A LUZ DA IGUALDADE NO PROCESSO PENAL

A Constituição Federal prevê em seu art. 5, caput,  que Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

O texto referido, de notável importância e imutabilidade, menciona a igualdade irrestrita a todos os indivíduos. A idéia básica que se pode inferir no texto é de que não há exceções quanto à igualdade dos cidadãos que habitem o território brasileiro. Portanto, teoricamente, todos os brasileiros deveriam ser julgados e processados por uma única jurisdição. Jurisdição é o poder do Estado em que ele emprega o direito garantido aos brasileiros e estrangeiros residentes no País, ao caso material, com o objetivo de solucionar os conflitos. Em suma a jurisdição se refere apenas ao poder judiciário. Contudo, já se fala na aceitação de outros órgãos aplicarem a função jurisdicional.

Entretanto, no mesmo dispositivo constitucional, nos artigos 52, incisos I e II e 102 inciso I alíneas “a” e “b” prevê que em caso de crime de responsabilidade ser cometido pelo Presidente da República, Vice-presidente, Ministros do STF, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União a competência para julgá-los cabe ao Senado Federal. Em relação ao art. 102 é atribuída a competência ao STF para julgar o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República nos crimes comuns.

A esse benefício dá-se o nome de foro privilegiado por prerrogativa de função. Encontramos nesse foro privilegiado por prerrogativa de função, à alteração da regra geral, em que o criminoso será punido no local do seu crime. A prerrogativa ocorre com o agente que está investido em particular função.

Nas palavras de Pontes de Miranda, diz-se fôro privilegiado aquele que cabe a alguém, como direito seu (elemento subjetivo, pessoal, assaz, expressivo); portanto, o foro do juízo que não é o comum.

Hely Lopes Meirelles leciona que os agentes políticos, dentro de sua área, são as autoridades supremas da Administração Pública. Possuem plena liberdade funcional e estão a salvo de responsabilização civil por seus eventuais erros de atuação, a menos que tenham agido com culpa grosseira má-fé ou abuso de poder.

Ora, não é incomum ter ciência de práticas dos membros políticos de crimes eleitorais e de responsabilidade. Não há no Brasil “eventuais erros de atuação”, conforme exposto acima, dos entes políticos, mas uma situação de total impunidade e a possibilidade de que ações penais não sejam julgadas ou analisadas, seja por motivos e interesses particulares dos membros, seja pela prescrição do direito de exigir o julgamento, decorrente da morosidade dos órgãos incumbidos de investigar.

Atualmente o Direito Penal está focado na aplicação de pena privativa da liberdade, sendo de extrema rigidez a punição dos infratores de crimes graves com penas privativas de liberdade. Nos crimes de responsabilidade a sanção se dá com a perda de cargo ou função pública e a vedação de exercício futuro, em decorrência do mau desempenho de atividade pública.

Curioso ressaltar este último item tendo em vista que inúmeros políticos, após a cassação do mandato, conseguem retornar ao seu antigo cargo.

Insta salientar que a probidade na administração, mencionada pela Constituição Federal como uma das causas de instauração do crime de responsabilidade, pauta-se justamente no respeito e honestidade do membro político no exercício do cargo ou função em que ocupa e na utilização correta e devida das verbas destinadas aos projetos de melhoria das condições de vida da população, estas de importância inestimável ao crescimento e ratificação da pobreza no país.

Além do exposto, há de ressaltar um aspecto que facilita a prática de crimes de responsabilidade: é atribuída ao presidente da república a nomeação dos ministros do STF. Ora, se o presidente da República elege os ministros que poderão,  em algum momento,  julgá-lo pela prática de crimes de responsabilidade, é lógico de se pensar que a indicação dos representantes da corte constitucional será de pura conveniência do presidente. Em palavras do Direito Penal,  o possível acusado é quem nomeia seu julgador,  podendo haver um imenso risco de que os interesses individuais se sobressaiam sob os do povo. É nesse momento que se questiona o princípio do juízo natural e o princípio do juízo de exceção. A constituição veda o juízo e o tribunal de exceção em seu artigo 5º, LIII, por isso a nomeação de um juiz no momento em que ocorre o delito é inconstitucional. O juízo de exceção poderá não ser considerado imparcial porque foi instruído para julgar aquele caso específico. Pela nossa constituição todos têm direito a um juiz justo e imparcial. Nem a vara especial atenta a constituição, pois busca o juiz imparcial, já que é uma medida genérica e justa para todos os casos concernentes à mesma matéria. Mas o STJ afirma nesse sentido que: “ Não há de ser falar em violação do princípio do juízo natural com a simples especialização de competência, eis que não se confundem juízo de exceção e juízo especializado.”

Diante do exposto, é necessário que haja maior reflexão e estudo sobre a questão do foro privilegiado e a discussão sobre a inconstitucionalidade do mesmo, sob a luz da igualdade protegida pelo art. 5 da Constituição Federal.