A IRREDUTIBILIDADE DA HIPOTECA

 

Ivan Fernandez Baqueiro Perrucho.

 

 

 

RESUMO

Este trabalho tem o escopo de apontar o regramento legal do direito real de garantia conhecido como hipotecas, sua importante função na instrumentalização de operações financeiras e os mecanismos judiciais corretos para observar a proporção entre o saldo devedor e o valor da coisa, sem atentar contra a estrita legalidade.

PALAVRAS-CHAVE:HIPOTECA.IRREDUTIBILIDADE.PROPORCIONALIDADE. DÍVIDA

ABSTRACT

This work has the scope to point out the legal rules of the real law known as mortgage collateral, its important role in the exploitation of financial transactions and the correct legal mechanisms to observe the ratio between the outstanding balance and the value of the thing, without undermining the strict legality.

 

KEYWORDS: MORTGAGE. IRREDUCIBILITY. PROPORTIONALITY. DEBT

1. INTRODUÇÃO

O regramento legal do Direito Real de Garantia denominado hipoteca, não deve ser desprezado pelo Poder Judiciário quando devedores almejarem reduzir a segurança ofertada a instituições financeiras, como condição para acesso a crédito, ao argumento do excesso de garantia, pois além de representar um fundamento sem substancia, por observar um momento isolado da relação, desvirtuando a relação bilateral, ainda atenta contra a literalidade da lei.

2. A HIPOTECA

Primordial benefício perseguido por Instituições Financeiras, quando celebram operações de crédito garantidas por hipotecas, objetivando sempre minorar riscos, é o caráter evolutivo da segurança avençada, posto ser possível calcular por inferências estatísticas os índices de valorização da coisa, fomentados pelo capital emprestado, aumentado às respectivas margens de recuperação, percentuais que o tempo corrói.

A caracterísca da evolutividade é atribuída à hipoteca por dispositivo legal presente no novo Código Civil, art. 1.474, cuja clareza solar de sua redação não permite o resplandecer de dúvidas, estando abrangidas acessões, melhoramentos ou construções sobre o imóvel, consoante se observa da transcrição a seguir, e.g:

“Art. 1.474. A hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel. Subsistem os ônus reais constituídos e registrados, anteriormente à hipoteca, sobre o mesmo imóvel.”

 

É da própria natureza da garantia ofertada pelo devedor a apropriação à segurança da operação alinhavada do incremento ressentido pelo bem imóvel em razão de construções e acessões erguidas sobre a coisa, conhecido por principio da indivisibilidade da hipoteca.

Neste mesmo sentido trilhou o art. 1.421 do CC, v.g:

“Art. 1.421. O pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título ou na quitação.”

 

O mencionado entendimento encontra refúgio na sedimentada jurisprudência pátria, consoante se observa dos trechos transcritos abaixo, in verbis:

“REDUÇÃO da GARANTIA HIPOTECÁRIA - Princípio da indivisibilidade - Artigo 1.421 - Em sendo indivisível a hipoteca, não há que se falar em redução da garantia - Vínculo real que não admite divisão, a não ser com a concordância do credor hipotecário, inexistente nos autos - Sentença mantida. Recurso não provido. (APL 9083038782005826 SP 9083038-78.2005.8.26.0000; 24/10/2011)”

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - CÉDULAS RURAIS HIPOTECÁRIAS - EXCESSO DE PENHORA - PEDIDO DE REDUÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - INDIVISIBILIDADE DA HIPOTECA (ART. 1419 DO CC/02) - IMÓVEL QUE FOI OFERECIDO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA DE OUTRAS DÍVIDAS - PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE - DECISÃO CORRETA.

1. A indivisibilidade da hipoteca prevista no art. 1419 recomenda que, de regra, a penhora e subsequente adjudicação/alienação recaia sobre a totalidade do bem oferecido em garantia hipotecária, notadamente nos casos em que, a exemplo do presente, o bem penhorado também foi oferecido em garantia de outras dívidas, inclusive de terceiros.Precedentes.

2. Situação diversa seria se o crédito hipotecário exequendo fosse o único a gravar o bem em questão, caso em que excepcionalmente se poderia cogitar da redução da penhora, ainda que indivisível a hipoteca, vez que, nessa hipótese, não haveria qualquer prejuízo ao credor hipotecário. Afinal, a despeito da extinção da garantia com a arrematação, este satisfaria a integralidade do seu crédito, sem que, para tanto, fosse necessário onerar demasiadamente os devedores com a alienação da totalidade do imóvel, atendendo à previsão do art. 620  do CPC.RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (9624453 PR 962445-3 (Acórdão); DJ: 1040 17/02/2013)”

 

Observa-se da análise perfunctória do excerto jurisprudencial colacionado alhures, que os Tribunais reafirmam a regra da indivisibilidade da hipoteca, respeitando o primado da legalidade, permitindo, contudo, dentro do processo de execução, assim como em sede de Ação Constitutiva Negativa com requisitos próprios e com previsão normativa expressa, embargos à execução, a alegação de excesso de penhora, mantendo-se incólume a garantia ofertada, levando à hasta pública somente parte do bem gravado pelo aludido direito real de garantia, satisfazendo desta forma o credor e não onerando demasiadamente o devedor.

