INTRODUÇÃO

 

Um longo caminho foi traçado entre a autotutela e a jurisdição, porém vários fatores sociais, culturais, políticos e econômicos fizeram com que o ingresso a essa jurisdição fosse dificultado. A segunda metade do século XX foi marcada pelo início da mudança desse cenário com a organização da chamada sociedade civil em uma constante luta por acesso. Acesso, sobretudo a liberdade, no sentido trazido pelo Nobel de Economia Amartya Sen (2010) que fala nela como fonte de desenvolvimento através da garantia de gozo a prerrogativas e a provimentos. Dessa luta por prerrogativas se inauguram novos direitos e, sobretudo, uma nova relação entre Justiça e Sociedade.

Destarte, a luta da sociedade civil pelo reconhecimento dos direitos das minorias, especialmente os direitos à união homoafetiva, bem como a evolução da relação Jurisdição/Sociedade, ensejam o presente trabalho que será dividido da seguinte forma: inicialmente é mister que se faça um delineamento do caminho traçado entre a autotutela e a jurisdição, destacando como se legitima a figura do Estado-juíz. A partir de então segue a análise dos dois tópicos seguintes que versam sobre duas perspectivas de se exercer a Jurisdição, uma com viés positivista, monista e outra de caráter social e plural que é a forma de Jurisdição na contemporaneidade.

O segundo capítulo do trabalho abordará a necessidade de atenção aos direitos das minorias que historicamente foram excluídas da sociedade e, por conseguinte, tiveram direitos não reconhecidos em sua materialidade, de tal modo que a tutela jurisdicional ficou comprometida. De forma mais específica, o capítulo aborda a questão da sexualidade como um direito, na perspectiva de Maria Berenice Dias (Presidente da Comissão da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB) que a considera como um direito fundamental que acompanha o homem desde os seus primórdios, pois decorre de sua própria condição humana. Também se analisa um outro direito, decorrente do da sexualidade que é o da união homoafetiva, considerando sua relevância jurídica por ter impactos patrimoniais, especificamente. Dessa forma, ensejou-se outros tópicos que versam sobre o direito de ação e a forma de tutela por parte do Estado a esses novos direitos. Essa forma é demonstrada em jurisprudências colhidas.

1 A JURISDIÇÃO NO ESTADO CONTEMPORÂNEO

 

1.1  Da autotutela à Jurisdição

 

Falar de Autotutela à Jurisdição é falar do mesmo caminho traçado pela sociedade para a formação do Estado, consequentemente é falar de teorias contratualistas. Na medida em que a autotutela é típica do chamado estado de natureza, no sentido hobbesiano para evitar romantismos de outros pensadores e economizar tempo, e a jurisdição como forma de controle e pacificação social, exercido pelo Leviatã, ou melhor, o Estado.

O homem é mau, é seu próprio lobo e no Estado de natureza utiliza das próprias forças para garantir sua sobrevivência e pretensões. Esse é o regime de autotutela, o qual Ada Pellegrini (1993) confere duas características marcantes: ausência de juiz distinto das partes e imposição da decisão por uma das partes à outra. Contudo, mesmo com a formação do Estado, inicialmente, o regime da autotutela persiste, pois o Leviatã ainda não tem força suficiente para garantir a tutela de direitos. Esse cenário muda no decorrer do tempo, o Estado evolui se capacita para criar, dizer e fazer cumprir o direito.

 Vale ressaltar que nesses processos evolutivo não só existia a autotutela como forma de resolução de conflitos, existia também, como assevera Pellegrini (1993, p.25), a autocomposição que era exercida em três modalidades: desistência, quando uma das partes simplesmente renunciava à pretensão; a submissão, quando uma das partes deixava de oferecer resistência e submetia-se a outra parte; e a transação, quando ambas as partes faziam concessões sobre a pretensão. No entanto, ressalva a autora, que essas não eram formas parciais de resolução de conflitos, portanto, com falhas que comprometiam a realização da justiça. Então, as pessoas começam a eleger árbitros para que o método para a resolução de conflitos fosse o mais imparcial possível. Nesse sentido a arbitragem é um embrião da figura do Estado-juiz.

