A LUTA PELO DIREITO – ANOTAÇÕES ACERCA DA OBRA DE RUDOLF VON IHERING

Diógenes de Paula e Monteiro e Kênnia Suelen da Silva[1]    

A obra de Ihering centra-se no princípio dos meios utilizados para a conquista da paz, que é o objetivo do direito. Tal princípio é a luta constante e ferrenha. Isso vale tanto para um só indivíduo, quanto para um povo inteiro.

     O autor, porém, expõe a visão dual do direito. Compara aqueles que o veem unicamente como condição de paz e ordem aos ricos herdeiros. Pois estes conhecem apenas os prazeres e a tranquilidade, diferentemente daqueles que trabalharam para obter suas posses. “A vida de um é a guerra, a do outro é a paz (...)” (p.28). E tal tranquilidade é logo demolida pelo “primeiro tiro de canhão”, segundo o autor. “A paz sem luta e o prazer sem trabalho pertencem à época do paraíso, mas a história conhece ambos apenas como resultado incessante e como penoso esforço” (p.28).

     Contesta assim uma teoria romântica, corrente ao tempo da escrita da obra, sobre a formação do direito. A evolução das leis se faz, aos dizeres desta teoria, “de modo imperceptível e indolor”. “(...) uma nova norma jurídica entra tão facilmente em existência quanto uma regra linguística” (p.30). O autor refuta tal ideia com a noção de que existem sim estas leis “involuntárias”, mas estão limitadas à mera abstração. Pouco concretas, são facilmente substituíveis como “pregos inúteis”. Ao contrário do direito fundamentado em interesses, o direito que se impõe por luta. Questioná-lo é, para Ihering, como tentar “arrancar do mar um polvo que, preso com mil tentáculos, se agarrou a algo” (p.31). Pois, o paralelo traçado pelos românticos só leva o homem ao comodismo.

     Ihering escolhe uma forma de luta pelo direito. Aquela que se dá por meio de processo legal, entendível tanto ao jurista quanto ao leigo. Expõe-nos o fato de o materialismo não ser sempre o ponto central de um litígio. Como ocorria em tempos mais antigos, tais lutas envolvem a própria pessoa e a honra desta. De maneira que não se pensa nos gastos que se terá, nos custos da “batalha”. Nem mesmo o alerta dos advogados parece ser suficiente nesses casos. O importante é “descarregar o ódio no adversário”. Este raciocínio feito para litigantes particulares também vale para povos que em algum momento se rivalizam. O povo que se silencia ante a lesão a seu direito “sanciona a própria sentença de morte”. Para o autor, a morte da própria existência, da independência, da honra deste povo.

     O livro aborda a necessidade de autopreservação física e moral do homem. Esta última, defendida pelo direito, sendo a que nos eleva da condição animalesca. “Ao defender o que é seu, o agredido acaba por defender a si mesmo, a sua personalidade” (p.44). Mas acentua que “antes a vida do que a bolsa”; garantir o direito à vida se sobrepõe à honra e à propriedade.

     Mas não se defende a todo custo a discórdia e a teimosia como coisas belas. Defende, sim, a obrigação moral do indivíduo consigo mesmo. Ihering procura pesar a natureza dos conflitos com as despesas futuras, tal qual um advogado. Busca, sobretudo, mostrar que nem sempre uma das partes age de má-fé. Daí a possibilidade de firmar acordos, antes de enfrentar custosos e demorados processos.

     O raciocínio do autor é para apontar os diferentes pontos de vista sobre certo direito. Cada parte evoca o seu, visando ao simples favorecimento de si. O que é injustiça a um, é justiça ao outro. Ihering ressalta que o acordo não significa a inação; seria inércia, sim, se a parte abdicasse e negasse seus direitos integralmente.

     Para Ihering, “(...) o sentido de justiça apresenta graus diversos, conforme a classe social e a profissão consideradas” (p.51). De forma que a ótica de cada um define a intensidade com que se defenderão os direitos em determinado ponto. Segundo o autor, defendemos na verdade “os princípios morais de nossas vidas”. Pois, “A luta pelo direito é a poesia do caráter!” (p.58).

     A sensibilidade, destaca o autor, é “a capacidade de sentir dor ante a lesão ao direito”, e a reação, a coragem para repelir a ameaça. “A reação de um homem ou de um povo diante de ofensa a seu direito constitui medida exata do caráter de um e outro” (p.60).

     Ihering define a relação entre as duas formas do direito, a objetiva (concreta) e a subjetiva (abstrata). Diz que a existência de uma se vincula a efetivação do outra, com igual intensidade no sentido inverso da relação. Isso se aplica a quaisquer ramos do direito. E o direito subjetivo é patrimônio de cada cidadão, e todos são chamados a defendê-lo. Todos somos “guardiões e executores da lei”, em nossos devidos lugares.

Nossa inércia só terminaria, segundo o autor, por demolir a autoridade da lei e a ordem pública. “Quando o direito é desalojado do lugar em que deveria estar, a injustiça não é a culpada desse fato, mas sim quem se conformou com essa situação” (p.65).

     E quanto à lei? Esta tem de se impor, do contrário continuará mera abstração, vazia de significado. “A própria lei é uma luta pela lei” (p.70). Mas se o direito se valer de uma justiça distorcida, que pune inocentes e vitima a todos como ladrões, evoca-se ajuda dos verdadeiros justiceiros. Aqueles dispostos a lutar e sangrar pelo estabelecimento da ordem. Para Ihering, neste caso, “(...) a luta pela lei transforma-se numa luta contra a lei” (p.75).

     Em suas considerações finais, o autor ratifica o caráter amplo da luta pelo direito. Que deve se estender além do âmbito privado, para todo um povo. Insiste que a força moral dos indivíduos é também a força moral da nação, tendo como exemplo o enorme grau de desenvolvimento dos homens da Antiguidade. “A força de um povo está relacionada com a força de seu senso de justiça e cultivar o senso de justiça nacional é, então cultivar a saúde e a força do Estado” (p.83). Infla assim a ideia do senso de justiça de cada um contra as arbitrariedades, tão diversas. Condena a covardia, incita à ação. Mas nunca esquecendo a ética, dever do indivíduo.

     Reprisa para o leitor a máxima, que é a chave mestra para o entendimento da essência da obra: “(...) a luta é o eterno labor do direito” (p.101). Se pudesse ser resumida em uma frase, seria esta a escolhida para a obra de Ihering.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. (Título original: Der Kampf um’s Recht. Tradução: J. Cretella Jr. E Agnes Cretella). 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.



[1] Acadêmicos do curso de Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), em Minas Gerais.