz respeito às restrições impostas aos entes da Administração Pública direta e indireta, não se configura como pessoa jurídica de direito público já que não está sujeita aos regimes da licitação, concurso público e controle.[4]

A decisão do STF se mostra ainda mais incoerente quando levada em conta a estima especial ao fato de que a OAB exerce função estatal típica, revelada no poder de fiscalizador de polícia do Estado, posto que em sendo órgão de classe, ainda que dos advogados, atua de forma a regular e fiscalizar o exercício da categoria profissional, o que culmina em um ato próprio de Estado e entregue nas mãos de um ente mais privado do que público, o que se mostra inaceitável por ferir a segurança jurídica.

Nesse sentido, tratar a OAB como entidade ímpar, sem a equivalência aos demais conselhos fiscalizadores de profissões regulamentadas, consiste em flagrante discriminação a estes últimos, já que o objetivo de todas as entidades de classe é o mesmo, o de fiscalizar e a regulamentar o exercício das respectivas profissões.

Ora, se a OAB presta espécie de serviço público indelegável, por meio do exercício do poder de polícia, deve estar associada à Administração Pública indireta. A partir deste raciocínio, as contribuições pagas pelos inscritos na OAB assumem natureza compulsória, e em igual sentido, são caracterizados como dinheiro público. Por isso é indispensável a realização de controle pelo Tribunal de Contas.

Ademais, a OAB não se obriga a presta contas aos seus membros, razão pela qual age em violação aos princípios fundamentais da publicidade e transparência, basilares de qualquer entidade pertencente à Administração Pública, de categoria ímpar ou não.

E é exatamente em função do relevante papel que a Ordem desempenha no Estado Democrático de Direito, que se espera que detalhe a sua situação financeira, e igualmente a divulgue aos seus membros formadores.

A natureza jurídica da OAB, segundo posicionamento do STF, é matéria que merece ser repensada, uma vez que é responsável por desempenhar umas das funções essenciais à justiça, sendo indispensável à administração da mesma.

 

4 Considerações Finais.

Não resta dúvidas que a OAB desempenha papel de fundamental importância na sociedade, através da defesa da democracia e dos direitos de cidadania. De igual sorte, é bem verdade que a diferença na natureza jurídica da OAB, em razão da decisão do STF, trouxe para o ordenamento jurídico pátrio uma situação ímpar que, como queiram alguns, fere a isonomia constitucional por diferenciar entidades de classe de mesmo padrão.

No entanto, a despeito disso e na tentativa de encontrar a precisa definição da natureza jurídica da OAB, o que se verifica é que não há consenso na distinção que lhe é proposta, se de personalidade jurídica de direito público ou de direito privado.

Além da enumeração dos entes que se enquadram em uma ou outra espécie pelo CC/02, existem entidades, a exemplo da Ordem dos Advogados do Brasil, que se encontram numa zona nebulosa, cujo regime jurídico flutua entre o público e o privado.

Por outro lado, ao comparar o regime jurídico da OAB com o das autarquias, modalidade na qual parte da doutrina tende deva ser enquadrada, nota-se a existência de vários elementos que as diferem. Destarte, muito embora a OAB exerça serviço público federal, não significa que o mesmo faça as vezes de serviço estatal. Nesse sentido, o serviço público empregado na Lei nº 8.906/94, Estatuto da Advocacia, disposto no Art. 44, inc. I, se refere aos objetivos institucionais da entidade, de defesa da Constituição Federal, da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos, da boa aplicação das leis, da rápida administração da justiça e do aperfeiçoamento da cultura e instituições jurídicas.

É justamente esse exercício de prerrogativas, incorporado ao status constitucional atribuído ao advogado, pela norma constitucional do art. 133 da CF/88, o traço distintivo da OAB, em relação não só às autarquias tradicionais como aos demais Conselhos de Fiscalização de Profissões Regulamentadas.

A questão da classificação de sua natureza jurídica é tão somente uma questão nebulosa do direito administrativo brasileiro. Até hoje não existe uma lei federal criada para regulamentar os conselhos profissionais. Nesse sentido, a característica sui generis da OAB é vantajosa no sentido de que, por não receber recursos públicos do Governo, o Conselho da Ordem dos Advogados também não está atrelado ao Poder público. Em vista disso, é que também o procedimento de contratação é simplificado e os dirigentes possuem mandato específico, sem remuneração e dispõem de maior agilidade de movimentação. É um conselho que representa os advogados, mas que também presta serviço de proteção à sociedade.

 

 

REFERÊNCIAS

 

GAMA, Ricardo Rodrigues. Estatuto da advocacia e código de ética da OAB. 1 ed. 2 tiragem. Campinas: Russell, 2010.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 28 ed., revista e atualizada até a EC 67, de 22.12.2010. São Paulo: Malheiros, 2011.

PIETRO. Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2010.



[1]Alunas do 7º período de direito vespertino da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Professor orientador.

[3] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 28 ed., revista e atualizada até a EC 67, de 22.12.2010. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 160-161.

[4] PIETRO. Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2010.