Nas sociedades primitivas a figura do árbitro era desempenhada pelos sacerdotes, em Roma existia a figura do pretor. Em comum a característica de que os árbitros eram pessoas consideradas referência dentro da sociedade. Referência no sentido de serem considerados sábios e confiáveis. Contudo, em um Estado incipiente há dificuldade de fazer cumprir as decisões dos árbitros, pois não havia nenhum caráter vinculativo entre a decisão do árbitro e a obediência das partes. Mas à medida que o Estado se fortalece, aumenta também a sua participação na resolução dos conflitos das pessoas. Assim, o Estado passa a indicar a figura do árbitro e não mais as partes. Essa atitude passou a vincular a obediência das partes à decisão do árbitro. Agora as pessoas não poderiam mais agir por conta própria, mas tão somente provocar o Estado a agir, de tal forma que o vínculo entre decisão e obediência das partes, ou melhor, o cumprimento à decisão chamou-se jurisdição (PELLEGRINI, 1993).

1.2  A influência Positivista

A partir do seu fortalecimento, o Estado teve a capacidade de dizer, criar e fazer cumprir o direito. As figuras do magistrado e do monarca são ícones de poder e o exercem por muito tempo. Mas vale fazer um pequeno corte epistemológico para falar da Idade Média onde a Igreja Católica e seus institutos faziam as vezes do Direito Penal, por exemplo. A Igreja constituía a maior instituição política do mundo eurocêntrico diante de pequenos e incipientes principados do Regime Feudal.

Pois bem, com as monarquias absolutistas se inaugura um estado forte e concentrado na figura do rei, a Igreja ainda tem grande influência, mas é o Estado quem passa a criar, dizer e fazer cumprir o direito. Ainda que de forma parcial, atendendo às vontades desses ícones (rei e magistrado), o Leviatã mostra sua força.

Assim, a tutela jurisdicional é feita a partir da discricionariedade do juiz e do monarca. Essa forma de jurisdição perdura até meados do século XVIII quando as revoluções liberais triunfam por vários países da Europa e se instauram Estados liberais e de Direito. O princípio da legalidade e o constitucionalismo e se contrapõem à vontade do Leviatã.

Marinoni (2007, p.24) assevera que o princípio da legalidade, no entanto, foi apenas uma forma usada pela burguesia revolucionária no lugar do absolutismo do regime decaído. Nesse sentido a lei é mero instrumento para a legitimação de uma classe. O direito agora se resume à lei e a lei é produzida pelo representante do povo, ou melhor, por aquele que manipula o povo. Assim, reflete Marinoni que “o princípio da legalidade, assim, acabou por constituir um critério de identificação do direito; o direito estaria apenas na norma jurídica, cuja validade não dependeria de sua correspondência com a justiça, mas somente de ter sido produzida por uma autoridade dotada de competência normativa” (2007, p. 25). Na mesma linha fala Ferrajoli (apud Marinoni, 2007, p.25).

... segundo esse princípio, uma norma jurídica existe e é válida apenas em razão de suas formas de produção. Ou melhor, nessa dimensão a juridicidade da norma está desligada de sua justiça intrínseca, importando somente se foi editada por uma autoridade competente segundo um procedimento regular.

Destarte, com o advento do Estado Liberal, respaldado na Teoria da separação dos poderes de Montesquieu, se instaura a ditadura do poder legislativo ficando o poder do magistrado limitado a confirmar o que foi expresso pelo legislador. O discurso apresentado era o de isonomia com a máxima de que “todos são iguais perante a lei”. Logo, a prestação jurisdicional se resumia ao seguinte raciocínio: retribuição por desrespeito à lei.

Para completar, esse posicionamento político foi corroborado pela ciência. O positivismo jurídico é partidário da ideia de que o direito se resume à lei e que a atividade do jurista se limita a descrevê-la e reproduzir a vontade do legislador. Hans Kelsen, baluarte do positivismo jurídico, apesar de duras críticas criou uma Teoria Pura do Direito amplamente estudada nas faculdades de Direito até hoje, na qual a lei, a norma é o único e suficiente objeto de estudo da ciência do Direito. Mauro Cappelletti e Peter Härbel respectivamente (apud Marinoni, 2007, p. 30-31) resumem bem o impacto da supremacia da lei e de sua influência do ponto de vista prático.

