A Mesa da Vergonha

“A crise é do senado, não é minha...”
Senador José Sarney, presidente do Senado.

A mesa possui um valor simbólico transcendental. Todos nós brasileiros e estrangeiros nos reunirmos ao redor dela. Pela manhã, sobre ela tomamos o sagrado e saboroso café matinal. No almoço, nos deparamos ao redor da mesma para degustarmos o alimento e renovarmos as forças para enfrentarmos o resto do dia. No início da noite, novamente as famílias reúnem-se para o jantar colocado sobre a mesa. Quando vamos eleger nossos governantes e representantes legislativos a urna, eletrônica ou manual, está posta sobre uma mesa, a nos esperar para exercermos o maior poder que a democracia nos concede: o voto. A Bíblia sagrada registra no salmo 23, o Rei Davi pedindo para Deus: “Preparas-me uma mesa na presença dos meus adversários. No Livro de João, capitulo 2, versículo 15, está registrado que ao ver o desvirtuamento do Templo, o Senhor Jesus “...expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas, e virou-lhes as mesas”.

Mas uma mesa tem causado extrema e crescente vergonha em todos nós brasileiros: é a Mesa Diretora do Senado Federal ou os dirigentes das Mesas que se alternaram no poder por longos anos.
 
Assim que o senador Sarney assumiu a presidência do Senado, veio à tona escândalos em série. Os mais gritantes dão conta de ilícitos em contratos de empréstimos consignados envolvendo diretamente o ex-diretor de Recursos Humanos João Carlos Zoghbi, acusado de usar “laranjas” e empresas fantasmas para intermediar a concessão de empréstimos consignados a servidores do Senado.

Ao invés de convocar a Polícia Federal e o Ministério Público Federal para investigar tudo e mostrar respeito e transparência no trato da coisa público, o presidente da Casa, determinou que a chamada polícia do próprio Senado e uma Comissão de Sindicância investigasse os fatos noticiados. Entretanto, sob os holofotes vigilantes da imprensa, mais escândalos foram revelados. Dentre eles, infrações praticadas na emissão de declaração com conteúdo alterado no sistema de dados do Senado, o que enseja a aplicação de pena de demissão ou cassação de aposentadoria.

É possível que no momento em que o leitor esteja lendo esse artigo, uma falcatrua maior tenha sido veiculada pela imprensa. Contudo, o que até então tem ganhado maior notoriedade e afronta aos cidadãos de bem é a notícia de atos que, mesmo sem publicação em lugar algum, passaram a “vigorar”. Esses atos, notoriamente secretos, foram criminosamente usados para autorizar pagamento de horas-extras, que Deus o sabe se foram realmente trabalhadas; concessão de benefícios; admissões e demissões de parentes e amigos de senadores e funcionários do senado; criação de cargos e aumento de salários. Foi descoberto que em 15 anos, um total de 312 boletins administrativos, contendo 663 atos não foram publicados. Portanto, não têm qualquer valor jurídico.
 
Um dia após essa infeliz “descoberta”, outra bomba estoura. Existem no Senado duas contas paralelas na Caixa Econômica Federal com um saldo em torno de R$ - 3,7 milhões de reais. Essas contas estão fora da conta única do Tesouro, fato que já se traduz em flagrante ilegalidade. Apesar de desconfiarmos com que finalidades elas foram abertas, só sabemos que esse dinheiro depositado, da forma como foi levado a efeito, não fica detalhado no Sistema Integrado de Administração Financeira(Siafi), que faz o acompanhamento e fiscalização de gastos da administração pública.

A frase destacada ao norte foi cuidadosamente elabora e proferida por José Sarney na tribuna do Senado. Teve o objetivo de intimidar e ameaçar os senadores dos outros partidos. Mostrar que não é o único responsável pelas decisões da Casa e que não aceitaria ser responsabilizado sozinho. Especula-se que a revelação completa de todos os atos secretos irá comprometer e colocar para julgamento dos Tribunais e da opinião pública, mais da metade do Senado. A estratégia deu certo, e em nome do corporativismo, o Presidente da Casa está sendo blindado e tratado como se tivesse acima do bem e do mal, inatingível. E, assim, o movimento para forçá-lo a pedir afastamento do cargo por enquanto está arrefecido, porém não descartado.

Deixa-nos um pouco aliviado sabermos que ao Ministério Público Federal abriu inquérito civil para tentar identificar e punir os responsáveis pela edição dos atos secretos. Além disso, é um alento tomarmos conhecimento que já está nas mãos da Polícia Federal os documentos sobre os contratos de crédito consignado assinados entre o ex-diretor de Recursos Humanos e Bancos, para supostamente atender os servidores do Congresso Nacional.
 
Penso que além da punição que a lei estabelece como prisão, devolução do dinheiro e o confisco de bens, a melhor forma de afastarmos os políticos que desviam o dinheiro público, é usando contra eles a mais potente arma que a democracia coloca a nossa disposição: o voto.

Denis Farias é advogado.
Blog: denisadvogado.blogspot.com