Desta maneira, deveriam os devedores arguir, no momento oportuno e através da via processual adequada, o excesso de penhora, por meio de embargos a execução, postulando não a redução da garantia hipotecária, posto contra legem, todavia a redução da penhora, que incidiria, in casu, em parte da coisa, percentual que seria levado à excussão, preservando hígido o Ordenamento Jurídico, os legítimos interesses do credor, além de não onerar demasiadamente os devedores.

Vale ressaltar que a execução deve se processar sempre no interesse do credor, ainda que pelo modo menos gravoso ao executado/devedor, respondendo este com todos os bens presentes e futuros, integrantes de seu patrimônio para o cumprimento de suas obrigações.

“Art. 620 - Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.”

Desta forma, ainda que intentem os executados exonerar suas respectivas responsabilidades patrimoniais tornando recôndito patrimônio, o MM. Juízo atento aos legítimos interesses do credor e forte nos dispositivos legais pertinentes, e corrente jurisprudencial torrente deve promover diligências que almejem satisfazer as pretensões da exeqüente.

Devem, portanto, os Juízos que processam execuções de títulos de crédito bancário, aplicar a técnica de ponderação de interesses para a resolução do conflito aparente de princípios processuais, não tornando hegemônico o interesse de devedor renitente, utilizando-se para tanto do principio da menor onerosidade, em detrimento dos legítimos direitos da credora, parte contratual que sempre cumpriu com as obrigações avençadas, sucumbindo, por conseguinte, os angulares preceitos do desfecho único e de que a execução deve se processar no interesse do credor.

Os Tribunais Pátrios vêm consolidando Jurisprudência neste sentido, conforme se comprova com os fragmentos adiante transcritos, in verbis:

"DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO - NOMEAÇÃO À PENHORA - RECUSA - PENHORA EM QUANTIA DE CONTA BANCÁRIA - ADMISSIBILIDADE - PRINCÍPIOS DA MENOR ONEROSIDADE E DA SATISFAÇÃO DO INTERESSE DO CREDOR - AGRAVO DESPROVIDO. A nomeação de bens à penhora não constitui direito absoluto do executado e pode ser recusada motivadamente pelo credor. Admissível a penhora de valor depositado em conta bancária em valor correspondente ao do cheque executado, pois o princípio da menor onerosidade deve ser interpretado em harmonia com o objetivo da satisfação do crédito porque a execução se realiza no interesse do credor. A conciliação desses princípios contrapostos deve sempre ser observada quando da aplicação dos artigos 655 , 656 e 620 , do Código de Processo Civil . (TJ-PR - Agravo de Instrumento AI 1916421 PR Agravo de Instrumento 0191642-1 (TJ-PR))”

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL - CONTRATO FIRMADO POR INSTRUMENTO PARTICULAR E SUBSCRITO POR DUAS TESTEMUNHAS - ART. 585 , II , CPC -EXECUTORIEDADE DO TÍTULO APRESENTADO -POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA POR FIANÇA BANCÁRIA - EXEGESE DO ART. 656 , § 2º , DO CPC - MEDIDA QUE CONCILIA O PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE AO EXECUTADO COM A NECESSIDADE DE SATISFAÇÃO DO INTERESSE DO CREDOR - INEXISTÊNCIA DE ÓBICE À SUBSTITUIÇÃO NOS CASOS DE CONSTRIÇÃO SOBRE DINHEIRO - FACULDADE EXPRESSA NA LEI,QUE NÃO AFRONTA A ORDEM LEGAL DE INDICAÇÃO DOS BENS À PENHORA -MANUTENÇÃO DA LIQUIDEZ DA GARANTIA, SEM PREJUÍZO AO CREDOR - FIANÇA PRESTADA POR INSTITUIÇÃO FINANCEIRA IDÔNEA E SÓLIDA, POR PRAZO INDETERMINADO - VALOR SUFICIENTE À GARANTIA DO DÉBITO, EM OBSERVÂNCIA AO ART. 656 , § 2º , DO CPC - DECISÃO CONFIRMADA, PARA DEFERIR A SUBSTITUIÇÃO E POSTERIORMENTE PERMITIR O LEVANTAMENTO DO NUMERÁRIO ANTERIORMENTE CONSTRITO - REVOGAÇÃO DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA RECURSAL. Recurso desprovido, com observação...(TJ-SP - Agravo de Instrumento AI 990104098483 SP (TJ-SP))”

 