Contudo, o positivismo jurídico não apenas aceitou a ideia de que o direito deveria ser reduzido à lei, mas também foi o responsável por uma inconcebível simplificação das tarefas e das responsabilidades dos juízes, promotores, advogados, professores e juristas, limitando-as a uma aplicação mecânica das normas jurídicas na prática forenses, na universidade e na elaboração doutrinária.

Isso significa que o positivismo jurídico, originariamente concebido para manter a ideologia do Estado liberal, transformou-se, ele mesmo, em ideologia. Nessa dimensão, passou a constituir a bandeira dos defensores do status quo ou dos interessados em manter a situação consolidada pela lei. E isso permitiu que a sociedade se desenvolvesse sob um asséptico e indiferente sistema legal ou mediante a proteção de uma lei que, sem tratar de modo adequado os desiguais, tornou os iguais em carne e osso mais desiguais ainda.

                   

Sabadell (2005, p. 52) defende a posição de que um magistrado nunca emite um juízo ou aplica a lei de modo puro, mas suas decisões sempre projetam seus valores e sua visão de mundo. De tal modo que essa autora aponta resultado de pesquisas realizadas nos últimos anos a respeito do perfil da magistratura brasileira:

Entre seus membros contata-se uma representação particularmente forte de homens, membros das classes alta e média, filhos de funcionários públicos e descendentes de magistrados. Apesar da tendência de abertura e democratização do aceso à magistratura nas últimas décadas, o poder judiciário brasileiro continua sendo seletivo na sua composição (SABADELL, 2005, p. 200)

Destaca ela três fatores que influenciam as decisões dos magistrados: a posição da classe de quem é julgado; a opinião política, normalmente conservadora; e a formação excessivamente legalista e que lhe confere uma visão autoritarista da realidade social (2005, p. 201-202). 

Esse viés foi predominante até recentemente, mas o cenário começou a apresentar mudanças a partir de meados do século XX quando a sociedade civil começa a se organizar e surgem diferentes movimentos sociais reivindicando direitos em sua materialidade e que requisitavam maior posicionamento dos magistrados na distribuição de justiça. O direito passa a ter outras fontes que não somente a lei, a Justiça Aristotélica volta a ter força em sua máxima de “tratar os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade na medida de suas desigualdades”. Essa é a perspectiva social-plural da jurisdição e como ela é exercida na contemporaneidade.

1.3  Perspectiva social-plural

 

A perspectiva social-plural parte do princípio de que o Direito surge a partir de fatos sociais. Ou seja, a partir de uma relação materialista da sociedade, a partir de contradições e conflitos sociais e não da abstração do legislador, onde, segundo a Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, a norma busca validade em uma norma superior até chegar à constituição e esta, por sua vez, busca validade em uma norma hipotética fundamental. Sabadell (2005, p. 48) afirma que “o direito se manifesta como uma das realidades observáveis na sociedade: a sua criação, evolução e aplicação podem ser explicadas por meio da análise de fatores, de interesses e de forças sociais”.

Sabadell diz que “o direito nasce no meio social, é criado, interpretado e aplicado por membros da sociedade e persegue finalidades sociais, tentando influenciar o comportamento de seus membros. Em outras palavras, o direito é, ao mesmo tempo, parte e produto do meio social” (2005, p. 57). E finaliza dizendo que “o direito exerce duplo papel dentro da sociedade: ativo e passivo. Ele atua como fator determinante da realidade social e, ao mesmo tempo, como um elemento determinado por esta realidade” (2005, p. 95).

Pois bem, o ativismo da sociedade civil, na luta por reconhecimento de direitos de minorias historicamente oprimidas especialmente a partir da segunda metade do século XX e movimentos de destaque mundial como a marcha dos sutiãs que ensejou uma revolução sexual nos anos 60, a luta dos afrodescendentes norte-americanos, a luta contra as ditaduras sul-americanas e europeias e, sobretudo, a falta de sensibilidade social dos aparelhos do Estado forçaram um novo posicionamento dos magistrados.

