Crônica

                                                     

                                 A  MORTE FELIZ DA PAPAGAIA

                                                Para Socorro  Ferreira

                                                Edevaldo Leal

 

                                  –  Vê se não demora, comadre. Eu não sei mais o que fazer com a  Nina. O que eu  podia fazer, o que estava ao meu alcance, já fiz. Até cantar, comadre,  eu já  cantei pra ela. Rezar, então, não tem conta. A pobrezinha não é mais a mesma. A cada dia fala menos e só pode estar com fastio, só pode.

                                 –  Fastio ?

                                 –  Fastio sim, comadre – Insistiu e colocou um dedo de dúvida, para provocar a resposta que ela queria ouvir:

                                 –  Ou é o meu pirão de farinha com café que não tem o mesmo sabor do seu?

                                – Deixe de prosa, mulher. Se ninguém resiste ao sabor de sua comida e a Nina está dispensando esse  pirão,  alguma coisa séria está acontecendo  e precisamos pensar no que fazer.         

                                 – Espere um pouco – Pediu uma  pausa ,  enquanto arriscava uma solução.

                                – Ah, já sei –  Exultou , como quem houvesse descoberto a vacina contra tristezas de amor,  e continuou:

                                – Ensine  Nina a rezar o Pai Nosso. Comece da metade  pro fim . O início ela já sabe, mas inclua o início a cada vez que for ensinar. Ela aprende aos pouco, palavra por  palavra ,  devagar.

                                 Nina aprendeu muita coisa. Cantava, enxotava Taylor, o cão, que, como a papagaia, tinha nome de gente. Comadre amava os animais como se fossem pessoas e, não por coincidência, uma filha  ,Paula, formou-se em medicina veterinária e herdou da mãe o mesmo amor pelos bichos. Até rezar Nina rezava e só não fazia o sinal da cruz porque era impossível, a um papagaio, fazê-lo. Em seu doce devaneio, quantas vezes não se viu rainha , mágico pássaro de infinitos voos,em terras de  além mar ?

                                   – Papagaio real, para Pooortugal .

                                  Esse era, diga-se assim, o bom dia de todas as manhãs de Nina. Nina reproduzia, em sua fala matinal, a ganância dos primeiros colonizadores, que levavam para Portugal tudo o que encontravam em terra brasilis. Hoje, os colonizadores são outros: chineses,  japoneses... Estão aí, para não me deixar mentir: Cauê, em Minas Gerais; Serra do Navio, no Amapá; Carajás, no Pará. E tem o nióbio e tem a Nina, que eu não posso perder o fio da meada.

                                   –  E a Nina, me conte sobre o progresso dela. Já sabe todo o Pai Nosso? Continua dizendo todas as manhãs “ Papagaio real, para Pooortugal”?

                                   – Não, comadre. Nada. Nunca mais. Ou a senhora larga tudo e vem  cuidar da bichinha, ou, em vez de Portugal, ela vai mesmo é para aquele lugar .

                                  –    Leve para  benzer.  Nina precisa é ser benzida. A benzedeira não cobra, que isso é dom que ela recebeu do alto, mas sabe como são essas coisas. Diga à benzedeira que, amanhã, eu levo  pra ela um presente,umas ervas do Ver – O – Peso para banhos contra mau olhado. 

                                 Comadre cumpriu o prometido. No tempo marcado, chegou. Logo na entrada da casa, foi recebida com festa. As vizinhas mais chegadas queriam saber das novidades, Taylor abanou o rabo, mas Nina, ah, Nina mal pôde equilibrar-se  no dedo de sua dona . Com esforço, abriu o bico e falou “papagaio real, para...”. Não completou a frase. Nada mais disse. Bateu asa e foi embora de vez.

                                    Ananindeua/ Pará,25 de fevereiro de 2013