No mesmo sentido vem decidindo a Casa da Cidadania.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL.PENHORA ON-LINE. ADMISSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 620 DO CPC . OFENSA AO PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE NÃOCARACTERIZADA. NOMEAÇÃO DE PRECATÓRIO À PENHORA. RECUSA PELA FAZENDAPÚBLICA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. - A Corte Especial já decidiu que, após o advento da Lei n. 11.382 /2006, o juiz, ao decidir sobre a realização da penhoraon-line, não pode mais exigir do credor prova de exaurimento dasvias extrajudiciais na busca de bens a serem penhorados. - A constrição realizada pelo sistema Bacen-Jud não ofende oprincípio da menor onerosidade, uma vez que o processo de execuçãotem como principal objetivo a satisfação do credor. - O precatório não se equipara a dinheiro ou a fiança bancária, masa direito de crédito, podendo a Fazenda Pública recusar a indicaçãoou a substituição do bem por quaisquer das causas previstas nosarts. 656 do CPC , 11 e 15 da Lei de Execução Fiscal . - Na linha da jurisprudência desta Corte, a Fazenda Pública não éobrigada a aceitar bens nomeados à penhora fora da ordem legalinserta no art. 11 da Lei de Execução Fiscal , uma vez que, nãoobstante o princípio da menor onerosidade ao devedor, a execução éfeita no interesse do credor, como dispõe o art. 612 do Código deProcesso Civil.Agravo regimental improvido. (STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL AgRg no AREsp 94648 RS 2011/0236772-0 (STJ))”

 

Não se admite, da mesma forma, o argumento de que o art. 1.488 do Código Civil de 2002 excepcionou a regra geral de indivisibilidade da hipoteca, pois os pressupostos necessários, de observância obrigatória, números clausus e de interpretação restritiva justamente pelo fato de configurar exceção, não estariam atendidos, pois a coisa que garante operações bancárias, sub ocullis, não está sendo repartida para a constituição de loteamento ou de condomínio edilício, na forma expressamente disciplinada pelo dispositivo legal, verbi gratia:

Art. 1.488. Se o imóvel, dado em garantia hipotecária, vier a ser loteado, ou se nele se constituir condomínio edilício, poderá o ônus ser dividido, gravando cada lote ou unidade autônoma, se o requererem ao juiz o credor, o devedor ou os donos, obedecida a proporção entre o valor de cada um deles e o crédito.

§ 1º O credor só poderá se opor ao pedido de desmembramento do ônus, provando que o mesmo importa em diminuição de sua garantia.

§ 2º Salvo convenção em contrário, todas as despesas judiciais ou extrajudiciais necessárias ao desmembramento do ônus correm por conta de quem o requerer.

§ 3º O desmembramento do ônus não exonera o devedor originário da responsabilidade a que se refere o art. 1.430, salvo anuência do credor.”

 

Ademais, o parágrafo primeiro do comando susoalinhado ostensivamente prevê a possibilidade de oposição do credor ao processamento de divisão da hipoteca, caso a operação importe em redução da garantia, condição normalmente alcançada quando o Poder Judiciário reduz garantias ofertadas para a consecução de operações bancária, por diversos fatores, que variam desde a demora na recuperação judicial de créditos, até a pressão inflacionária que infla os indexadores de correção dos títulos de crédito e contratos celebrados com Instituições Financeiras.

Curial, por derradeiro, chamar a atenção para importante entendimento sedimentado pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça, através do qual resta patente a intolerância da Casa Superior à construção contra legem de divisão do Direito Real de Garantia, assentindo somente com a possibilidade de trocar a coisa hipotecada, desde que ouvido previamente o credor e guardando a res, sobre a qual passará a incidir o gravame, a liquidez necessária a fazer frente ao saldo devedor.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 de janeiro de 1973;

BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002;

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação APL 9083038782005826SP9083038-78.2005.8.26.0000. Disponível em:<http://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20687133/apelacao-apl-9083038782005826-sp3038-7820058260000-tjsp>. Acesso em: 03 jul. 2014.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Ação Civil de Improbidade Administrativa 9624453PR962445-3. Disponível em:< http://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23740441/acao-civil-de-improbidade-administrativa-9624453-pr-962445-3-acordao-tjpr>. Acesso em: 03 jul. 2014.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Agravo de Instrumento AI 1916421 PR01916421.Disponívelem:<http://tjpr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6440811/agravo-de-instrumento-ai-1916421-pr-0191642-1>. Acesso em: 03 jul. 2014.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento AI 990104098483SP.Disponívelem:<http://tjsp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/17671766/agravo-de-instrumento-ai-990104098483-sp>. Acesso em: 03 jul. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental AgRg no AREsp 94648 RS 2011/02367720.Disponívelem:<http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22194258/agravo-regimental-no-agravo-em-recurso-especial-agrg-no-aresp-94648-rs-2011-0236772-0-stj>. Acesso em: 03 jul. 2014.