Segundo o Juiz catarinense e estudioso Lédio Rosa de Andrade (2009), no Brasil, nos anos 90 criou-se nos programas de pós-graduação de Universidades da região sul o movimento do direito alternativo, tendo como um dos cabeças o estudioso Antônio Carlos Wolkmer. Esse movimento instigou um novo posicionamento dos magistrados visando o caráter distributivo de justiça. Dividiu-se em três vertentes: o positivismo de combate, o uso alternativo do direito e o direito alternativo propriamente dito. O positivismo de combate seria uma nova postura do magistrado a de usar o legalismo do Estado contra ele mesmo. Ou seja, nessa vertente se propõe que os Juízes utilizem as leis postas para fazer com que o Estado cumpra sua função social. O uso alternativo do Direito se assemelha ao positivismo de combate, mas aqui há “ginástica hermenêutica” (como costuma dizer o ex-ministro do STF Cezar Peluso) dos textos normativos de modo a garantir a função social das leis, buscando favorecer os mais fracos dentro das relações jurídicas, sociais e econômicas. Por fim, o direito alternativo propriamente dito, ou direito achado na rua, identificado pelo português Roberto Boaventura em pesquisa realizada nas favelas do Rio de Janeiro no qual se viu novas regras e novos direitos totalmente alheios ao arcabouço jurídico institucionalizado.

  Destarte, a Jurisdição na Contemporaneidade está fortemente ligada ao caráter alternativo do direito e no reconhecimento de direitos em sua materialidade, bem como sua tutela, embora não sejam formalizados, expressos. Dessa forma fica ampliada a atividade, a função e o poder de jurisdição. Em particular é importante falar de uma questão recorrente na sociedade brasileira e que há pouco exemplificou o exercício da jurisdição atenta às questões sociais, a saber, o reconhecimento pelo STF da união estável homoafetiva (ADI 4277 e ADPF 132). Assim, passa-se a analisar esse direito, bem como o direito de ação, e como ele vem sendo tutelado.

 

2 O DIREITO A UNIÃO HOMOAFETIVA

 

Com o passar do tempo e a evolução da história consagram-se determinados valores culturais e tudo que vier a divergir do modelo do “igual” acaba por ganhar fama e rotulação de “anormal” perante a sociedade, criando assim um sistema de exclusões estigmatizantes. Essa visão petrificada não pode existir nos dias de hoje, em que se vive em uma sociedade plural e que o diferente passa a ser cada vez mais normal. (DIAS, Um novo direito: Direito Homoafetivo, p. 1).

Devido à evolução das sociedades e a implantação de novos direitos, a sexualidade se torna um direito fundamental que acompanha o homem desde os seus primórdios, pois decorre de sua própria condição humana.

Em tempos que se tem a dignidade da pessoa humana tão alta torna-se importante ressaltar que a sexualidade é um elemento integrante da própria natureza e abrange a dignidade humana.

Todos têm o direito de exigir respeito ao livre exercício da sua sexualidade.

Sem liberdade sexual, o indivíduo não se realiza, de tal maneira que ocorre quando lhe falta qualquer outra das chamadas liberdades ou direitos fundamentais.

Em relação ao Brasil como vivemos em um O Estado Democrático de Direito e temos como pressuposto o respeito à dignidade da pessoa humana, temos previsto na nossa regra maior da Constituição Federal é o respeito à dignidade humana, servindo de norte ao sistema jurídico nacional,tendo expresso no art. 1º,III, da Constituição. O compromisso do Estado é calcado nos princípios da igualdade e da liberdade, consagrados no preâmbulo da norma maior do ordenamento jurídico, ao conceder proteção a todos, vedar discriminação e preconceitos por motivo de origem, raça, sexo ou idade, assegurando o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (...) (DIAS, Um novo direito: Direito Homoafetivo. p 3). Como diria Konrad Hesse: o fundamento de igualdade jurídica deixa-se fixar, sem dificuldades, como postulado fundamental do estado de direito (Konrad Hesse, Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, p. 330.)

Mas a relação homossexual não vem de modo expresso na Constituição e nem na legislação infraconstitucional. A ausência de regulamentação impõe que as uniões homoafetivas sejam identificadas como entidades familiares no âmbito do Direito das Famílias.

A ausência de leis, o conservadorismo do Judiciário e preconceitos de ordem moral, não podem levar à omissão do Estado e nem servir de justificativa para negar direitos aos relacionamentos afetivos que não têm a diferença de sexo (DIAS, Um novo direito: Direito Homoafetivo. p.4). É absolutamente preconceituoso afastar a possibilidade de reconhecimento das uniões homossexuais. São relacionamentos que surgem de um vínculo afetivo, geram o enlaçamento de vidas com desdobramentos de caráter pessoal e patrimonial, estando a reclamar inserção no âmbito jurídico (DIAS, Um novo direito: Direito Homoafetivo p. 4). Para sua configuração, devem ser observados os mesmos requisitos legais que constituem a união estável (CC, art. 1.723). Porém, em razão da especificidade dessas relações, descabe exigir a mesma publicidade da convivência dos casais heterossexuais,para evitar uma nova descriminação.(DIAS, Um novo direito: Direito Homoafetivo. p. 4)

As questões que dizem com a sexualidade sempre foram – e ainda são– cercadas de mitos e tabus. Os chamados “desvios sexuais”, tidos como afronta à moral e aos bons costumes, permanecem alvo da mais profunda rejeição. Ainda que a sociedade não aceite as uniões homoafetivas sem conflitos e persistam objeções morais, admoestações religiosas e posturas discriminatórias, fechar os olhos não faz desaparecer a realidade. Esse conservadorismo preconceituoso acaba por inibir o legislador que se nega a aprovar leis sobre temas que fogem dos padrões sexistas dominantes, o que fomenta a discriminação e dá ensejo a enormes injustiças. Mesmo não sendo do agrado de muitos, os juízes não podem mais cerrar os olhos e simplesmente ignorar a existência das uniões homoafetivas. (DIAS, A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DAS UNIÕES HOMOAFETIVAS. p. 8)

Apesar da omissão legislativa, os homossexuais cada vez mais buscam espaço e respeito na incessante busca da felicidade. Começaram a se afirmar enquanto sujeitos, rechaçando os modelos divinos ou de protótipos pré-fabricados pela sociedade – aos quais nunca se encaixaram. (DIAS, A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DAS UNIÕES HOMOAFETIVAS. p. 8)

A sorte é que a jurisprudência vem avançando em vários aspectos e decisões corajosas cumprem a função renovadora do Poder Judiciário. Com o avanço da visibilidade dos homossexuais, já foi deferida inclusive indenização por danos morais e materiais a vítima do preconceito.

A Constituição Federal – chamada Constituição Cidadã –, proclama a existência de um Estado Democrático de Direito. O núcleo do atual sistema jurídico é o respeito à dignidade humana, atentando aos princípios da liberdade e da igualdade. A proibição da discriminação sexual, eleita como cânone fundamental, alcança a vedação à discriminação da homossexualidade, pois diz com a conduta afetiva da pessoa e o direito de opção sexual. (DIAS, A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DAS UNIÕES HOMOAFETIVAS. p. 9)

O sistema jurídico assegura tratamento isonômico e proteção igualitária a todos os cidadãos. O legislador teme na hora de assegurar direitos às minorias excluídas do poder. Em razão da omissão da lei dificulta e quase extingui o reconhecimento desses direitos, na maioria das vezes quando as situações que se afastam de determinados padrões convencionais, o que faz crescer a responsabilidade do Poder Judiciário.

Preconceitos e posições pessoais não podem (ou não devem) levar o juiz a fazer da sentença um meio de punir comportamentos que se afastam dos padrões que ele aceita como normais. Igualmente não cabe invocar o silêncio da lei para negar direitos àqueles que escolheram viver fora do padrão imposto pela moral conservadora, mas que não agridem a ordem social.

 

2.1 O direito de ação

 

O direito de ação garante a qualquer pessoa, sendo ela natural ou jurídica que sinta ameaçada ou tiver lesado direito seu, pode e deve recorrer ao Poder Judiciário para assim obter o termino dessa ameaça ou a restituição ao estado que estava antes e, se de alguma forma ficar impossibilitado esta hipótese, tem que ser prestado assistência judicial garantindo-lhe a reparação quanto ao prejuízo suportado.

Esse direito fica previsto na constituição em seu art.5º , CF/88, in verbis, dispõe que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, também denominado de princípio da inafastabilidade da jurisdição, ou ainda de princípio do livre acesso ao Judiciário, deve ser interpretado de maneira cuidadosa, pois este preceito constitucional visa impedir que através de qualquer norma legal o legislador venha a impedir que o Poder Judiciário fique impedido de analisar determinadas matérias (Pedro Lenza. Direito Constitucional. 2005, p 490.) PedroDireito Constitucional Esquematizado. ... Constituição Federal Anotada. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva,. 2008, p490. ... 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2005

Teoria clássica: a teoria clássica afirma que o direito de ação é um elemento do direito material,a respeito disso GRECO FILHO diz : “ser a ação um elemento do direito material, ou seja, o próprio direito material em exercício, confundindo-a, portanto, com a exigibilidade do direito”. (GRECO FILHO, Vicente; Direito Processual Civil Brasileiro, volume 1, 19ª edição, 2006, editora Saraiva, pg 76)

Teoria de Chiovenda: para chiovenda o direito de ação só é exercido quando havia uma sentença de mérito favorável,a respeito dessa teoria GRECP FILHO  afirma que:

“Para Chiovenda a ação é mais que um direito, é um poder de obter do estado uma decisão favorável.  Tal dependência em relação ao direito material levou à denominação da teoria da ação como teoria da ação como direito autônomo concreto” (GRECO FILHO, Vicente; Direito Processual Civil Brasileiro, volume 1, 19ª edição, 2006, editora Saraiva, pg 76)

O conceito de Chiovenda não evoluiu, pois com o tempo nota-se que o direito de ação não se condiciona a sentença desfavorável ou se o pedido é procedente, pois no direito para se obter uma sentença é questão de mérito.

A ação fica sujeita a condições sendo estas a (a) possibilidade jurídica, (b)interesse de agir, (c)legitimação ad causam.

(a)Possibilidade jurídica:  é a capacidade de um pedido, em tese, ser recebido como procedente. Se, em tese, o pedido é procedente, fica satisfeita a primeira condição da ação

(b)Interesse de agir:  é analisado pela reunião de dois argumentos: se o processo vai ter utilidade e se ele se faz necessário. A utilidade a utilidade pode ser demonstrada a partir do momento que se mostra haver beneficio e a necessidade do processo se mostra quando só é possível atingir o beneficio pela via judicial.

(c)legitimação ad causam.  É a legitimidade para agir, é o fato do poder judiciário conduzir o processo para solucionar o conflito determinado. A legitimidade ainda pode ser divida em 4, podendo ser exclusiva (atribuída a um único sujeito), concorrente (atribuída a mais de um sujeito), ordinária (o legitimado discute direito próprio) e extraordinária (o legitimado, em nome próprio, discute direito alheio).

 

2.2 A tutela do direito à união homoafetiva

 

Como foi dito, o direito à união homoafetiva vem sendo acolhido em sua materialidade, embora não haja dispositivo legal nesse grau de especialidade. Nesse sentido seguem algumas jurisprudências colhidas no site de Maria Berenice Dias que demonstram uma nova postura dos magistrados, postura de inclusão e de quebra de preconceitos:

Como o Tribunal Superior Eleitoral já proclamou a inelegibilidade (CF, art. 14, §7.º) nas uniões homossexuais, está reconhecido que a união entre duas pessoas do mesmo sexo é uma entidade familiar, tanto que sujeita à vedação que só existe no âmbito das relações familiares. Ora, se estão sendo impostos ônus aos vínculos homoafetivos, faz-se mister que sejam assegurados também todos os direitos e garantias a essas uniões no âmbito do Direito das Famílias e do Direito Sucessório.

Em 2006, por decisão unânime, o TJ/RS reconheceu o direito à adoção a um casal formado por pessoas do mesmo sexo. Os filhos haviam sido adotados por uma das parceiras, vindo a outra a pleitear a adoção em juízo.

 

Santa Catarina - Apelação cível. Ação declaratória de união estável homoafetiva c/c inventário. Demanda extinta sem exame do mérito, com fulcro no art. 267, VI, do CPC. Pedido juridicamente possível. Ausência de vedação legal à pretensão do autor. Constitucionalidade recentemente confirmada pelo STF. Clara ofensa aos princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana. Sentença cassada. Retorno dos autos à origem para a devida instrução. Recurso provido. O Supremo Tribunal Federal. Apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios essenciais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade). Reconhece assistir, a qualquer pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, atribuindo-lhe, em conseqüência, verdadeiro estatuto de cidadania, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do direito, notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares. (...) a família resultante da união homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe os mesmos direitos, prerrogativas, benefícios e obrigações que se mostrem acessíveis a parceiros de sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas. (ministro Celso de Mello, STF). (TJSC, AC 2008.029815-9, 2ª C. Dir. Civ., Rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, j. 01/09/2011)

Minas Gerais - Reexame necessário. Apelação. Mandado de segurança. Ipsemg. Inclusão de dependente do segurado. Relação homoafetiva. A Constituição Federal não atua apenas como fundamento de validade das normas inferiores, mas como vetor de interpretação. A regra de conduta extraída dos enunciados normativos, portanto, deve ser adequada aos princípios constitucionais.O inciso I do artigo 4º da Lei Complementar n.º 64/2002 deve ser interpretado de modo a permitir a máxima eficácia do princípio da igualdade. Não é possível ignorar a situação de fato - notória e ampla existência de relações homoafetivas na sociedade contemporânea - e condenar os sujeitos de tais relações a uma situação jurídica manifestamente prejudicial simplesmente em razão da opção sexual assumida.Nas ações de estado, a sentença tem eficácia erga omnes e, por isso, não pode a Administração deixar de reconhecer a equiparação judicial havida entre o relacionamento homoafetivo do impetrante e a união estável.Sentença confirmada, em reexame necessário, prejudicado o recurso de apelação. (TJMG, Reex. Nec. 1.0024.08.256048-3/001. Rel. Desa. Albergaria Costa, j. 23/07/2009). Acórdão

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pois bem o trabalho buscou um apanhado de como evoluiu a prestação jurisdicional desde sua criação, passando pela influência positivista que prevaleceu até bem pouco tempo, muito embora seja possível encontrar magistrados com essa postura de ser mero aplicador, operador do direito, até a jurisdição na contemporaneidade com o surgimento de movimentos como o do direito alternativo. Cada vez mais se observa que direito e sociedade andam juntos e que o primeiro nunca deve ser usado como mero instrumento de controle social, mas especialmente como instrumento de mudança da sociedade.

O reconhecimento de direitos e a prestação jurisdicional efetiva na garantia deles é uma evolução sem receios de se falar em insegurança jurídica por buscar a resolução dos problemas sopesando a questão social. De fato, em um país tão desigual como o Brasil não é possível falar em igualdade perante a lei.

Assim como os homoafetivos existem muitas outras “minorias” que buscam proteção do Estado, como negros, mulheres, idosos, portadores de necessidades especiais. Todos querendo gozar de prerrogativas merecidas para se chegar ao patamar de igualdade. Nesse sentido o Poder Judiciário tem, nos útimos tempos exercido papel fundamental na garantia dessas prerrogativas. Há um longo caminho a ser percorrido até se chegar ao ideal criado pelo Liberalismo.

 

REFERÊNCIAS

 

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CINTRA, Antônio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. 9 ª ed. rev. atual. 2ª tiragem, Editora Malheiros, São Paulo, 1993;

DIAS, Maria Berenice. A constitucionalização das uniões homoafetivas. Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br/pt/homoafetividade.dept. Acesso em: 20/09/2012

DIAS, Maria Berenice. Um novo direito: Direito Homoafetivo. Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br/pt/homoafetividade.dept. Acesso em: 20/09/2012

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. volume 1, 19ª edição, editora Saraiva, 2006;

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 3ª ed. rev. da tradução – São Paulo: editora revista do tribunais, 2003;

LENZA, Pedro . Direito Constitucional. São Paulo, Editora Saraiva, 2005;

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 2ª ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007;

 

SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005;

 

STF. Supremo reconhece união homoafetiva .Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931; acesso em: 15/11/2012;

 

 

HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. [???]